ANÁLISE DO CASO DOS BRASILEIROS EXECUTADOS NA INDONÉSIA SOB A ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS E DA SOBERANIA ESTATAL

June 9, 2017 | Autor: Djessica Niehues | Categoria: Human Rights, Direitos Humanos, Soberania
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ANÁLISE DO CASO DOS BRASILEIROS EXECUTADOS NA INDONÉSIA SOB A ÓTICA DOS DIREITOS HUMANOS E DA SOBERANIA ESTATAL

Djéssica Niehues

Introdução

A pena de morte (também conhecida como pena capital) é praticada desde a antiguidade, sendo prevista em diversas situações no Código de Hamurabi, considerado o mais texto jurídico mais antigo, datado do ano 2000 a.C. e o debate ao redor dela se arrasta pelas idades históricas devido à grandes questões que surgem: É justo retirar do homem o único bem que ele realmente possui, que é a sua vida? Isso servirá de exemplo e inibirá outros crimes semelhantes?
No Brasil, recentemente esse tema foi levantado devido à execução dos brasileiros Marco Archer, que tentou entrar na Indonésia com cocaína escondida em uma asa-delta e de Rodrigo Gularte, que praticou o mesmo ato com drogas escondidas em pranchas de surf no país, que considera crimes relacionados ao tráfico de drogas hediondos. No cenário internacional, a execução abalou as relações entre Brasil e Indonésia, que negou o pedido de extradição feito por parte do governo brasileiro, alegando predominância de sua soberania nacional na punição do crime.
Dessa forma, o objetivo desse trabalho é discutir e analisar a relação do caso com a questão dos Direitos Humanos e também da Soberania Nacional, sendo apontados argumentos de ambos os lados, inclusive a favor ou contra a pena de morte e o entendimento da autora realizado nas Considerações Finais perante esses conceitos importantes atualmente para o curso das relações internacionais.















A pena de morte e o Cenário Internacional
De acordo com a Anistia Internacional, cerca de 60 países ainda aplicam a pena de morte com frequência e em 2014, foram registradas execuções em 55 países, que se utilizaram dessa forma de punição de forma a proteger a segurança do Estado e a segurança pública. Em 2014, pelo menos 2.466 pessoas foram condenadas à morte em 2014, um aumento de 28% em comparação a 2013. Os métodos variam de decapitação a fuzilamento.
O perfil dos países que ainda adotam a pena de morte varia de governos autoritários que necessitam de penas capitais para manutenção de seu poder a países democráticos como os Estados Unidos e economicamente potentes como a China, dois dos principais atores do atual cenário internacional. Observou-se também que 173 dos 193 Estados-membros da ONU não realizaram qualquer execução em 2014.
China, Irã, Malásia, Arábia Saudita, Singapura e Vietnã costumam executar mais por tráfico de drogas que outros países.

A visão dos Direitos Humanos sobre a pena de morte no caso do tráfico de drogas
Desde a Revolução Francesa, um dos principais direitos defendidos do homem é seu direito à vida, que não pode ser apropriada pelo Estado ou por outra pessoa. Para que isso seja assegurado, é que se criou o Código Penal e as regras sociais sob as quais vivemos.
A Indonésia trata o tráfico de drogas como crime hediondo, ou seja, um crime de extrema gravidade que deve ser punido com a vida. Muitos países, como o Brasil não o consideram dessa forma, visto que o tráfico não afeta diretamente o direito à vida e consumo de drogas se dá principalmente de forma voluntária.
O artigo 6º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, rege que:

Nos países em que a pena de morte não tenha sido abolida, esta poderá ser imposta apenas nos casos de crimes mais graves, em conformidade com legislação vigente na época em que o crime foi cometido e que não esteja em conflito com as disposições do presente Pacto, nem com a Convenção sobra a Prevenção e a Punição do Crime de Genocídio. Poder-se-á aplicar essa pena apenas em decorrência de uma sentença transitada em julgado e proferida por tribunal competente.

Apesar de ser signatária desse Pacto, a Indonésia continua executando por crimes que não são considerados de alta gravidade no âmbito jurídico, como seriam crimes intencionais contra a vida, estupros e tortura. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem repudiado essa decisão do poder judiciário indonésio, acusando-o de incoerência com o Pacto acima citado.
Órgãos como a Anistia Internacional defendem que não houve redução efetiva da criminalidade em países que aplicam a pena capital - um dos principais argumentos a favor da pena de morte, em que se considera o exemplo e o medo um meio de coerção - onde os contraventores não possuem medo dessa punição, além de ser considerada um ato bárbaro de penalização de um crime com outro, trazendo dor aos familiares do acusado e não trazendo sentimento de justiça às famílias que foram abaladas por crimes hediondos. Alguns estudiosos consideram a aplicação da pena de morte um retrocesso, em que se volta ao sistema do "olho por olho, dente por dente".
Um dos autores famosos que poderia embasar o argumento acima é Cesare Beccacia, em sua obra Dos Delitos e das Penas, na qual diz que:

O espetáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um celerado é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado de sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade.


A pena capital custaria, para alguns, menos que o sistema carcerário. Não há provas concretas sobre isso, além do fato de que o número de presos executados é quase irrelevante perto daqueles que cumprem penas privativas de liberdade. Caso o sistema penitenciário ofereça a tão conhecida resocialização, os indivíduos podem sim ser reincorporados à convivência social.
Há também o fator estatal, em que muitos crimes, como o tráfico de drogas e o roubo/furto poderiam ser evitados se os governos possuíssem programas educacionais e de redução da pobreza mais efetivos, ou seja, o próprio Estado deixa de oferecer mecanismos que ajudem a proteger a vida de seus cidadãos.



A questão da Soberania Nacional

A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão se expressa em seu artigo 3º sobre a soberania: "O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente.'' Ou seja, a soberania consiste em que no território que compõe aquele Estado, as leis e as decisões referentes aos cidadãos são de responsabilidade dele. Com a globalização econômica e cultural, a Soberania é um fator que tem perdido a força ao longo do processo, mas as decisões relacionadas à segurança são tratadas como de primeira importância.

A discussão delicada que se propõe aqui se refere em até que ponto a decisão de aplicação de pena de morte é uma decisão do Estado, considerando sua cultura e história e a partir de que ponto se contrapõe ao respeito aos Direitos Humanos, que são considerados universais e superiores aos limites territoriais dos Estados.
No caso dos brasileiros, o debate fica ainda mais acalorado visto que as penas dos países envolvidos para o tráfico de drogas são diferentes e nessa situação surge o impasse sobre quem deveria punir essas pessoas, o país soberano no território qual as leis foram desrespeitadas e que abrem suas fronteiras sob a crença de que esses cidadãos respeitarão as leis como se fossem as de seu país, ou o país de origem deles? Não há uma resposta unânime e nem proveniente do Direito Internacional e da opinião pública sobre isso, visto que a própria Indonésia pediu clemência e extradição a países que decretaram pena de morte a seus cidadãos (indonésios).











Considerações Finais

Considera-se observando todo o desenvolvimento do trabalho, que a pena de morte é um fator irrelevante para a diminuição da criminalidade conforme dados demonstrados anteriormente, sendo sua aplicação repudiada por órgãos internacionais importantes como a Organização das Nações Unidas, que considera a aplicação desse tipo de pena arbitrário e um retrocesso no conceito de Justiça comumente aceito atualmente.
A autora desse trabalho considera que os Direitos Humanos e a defesa à vida são superiores às fronteiras estatais, tocando cada indivíduo ao redor do globo. Além do mais, o tráfico de drogas não é inerente a apenas um ou dois indivíduos e repudiá-los não fará com que outras pessoas, movidas pelos mais diversos motivos, não pratiquem por medo o mesmo delito, além do fato de que se há pessoas em risco por causa do narcotráfico, o Estado tem sua parcela de culpa e não pode transferí-la para indivíduos.
Desconsidera-se também o fator voluntário quando se culpa somente o traficante pelo comércio de drogas, visto que as pessoas as usam por vontade própria em geral, atuando dessa forma em muitos dos casos por falta de conscientização por parte do Estado.
Dessa maneira, encerra-se esse trabalho em que o objetivo foi concluído, em que se desenvolveu um texto que provocou o pensamento crítico e mais aprofundado da autora em relação ao tema e a seu contexto nas relações internacionais.















Referências

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