Análise de Discurso: O Líder em Contexto Estratégico de Liderança - Liderança Missionária e Liderança Transformacional: Discurso de Li Keqiang na sede da União Africana

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O Líder em Contexto Estratégico de Liderança Liderança Missionária e Liderança Transformacional: Discurso de Li Keqiang na sede da União Africana

Sofia Dias Ramos Mestrado: Estratégia Unidade Curricular: Liderança Estratégica Docente: Professor Associado Miguel Pereira Lopes

Lisboa 29 de Janeiro de 2015

Índice

Capa

p. 1

Índice

p. 2

1. Introdução

p. 3

2. Contextualização: Cooperação China-África

p. 4

3. Liderança Estratégica

p. 6

4. A Liderança Missionária

p. 8

5. A Liderança Transformacional

p. 9

6. Discurso de Li Keqiang na Sede da União Africana

p. 10

7. Conclusão

p. 13

8. Bibliografia

p. 16

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1. Introdução

Num mundo globalizado, cada vez mais complexo e dinâmico, é indispensável que as organizações, as empresas e os Estados se apresentem capazes de lidar com processos e cenários como a internacionalização, a interdependência, a competição ao nível estratégico e os sinais de transformação das dinâmicas das Relações Internacionais, como a velocidade, o ritmo, a escala e a concorrência na disputa por recursos, influência e vantagens competitivas geradoras do sucesso desejado relativamente a objectivos pretendidos e fixados. Tudo isto impele, por sua vez, à necessidade da existência de Liderança Estratégica, um conceito muitas vezes amplo e quase sempre difícil de conceptualizar de modo definitivo mas cada vez mais importante na temática do sucesso político-estatal ou empresarial na projecção bem-sucedida das organizações no ambiente internacional. Deste modo, os objectivos principais que o presente artigo pretende concretizar são abordar a importância da Estratégia, “encompassing direction-setting, broad aggregated agendas, a perspective to view the future and a template against which to evaluate current activities” (Davies & Davies, 2004, p. 30), no âmbito da temática da Liderança, um exercício em que “um indivíduo influencia todo um grupo para o alcance de um objectivo comum” (Palma & Lopes, 2011, p. 2); identificar e definir quais os atributos que conferem a um indivíduo ou conjunto de indivíduos as capacidades de liderança necessárias num contexto e estudo de caso específicos; e, com base na concertação entre o elemento estratégico e o exercício da liderança, abordar duas Teorias da Liderança que consideramos serem as mais pertinentes para o estudo de caso escolhido e enquadrar os seus pressupostos teóricos, isto é, as caracterísitcas e factores essenciais ao exercício de liderança com sucesso e que fundamentam o delineamento de acções estratégicas coordenadas para a eficácia da liderança, no plano prático desse mesmo estudo de caso, onde se produz a concretização das acções. Feito isto, verificaremos e tentaremos comprovar a existência de interacção entre os atributos e o contexto em que ocorre o exercício de liderança no nosso estudo de caso e aferir se esse exercício de liderança pode ser qualificado como bom ou como mau. Posto isto, com este artigo pretendemos enquadrar a questão da natureza e tipologia dos objectivos contidos no apoio ao desenvolvimento por parte da República Popular da China (RPC) a África nas premissas das Teorias da Liderança Missionária, em que os líderes são eficazes quando definem uma missão à qual os liderados aderem, e da Liderança

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Transformacional, em que os líderes são capazes de mudar o comportamento dos liderados por meio de um conjunto de ideais influentes, do estímulo e da atenção individual às necessidades e ambições de cada um e da motivação em prol da acção para além das capacidades próprias, transformando-as para atingir o que é pretendido. A primeira no contexto de uma missão instrumental da política externa chinesa com a penetração dos seus interesses no continente africano em prol do seu desenvolvimento e progresso económico a nível interno e a segunda no contexto dos efeitos do magnetismo chinês nas elites políticas dos países africanos para atraí-los e obter o ambicionado. Para tal, analisaremos um discurso do actual Primeiro-Ministro chinês, Li Keqiang, na sede da União Africana (UA), para assim aferir, nesse mesmo discurso, a existência e os impactos daquelas que consideramos, neste contexto, serem as dimensões essenciais para uma liderança eficiente e bem-sucedida: uma estratégia que traduza a missão enunciada pelo líder como referencial mobilizador dos liderados em torno de um propósito e de uma tarefa e o vínculo criado entre o líder e os liderados como catalisador da união em torno do propósito e da tarefa e em prol de uma evolução conjunta e por isso mais completa. É desta sinergia que resultará, posteriormente, a caracterização da liderança chinesa no que diz respeito ao que tem vindo a ser, desde meados dos anos 1990, a incursão em da RPC com a África.

2. Contextualização: Cooperação China-África

No final dos anos 1990 do século XX, devido à cada vez mais elevada industrialização e desenvolvimento económico, a RPC deixou de ser auto-suficiente em termos de recursos, dado que, logo em 1992, “tinha passado de exportadora a importadora de petróleo e que a obtenção de matérias-primas (de que o continente africano dispoõe em abundância) passou a ser a grande prioridade da política externa chinesa” (Cunha, 2012, p. 340). A China viu-se obrigada a procurar no exterior os recursos tão essenciais à estabilidade interna e à sobrevivência do Partido Comunista Chinês (PCC) e de um dos regimes mais singulares do mundo. Assim sendo, tem vindo a intensificar a sua ascensão internacional e projecção geopolítica por meio de uma política externa cada vez mais sofisticada, assertiva e confiante. Um dos pólos nos quais exerce a sua influência através de avultados investimentos e projectos de apoio ao desenvolvimento em troca do acesso aos recursos de que necessita é o continente

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africano. Nesta lógica, é imprescindível que a China, pela mão da sua elite política, assuma uma função de liderança estratégica adequada ao processo que pretende implementar. Durante décadas, a África viu-se marginalizada pelos países mais desenvolvidos, dado o rasto de instabilidade política e de graves crises económicas e sociais que o fim do período da colonização moderna deixou nos recém-independentes Estados africanos. Porém, a situação começou a reverter-se e “under the leadership of the African Union and its efforts to promote African economic integration” (Giroux, 2008, p. 1), em virtude da estabilidade política e segurança já alcançadas, “the relevance of Africa in the strategic calculations of external powers has notably increased” (Giroux, 2008, p. 1) desde o início do século XXI. Para reforçar o investimento na região e para liderar a competição estratégica, na medida em que se estabeleceu e por isso os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia (UE) e as instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM) voltaram a envolver-se, a China “colocou em campo um ambicioso plano geoestratégico para a África” (Cunha, 2012, p. 337) que apanhou desprevenidos todos os centros de poder e doadores tradicionais. Em 2000, criou o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC, sigla em inglês), “a vehicle to conceptualise, strategise and project Chinese foreign policy interests toward Africa” (Davies et. al, 2008, p. 9), e em 2006 o governo publicou um White Paper designado “China’s African Policy”, documento que foi “the first of its kind in China’s diplomatic history with Africa” (Ashan, 2007, p. 69). O projecto de cooperação que emergiu e que tem vindo a intensificar-se cada vez mais entre a RPC e o continente africano é uma parceria estratégica na accepção pura do termo e está a provocar abalos no sistema geopolítico mundial. Os objectivos instrumentais da política externa chinesa passam, portanto, pelo acesso a recursos energéticos e minerais essenciais ao desenvolvimento nacional e prosperidade interna. Por seu lado, a complexidade da realidade africana, pelas questões culturais e étnicas características da região e pelas questões relacionadas com o subdesenvolvimento crónico generalizado, tudo isto com consequências económicas, sociais e políticas, faz desta uma região sedenta de instrumentos e meios, sem quaisquer

condicionalismos

políticos,

para a

verdadeira

independência

face

aos

financiamentos tradicionais vindos do exterior. A China, de momento um país ávido das riquezas existentes em África, dado o patente problema mundial de escassez de recursos na lógica de uma erosão da oferta e de uma ávida

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procura, e de momento o único polo capaz de fornecer o apoio conveniente e desejado pelos países africanos, necessita, através da sua elite governante, na aproximação e presença em África, de difundir uma missão e de fazer os países africanos interpretar e acreditar na realidade contida nessa missão com base em crenças, valores e ideologia arrojados, sem mecanismos de controlo ou de responsabilização.

3. Liderança Estratégica De forma genérica, podemos afirmar que os líderes são “os principais responsáveis por motivar as pessoas a canalizar todo o seu know how, as suas experiências e as suas competências na realização do seu trabalho, tornando possível o alcance dos objectivos globais” (Palma & Lopes, 2011, p. 2) da organização que lideram. O mais importante papel do líder consiste na sua actuação em contexto estratégico de liderança, liderança que por sua vez “constitui um dos mais importantes factores críticos de êxito” (Palma & Lopes, 2011, p. 2). O líder, no exercício de uma liderança estratégica deve, assim, apresentar a definição de uma visão de futuro e consolidada para ser exequível, adequada e aceitável a longo-prazo e uma estratégia para atingir isso mesmo. Através de uma abordagem qualitativa aos dois tipos de liderança já enunciados, pretendemos perceber de que forma a transmissão por Li Keqiang, através do seu discurso, de uma missão, em primeiro lugar chinesa de apoio à emancipação africana para a obtenção de matérias-primas vitais ao desenvolvimento interno chinês e em segundo lugar de uma parceria sino-africana para o desenvolvimento dos Países em Vias de Desenvolvimento (PVD’s), e da ligação que foi criada, e que progressivamente tem vindo a mostrar-se cada vez mais forte e consolidada, contribuem para o sucesso da extracção das melhores capacidades de ambas as partes em prol da concretização dos seus naturais objectivos instrumentais de retorno: o acesso a recursos vitais para o desenvolvimento e manutenção do progresso económico chinês e os meios necessários para o fim da dependência externa e do subdesenvolvimento crónico e para o desenvolvimento sustentável e consolidado a longo-prazo dos países africanos. Assim, antes de nos focarmos na missão e no vínculo é primeiro necessário um enfoque na influência da Estratégia nos contextos e exercícios de liderança, resultante disto que um líder é aquele que tem e apresenta aos liderados uma missão e que estabelece o vínculo necessário com os liderados para a melhor inclusão dos mesmos mas que tem também

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uma visão estratégica, agindo segundo uma lógica de funcionamento “vencedores-vencidos”; uma noção de importância estratégica, resultante da necessidade de focalização em decisões e objectivos prioritários; e com maior compreensão e reacção às mudanças ocorridas em ambiente de competição estratégica, dada a estrutura de pensamento estratégico existente aquando da projecção externa de uma organização, seja ela um Estado ou uma empresa. Na senda do Professor António Silva Ribeiro, e tendo em conta a necessidade de articulação entre um exercício de liderança e a formulação e implementação de uma estratégia, a Estratégia é “uma actividade criativa assente em bases científicas” (Ribeiro, 2010, p. 29) destinada a “edificar, dispor e empregar meios de coação num dado meio e tempo, para se materializarem objectivos fixados pela política” (Ribeiro, 2010, p. 22) de modo a superar problemas e explorar eventualidades em ambiente de desacordo e, no nosso estudo de caso, de disputa estratégica por recursos e matérias-primas em escassez. Por sua vez, os líderes estratégicos são os indivíduos “capazes de desempenhar as funções de líder estratégico, de praticante estratégico e de teórico estratégico” (Ribeiro, 2010, p. 30) na medida em que têm os atributos de concepção, coordenação e prática estratégica, e são, por isso, indivíduos capazes de “pensar holisticamentee pensar normativamente” (p. 30). 7

No estudo de caso escolhido podemos identificar uma relação tridimensional, em que a RPC surge como o líder, sendo o Estado mais capacitado e avançado que implementa progressivamente uma estratégia de mimetização do modelo de desenvolvimento chinês nos Estados africanos, em que os Estados africanos surgem como um grupo de liderados muito particular, na medida em que também intervêm no processo de tomada de decisão e de implementação de práticas de apoio ao desenvolvimento nos territórios dos seus países, algo que a China permite e advoga que seja de acordo com aquilo que os nacionais de cada Estado consideram as necessidades mais urgentes para a prossecução dos seus interesses nacionais, e em que a visão propagada surge como uma missão baseada num vínculo constituído por iniciativas conjuntas e simultâneas de ambas as partes. Tendo definido a Estratégia como sendo um elemento basilar e tendo um papel fundamental no exercício da liderança, importa agora clarificar cada um dos estilos de liderança subsequentes, que consideramos que compõem a presença chinesa no continente africano e que caracterizam as suas relações com os Estados dessa região, ambos fundamentais para a eficácia da liderança e para a concretização dos objectivos pretendidos.

4. A Liderança Missionária

Em 2009, J. Stuart Bunderson e Jeffrey A. Thompson realizaram um estudo com cerca de 20 tratadores de animais de Zoo nos EUA e no Canadá sobre quais as razões de esses terem optado por aquela profissão, que nesses países exige requisitos de formação elevados, os rendimentos são comparativamente baixos, a disponibilidade tem que ser total e algumas das actividades e funções são pouco atractivas de desempenhar. Ainda assim, os entrevistados mostraram que vêem o seu trabalho como um “chamamento” que compensa tudo o resto. É este “chamamento” que fomenta a emergência de um sentimento de missão e que dá corpo à teoria que é conhecida como a Teoria da Liderança Missionária. Neste sentido, os dois autores enunciaram cinco aspectos-chave que representam as condições para o desenvolvimento da perspectiva do “chamamento”. São eles a perspectiva inata, a interpretação selectiva do passado, a inevitabilidade, a base ideológica e o dever moral. Aplicando estes aspectos ao nosso estudo de caso, ou seja, à cooperação China-África, consideramos que a perspectiva inata consiste no desempenho indeclinável de uma função proveitosa para ambas as partes, a interpretação selectiva do passado consiste no apelo a um passado histórico, princípios, valores e interesses comuns, a inevitabilidade consiste no conjunto de acções que ambas as partes vêem como sendo acções destinadas a ser praticadas, a base ideológica consiste na defesa do Terceiro Mundo, da cooperação Sul-Sul, dos países em vias de desenvolvimento em prol, pela China, do acesso a recursos e, pelos países africanos, do acesso a oportunidades de verdadeiro e sustentado desenvolvimento, e o dever moral, por fim, consiste numa obrigação social para desempenhar funções e no uso das capacidades de que cada uma daspartes dispõe para promover o bem comum. Aplicado a este caso, o estilo de liderança missionária corresponde, portanto, à capacidade que a RPC apresenta para desenvolver contextos de acção onde os Estados africanos, recebendo o apoio e investimento chineses, podem participar na formulação da missão sino-africana e especificamente no desenvolvimento e prosperidade de África e, numa fase posterior, do resto do mundo. Os líderes missionários “conseguem criar a visão e o contexto que permite a cada um dos colaboradores entrosarem a sua própria missão de vida com a missão mais alargada da sua organização” (Palma & Lopes, 2011, p. 9), e neste caso isto corresponde à capacidade de a RPC conferir aos países africanos a liberdade de definirem

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as suas necessidades, mas nunca saindo da linha orientadora da políticia externa chinesa, nomeadamente dos interesses e objectivos da sua projecção e presença em África. 5. Liderança Transformacional

James MacGregor Burns foi o primeiro a desenvolver, no final dos anos 1970, aquela que hoje é designada de Teoria da Liderança Transformacional, e a introduzir a abordagem transformadora na análise de pessoas e de organizações, em que o líder é um exemplo moral que, no caso em análise, age em prol dos benefícios de todas as partes que cooperam. Posteriormente, em meados dos anos 1980 e nos anos 1990, Bernard M. Bass melhorou e expandiu o trabalho de Burns. Em primeiro lugar, passou a usar o termo “transformacional” em vez de “transformador”. Em segundo lugar, passa a focar-se mais na análise dos liderados, ao contrário de Burns que centrava a sua análise nos líderes. Em terceiro lugar, afirma que “transformational leadership emerges especially in instable contexts and situations that are perceived as being uncertain and ambiguous” (Winkler, 2010, pp. 40-41). Depois, tenta explicar como pode ser medido este tipo de liderança e qual o seu impacto na motivação e na performance dos liderados para a concretização das tarefas e o cumprimento dos objectivos definidos pelo líder. Assim sendo, Bass identifica quatro factores que caracterizam, descrevem e permitem identificar a liderança transformacional. São eles o carisma e a influência idealizada, factor que “describes charismatic leaders who represent a strong role model for subordinates” (Winkler, 2010, p. 41) e segundo o qual “followers identify themselves with the high moral and ethical demands of the leader whom they respect and trust” (p. 41), pelo que os líderes, com um sentido de visão orientadora, se tornam assim uma fonte de inspiração; a consideração individualizada, segundo a qual se consideram as necessidades e características individuais dos liderados e é criado um ambiente de apoio em que “leaders are coaches and advisors and help followers to advance by means of a more participative style of leadership” (p. 42); a estimulação intelectual, de acordo com a qual os líderes “encourage their subordinates to be creative and innovative in order to advance their own but also the leader’s beliefs and values” (p. 42); e a inspiração motivacional, quando os líderes “can motivate followers to share their vision and to get involved with this vision” (p. 42) num contexto de entusiasmo e optimismo, utilizando símbolos e apelos emocionais.

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Quando transposto para o contexto das relações sino-africanas, o estilo de liderança transformacional é aquele em que a China apela ao sentido de contribuição colectiva e é capaz de mudar o comportamento dos parceiros africanos através de uma visão e ideais inerentes, de estimular e considerar individualmente as necessidades e as ambições de cada um deles e de os motivar a agir para além das suas capacidades, transformando-as à medida que alcança os objectivos pretendidos. Este é, assim, um processo de construção do comprometimento mútuo, através do empowerment do continente africano na prossecução dos objectivos delineados pela RPC e, naturalmente, aceites pela maior parte dos países dessa região.

6. Discurso de Li Keqiang na sede da União Africana

Definidos os estilos de liderança que servem de base à presente análise, importa agora apresentar brevemente o discurso a ser analisado e identificar os elementos no seio do mesmo que correspondem a atributos de liderança transformacional e de liderança missionária. 10

“Bring About a Better Future for China-Africa Cooperation” é o título do discurso proferido por Li Keqiang, o actual primeiro-ministro da RPC, no dia 5 de Maio de 2014, em Adis Abeba, capital da Etiópia e onde está instituída a sede da UA. Li Keqiang começa por considerar Adis Abeba a capital política de África e o Centro de Conferências da UA como o símbolo da amizade sino-africana. A partir daí, o seu discurso desenrola-se repleto de referências à existência de uma missão comum que deve nortear a actuação internacional sino-africana, e que como tal deve ser cumprida em conjunto pela China e pela África, e de menções de que há um vínculo que permite em simultâneo a evolução conjunta e o cumprimento dessa mesma missão colectiva. Quanto ao estilo de liderança missionária, podemos denotar no discurso do primeiroministro chinês uma interpretação selectiva do passado que ambas as partes têm em comum, um cenário de inevitabilidade da cooperação que emergiu e tem vindo a ser fortalecida e uma forte base ideológica. Tudo isto está implicitamente circunscrito numa perspectiva inata que consiste no desempenho indeclinável de uma função proveitosa tanto para a China como para os países africanos, dada a actual conjuntura internacional, e num dever moral que consiste

numa obrigação social para desempenhar funções e no uso das capacidades de que cada uma das partes dispõe para promover o bem comum. A interpretação selectiva do passado surge na forma de apelo a um passado histórico, princípios, valores e interesses comuns e verifica-se quando Li Keqiang afirma que está “deeply impressed by the similarity between the Chinese and African people in their historical experiences, development tasks and aspirations” (Keqiang, 2014, para. 2), que existe uma “common struggle for a common destiny” (Keqiang, 2014, para. 7) que é a inspiração “for the future growth of China-Africa relations” (para. 7) e que esta relação de cooperação e parceria “is one marked by shared interests, common development and cultural exchanges” (para. 9), como se pode ver pelo facto de ambos terem sido “subjected to aggression and oppression by colonialism and imperialism in the past” (para. 10) e por isso ambos valorizarem profundamente e do mesmo modo a independência e a igualdade. A inevitabilidade da missão surge quando o primeiro-ministro chinês defende que, dada a nova era que ambas as partes vivem e o âmbito profundo, sem precedentes, dos seus interesses em comum, “China-Africa cooperation should seize the good opportunity and focus on the future” (Keqiang, 2014, para. 14) encetando esforços e projectos conjuntos nas mais variadas áreas: da indústria, da finança, da redução da pobreza, do ambiente e ecologia, da cultura e intercâmbio de pessoas e da paz e segurança. Para fundamentar essa imperatividade, conta que numa lenda africana, “the Phoenix, a long-lived bird, dies by fire every 500 years, only to rise from the ashes to be reborn again” (Keqiang, 2014, para. 23) e compara-a com uma lenda muito similar da cultura chinesa que diz que “a mythical bird named Fenghuang that, too, cyclically regenerates itself” (Keqiang, 2014, para. 23) e defende que “these two legends seem to be telling us that the great renewal of the Chinese nation and the African continent represents an unstoppable historical trend” (para. 23). A base ideológica está patente quando Li Keqiang defende que há meio século “the late Premier Zhou Enlai proposed the five principles for China’s relations” (Keqiang, 2014, para. 7) com os países africanos e que esses “need to be commemorated and carried foward” (Keqiang, 2014, para. 7) e quando, reformulando isso mesmo, acredita que a RPC “need to stick to the following four principles” (para. 9): “treat each other with full sincerity and as complete equals” (para. 10), “enhance solidarity and mutual trust” (para. 11), “jointly pursue inclusive development” (para. 12) e por fim “innovate on practical cooperation” (para. 13).

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Quanto ao estilo de liderança transformacional, podemos observar no discurso em análise referências à estimulação intelectual e à inspiração motivacional. Antes, importa referir que a essência na qual este tipo de liderança se baseia, neste estudo de caso concreto, são a reprocidade e os benefícios mútuos, presentes no discurso quando o primeiro-ministro chinês afirma que “over the past five decades, Chinese and African people have helped each other and fostered an unbreakable bond of friendship” (Keqiang, 2014, para. 7), sendo disso que advêm os resultados proveitosos que ambas as partes experienciam nas décadas mais recentes, e que “both history and reality tell us that when China develops well, Africa will get opportunities; when Africa develops well, China will stand to benefit” (Keqiang, 2014, para. 8). É através deste apelo à contribuição colectiva que podem ser retirados do texto excertos que representam e permitem identificar a existência de liderança transformacional. Não explicitamente referida no discurso, a influência idealizada corresponde ao facto de a China e o seu modelo de desenvolvimento nacional bem-sucedido serem o exemplo para os Estados africanos e segundo o qual estes seguem genericamente a visão orientadora e os ditames vindos da elite política chinesa. Depois da instabilidade das décadas anteriores, o reforço “das relações sino-africanas deu-se em 1995, com a visita do Presidente Jiang Zemin a África” (Cunha, 2012, p. 340) com uma política externa direccionada para a região que “mostrava aos africanos as virtudes de um modelo de desenvolvimento com características chinesas” (Cunha, 2012, p. 340). Nesta óptica, a China patrocina o seu modelo de desenvolvimento como ideal de modo a influenciar o continente africano, pois que assim melhora o meio do qual quer retirar os recursos e as matérias-primas de que necessita para o seu desenvolvimento interno através da implementação do modelo de desenvolvimento que lhe conferiu a si o progresso económico e prosperidade de que actualmente goza. A consideração individualizada também não é directamente observável mas ainda assim consiste na adaptação do modelo de desenvolvimento chinês a cada país africano consoante as suas características individuais e necessidades específicas, pelo que a China reconhece que “there is no fixed aid model and that disbursements are based on the requests received from the recipient country” (Davies et al., 2008, p. 51), deixando deste modo que os Estados africanos participem no processo de decisão e de implementação dos investimentos chineses para assim conseguir o máximo de dividendos com o menor grau de hostilidade. A partir destes dois cenários desmultiplicam-se os recursos para estimular intelectualmente e inspirar motivacionalmente a África a transformar-se e, portanto, a

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contribuir para avisão arrojada de libertar o Terceiro Mundo, e todo o mundo em geral, da dependência externa, da pobreza extrema e do subdesenvolvimento crónico. A estimulação intelectual verifica-se quando o primeiro-ministro chinês “see Africa as a continent full of vitality that plays a critical role in the global political and economic landscape” (Keqiang, 2014, para. 2) e que, por isso, tem pleno potencial e fortes capacidades do se emancipar da dependência de influências externas e tem “an importante role in enhancing collective dialogue and pratical cooperation between the two sides” (Keqiang, 2014, para. 21), fazendo assim com que os países africanos estejam consciencializados das suas capacidades e independência de acção e, concomitantemente, promovam os seus interesses, crenças e valores mas também os da China. A inspiração motivacional está patente quando Li Keqiang, num tom de entusiasmo, confiança e optimismo, ao assumir a importância do papel da UA na integração africana e no sucesso económico e securitário regional e ao percepcionar o papel crítico e cada vez mais relevante do continente nas questões internacionais, afirma que a China está disposta a apoiar a UA e a África no geral porque “we have high esteem for the great people living on this continent” (Keqiang, 2014, para. 6) e “we have full confidence in the bright future of Africa” (Keqiang, 2014, para. 6) e quando faz um apelo simbólico às duas lendas – da Fénix e do Fenghuang – que existem, cada uma, na cultura chinesa e na cultura africana e que são semelhantes, como sinal de que o destino e o caminho do seu país e do continente africano é o da renovação, da regeneração e do progresso.

7. Conclusão: Missão e Transformação no Terceiro Mundo

A política de abertura ao exterior e de reformas económicas iniciada por Deng Xiaoping no final dos anos 1970 do século XX e as transformações geopolíticas e geoestratégicas sucedidas desde o início do século XXI “geraram sinergias que conduziram a China a uma gradual integração económica no sistema global, a um aumento do protagonismo no areópago internacional e à sua afirmação como um Estado director regional” (Romana, 2005, p. 298) com capacidades tendentes à projecção para espaços fora da sua tradicional esfera de influência, como é o caso do continente africano. Ora, o discurso de Li Keqiang é um discurso que, num ambiente de confiança, optimismo e reciprocidade, conecta a

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propagação da missão chinesa em África com os impulsos necessários à transformação do cenário regional no sentido positivo e desejável do cumprimento da mesma. A Estratégia é, sem dúvida, uma área científica com um contributo fundamental para a temática das teorias da Liderança: confere uma estrutura orientadora, composta por elementos coesos e articulados, aos objectivos que o líder equaciona consoante o seu estilo de liderança, que neste caso é missionária e transformacional, o background organizacional, que neste caso é a cultura política e estratégica e o sistema burocrático da RPC, e o contexto em que a necessidade de liderança estratégica emerge. “With both sides facing the task of achieving modernization, China-Africa relations have entered a new period of development” (Keqiang, 2014, para. 9), e por isso consideramos que são os atributos, definidos e identificados, característicos da Liderança Missionária e da Liderança Transformacional que conferem à China e aos líderes chineses em actuação, e especificamente a Li Keqiang, as capacidades de liderança necessárias actualmente no âmbito da cooperação China-África. Alinhando o elemento estratégico e o exercício da liderança na abordagem às teorias da Liderança Missionária e da Liderança Transformacional, consideremos serem estas as perspectivas teóricas mais adequadas ao nosso estudo de caso e as que levam a uma liderança eficaz e bem-sucedida. Estes são dois estilos de liderança similares e complementares na medida em que um enfatiza a missão que deve existir para uma liderança eficaz e o outro fornece os instrumentos carismáticos, individualizados, intelectuais e motivacionais para a transformação dos liderados, no quadro de uma liderança participativa e de um compromisso e contribuição colectivos, no sentido desejável de uma liderança bem-sucedida e do cumprimento da missão, expressa sob o formato de uma visão arrojada, como o é neste contexto a ambição do fim do subdesenvolvimento crónico e da subjugação do Terceiro Mundo, pois “when China and Africa all make progress in development, the world will become a better place for mankind to live in” (Keqiang, 2014, para. 8). Concluindo, a perspectiva teórica de liderança por nós equacionada, isto é, o triângulo composto pela missão, pela visão transformadora e pela estratégia, e por nós aplicada ao caso da cooperação China-África, articula precisamente um exercício de liderança, uma missão, um compromisso participativo e transformador e uma estratégia, cenário “suited to the needs of both sides, keeping China-Africa bilateral cooperation always at the forefront of

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internacional cooperation with Africa and produce more fruitful outcomes in China-Arica cooperation” (Keqiang, 2014, para. 21). Partindo disto, verificamos de facto que ambos os estilos de liderança analisados valorizam a interacção entre os atributos de um líder e o contexto do exercício da liderança e que a liderança não pode, linearmente, ser categorizada de boa ou de má. Sendo que um líder emerge num dado contexto, em que há um problema que o grupo como um todo tem de resolver, verificamos também que ambas as teorias enfatizam o papel do líder com base na essência da sua função: conduzir um grupo ao sucesso. Assim, dada a relatividade das distintas conjunturas sócio-culturais e do apego da actuação do líder a esses contextos em que se insere, o exercício da liderança pode, ao invés, ser qualificado de contextualizável. O resultado da conjugação da liderança missonária e da liderança transformacional é a prova de que a influência, para consequentemente alcançar os objectivos desejados, pode ser conseguida através da mobilização das necessidades e das motivações das pessoas, organizações, empresas ou Estados.

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8. Bibliografia



Livros

Cunha, Luís (2012) – A Hora do Dragão. Lisboa: Zebra Publicações. Ribeiro, António Silva (2010) – Teoria Geral da Estratégia: O Essencial ao Processo Estratégico. Coimbra: Almedina. Romana, Heitor Barras (2005) – República Popular da China: A Sede do Poder Estratégico – Mecanismos do Processo de Decisão.Coimbra: Almedina. Winkler, Ingo (2010) – Contemporary Leadership Theories: Enhancing the Understanding of the Complexity, Subjectivity and Dynamic of Leadership. Heidelberg: Physica-Verlag.



Publicações Periódicas

Ashan, Li (2007). China and Africa: Policy and Challenges. China Security, 3(3), pp. 69-93. Davies, Barbara J. & Davies, Brent (2004). Strategic leadership. School Leadership & Management, 24(1), pp. 29-38. Davies, Martyn, Edinger, Hannah, Tay, Nastasya & Naidu, Sanusha (2008). How China delivers development assistance to Africa. Centre for Chinese Studies, pp. 1-61. Giroux, Jennifer (2008). Africa’s Growing Strategic Relevance. Center for Security Studies, 38(3), pp. 1-3. Palma, P. J. & Lopes, M. P. (2011). Liderar no futuro: Novas abord,agens para uma liderança de sucesso. Recursos Humanos Magazine, 73, 34-40.



Discurso Analisado

Ministry of Foreign Affairs of the People’s Republic of China (2014). Bring About a Better Future for China-Africa Cooperation. Data de Acesso: 2 de Dezembro de 2014. Retirado de http://www.fmprc.gov.cn/mfa_eng/wjdt_665385/zyjh_665391/t1154397.shtml

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