Análise do discurso cyberpunk no documentário \"Com Vandalismo\"

May 29, 2017 | Autor: Lucas Reis | Categoria: Cyberpunk, Análise do Discurso, Movimentos sociais, Poder, Ideologia
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ INSTITUTO DE CULTURA E ARTE CURSO DE JORNALISMO

LUCAS BERNARDO REIS

ANÁLISE DO DISCURSO CYBERPUNK NO DOCUMENTÁRIO “COM VANDALISMO”

FORTALEZA 2016

LUCAS BERNARDO REIS

ANÁLISE DO DISCURSO CYBERPUNK NO DOCUMENTÁRIO “COM VANDALISMO”

Monografia apresentada ao Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Jornalismo. Orientador: Prof. Dr. José Riverson Araújo Cysne Rios.

FORTALEZA 2016

A Deus. Aos meus pais, e minha futura família.

AGRADECIMENTOS

Listar todos os agradecimentos destes quatro anos de curso é uma tarefa mais difícil do que o percurso teórico do trabalho, porém tenho na mente e no coração algumas pessoas das quais sem elas não estaria aqui. À Deus, todo criador e responsável grandes conquistas que venho tendo nesses quatro anos de curso, como já bem dizia o pregador: “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”. Aos meus pais, Gilson Lima e Lígia Reis pela oportunidade de educação unida ao amor fraternal desde a infância e culminando neste trabalho. À minha avó materna, Maria Bernardo de Oliveira a quem devo, quando criança, o impulso de encerrar o curso para que ela acompanhe o neto “formado”. À minha namorada e amada Maggie Paiva pelos momentos de fuga da realidade de construção do trabalho, sempre como uma base para que eu não perdesse o foco e alcançasse o êxito de finalização desta monografia. Ao meu orientador, Riverson Rios pelo aceite na orientação e pelo auxílio não apenas no que tange ao trabalho, porém nos medos e aflitos na construção de algo que poderia fugir ao meu controle diariamente. À banca examinadora, professor Luís Sérgio Santos e professora Naiana Rodrigues, pelo aceite na avaliação deste trabalho e pelos bons momentos vividos nas disciplinas e conversas de corredores durantes a vivência do curso de jornalismo. Ao próprio curso de jornalismo que, personalizado como um amigo, me rendeu emoções, tristezas, vitórias, derrotas e um aprendizado que no momento de ingresso em seus bancos não imagina que conviveria. E, por último e não menos importante, ao livros e filmes de ficção científica que junto dos momentos de fruição e viagens mentais, me apresentaram questionamentos existenciais e sociais que nunca dantes havia pensado e que foram o start para a produção desse trabalho.

“Cyberpunk is now.” (William Gibson)

RESUMO Este estudo apresenta uma proposta de Análise do Discurso cyberpunk no documentário “Com Vandalismo” do Coletivo Nigéria, produzido durante as manifestações de junho de 2013 em Fortaleza/CE. Discorre-se sobre alguns conceitos, que envolvem uma reflexão acerca do que é o cyberpunk, sua atuação literária e social, a partir das considerações de Adriana Amaral ([2003] 2006) além da apresentação e definição do campo linguístico da análise do discurso, embasando nos conceitos de ideologia, dialogismo e manifestação do poder no discurso, a partir de Mikhail Bakhtin e Michel Foucault. A metodologia utilizada baseia-se no enfoque qualitativo, sendo priorizado o método hipotético-dedutivo com levantamento bibliográfico e da análise do discurso presente no documentário. Os resultados revelam a possibilidade de caracterização de uma ideologia cyberpunk como produto historicamente construído e resultado dialógico intrínseco ao documentário, a partir das considerações de Bakhtin ([1981] 1992), e de um discurso cyberpunk atuante nas manifestações de junho de 2013 no Ceará, a partir dos princípios analíticos propostos por Michel Foucault (1981 [1996]). Tais considerações podem caracterizar o documentário “Com Vandalismo” como um produto cyberpunk.

Palavras-chave: Cyberpunk; Análise do discurso; Ideologia; Poder; Manifestações de junho de 2013.

ABSTRACT

This study presents a proposal of cyberpunk speech analysis on the documentary "Com Vandalismo" from Coletivo Nigéria, produced between the June 2013 manifestations in Fortaleza/CE. Talks about some concepts, involving a reflexion about what's cyberpunk, your literary and social acting, from considerations of Adriana Amaral ([2003] 2006), besides presentation and definition of the linguistic field of speech analysis basing on the concepts of ideology, dialogism and power on speech manifestation, from considerations of Mikhail Bakhtin ([1981] 1992) and Michel Foucault ([1981] 1996). The methodology is based on the qualitative approach it's prioritized the hypothetical-deductive method with bibliographic survey and speech analysis in the documentary. The results show the possibility of description of one cyberpunk ideology as product historically built and result of a dialog intrisic to documentary and of a cyberpunk speech active in June 2013 manifestations at Ceará, from the proposed analytical principles. Such considerations can characterize the documentary "Com Vandalismo" as a cyberpunk product. Keywords: Cyberpunk; Speech Analysis; Ideology; Power; June 2013 manifestations.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1

 Reprodução da reportagem especial publicada na revista americana Newsweek em

1984,

intitulada

“O

ano

do

yuppie” ............................................................................................................. 20 Figura 2

 Primeira capa da antologia de contos Mirrorshades, organizada pelo autor Bruce Sterling e classificada como um dos primeiros produtos originalmente cyberpunks ........................................................................................................ 24

Figura 3

 Capas de duas versões brasileiras da obra de P.K.D ................................................................................................................. 25

Figura 4

 Capas de duas versões brasileiras da obra de P.K.D.................................................................................................................. 25

Figura 5

 Capa do disco “God save the queen” da banda inglesa Sex Pistols................................................................................................................. 30

Figura 6

 Capa e parte interior do fanzine inglês Sniffin' Glue, editado por Mark Perry................................................................................................................... 31

Figura 7

 Primeiro ato do Movimento Passe Livre (MPL) iniciou as idas constantes às ruas.................................................................................................................... 48

Figura 8

 Jovens saem às ruas na capital paulista em busca da diminuição das tarifas de transporte público............................................................................................... 49

Figura 9

 Jovens ocupam a esplanada do Planalto, em Brasília........................................ 48

Figura 10  Infográfico que apresenta um balanço das manifestações desde o início de junho de 2013..................................................................................................... 50 Figura 11  Capa/pôster do filme documentário “Com Vandalismo”.................................. 53 Figura 12  Registo da caminhada dos manifestantes até a concentração do ato................

56

Figura 13  Manifestantes demonstram para a câmera cápsula de bala de borracha durante confronto............................................................................................................. 58 Figura 14  Manifestantes discutem durante a segunda manifestação em Fortaleza............ 61

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

F.C.

Ficção Científica

P.K.D

Phillip K. Dick.

MPL

Movimento Passe Livre

D.I.Y

Do it yourself (Faça você mesmo)

SUMÁRIO

Resumo ....................................................................................................................

8

Abstract ...................................................................................................................

9

Lista de figuras .......................................................................................................

10

Lista de abreviaturas e siglas.........................................................................................................................

11

1

INTRODUÇÃO.......................................................................................................

14

2

O CYBERPUNK.....................................................................................................

17

2.1

Uma perspectiva de cibercultura ..........................................................................

17

2.2

Entendendo o cyberpunk ....................................................................................... 19

2.2.1

1980 e o Cyber vs Punk............................................................................................

2.2.2

Gênese literária e o “apocalipse” social do

20

cyberpunk..................................................................................................................

23

2.2.2.1 Uma breve história do cyberpunk.............................................................................

23

2.2.2.2 Uma breve história do punk......................................................................................

28

2.3

Considerações finais................................................................................................

32

3

LINGUAGEM E DISCURSO..............................................................................................................

3.1

34

Bakhtin, ideologia e dialogismo ...............................................................................................................

34

3.2

Os signos .................................................................................................................. 38

3.3

O pensamento de Foucault ................................................................................................................... 40

3.4

Compreendendo os atos de poder ........................................................................................................................

43

3.5

Considerações finais ...............................................................................................

44

4

O DISCURSO DO DOCUMENTÁRIO COM VANDALISMO.......................................................................................................

46

4.1

Metodologia ............................................................................................................

46

4.2

As manifestações de junho de 2013 ......................................................................

47

4.2.1

As manifestações no Ceará ......................................................................................

52

4.3

O documentário “Com Vandalismo” ............................................................................................................ 53

4.3.1

Análise do discurso cyberpunk ................................................................................

4.3.2

Quadro geral de análise.......................................................................................................................

57

58

4.3.2.1 Análise do discurso da primeira manifestação.............................................................................................................

58

4.3.2.2 Análise do discurso da segunda manifestação.............................................................................................................

60

4.3.2.3 Análise do discurso da terceira manifestação.............................................................................................................

62

4.3.2.4 Análise do discurso da quarta

5

manifestação.............................................................................................................

54

CONCLUSÃO ........................................................................................................

67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................ 70

14

1 INTRODUÇÃO

A comunicação evolui junto com as tecnologias. Acompanhamos um momento de transformação no fazer jornalístico, onde mídias são recombinadas e distribuídas, fugindo de modelos tradicionais e reconfigurando-se para criação de algo novo. Os limites entre a criação e a produção estão se desfalecendo com o passar do tempo e o futuro parece tornar-se o presente. Em segundo lugar, com o excesso de imagens e informações marcadores da cibercultura, o campo do jornalismo vê-se às voltas com notícias e fatos compartilhados em um fluxo quase contínuo. O profissional procura não ser apenas o porta-voz das histórias, como também propõe e realiza conteúdos que fujam do tradicional, utilizando-se de uma singularidade própria, o "Faça Você Mesmo", um protagonismo e sentimento rebelde cyberpunk que floresce em tempos de informação contínua. O cyberpunk, subcultura literária da Ficção Científica (F.C.) e que conseguiu se expandir para além das páginas futurísticas demonstra em seu cerne o conflito inerente entre seres humanos e tecnologia. Um híbrido entre os contos científicos e uma arte vanguardista, segundo Larry McCaferry (1994); ou ainda, na visão de Adriana Amaral (2006, p.217), como a união da literatura, cultura e sociologia, geradores de “um fenômeno que ultrapassou as barreiras literárias e atingiu a visibilidade do social e que se equilibra entre ruas e a imaginação dos autores de F.C, entre a tecnologia e os movimentos sociais”. Independentemente da definição que empregamos, é salutar compreender o cyberpunk como uma forma de discurso, como uma atitude política, mudança, rebelião e voz de oposição, oriundas do punk (O’HARA, 1999, p.41 apud AMARAL, 2006, p. 132). Uma crítica social em forma de arte que continua a aparecer nas ruas através dos movimentos sociais encabeçados pela singularidade de cada indivíduo fazendo e construindo a própria mudança que deseja em seu grupo. Em junho de 2013, o Brasil viveu um momento primaveril. As jornadas de junho, como ficou conhecido o movimento durante o qual jovens e adultos saíram às ruas na expressão de uma sociedade em ebulição, insatisfeita, primeiramente, com o aumento das tarifas de transporte coletivo na cidade de São Paulo, originando o Movimento Passe-Livre (MPL); posteriormente, como uma repercussão às violentas ações policiais, houve uma ampliação das pautas congregando direitos universais como saúde, educação e o combate à corrupção.

15 Nas principais metrópoles brasileiras, o clima de rebeldia e insatisfação perdurou todo o mês de junho, criando manifestações nunca antes vistas desde o movimento das “Diretas Já”, anos de 1983 e 1984, reverberou no ano de 2014, com as câmeras de televisão voltadas para o País em ocasião da realização da Copa do Mundo, e, possivelmente, criou uma onda de insatisfação que segue rumando em decisões políticas na capital federal. No Ceará não foi diferente. As coberturas jornalísticas eram intensas em meio às manifestações, porém alguns jornalistas não se contentaram apenas com o convencional e entraram na ação das ruas para criar novas perspectivas e ideias que fugissem do panóptico1 da mídia que consumimos diariamente. Assim surgiu o documentário “Com Vandalismo”, do coletivo de jornalistas Nigéria. Desde então, têm-se a compreensão de que o jornalismo não é apenas aquele que observa e narra, mas também aquele que oferece novos caminhos das informações, com mais experiências da reportagem e dos fatos. Dicotomiza para englobar mais vieses e defender um ponto de vista específico. Por outro lado, essa tentativa nem sempre alcança êxito, principalmente através do discurso. Um discurso que apresenta ideologia de contestação ganha menos repercussão do que poderia alcançar. Uma importante dúvida presente no percurso teórico é entender como um discurso além de poder ser construído historicamente com características cyberpunk, apresenta-se como possível de ser visualizado através de técnicas de análises do discurso. Além disso, outra dúvida é como podemos configurar nesses discursos um hipotético caráter cyberpunk? O objetivo deste trabalho é apresentar o cyberpunk para além de uma escola literária de ficção científica, chegando assim, a discussões sobre sociedade, tecnologia, discurso e poder. Compreendendo que a rebeldia nos discursos do documentário “Com Vandalismo” possa ser inerente a uma manifestação e podem carregar características cyberpunks como a contrariedade ao status institucional. A opção por estudar o documentário realizado durante as manifestações de 2013 no Ceará faz parte de uma construção de trabalhos outrora realizados durante o percurso do curso de Jornalismo, desde o ano de 2014. De lá para cá, demais apresentações e produções trabalharam com o documentário no viés cyberpunk e outros recortes, como por exemplo o do jornalismo alternativo. Além disso, entendemos que é possível identificar os discursos de 1

Optamos por utilizar o termo panóptico, oriundo da discussão de Foucault (2005), em um sentido de observação permanente da mídia em relação as temáticas que ocorrem na sociedade. É no poder panóptico “que o observador está permanentemente presente a observar e vigiar os indivíduos” (SOUZA e MENESES, 2010, p.31), e dessa forma tende a regulamentar as relações dos sujeitos sociais através das instituições.

16 rebeldia cyberpunk através dos manifestantes em confronto dialógico com os poderes institucionais, a saber, as forças de segurança. Para alcançar esse fim, a metodologia empregada é a seguinte. A partir do método hipotético-dedutivo (GIL, 1994), fizemos uma análise do discurso baseada nas premissas de dois autores, Mikhail Bakhtin (1981 [1992]) e Michel Foucault (1981 [1996]). Primeiro, por entender que há uma presença marcante da ideologia no discurso e, por conseguinte, sua construção através do diálogo social. Segundo, que o discurso é local de poder e que enunciados são postos para fora dessa arena como medidas impostas por aquele que detém mais soberania. É se perguntar, de acordo com Foucault (2008), por que este discurso está aqui e outro não? O trabalho está assim organizado. No Capítulo 1, será feita uma breve retomada do cyberpunk, sua compreensão histórica como gênero literário e sociológico como subcultura desenvolvida em meados da década de 1970, a partir de autores e escritores que o estudaram e o desenvolveram. No Capítulo 2, será a vez de delinear o campo linguístico e discursivo que utilizamos para a construção da análise do discurso. Fazemos um diálogo de autores com Bakhtin e Foucault e apresentamos a possibilidade de existir o discurso cyberpunk. Nesse sentido, esse diálogo ganha suma importância por clarear questões rarefeitas dos próprios autores. Já no terceiro capítulo, serão descritas a metodologia empregadas e a análise do discurso do documentário “Com Vandalismo” na procura das marcas cyberpunks. Por fim, seguem-se as conclusões deste trabalho.

17

2 O CYBERPUNK

O capítulo inicial desta monografia se propõe a apresentar o nascimento do cyberpunk como gênero literário e visão de mundo de uma sociedade em crescente contato com as tecnologias informáticas. Ele tem como foco apresentar um levantamento bibliográfico de autores chave na abordagem do cyberpunk e das partes que o formam, o cyber e o punk. A jornada se inicia com a apresentação do campo da Cibercultura com diversos autores, entre eles Pierre Lévy (2000), Manuel Castells (2003), Drica Guzzi (2010) etc. Essa escolha se dá por compreendermos que os autores apresentam considerações que dialogam com nosso objeto, o documentário “Com Vandalismo”, na perspectiva de produto com viés alternativo e como caráter rebelde. Posteriormente, passamos a demarcar o cyberpunk com considerações teóricas interdisciplinares entre a Comunicação, Ciências Sociais, Cibercultura abordando seu nascimento, desenvolvimento na sociedade e possibilidade de utilização como uma forma de compreender o mundo em que estamos imersos, cada vez mais digital. Apresentamos sua gênese na literatura e com seu alcance social, seu desmembramento para discussões sobre o convívio social. No interim, é apresentado uma descrição do caráter cyber e punk do termo em vistas a entender o porquê da escolha de nosso objeto. Por fim, nossa intenção é compreender como a construção do cyberpunk em suas diversas áreas ainda contribui para discussão de produções que desafiam instituições e poderes.

2.1 Uma perspectiva de Cibercultura

Começamos nossa jornada teórica compreendendo o ciberespaço de Lévy (2000) e Castells (2003), conhecidos como teóricos do futuro e que apresentaram em seus trabalhos publicados conceitos e reflexões sobre o emergente ciberespaço e a Internet. Para Lévy (2000, p.126), o ciberespaço e a Internet são um dos mais “fantásticos exemplos de construção cooperativa internacional”, no qual “cada ser humano pode participar e contribuir, na prática da comunicação interativa, recíproca e intercomunitária”. Para ele, o ciberespaço seria uma alternativa para as mídias de massa clássicas, pois permitem que “os indivíduos e os grupos encontrem as informações que lhes interessam e

18 também que difundam sua versão dos fatos sem passar pela intermediação dos jornalistas” (2000, p.203). Para Castells (2003), encontramos no ciberespaço a oportunidade de uma comunicação horizontal do todo para o todo e não do um para o todo e que se torna adaptável aos interesses de quem se refere, virando um “instrumento privilegiado para atuar, informar, recrutar, organizar, dominar e contradominar” (CASTELLS, 2003, p. 114). Lévy (2000, p. 93), similar à Castells (2003), já previa a sinergia entre os meios de comunicação e a Internet. Desta feita, a rede atuaria como fornecedora de artifícios de criação, de informação, de gravação e simulação ao jornalismo, podendo o profissional escolher de que forma a utilizar. Procurando “encorajar, tanto quanto possível (...) a expressão e a elaboração de problemas da cidade pelos próprios cidadãos” (LÉVY, 2000, p.183), o documentário “Com Vandalismo” se encaixa como peça fundamental no jogo de conhecimento e atuação no ciberespaço, pois quanto mais se tem acesso à Internet e às novas possibilidades de participação no ciberespaço, Pajnik (2005) afirma que há como criar novas condições para uma participação ativa dos cidadãos. Dessa forma, além de proporcionar mais dinamicidade na participação dos usuários e compensar o unilateralismo de uma mídia hegemônica (CASTELLS, 2003), utilizar o ciberespaço para atuação pode ser uma alternativa aos jornalistas para produzir os próprios conteúdos, podendo gerar uma atitude transgressora e transformadora, que favorece maior alcance da mensagem no ciberespaço e pode ser analisada a partir dos conceitos de cyberpunk. Para Guzzi (2010, p.57) o ciberespaço “é o lugar onde as relações que formam a comunidade se desenrolam”. Segundo a autora, na Internet, o acesso à esfera pública “pode se tornar mais franco e aberto, oferecendo aos consumidores maior liberdade de expressão e de seleção em suas navegações” (GUZZI, 2010, p.68). No âmbito da esfera pública, Gomes (2006, p.55), descreve que essa instância seria uma “(...) arena da conversa aberta sobre as coisas de interesses em comum”, que, agora, estaria ancorada nas “possibilidades democráticas da Internet”. Um exemplo possível para essas possibilidades democráticas, como a participação ativa dos usuários e a possibilidade de produção dos conteúdos e divulgação sem intermediários primários, está na produção do documentário “Com Vandalismo”, que utilizou prioritariamente a divulgação nos sites de redes sociais para aumentar seu alcance, como já demonstramos em trabalho anterior (REIS et al., 2015).

19 Mesmo que Gomes (2006, p.56) acredite que a Internet não se caracteriza como uma esfera pública, por ser mais uma “rede de discussões e circulação de informações e um repertório de ideias”, estamos mais próximos da discussão de Avritzer e Costa (2004), que analisando os conceitos de esfera pública, democracia e teoria crítica, ressaltam estar na esfera pública a possibilidade de interação e dialogismo a quem pertencem os movimentos sociais e as associações voluntárias. Acreditamos que essa característica são fatores para o desenvolvimento do cyberpunk como um âmbito social onde a troca de informações e a interação entre seus participantes é fator de desenvolvimento próprio.

2.2 Entendendo o cyberpunk

Gerado na década de 1970, compreendido na década de 1980, morto em 1990, renascido das cinzas virtuais dos anos 2000 até onde estamos. Vão se além de 40 anos quando o termo cyberpunk foi concebido com a junção da tecnologia cyber e da rebeldia punk. Nessa linha do tempo, as mutações acompanham sua compreensão ganhando uma emergência demonstrada além das páginas de Ficção Científica2 mas em um profícuo campo de pesquisa auxiliar na compreensão da cultura contemporânea (AMARAL, 2006), como nos trabalhos de Lúcia Santaella (2013), onde a autora apresenta questionamentos sobre o pós-humanismo e como essa possibilidade afeta no mundo pós-modernos, Francisco Rüdiger (2007), que realiza um passeio teórico sobre as importantes teorias da Cibercultura e André Lemos (1993), que apresenta importantes considerações sobre um atuação cyberpunk no meio social. O que entendemos como cyberpunk? Para Nayar (2010, p. 36), ele seria um gênero literário que vê nas vidas envoltas pela tecnologia um local onde muitas pessoas demandam um grande tempo de sua vida3. Podemos definir dessa forma? Acreditamos que para entendê-lo não se faz necessário inserir implantes de silício em nossos cérebros, mas sim, focarmos ao mesmo tempo no passeio temporal e na apresentação de um conceito. Propomos apresentar a gênese, mas não o apocalipse, mas sim alguns porquês retóricos sobre o cyberpunk, antes como literatura e posteriormente como modo de análise de grupos culturais no mundo, pois, como apresenta Bukatman (1998), vivíamos e vivemos em uma cultura, em especial a eletrônica, definida por sua aceleração.

2

Apresentamos no decorrer do trabalho o termo Ficção Científica tanto na forma extensa quanto abreviada F.C. Cyberpunk is the literary genre that looks at such Science fictionalized lives where many people spende large portions of their life wired into another world. 3

20 2.2.1 1980 e o Cyber vs. Punk Yuppies4 e o capitalismo de Wall Street, guerra fria pintada em cores dos letreiros em neon e tecnologia digital emergente, como vemos na figura 1. Assim estava o ocidente na década de 1980, onde os filhos da explosão tecnológica em meio a microcomputadores e informações em fluxo como nunca antes visto (KELLNER, 2001), viam na catálise de ideia entre escritores e teóricos da nascente tecnologia da informação uma aurora de conhecimento para estudar os escritos das páginas futurísticas da F.C.

Figura 1 – Reprodução da reportagem especial publicada na revista americana Newsweek em 1984, intitulada “O ano do yuppie”. Fonte: site Benigngirl, 2008

Nisto, o cyberpunk é um produto definitivo dos anos 80, embora suas raízes estejam colocadas na tradição da FC moderna popular, tanto da época dourada, mas mais profundamente da New Wave. Tudo isso unido à cultura pop dos anos 80, seja o rock, 4

Em definição no dicionário Oxford, a palavra Yuppie é elaborada nos anos de 1980 como acrônimo de Young urban professional. Pessoa jovem com um bom trabalho e um apreço à moda.

21 a arte performática, a cultura hacker, e todas as manifestações underground de arte (AMARAL, 2006, p. 73).

É neste cenário onde temos o nascimento do termo cyberpunk, no ano de 1983, cunhado pelo escritor norte-americano Bruce Bethke em conto homônimo publicado na revista Amazing Science Fiction Stories (NAYAR, 2010). No conto, misturam-se tecnologia da informação e cibernética como um grau de mudança radical na ordem social, derivando-se de outro termo difundo em nossa cultura, o de cibernética5 e que, posteriormente, desenvolverá outro termo, o ciberespaço, nas páginas de Neuromancer (1992). Para Amaral (2006) três polos culturais geram o cyberpunk: a literatura, as teorias sociais e a cultura pop. Na primeira, vamos do romance, Frankenstein (1818) ao que convencionamos chamar de cyberpunk, Neuromancer, por exemplo: na segunda, temos as teorias da pós-modernidade, tal como Lévy (2000), Castells (2003), Bauman (2000), entre outros, a partir de metáforas e em busca de uma reorganização da sociedade (AMARAL, 2004). E por último, a cultura pop, apresentada pela inicialmente citada neste parágrafo (2006) através de seus ícones estéticos da cultura jovem com o rock e a cultura do computador. Nayar (2010, p.36), citando Bruce Sterling, expande as considerações sobre o que compõem o cyberpunk como uma extensão dos conceitos da F.C. (...) ao adicionar elementos da contracultura como os vídeos de rock e o hackerismo como temas que se misturam. Cyberpunk é a expressão literária de ambos, uma inclinação tecnológica (e impulsionada) contracultura e um ethos de pós-humanismo.6

E quando atuamos como legistas da palavra e dissecamos cyberpunk encontramos o significado unido dos dois radicais: o cyber e o punk, como apresenta (WIEMKER, [2007?]), de acordo com o American Heritage Dictionary. Cyber representa o estudo teórico do controle do processo eletrônico, mecânico e sistema biológico, especialmente o fluxo de informações em cada sistema (McCAFFERY, 1994, p. 2507), ou ainda, segue o sentido grego piloto, enfatizando a responsabilidade por suas próprias ações.

5

Apresentado pelo matemático estadounidense Norbert Wiener (Amaral, 2003). (...) while adding counter-cultural elements such as rock v ídeo and hacking as themes to mix. Cyberpunk is the literary expression of both, a technologically minded (and propelled) counterculture and an ethos of posthumanism. Tradução nossa. 7 The theorical study of control of process in electronic, mechanical, and biological systems, specially the flow of information in such system. Tradução nossa. 6

22 Enquanto o punk tem suas raízes na linguagem anglo-americana e significa “miserável”, inútil, “perdido” ou “mucle”. Adicionando, o termo punk denota um movimento da juventude que começou no final dos anos de 1970 e que se recusou a seguir as normas civis, surgindo antes do aprofundamento das crises sociais e econômicas. (WIEMKER, [2007?], p.38).

No punk está a ironia do cyberpunk quando pensamos que o mesmo recorda uma oposição de atitudes que se dirigem do estilo de vida dominador do Capitalismo em relação ao caos ou a Anarquia9. A ironia que causa grande fascínio neste trabalho é que o mesmo capitalismo é propulsor da Ficção Científica e vê um de seus produtos se voltando contra si com as ferramentas que tem cedidas pelo pretenso inimigo10. Posteriormente, Landon (1997) apresenta ideias de cyber e punk a partir do ato de explorar o mundo cibernético e a contra-autoridade. Segundo ele: A parte do “cyber” do nome desse movimento reconhece o seu compromisso em explorar as implicações de um mundo cibernético no qual a informação gerada por computador e manipulada torna-se uma nova fundação da realidade. A parte “punk” reconhece a sua atitude alienada e às vezes cínica para com a autoridade e o estabelecimento de todos os tipos (LANDON, 1997, p.160).

O pensamento, posteriormente, é sintetizado por Amaral (2006), quando a autora descreve: O cyber nos remete às origens filosóficas e também literárias do conceito, enquanto o punk traz à tona o lado da contracultura, do protesto, do não controle, do underground, da atitude dos hackers, da experiência empírica das tribos urbanas ligadas à tecnologia (AMARAL 2006, p.74).

Partindo da união entre teoria e ficção, Kellner (2001) define cyber e punk com oferecendo mais pistas sobre os caráteres da temática. Segundo ele Cyber é grego; significa controle. Com ela foi formada a palavra cibernética, indicativa de um sistema de controle altamente tecnológico que combina computadores, novas tecnologias e realidades artificiais como estratégia de manutenção e controle (...) O punk, (...) indica a rispidez e a atitude da dura vida urbana (...) Como fenômeno subcultura, cyberpunk (...) significa uma postura

Has its roots in Anglo-American language and means “miserable, “worthless”, “waste” or “mucle”. Add, the term ‘punk’ denotes a youth movement that began at ends of the 70’s and which refused civil norms, arising before background of increasing economic and social crises. Tradução nossa. 9 “The word ‘punk’ also implies, generally speaking, an oppositional attitude towards dominant life-style and capitalism, the rejection of borgeous norms, criticism of comsuption and a sort of preference of anarchy or chaos” (WIEMKER, [2007?], p.3) Tradução nossa. 10 “It’s ironic to think that if capitalism is responsible for the modern fantastic, then the modern fantastic is more than happy to bit the hand that feeds it (McCARRON, 1995, p.272 apud AMARAL, 2004, p.4) Tradução nossa. 8

23 vanguardista incisiva em relação à tecnologia e a cultura ávida de abraçar o novo e disposta a rebelar-se contra as estruturas e as autoridades estabelecidas (KELLNER, 2001, p.383).

McCarron (1995 apud AMARAL, 2004) pontua que a transcendentalidade do cyberpunk com suas questões filosóficas, mas que também são de ordem moderna, pois nos remete “diretamente a dicotomia cartesiana mente/corpo, na qual a mente pura apresenta um desprendimento puritano do corpo, sendo este, um acidente de percurso” (AMARAL, 2004, p. 3). Gomes, Lodero e Araújo (2009, p.111) adicionam mais à significação do termo que, além de um fato social, é “um subgênero da Ficção Científica” em meio a um “mundo globalizado e dominado pela desigualdade socioeconômica e, fundamentalmente, tecnológica”. Assim como Featherstone e Burrows (1995), que veem o termo cyberpunk diretamente ligado às teorias contemporâneas da cibercultura, pois tanto o cyberpunk é uma fonte para essas teorias, sendo estudado por diversos autores, quanto, na contramão, as teorias fundamentam cultural e socialmente esse tipo de ficção. (FEATHERSTONE e BURROWS, 1995 apud AMARAL, 2006, p. 41).

Dessa forma, depreendemos que de um ramo da Ficção Científica, o cyberpunk também integra uma subcultura, na medida em que apresenta um caráter “político e social”, como defende Amaral (2006).

2.2.2 Gênese literária e o “apocalipse” social do cyberpunk 2.2.2.1 Uma breve história do cyberpunk Como apresentado anteriormente, seja uma subcultura da F.C, o cyberpunk abrange três vertentes: a literária, a social pós-moderna e a cultura pop, sendo os dois primeiros nosso alvo de análise e pensamento para compreensão não apenas do movimento em si, mas das atitudes nas ruas em que ele ganha destaque. Na prática literária, da união de um subgênero da F.C. com as teorias da cibercultura, os cyberpunks como os americanos Philip K. Dick, William Gibson e Bruce Sterling11, escrevem

11

Podemos citar algumas obras dos autores, como, por exemplo, Philip K. Dick, temos Androides sonham com ovelhas elétricas (1968), posteriormente adaptado para o cinema como Blade Runner (1982). Além dele destacamse Fluam, minhas lágrimas. Disse o policial; Minority Report, Podemos recordar para você, por um preço razoável, Second Variety, O Homem Duplo. William Gibson é importante pela criação da Trilogia do Sprawl, composta por três livros dos quais Neuromancer, do ano de 1982 (1992), ganha maior destaque, sendo também grande influência na trilogia de filmes Matrix. Por último, Bruce Sterling talvez seja o menos conhecido dos autores, porém tem fundamental importância na criação da antologia de contos Mirrorshades (1986), definidora do gênero literário cyberpunk.

24 páginas sobre o avanço da tecnologia, desdém com a parte corpórea do ser humano, os ideais de pós-humano, onde o ser humano está no limiar do real e virtual, a ascensão dos ciborgues, relações sociais destruídas ou ampliadas pela tecnologia.

Figura 2 – Primeira capa da antologia de contos Mirrorshades, organizada pelo autor Bruce Sterling e classificada como um dos primeiros produtos originalmente cyberpunks Fonte: reprodução editora Paladin, 1986.

As considerações anteriores são confirmadas pela autora Adriana Amaral (2006, p.35), que escreve: na maior parte dos textos cyberpunks há um desdém profundo em relação ao físico, uma fascinação com as formas pelas quais a carne é irrelevante comparado com a memória. Ao mesmo tempo, o corpo ainda aparece como figura importante, seja através de suas modificações, implantes ou extensões.

As metáforas tecnológicas só viriam a ser validadas a partir do livro Neuromancer, de William Gibson, quando o cenário do cyberpunk começa a sofrer mudanças e caminhar para um pensamento unificado entre literatura e teoria, assumindo-se como uma apresentação do material tecnológico da sociedade (AMARAL, 2006) e como uma representação da ascendente

25 sociedade de 1980, onde a informação já passava a ser em fluxo quase contínuo. Adquirindo o status de “literatura séria”, a obra apresenta a dicotomia do próprio gênero literário F.C., vagueando entre o cult e o mainstream, na medida em que é estudada nos círculos acadêmicos literários pela apresentação da Cibercultura e pelo desenvolvimento de um cenário que misturava tecnologia e rebeldia, assim como, era uma literatura também voltada para um nicho mais específico de leitores, como os da ficção científica. Outra característica imperativa sobre a literatura cyberpunk é sua inserção na era New Wave, que dentre as demais eras em que se convenciona dividir a Ficção Científica, configura os primeiros escritos cyberpunk, como os do escritor americano Phillip K. Dick. Originado entre as décadas de 1950 e 1960, a New Wave transforma a linguagem da F.C. inserindo mais questionamentos das Ciências Humanas e questões do eu humano em detrimento das viagens especiais e sagas de robôs tão vindouras na Era de Ouro (AMARAL, 2006). Daí surgem obras como “Androides sonham com ovelhas elétricas?”12, “Identidade Perdida - O Homem que Virou Ninguém”13 dentre outros, com capas das versões brasileiras demonstradas à seguir.

Figura 3 e Figura 4 – Capas de duas versões brasileiras da obra de P.K.D. Fonte: Reprodução/Editora Aleph, 2014.

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Do original Do androids dreams with electric ships? Na obra, Rick Deckard é um caçador de recompensas que não emigrou para as colônias interplanetárias após uma guerra atômica que assolou a terra. Na tentativa de trazer algum sentido para sua existência, ele busca melhorar seu padrão de vida até que consiga substituir sua ovelha de estimação elétrica por um animal verdadeiro, sonho de consumo além das posses do caçador. O grande questionamento do livro é no momento em que Deckard passa a perseguir androides obsoletos em busca da condição financeira que possibilitaria seu sonho, pois mostrará que a linha tênue entre o real e o fabricado talvez não exista mais. 13 Do original Flow my tears, the policeman said. O autor segue explorando os limites entre percepção e realidade, a partir de uma distopia na qual Jason Taverner, um dos apresentadores mais populares da TV, um dia acorda sozinho num quarto de hotel e percebe que tudo mudou; que se tornara um ilustre desconhecido e que não apresenta qualquer registro legal de sua existência.

26 É essa inserção das disciplinas humanas como Filosofia, Sociologia, Psicologia, Comunicação e a posterior Cibercultura, que dá o gatilho não apenas para estudos mais aprofundados dos escritos por acadêmicos, assim como uma desmistificação do cyberpunk e da própria F.C como literatura menor dentre os círculos literários. Agora, a tecnologia estava em voga e o fluxo de informações estava nas mãos dos ciborgues e hackers. Os hackers, por exemplo, são os sujeitos sociais que mais caracterizam o cyberpunk. De acordo com Gomes, Lodero e Araújo (2009, p.115) o hacker é um dos tantos personagens presentes na literatura cyberpunk, que apresenta-se como um andarilho. “O pesquisador do infinito” é transposto das estradas empoeiradas para o ciberespaço, em meio a uma aspiração medieval de vida eterna, onde o corpo humano é desprezado para transformar-se em dados materiais, identidade do ciberespaço. Na realidade, a inspiração literária para o hackerismo advém, segundo Santos e Costa (2014) do “indivíduo hábil em enganar os mecanismos de segurança de sistemas e de computadores”, que “emerge das engenharias elétricas e da computação [...] áreas de produção criativa onde representam atividades mais amplas”, de acordo com McKenzie Wark (2004 apud SANTOS E COSTA, 2014, p.5). Praticar o hackerismo é demonstrar o ímpeto pela criatividade tendo como objetivo máximo alcançar a excelência tecnológica. Não podemos deixar de fora dessa explanação uma das máximas da prática hacker na web, que de fundadores da Internet e na vanguarda da luta anticapitalista, prezam sobretudo pelo desenvolvimento do software livre, uma prática “a favor da liberdade de expressão, partindo do princípio da comunicação livre” (SANTOS e COSTA, 2014, p.6). Sem dúvida, o compartilhamento de interesses em comum fazem dos hackers uma base para o entendimento da Cibercultura, assim como do cyberpunk, pois não podemos deixar de lado o fator da atuação individual e do sentimento contestador levado à frente por eles. Nayar (2010) adiciona à figura dos hackers fator chave para o entendimento da literatura cyberpunk, “pois através da popularização do consumo de massa da alta tecnologia, os hackers atuam como larápios do saber que distribuem o conhecimento dos sofisticados softwares distantes dos gigantes monopólios das metrópoles”14. Inseridos na concepção apresentada por Nayar (2003, p.08 apud AMARAL, 2006, p.49), o cyberpunk abrange desde “jogos de computador, arte, moda” até a “música eletrônica e o rock industrial”, assim como as

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The key theme is the popularization and mass consumption of high-tech where hackers and vendors possess, use, and distribute sophisticated software that was once the monopoly of giant corporations. Tradução nossa.

27 “comunidades na internet (newsgroups, e-zines, websites, listas de discussão, etc)” que criam uma estética particular a ser compartilhada. Isso nos proporciona, segundo Susser (1992), a oposição entre os organismos vivos e as máquinas e a revolta e melancolia do presente vivido em relação ao porvir e, segundo Heuser (2003), a extrapolação do que acreditamos ser um ser humano, como visto na obra Neuromancer. O corpo, a carne, o sangue, a matéria humana em sua não humanidade é a tônica dessa estética e, aparentemente se contrapõe às questões de descorporificação presente nas temáticas cyberpunks. Apesar de tentar se livrar do “estorvo” no qual a carne teria se convertido, o corpo ainda é a fronteira final dos autores cyberpunks, que, em um primeiro momento de radicalismo, tentam abdicar dele, mas em seus escritos mais recentes, parecem ter refreado um pouco esse desejo, recorporificando algumas personagens (AMARAL, 2006, p.58).

Com a maturidade das obras literárias, conceituação acadêmica e avanço da tecnologia da informação, a descrição de cyberpunk apenas como uma literatura melancólica ou transcendental em meio ao caos urbano das metrópoles, assume o proposto por Green (2001 apud AMARAL, 2006, p.69), no qual a Ficção Científica “é uma maneira de nos endereçarmos ao aqui e agora” e converge para um modo de agir em relação ao mundo, assumindo de vez as teorias da cibercultura com viés ativista influenciado pelo punk, reverberando até nas atuais “práticas de ciberativismo” “jornalismo colaborativo” e como adendo na cultura hacker (AMARAL, 2006, p.10). Kellner (2001, p.83) afirma que os cyberpunks mantêm sempre a seu favor “o uso descentralizado da tecnologia a serviço dos indivíduos”, procurando através da estreita ligação entre o presente descrito e o presente vivido, exergar além das “representações literárias” dos autores posteriores, encarando o cyberpunk como uma atitude e visão. Uma espécie de “estrutura mental coletiva que fica mais ou menos presente, em determinados períodos históricos e movimentos artísticos” (AMARAL, 2006, p.52), em relação ao mundo contemporâneo e à sociedade de informação. A visão cyberpunk reconhece o enfraquecimento do espaço público e o aumento da privatização social, na qual os laços sociais fortes não existem mais. (...) nesse espaço público as pessoas são tecnologizadas e reprimidas ao mesmo tempo, sendo que a tecnologia media nossas vidas (AMARAL, 2004, p.8).

Nayar (2010) adiciona que central ao cyberpunk está a procura, o controle e

28 disseminação da informação15. Leary (1988 apud AMARAL, 2006, p.38) completa essa ideia afirmando ser o cyberpunk um tipo de comportamento que explora a criatividade individual e o pensamento através do uso das informações e dados disponíveis via tecnologia. De certa forma, chegamos naquilo que Baudrillard (2001 apud AMARAL, 2006, p. 35) define como uma hiperestatização do indivíduo, no qual, há uma circulação simbólica onde o indivíduo não é compreendido de forma separada, ou seja, está imerso na tecnologia, como um ser que pensa por si próprio para atuar na sociedade do século XXI. Tratando as características do cyberpunk como uma atitude e um modelo de atuação próprio do século XXI, apresentando o caráter ativista e libertador a ser perpetuado através das tecnologias, depreendemos que a temática vai muito além de figurativização e escapismo literário na medida em que começa a desconstruir e repensar a cultura tecnológica em que estamos nos inserindo desde a década de 1970. Como assim demonstra Lemos (2002): A cultura cyberpunk não é somente uma corrente de Ficção Científica, mas um fato sociológico irrefutável, uma mistura de esoterismo, programação de computador, pirataria e Ficção Científica, influenciada pela contracultura americana e pelos humores dos anos 80. (...) A atitude cyberpunk é, acima de tudo, um comportamento irreverente e criativo frente às novas tecnologias digitais (LEMOS, 2002, p.212).

No período em que vivemos, o imaginário construído na literatura F.C. está proporcionando um momento em que não sabemos o que é de verdade ficção e realidade, o presente e o futuro podem ter sido escritos nas páginas literárias e nem nos damos conta disso. Como destaca Spinrad (1990, p.57), a “Ficção Científica é, obviamente, não apenas um modo literário, mas uma esfera do discurso” que assim nos persuade e nos elucida questões. Há também na F.C. potencial para pensamento em qualquer instância social, tornado-se um importante aliado na compreensão de nossa sociedade em crescente imersão tecnológica.

2.2.2.2. Uma breve história do punk Está no ativismo e na rebeldia da contracultura as considerações do punk inserido na maneira cyberpunk de ver o mundo. Nascido do proletariado, como uma afirmação de identidade de uma pequena parcela da população de determinada metrópoles – em especial Londres, Inglaterra e Nova Iorque, Estados Unidos – que estavam a margem da sociedade e procuravam demonstrar sua potencialidade individual através de um grupo social. 15

Central to all cyberpunk is the theme of information: its collection, control, and dissemination. This theme seems natural in an informational age where the right kind of data is truly priceless or dangerous.

29 Inicialmente teve os valores do ritmo musical da década de 1970 perpetuados ao redor do mundo16 (ELIAS, 2009). Alguns são: a raiva em relação à sociedade, anarquia e na “contestação do sistema capitalista” (VITECK, 2007, p.53), características importantes para a sobrevivência até a década de 1980, quando se estabelece como um movimento social de contracultura. Autores como o francês Michel Maffesoli (1998) e o americano Craig O’Hara (2005) também contribuem para a reflexão sobre o punk no sentido de apresentar o movimento como uma neotribo, o primeiro ou uma subcultura, o segundo. Para o francês a criação dos grupos nas grandes metrópoles ocidentais faria com que os pertencentes a elas se juntassem por afinidade, sentimentos comuns ou experiências vividas coletivamente, ambas podendo ser motivadas por um momento histórico ou proximidade (MAFFESOLI, 1998). Na década de 1980, o punk assiste a sua morte e renascimento, enquanto bandeira anarquista é vilipendiada pela indústria musical mainstream a partir de algumas bandas londrinas, como The Sex Pistols e The Clash17., na medida em que esses grupos fogem do padrão artístico punk a partir de uma formação completamente voltada para o comercial e que carregava em si o punk não como a atitude transgressora que se caracterizou ao logo do tempo, mas como uma forma de transformar o estilo da moda, da música e até dos cortes de cabelo num produto. Apesar disso, Viteck (2007) afirma que a identificação de uma pequena parcela da população de algumas metrópoles que se viam a margem da sociedade, deixava de lado a individualidade característica de sua ideologia em detrimento da cultura de massa. Novamente, a dicotomia mainstream e underground demonstra que está no cerne do cyberpunk. O movimento aderiu à possibilidade de que o sentimento de rebelião diante das divisões urbanas poderia se tornar uma força contra o poder de alguns grupos urbanos majoritários. O punk como manifestação cultural surgiu, em princípio, como uma resposta ao mercantilismo do rock, relação classificada como traumática por Viteck (2007), quando o mesmo perdeu o viés contestador (MELÃO, 2010, p.86).

Resume itself in the appropiation of the values in wich the 70’s punk music was based on. Tradução nossa. As bandas Sex Pistols e The Clash foram formações da primeira onda do movimento punk britânico, em 1977. Suas principais características são as letras politizadas do Clash, experimentação musical e atitude rebelde. Além de uma conotação claramente comercial, seja na divulgação das músicas, assim como no estilo dos cantores e do próprio movimento punk. 16 17

30 Agora, segundo Viteck (2007), inicia-se a formação de aldeias metropolitanas ocidentais que, envoltas pela afinidade musical e o sentimento anti-capitalismo encontram a compreensão em falta na sociedade em que estão inseridos. Superando, de certa forma, os sentidos de si mesmo e daqueles que estão ao seu redor, retiradas pela massificação de algumas bandas, como os Sex Pistols (figura 5) e do esquecimento das ideias que iniciam o movimento no alvorecer de 1970.

Figura 5 – Capa do disco “God save the queen” da banda inglesa Sex Pistols. Fonte: AFP, 1977. Como um movimento de contracultura (MELÃO, 2010), o punk é uma aversão ao mainstream e a sociedade de produtos massificados, chegando a ter uma fase hardcore. Nesse momento, o movimento passou a existir como uma rede underground sem o menor contato com o mainstream. Era o início do período onde o punk passou a ser uma quase-religião com bem mais regras do que antes. (VITECK, 2007). Uma importante característica desse período mais do que rebelde é o D.I.Y, ou “Faça Você Mesmo”, que constrói o estilo punk a partir de apropriações de recusar a estar dentro de um determinado conjunto de valores. Como uma atitude que reverberou na moda e na música, o D.I.Y emerge das fanzines (AMARAL, 2006), revistas não apenas de entretenimento, como também para coesão de uma cultura punk que tentava se desvincular com as características criadas pela mídia e pela indústria musical.

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Figura 6 – Capa e parte interior do fanzine inglês Sniffin' Glue, editado por Mark Perry. Fonte: Reprodução da Biblioteca Britânica, 1976.

É a partir dos zines que começa uma maior expansão de uma cultura punk que se distancia do comercial e utiliza do conhecimento adquirido nas ruas e do uso das tecnologias entre os participantes dos reagrupamentos sociais o caminho para a fundação do cyberpunk tal qual o entendemos hoje e que põe em voga a busca por algo novo e autêntico. Seja uma atitude de desafio em direção às normas culturais e estéticas; uma atitude de desconfiança em relação a linguagem nacionalista e todas as outras formas de discurso requerido pelo capitalismo legal, político e consumista (...) (McCAFFERY, 1994, p.288 apud AMARAL, 2006, p.131).

Através da destruição e desconstrução, do sentimento anárquico, antissocial e quase extremista e a violência estética baseada no próprio corpo humano em si e em relação a outros (AMARAL, 2006), agora a tecnologia é usada como “uma arma contra ela mesma” que “tenta reduzir o controle de sua forma a partir dos efeitos da indústria da mídia e reestabelecer um sendo de ameaça e intensidade” (McCAFFERY, 1994, p.289). Assim, estamos de acordo com Elias (2009) que aponta ser o cyberpunk algo tão atual e urgente na pós-modernidade, quanto o entendimento da mesma era. Diante da união visceral do humano com tecnologia a leitura, seja de ficção ou de teorias pode (e deve) proporcionar a nós o desenvolvimento de um paralelo com a sociedade de massa midiática e nos apresentar uma imagem, ao mesmo tempo lúdica e real acerca dos meios de comunicação da nossa

32 sociedade. Ideias similares às de McLuhan & Fiore (1969, p.52) que, ao discorrerem sobre a informação elétrica, mostra que “as minorias não mais podem ser contidas – ignoradas”. Pois, “muita gente sabe demais sobre cada um e nesse “nosso novo ambiente compele à participação e ao engajamento” de todos, da forma que souber e puder. Urgência, ativismo, liberdade, as novas mídias e as ações próprias do Faça Você Mesmo foi são alguns dos conceitos ressaltados e estudados pelos cyberpunks, pessoas que exploram o que é recusado (KELLNER, 2001), encontram nas tecnologias da informação uma fonte quase inesgotável de intercâmbios e acesso à diversos de tipos de informações, como uma força motriz do ativismo ao redor do globo, o que ressalta ainda mais os cyberpunks como uma possibilidade e uma subversão que salta das páginas e chega às mentes. Cyberpunk é um eito de pensar, uma visão de mundo particular. A maior parte dessas atitudes vem da cultura hacker ou filosofia punk. O campo de batalha é a mente das pessoas; os domínios da informação gerada por computador são as próximas fronteiras; as megacorporações são os novos governantes; pequenos grupos podem ameaçar o poder sobre os governantes, corporações, etc; estamos nos tornando cyborgs, pois as tecnologias estão se tornando cada vez menores e mais próximas em nosso cotidiano e em breve se fundirão conosco. Os cyberpunks defendem a liberdade de informação, o antiautoritarísmo, o enfrentamento do poder, a devolução do “ruído” como feedback à sociedade e o faça você mesmo. (AMARAL, 2006, p.177).

2.3 Considerações finais Ao término desse capítulo, nossas proposições acerca da construção histórica do cyberpunk nos levam a compreensões mais aprofundadas dessa subcultura e de como ela pode estabelecer uma importante forma de compreensão do mundo atual, permeados pela tecnologia. Se encararmos o fato de que a sociedade contemporânea na qual vivemos parece, cada vez mais, se transformar no futurismo que lemos nas páginas de F.C., podemos pensar na possibilidade de o próprio cyberpunk ser o momento presente, não um futuro distante ou um passado nebuloso. O conceito de pós-humano e suas implicações tanto sociais quanto biológicas ao ser humano são um exemplo disso. Santaella (2013 apud REIS, et al., 2015, p.4), descreve que “os modelos de corpos humanos relacionam-se com a tecnologia e seus avanços, desde a cibernética e os sistemas eletrônicos, compondo um novo modelo de corpo humano, que não é mais visto como, apenas, sistemas e reações fisiológicas, mas, também, como uma rede comunicacional, com hardware”. Assistimos uma assimilação dos corpos humanos às maquinas, sendo presença constante em nosso convívios os ciborgues, algo para “designar os sistemas ou entidades auto-reguladas

33 formadas com o acoplamento de homem e máquina” (RÜDIGER, 2007, p.8), ou ainda, “um humano com partes mecânicas, como próteses e outras peças que poderiam aprimorar capacidades humanas” (SANTAELLA, 2013 apud REIS, et al., 2015. p. 5). Assim, já apresentamos em trabalho anterior (REIS, et al., 2015, p.6) que “o ciborg é visto como um avanço dos modelos corporais, que, antes restrito ao híbrido homem/máquina, desenvolve-se até adentrar no próprio ciberespaço”. Com isso, o trabalho de escritores e pesquisadores como Larry McCaffery, Bruce Sterling, William Gibson, Phillip K. Dick, William S. Burroughs, Mike Featherstone entre tantos outros que podemos não ter comtemplado no trabalho, demonstram a crescente concisão do campo de estudos literários e sociais e que auxiliam em nossa compreensão de mundo. Acreditamos, então, ser possível entender o cyberpunk como uma fusão de diversos olhares, sejam literários, sociais ou culturais e, por que não, linguísticos e discursivos. A nosso ver, o século XXI nos proporciona situações em que podemos fazer uso desses conceitos descritos há mais no século passado, a partir dos discursos dos manifestantes envolvidos em alguns movimentos sociais seja nas ruas ou no ciberespaço. O futurismo das páginas chegou, o cyberpunk é agora. Assim, no próximo capítulo passamos a delimitar o campo linguístico e discursivo que nos propomos a trabalho, com a apresentação dos pensamentos de Mikhail Bakhtin e Michel Foucault, um diálogo entre os dois e a presença de outros autores dedicados ao estudo da análise do discurso. Sobre os autores citados, pretendemos esmiuçar os seguintes tópicos: dialogia e ideologia no primeiro e silenciamento e poder no discurso em relação ao segundo.

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3 LINGUAGEM E DISCURSO

Vimos no capítulo anterior as principais características do subgênero cyberpunk, apresentando sua gênese e seu desenvolvimento histórico, desde uma concepção de cibercultura a partir das considerações de Pierre Lévy e Manuel Castells, ao desenvolvimento do grupo social punk imerso na sociedade tecnológica dos anos 1980. Note-se que do gênero de literatura às produções cinematográficas, o cyberpunk desenvolve características que extrapolam os produtos culturais e chega a dialogar com os grupos sociais, apresentando uma visão de mundo permeada por discursos de rebeldia e insatisfação com um status quo adquirido. Ademais, é justamente na característica de um discurso de oposição que pretendemos trabalhar no decorrer do trabalho, pontuando que ele reaparece em diversas produções de diversos grupos sociais, ou, até mesmo, em nossa vida cotidiana. A nosso ver, o discurso cyberpunk está no meio social incrustado de uma ideologia presente do subgênero e quando entra em diálogo com outros do mesmo grupo, inicia a criação de algo em comum, um discurso próprio do cyberpunk. Além disso, há interno ao discurso cyberpunk, duas situações possíveis: a manifestação de poder que acaba excluindo outras possibilidade de discursos ou a própria exclusão dentro do contexto singular em que está sendo proferido. Este capítulo tem como foco características da linguagem e o discurso na perspectiva dialógica de Mikail Bakhtin e da exclusão de sujeitos no discurso de Michel Foucault. Começamos apresentando as questões de linguagem e dialogia do discurso, prosseguindo discutindo sobre o discurso na perspectiva foucaultiana, sobre a exclusão dos sujeitos no discurso, na tentativa de compreender como o discurso cyberpunk atua no meio social, com suas rarefações e descontinuidades. Por fim, nossa intenção é compreender a possibilidade desse discurso ser analisado a partir das considerações dos dois autores.

3.1 Bakhtin, ideologia e dialogismo

Olhando para a necessidade de estudar as instâncias linguísticas, percebemos que das diversas perspectivas no campo da linguística é a relação apresentada pelo pesquisador Daniel Dantas Lemos (2013), que estudou em sua tese doutoral o diálogo dos pensamentos do teórico

35 russo Mikhail Bakhtin e seu entendimento de linguagem como prática social com outro importante teórico, o francês Michel Foucault e sua compreensão de discurso como um local para manutenção de poder, que julgamos mais pertinente para desenvolvimento deste capítulo e referido trabalho. Em Bakhtin aportarmos em um novo paradigma do estudo da linguagem. Anteriormente ao seu trabalho, a língua era apontada como algo dissonante ao social, sendo privilegiado os estudos de suas estruturas internas e estáticas. Entretando, em uma perspectiva bakhtiniana, a linguagem é compreendida de “um ponto de vista social, constitutiva da própria realidade social e dos sujeitos nessa sociedade” (LEMOS, 2013, p.55), tendo todos os seus produtos, onde poderíamos inserir os diálogos, produção de sentindo através da fala, a fala de um povo, determinados “não pela vivência subjetiva do falante mas pela situação social em que soa essa enunciação” (BAKHTIN, 2007 apud LEMOS, 2013, p.63). Além dos exemplos anterior, o caráter explicitado anteriormente, ao prover importância fundamental ao social, nos abre a possibilidade de conhecer duas importantes características do cenário linguístico, são eles: os conceitos de ideologia e de dialogia do enunciado. O termo ideologia carrega em seu bojo considerações das mais diversas, tanto no senso comum, quanto em uma análise com escopo substancialmente teórico. Segundo Fiorin (2001, p.28), uma ideologia “serve para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens”. Essa justificativa é manifestada socialmente a partir do que é definido nos grupos da sociedade. Para Foucault (1981, p. 100), a ideologia é o fundamento de todos os conhecimentos e manifestada em todos os discursos, “uma linguagem que reduplica em toda a sua extensão o fio espontâneo do conhecimento”. Lemos (2013, p.138) defende que, ao levarmos nossa visão de mundo particular “no bojo de uma formação discursiva definida, o indivíduo sempre terá uma compreensão responsiva ativa comprometida ideologicamente”. Essa compreensão responsiva pode, então, acarretar em uma tensão ante a presença ideológica e seu processo de formação em cada classe, colocando em cheque a própria soberania do sujeito, na medida em que abre-se a possibilidade de que esse fala não aquilo que quer, porém “o que a realidade impõe que ele pense e fale” (FIORIN, 2001, p.43). Essa possibilidade atesta um caminho onde o sujeito pode então ser levado pelo falar das massas e praticar seu discurso permeado pela ideologia de um grupo dominante.

36 Como apresentamos na introdução deste capítulo, a ideologia e o dialogismo são dois importantes pensamentos na teoria do autor russo. Também retomando o exposto, descrevemos que no início dos estudos da linguagem, o foco da análise passava mais no seu caráter estético das funções internas, sendo Bakhtin um agregador de novos pensamentos, na medida em que valorava à interação dos interlocutores um caráter fundador. A comunicação entre os sujeitos sociais passou a ser pensada não “como um fenômeno de mão única, do emissor para o receptor, mas como um sistema reversível e interacional” (BRAIT, 1997, p.32), onde a prática do diálogo era a mais importante ferramenta para formação de uma linguagem e, por conseguinte, para a implementação de uma ideologia comum. É nesse escopo que podemos apresentar o dialogismo, fazendo uso da definição de Brait (1997, p.33), onde ele é considerado como “o princípio constitutivo da linguagem e a condição do sentido do discurso”, construído “entre pelo menos dois interlocutores que são seres sociais”, em uma espécie de “diálogo entre os discursos”. A autora destaca uma pretensa complexidade em seu processo, de maneira que a linguagem se converte em algo não neutro e carregado ideologicamente, oriundo do processo resultante de “um permanente diálogo existente entre indivíduo e sociedade, dimensão que a linguagem se encarrega de instaurar e mobilizar” (BRAIT, 1997, p.97). Assim como pelo efeito de ser proferida em uma situação histórica e social e concreta no momento e no lugar da atualização do enunciado. O dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. Diz respeito também, ás relações que se estabelecem entre o eu e o outro nos processos discursivos instaurados historicamente pelos sujeitos. (BRAIT, 1997, p.98)

Esse caráter histórico-social da linguagem também é fator de suma importância em nosso percurso de compreensão de Bakhtin. Temos de ter em mente que a linguagem tem características peculiares, como a de funcionar de diferentes formas para diferentes grupos, muito pela substância dos materiais ideológicos nos momentos determinados, ou seja, o tema e a significação da palavra são sempre analisados em relação ao contexto aplicado na situação. Se evocarmos Foucault (1981, p.35) nesse diálogo, percebemos que é no encadeamento das semelhanças e do espaço, que “o mundo constitui cadeia consigo mesmo”. Ou seja, em determinados períodos da história, a maneira de compreender um acontecimento pode até ser o mesmo, porém o material de análise é substancialmente alterado de acordo com o período. Não é diferente com a linguagem, então, por carregar esse caráter histórico e social. A linguagem, assim, é sucessiva e seu toda forma o discurso ao inferir “o poder de uma palavra que passa por

37 sobre o sistema dos signos em direção ao ser daquilo que é significado” (FOCAULT, 1981, p. 111). Imerso em um contexto sócio histórico, a menor unidade significativa da fala, a palavra, fica no jogo de contextos buscando se adequar. Ao adquirir “significações relativas aos contextos nos quais ela pode se inserir”, acaba por criar um tema, que Bakhtin, segundo análise de Dias (1997, p.111), desenvolve-se na “expressão da situação histórica concreta em que se pronuncia um enunciado”. Seria posteriormente “impossível constituir significação sem que se faça da palavra um elemento de tema”. Ele ainda é o “estágio superior real da capacidade linguística de significar” (BAKHTIN, 1992, p.131), que apresenta a enunciação completa, dinâmica e complexa em sua forma e que se adapta às condições de um dado momento da evolução. Então, a enunciação pode ser compreendida como o processo que localiza o enunciado “em relação ao momento, ao lugar e às personagens envolvidos no processo” histórico, ocasionando uma significação, pode se tratar de uma construção histórica, onde “cada enunciação, cada ato de criação individual é único”, mas que entretanto, temos a possibilidade de encontrar elementos idênticos ao de outras enunciações (BAKHTIN, 1992, p.77). Para o autor, “a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação” (BAKHTIN, 1992, p.113). Podemos até aqui inferir que, se a ideologia determina a linguagem e desenvolve um significado, o processo de significação é o resultado das estruturas sociais ao nosso redor (CASTRO, 1997). Ainda assim, a sociedade ao longo da história é um fator determinante não apenas para a formação da linguagem e de suas estruturas compartilhadas por um grupo em comum, como também, no desenvolvimento do diálogo entre dois enunciados, em uma espécie de “discurso bivocal” (CASTRO, 1997, p.130), formado a partir das condições desse tipo de comunicação. Somos propensos ainda a acreditar que esses discursos estão em harmonia quando se encontram, entretanto nesse encontro não há bodas, mas sim uma disputa entre as duas vozes, como afirma o próprio Bakhtin (1981, p. 168): “A segunda voz, uma vez instalada no discurso do outro, entra em hostilidade com o seu agente primitivo e o obriga servir a fins diametralmente opostos. O discurso se converte em palco de luta entre duas vozes”.

38 Em mais considerações sobre o discurso apresentado anteriormente, Faita (1997, p.162) destaca-o como uma “multiplicidade de sistemas de crenças verbo-ideológicas e sociais interligadas”, muito pelo, como já vimos, o caráter histórico de construção do sentido e da linguagem. Há ainda, como aponta o autor, uma “predominância do social sobre o individual” (1997, p.163), que “se molda sempre a forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma” (1997, p.293). Intrínseco à predominância do social, temos que o enunciado, a parte fundadora do discurso, apresenta características duplas de composição, com “um locutor único, mas no qual, de fato, estão misturados dois enunciados, duas maneiras de falar” (1997, p. 165). Esse acontecimento é reflexo das característica dialógicas do enunciado que tanto reflete o contexto social ao qual é proferido, quanto pode refratar a voz do sujeito. Finaliza Faita (1997, p. 169): A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir de seu próprio interior, a estrutura da enunciação.

3.2 Os signos

Permeando o pensamento de Bakhtin (1992) está também a noção e a caracterização dos signos, instância com valor semiótico que está contida em um universo particular que não existe apenas como parte estática de uma realidade, mas também, se refletem e se refratam. Eles, segundo o autor (1992, p.33), “só emergem, decididamente, do processo de interação entre uma consciência individual e uma outra” também individual. Dessa forma, o signo é constituindo quando os dois indivíduos estejam socialmente imersos e formando um grupo ou unidade social. Decorre daí que o principal desses signos é a palavra, um “fenômeno ideológico por excelência” e que “funciona como elemento essencial que acompanha toda ação ideológica” (BAKHTIN, 1992, pp.36-37). As palavras são fundamentais para a compreensão do caráter dialógico, além de “se carregaram com o peso de sua história material (FOUCAULT, 1981, p.319). Elas são construídas em meio ao campo social a partir daquele que fala e para aquele a quem se dirige. Segundo Bakhtin, as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma (BAKHTIN, 1992, p.41).

39 Então, as palavras são fontes para as relações sociais em todos os domínios, assumindo características comuns de acordo com a época a que estão inseridas, pois “as formas de signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece” (BAKHTIN, 1992, p.44). Cada grupo e cada época desenvolvem um repertório de formas discursivas próprias na comunicação sócio-ideológica que, segundo o autor (BAKHTIN, 1992, p. 95), o que pronunciamos ou escutamos não são meras palavras, mas sim, valores como verdade e a mentira, já que elas estão “sempre carregadas de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN, 1992, p.95). Para Foucault (1981, p.248), “as palavras são sempre interrogadas a partir de seus valores representativos, como elementos virtuais do discurso que lhe prescreve a todas um mesmo modo de ser”. É no discurso que encontramos a luta de vozes em busca da significação. Interno ao signo outras batalhas também são travadas, pois como há em seu funcionamento “índices de valor contraditório”, como, por exemplo, o desenvolvimento da “luta de classes”, similar aos desenvolvidos pelos precursores do marxismo. Vemos que a luta é o resultado da refração e deformação do sujeito que, a partir dos confrontos sociais discutidos em conjunto de uma mesma comunidade, coloca em cheque índices de valor contraditórios e perpetuam uma disputa que parte do signo para o social. Bakhtin destaca ainda a tentativa da classe dominante de colocar em patamar intangível o signo, afim de abafar as lutas que estão sendo travadas (BAKHTIN, 1992). Com essas considerações, o discurso se converte em uma importante arena ideológica, onde as palavras e os enunciados duelam pelo entendimento do sujeito. Se assumirmos que o signo e o momento social onde este é colado são indissolúveis e que essa confluência resultará no ato da fala, compreendemos que a palavra estará subjetivada no ato de decodificação daquele que fala, rendendo dos enunciados um caráter ideológico desde o cerne, que seria a palavra. Então, “Em todo ato de fala, o importante, do ponto de vista da evolução da língua, não são as formas gramaticais estáveis (...), mas sim a realização estilística e a modificação das formas abstratas da língua” (BAKHTIN, 1992, p.76). Quando falamos, refletimos a ideologia interna à nossa consciência e do meio em que estamos interagindo socialmente em uma batalha travada interna ao discurso. Por isso, as manipulações através dos enunciados são as que afetam mais diretamente o sujeito que vive em uma sociedade midiatizada. Lemos (2013) destaca que a transformação de um ato de fala em enunciado é “o fato de ele ser produzido por um sujeito, a partir de um lugar e de uma instituição, assumindo determinadas regras sócio-históricas que definem e possibilitam que ele

40 seja enunciada. Neste processo, onde o ouvinte que “recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso”, adota simultaneamente para com ele, “uma atitude responsiva ativa” (BAKHTIN, 1997, p.290), temos no documentário a possibilidade de o discurso proferido pelos manifestantes ser um reflexo do momento vivido nas manifestações. Sendo assim, ser e falar de forma rebelde seria o caminho mais plausível da enunciação presente no documentário, haja vista, sua importante conexão com fatores externos e a possibilidade de que ao significar onde está inserido, ser essa a única resposta possível para atuação.

3.3 O pensamento de Foucault

Com o exposto anteriormente, nossa tentativa de caracterização da linguagem, discurso, enunciado e suas demais funções internas, avança, desta feita, para o pensamento de Michel Foucault. Dessa forma, buscamos descrever e dialogar com os ditames internos do discurso, tendo em vista o já conhecimento de uma atuação externa e fortemente ideológica em que esse sistema atua. Inicialmente, cremos que o entendimento do discurso em uma visão foucaultiana leva em consideração que sua expressão é o local ideal para o exercício do poder. Essa “é uma prática social historicamente constituída que se manifesta em uma articulação de poderes locais, específicos, circunscritos a uma pequena área de ação – a instituição” (GREGOLIN, 2006, p.43 apud LEMOS, 2013, p.134). É caraterístico também da visão foucaultiana a convergência entre linguagem e discurso, a partir de “situações específicas de poder em que se manifestam relações sociais repletas de relações de poder mais ou menos bem definidas” (LEMOS, 2013, p.56). Ainda nas considerações de Lemos (2013), é válido salientar uma possível referência ao sentido de reaproveitamento do discurso, onde o mesmo já não é único, mas sim, um resultado de discursos anteriores. Foucault (2008, p.53) acredita que os discursos transcendem o caráter de conjunto de signos e tornam-se “práticas que formam sistematicamente os objetos que falam”. Podemos, então, compreender os discursos como formas vivas. Quase como uma caraterística intrínseca às sociedades, o autor francês descreve na obra “A ordem do discurso” (FOUCAULT, 1996) que o desenvolvimento e a produção dos discursos seguem um controle, uma seleção e uma organização para uma posterior redistribuição em procedimentos funcionais elaborados pelo próprio sujeito que discursa. Por processos de interdições, sejam eles sociais ou ontológicos, há no discurso traços de desejo e poder quando

41 buscamos através dele, do discurso, nos apoderar de algo, no caso uma possível nomeação e a oportunidade de fala. Sendo assim, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque, pelo que se luta, o poder do qual nós queremos nos apoderar” (FOUCAULT, 1996, p.10). Se há um poder no qual nós queremos apoderar-se, depreendemos que há perdas e ganhos e que, com isso, ocorrem inclusões de algo assim como exclusões, tópico que o autor aponta em sua obra (FOCAULT, 1996). Ao pensar em como a linguagem age internamente para a manutenção do poder, como um desejo, possibilitando a exclusão de outros sujeitos que porventura poderiam estar presentes no discurso, o autor destaca em seu processo de elaboração do pensamento três formas de controle externo do discurso, ou, os sistemas de exclusão. São eles: a interdição, a separação e a rejeição e a vontade de verdade. No primeiro sistema, o de interdição, o direito de fala está restrito aquele que detêm o poder. Foucault (1996, p.9), exemplifica-a como um “tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala”. Através dela, percebemos que em algumas regiões de nossa sociedade, há certos assuntos que não podem acessar nosso discurso. Ainda, alguns discursos só podem ser acessados em regiões determinadas, assim como, outros só podem ser proferidos por sujeitos determinados. Vemos que os sujeitos são impedidos de falar o que desejam na necessidade de cumprimento de regras próprias. Em um culto religioso, por exemplo, no qual há marcas de fala determinada e, geralmente, o comandante do culto tem a principal possibilidade de fala (LEMOS, 2013). Além disso, o diálogo conflituoso entre manifestantes e servidores de segurança pública desenvolvidos dentro de um caráter de autoridade também poderia servir para elucidar tal conceito. Em relação ao segundo sistema de exclusão, a separação e a rejeição. Em sua análise, Foucault (1996) parte da separação e da rejeição do discurso, primeiramente dos leprosos seguindo para o dos loucos. Contendo uma verdade ou não, vemos esse sistema quando o locutor do discurso, na tentativa de manter seu poder na fala, faz a separação daqueles sujeitos que o próprio meio social vê como necessário separar. Se tomarmos novamente o exemplo das manifestações, acompanhamos os servidores de segurança pública, conferidos pelo poder do discurso, realizando tal separação, pois, os manifestantes até poderiam estar falando alguma verdade, mas seu discurso não era aceito no âmbito da manifestação. Situação similar à atuação dos próprios manifestantes, que excluem internamente ao movimento, aqueles que realizavam uma intervenção tida como exagerada ou agressiva para os moldes padrões. O poder social realiza a separação e acaba se caracterizando como uma medida necessária no cenário de

42 conflito estabelecido. Por último, a vontade de verdade, mesmo sendo um caminho arriscado a seguir, é o local onde o verdadeiro e o falso são dicotomizados. Segundo Foucault (1996), “a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a sua referência. Descrevendo o pensamento foucaultiano, Lemos (2013) afirma que quando há um verdadeiro instituído no poder do discurso, tudo aquilo que foge a esse poder tende a ser excluído para manutenção da ordem. Pelo impulso do desejo investido no discurso, queremos que ele seja aceito como verdade, o que nos conferirá um poder. De posse desse poder, é decerto que não há a necessidade do discurso ser verdadeiro, apenas que sua reprodução seja tão clara e tão convincente. Novamente usando as manifestações como exemplo, percebemos que há nas forças de segurança o poder de fala, um poder institucional e um amparo social para o percurso de exclusão do discurso oponente. Não obstante, levada a cabo por um suporte institucional – como uma disciplina ou a ciência – a vontade de verdade age, digamos, de uma forma arbitrária e atua diretamente contra a verdade, na medida em que, aquele que “desafia o discurso oficial deverá ter sua fala interditada e será excluído do seu grupo social. Então, vemos em Foucault (1996, p. 15) que “a verdade, a mais elevada já não residia mais no que era o discurso ou no que ele fazia, mas residia no que ele dizia”, a verdade desliga-se de seu caráter de enunciação e passa para o próprio enunciado. Dessa forma, o que importa agora é o discurso objeto, concreto, o direito de realizar esse discurso e não mais aquilo que ele fala. O discurso deixa de ser apenas um meio e passa a ser a coisa em si, o próprio poder do saber no discurso. Assim, esses sistemas de exclusão são primordiais quando pensamos em uma sociedade que necessita ser controlada por meios que nem exagerem na violência, mas que também não fiquem explicitamente elaboradas na percepção de todos. Estamos imersos a uma disciplina invisível, que Foucault (1996, p. 36) denomina como o “princípio de controle da produção do discurso”, pois não podemos escapar das regras, ora aparentes, ora não, de uma política do discurso sempre retomada indefinidamente, a cada proposição que proferimos. O discurso pode, e deve, ser nada mais do que “a reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos” (FOUCAULT, 1996, p.49).

43 3.4 Compreendendo os atos de poder

Além dos sistemas de exclusão, podemos encontra no discurso alguns princípios a mais, como os de denominação dos sujeitos e o definição dos enunciados. Em nossas leituras, inferimos que é na prática de um ato de poder, a possibilidade de denominação e definição daquele que o porta. A medida implica na exclusão de outros discursos, como descreve Lemos (2013, p. 141): “a denominação define sujeito e texto como excluído e silenciado”, enquanto o silenciamento encaminha para “a monossemia, o consenso”. Na tentativa de esclarecer as ordenanças do exercício do poder no discurso, Sousa e Menezes (2010) ressaltam que as relações de poder constituem todas as relações sociais. Dessa forma, se o poder é disputado dentro do discurso, denominar o sujeito e definir os enunciados são essenciais para a manutenção de um poder discursivo dentro dos grupos sociais, pois “todas as relações sociais são constituídas de relações de poder” (SOUSA; MENEZES, 2010, p. 18). Denominar e definir, ainda, ocasionam a distinção “daqueles que têm o poder de dizer os textos e as interpretações legítimas (paráfrases do discurso) daqueles que, em posição crítica, lutam por legitimação” (LEMOS, 2013, p.141), na medida em que o poder começa a ser pensando em termos de exclusão. A propósito, podemos dizer que essa distinção converte a própria noção de poder que se desloca do soberano e passa a existir através da norma (SOUSA; MENEZES, 2010). Norma tal que impõe aos sujeitos a convivência com dois mecanismos de poder que buscam treina-los para o seguimento das normas: uma punição que apresenta a “função de corrigir os indivíduos para estabelecer relações de poder” (SOUSA; MENEZES, 2010, p. 26) e uma vigilância que controla os indivíduos com a presença onisciente do observador. Ambas são base do discurso autoritário, definido por Orlandi (1996) como aquele onde o objeto do discurso está oculto pelo dizer, com a presença de um agente exclusivo do discurso. A articulação que é resultado de todo esse pensamento discursivo chega a dois processos que se tencionam e proporcionam o surgimento da linguagem: a paráfrase a polissemia. Segundo Orlandi (2001, p. 36): A paráfrase representa assim o retorno aos mesmos espaços do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de processos de significação.

44 Dessa forma, quando visualizamos um silenciamento, cremos que aquele que discursa caminha para uma monossemia, um sentido aceito pela maioria como o sentido correto. A partir das instâncias anteriores, destacamos os escritos de Lemos (2013, p.59), que apresenta a perspectiva trabalhada por Foucault (1996, p. 57) em sua análise do discurso. Seu trabalho parte “da análise das funções da exclusão dos sistemas de interdição da linguagem que manifestam o poder do discurso” em quatro princípios analíticos: o de inversão, o de descontinuidade, o de especificidade e o de exterioridade, sendo o último organizada pela “noção de acontecimento, a de série, a de regularidade, a de condição de possibilidade”. Sobre cada uma das noções, primeiramente a de acontecimento, Foucault (1996) afirma que para compreendermos o discurso, precisamos estudar o que levou a possibilidade desse discurso acontecer, assim como as regras que o fizeram está em um lugar específico e não em outro. A noção de série aborda a descontinuidade do discurso, que se apresenta de forma heterogênea ao longo da história. Já a regularidade, procura compreender os mecanismos que permitiram ao discurso irromper como verdadeiro. Por último, a condição de possibilidade, procurando compreender quais condições externas tornam possíveis a formação do discurso. Enfim, Foucault (1981, p.137), ressalta que “a tarefa fundamental do ‘discurso’ consiste em atribuir um nome às coisas e com esse nome nomear o seu ser”. As atribuições podem “designar os seres situando-os ao mesmo tempo em sua vizinhança” (FOUCAULT, 1981, p.204), similarmente ao que Bakhtin (1992, p.44) descreve como a relação entre a temporalidade e a linguagem, onde “o signo linguístico, vê-se marcado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinados”. O autor também ressalta que “para que numa troca, uma coisa possa representar a outra, é preciso que elas existam já carregadas de valor” (FOCAULT, 1981, p.205), pois em um diálogo, esse valor seria a ideologia.

3.5 Considerações finais

Podemos então, apresentar algumas interligações entre os dois autores apresentados neste capítulo. Dialogando com Lemos (2013), entendemos que Bakhtin e Foucault trabalham com a linguagem em uma perspectiva que conecta discurso, o sujeito e a sociedade. O primeiro recupera a dimensão linguística “histórica, social e cultural” (LEMOS, 2013, p.132) e ela “como prática social e os respectivos aspectos de interindividualidade” (LEMOS, 2013, p.133), ou seja, a descoberta de si mesmo em relação a um mundo social.

45 Nas considerações de Lemos (2013), vemos o prenúncio do dialogismo em Bakhtin, na medida em que este autor “recupera o papel dos sujeitos sociais na função comunicativa – o sujeito não é passivo no entendimento e compreensão de enunciados, mas tem uma ativa compreensão responsiva” (LEMOS, 2013, p.133). Sobre Foucault (2008, p.50), suas contribuições para uma análise do discurso está no conceito de formação discursiva, o momento em que:

se puder mostrar como qualquer objeto do discurso em questão aí encontra seu lugar e sua lei de aparecimento; se se puder mostrar que ele pode dar origem simultânea ou sucessivamente a objetos que se excluem, sem que ele próprio tenha de se modificar.

Foucault aproxima-se de Bakhtin e demonstra que um ato de fala transforma-se em enunciado a partir da função enunciativa, sendo produzida por um sujeito, “a partir de um lugar e de uma instituição, assumindo determinadas regras sócio-históricas que definem e possibilitam que ele seja enunciado” (LEMOS, 2013, p.134). Pode-se observar que os dois autores apresentam considerações importantíssimas para o estudo da análise do discurso, a partir da linguagem, sua ideologia, exclusão e interdição. Os pontos de contato entre Bakhtin e Foucault nos mostram que o discurso sempre será o local da manifestação de poder e ideologia, guardará em si a luta entre dois enunciados, dois sujeitos, que buscam enunciar-se e calar um ao outro, na busca da tomada de poder de fala. Assim, quando vislumbramos o panorama de uma manifestação, podemos concluir que em meio ao caos instalado na situação, sujeitos travam entre si essas disputas discursivas, colocando à prova discursos próprios e construídos sócio-historicamente. Faz-se então necessário um estudo desses processos de ideologia e exclusão dos sujeitos do discurso, admitindo que se o discurso é ideologicamente formado então, pode haver um caráter cyberpunk rebelde na disputa contra os discursos formais. Da mesma forma, se o discurso é local de disputa de poder, então há a luta entre o rebelde contra o instituído, que promove o deslocamento daquele mais fraco, não para manicômios ou prisões, como apresentado pelo autor francês, mas sim, para fora do ambiente de participação da manifestação, classificando-os como vândalos, às margens da lei, ou, simplesmente rebeldes lutando por alguma coisa. A tentativa de se encontrar esses pormenores, ora apresentados aqui, são apresentados no próximo capítulo deste trabalho monográfico.

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4 O DISCURSO DO DOCUMENTÁRIO “COM VANDALISMO”

Nas seções anteriores construímos o conhecimento e a compreensão do cyberpunk como um fato social que extrapola páginas de Ficção Científica e apresentamos o campo linguístico e discursivo dos dois autores que nos propomos a trabalhar nesta monografia. A confluência desses campos já nos proporciona uma visão expandida de como podemos assistir, ler, analisar produtos do tempo em que vivemos numa perspectiva diferenciada, a do cyberpunk e que, ainda assim, podemos fazer o caminho inverso do estudo e colocarmos os olhos nas falas, enunciados, discursos que compõem tais produtos. Este capítulo será organizado a partir da análise do discurso do documentário “Com Vandalismo”, o qual inclui características de um discurso cyberpunk em seu corpus. À favor da sua escolha estão as características peculiares de produção, como técnica de filmagem colaborativa, conteúdo alternativo às produções similares com o mesmo assunto e a presença de uma ideologia que acreditamos ser de viés cyberpunk. Pretendemos, então, apresentar considerações sobre a ideologia presente no documentário, a partir de Mikhail Bakhtin, assim como, a procura e análise do discurso cyberpunk conversando com os princípios analíticos de Michel Foucault.

4.1 Metodologia

Buscaremos por meio do método hipotético-dedutivo (GIL, 1994), relevante na medida em que sustentamos a hipótese de o documentário “Com Vandalismo” apresentar um discurso com características cyberpunk. Tentaremos através do levantamento bibliográfico e da análise do discurso, com aporte nos autores Mikhail Bakhtin e Michel Foucault, responder às seguintes perguntas de pesquisa: Há a presença de um discurso ideológico cyberpunk no documentário? Como é possível encontrar esse discurso cyberpunk através da análise do discurso? Nossa hipótese é de que há um discurso ideológico cyberpunk e de que é possível encontra-lo através dos princípios da análise do discurso apresentados por Foucault (1996). No levantamento bibliográfico pretendemos apresentar a subcultura cyberpunk no meio social, como uma forma de compreensão da sociedade pós-moderna e uma atitude rebelde em relação ao mundo e suas instituições. No que concerne ao campo linguístico delimitado em Mikhail Bakhtin e Michel Foucault, procuramos implementar um diálogo entre ambos nas

47 perspectivas de dialogismo e ideologia, no primeiro, e poder e silenciamento no segundo. Com o aporte teórico anterior, passamos à análise propriamente dita do documentário “Com Vandalismo”, onde faremos sua divisão em quatro partes, referentes às quatro manifestações apresentadas em sua duração. Dessa forma, acreditamos que a análise ganha em relevância por nossa perseguição aos enunciados ideológicos cyberpunk silenciados através dos diálogos. Em nosso percurso metodológico fazemos uso das considerações da autora Mariana Baltar (2001), que propõe uma teoria analítica discursiva para o documentário. Para a autora o significado não está pretenso em si mesmo, mas em uma relação de caráter dialógico naquele quem fala, como para aquele a quem se fala, sendo historicamente construído a partir dessa relação. A tentativa da análise do discurso então, no olhar de Baltar (2001, p.3), seria “desvendar a interpretação, trabalhando-a como conceito fundamental dos processos de construção de sentido”. A autora reflete que uma análise discursiva do documentário se proporia a desvendar como a enunciação (o discurso) significa em duas perspectivas, de um lado as especificidades de sua materialidade, tudo aquilo estético e imagético que forma a obra, como cortes de cena, sonorização etc; e do outro, a historicidade presente em sua composição, apresentada como a “articulação do ideológico e do símbolo em ‘lugares de fala’” (BALTAR, 2001, p.4). Em nosso trabalho, pretendemos utilizar a segunda perspectiva proposta por Mariana Baltar, na medida em que olhamos o objeto do trabalho a partir de uma construção história e ideológica cyberpunk e, além disso, perseguimos o silenciamento dos discursos em seus locais de fala institucionalizados, entendendo que o discurso cyberpunk é, ou pode ser, uma fala de contrariedade rebelde.

4.2 As manifestações de junho de 2013 Como forma de apresentar o objeto de nossa pesquisa, apresentamos as manifestações em que o documentário foi produzido. A escolha desse momento histórico ocorreu pela mobilização nacional que ocorreu em junho de 2013, apresentando causas e reivindicações das mais diversas. As manifestações de junho de 2013 no Brasil começaram em São Paulo, a partir do aumento das tarifas de transporte público na capital. Disso, surgiu o Movimento Passe Livre (MPL), responsável pela mobilização de, primeiramente e principalmente, estudantes secundaristas e universitários, no dia do primeiro ato, 6/6/2013.

48 Em plena av. Paulista, cerca de 2 mil manifestantes – 700, segundo números da Polícia Militar paulista – cobravam a diminuição do preço da passagem, reajustada no domingo anterior – 2/6/2013 – à movimentação nas ruas. A reportagem do jornal O Estado de São Paulo (2013) foi uma das presentes no ato e descreveu o protesto como de estudantes e com duas pessoas presas.

Figura 7 – Primeiro ato do Movimento Passe Livre (MPL) iniciou as idas constantes às ruas. Fonte: Daniel Teixeira/AE, 2013.

O dia mais importante das manifestações aconteceu em 13/06/2013, definido pela revista Carta Capital (2013), “O dia que não acabou” ou ainda no editorial do jornal Folha de São Paulo (2013), como título “Retomar a paulista”. O fator para tais posicionamentos deve-se à força imposta pelos policiais na contenção da manifestação de 22 mil pessoas. A atitude foi o estopim para o alargamento e alastramento dos protestos por todo o Brasil.

Figura 8 – Jovens saem às ruas na capital paulista em busca da diminuição das tarifas de transporte público. Fonte: Jesus Carlos, 2013.

49 O que se viu nas ruas brasileiras no dia 17/06/2013 foi o alcance de 2 mil pessoas chegar a quase 1 milhão, na capital fluminense, apresentando nuances de manifestação com grande impacto desde 1984 e o movimento das “Diretas já”. Nesse entremeio, cenas emblemáticas foram assistidas por todo o mundo nos quatro cantos do Brasil, como a ocupação parcial do Congresso Nacional e da Esplanada do Planalto, como podemos ver nas figuras abaixo com a regionalização nas manifestações de rua e ocupações câmaras municipais e assembleias legislativas estaduais.

Figura 9 – Jovens ocupam a esplanada do Planalto, em Brasília. Fonte: Valter Campanato/Agência Brasil, 2013.

Seja “Primavera brasileira”, pegando carona com outras manifestações que ocorreram ao redor do mundo no mesmo ano, como no Egito, Espanha, Turquia etc, ou, “Jornadas de junho”, é certo que as manifestações tiveram uma mudança aparente de foco, a partir da ação das forças policiais sobre os manifestantes. Da busca pela redução das tarifas para uma ampliação de pautas permeadas pelos direitos universais, como a saúde, educação e combate à corrupção, como também a utilização do campeonato de futebol Copa das Confederações, realizada em diversas sedes ao redor do Brasil e que renderia aos manifestantes cobertura pelas televisões de todo o mundo, sem dúvida, o ocorrido em junho de 2013 foi a expressão de uma sociedade insatisfeita em diversos setores e que, em ebulição, apresentou o desejo de ter mais força política no cenário nacional. Existindo desde 2006, o Movimento Passe Livre (MPL) seguia seu caminho marginal de reivindicações até o dia 6 de junho, onde sem qualquer destaque na mídia, marcou a primeira manifestação contra o aumento da tarifa de transporte público. Se pudessem imaginar a

50 repercussão que alcançariam depois de 11 dias, potencializado pela ação das forças policiais, os manifestantes não esperariam que a onda de insurgência se alastrasse pelo Brasil, chegando até o Ceará, onde os confrontos foram travados dentro de 10 dias de junho. Como forma de concluir esse subtópico, acompanhamos no infográfico abaixo, veiculado no jornal Folha de São Paulo, os desdobramentos das manifestações de junho de 2013 e como todo o fervor das ruas foi iniciado.

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Figura 10 – Infográfico que apresenta um balanço das manifestações desde o início de junho de 2013. Fonte: Folha de São Paulo, 2013.

52 4.2.1 As manifestações no Ceará Delimitando o escopo dos acontecimentos, chegamos ao estado do Ceará, local também de manifestações tomadas por variados desejos e diversos grupos imersos nas ruas. As manifestações aconteceram num intervalo de 10 dias, a saber: 17/06, 19/06, 20/06, 21/06 e 27/06. Não há como definir um caráter único para cada manifestação, ademais, como já apresentamos, as manifestações ganharam um corpo plural a partir do surgimento de demandas na sociedade. Dessa forma, nosso intuito é apresentar uma breve linha do tempo nesse intervalo de 10 dias, fazendo jus ao período em que o objeto deste trabalho foi realizado. Para tal, utilizamos as informações presentes no website de notícias Tribuna do Ceará (2013). No dia 17/06 a manifestação ficou reservada às contrariedades à Copa das Confederações realizada na capital cearense. Os manifestantes protestaram contra os gastos excessivos com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, a ser realizada no ano de 2014, e apresentando movimento similar às manifestações nos outros cantos do Brasil, reivindicaram maiores investimentos em educação, saúde e segurança (TRIBUNA DO CEARÁ, 2013). Dois dias após às manifestações, o dia 19/06 estava reservado para a partida da Seleção Brasileira de Futebol no estádio Arena Castelão, pela Copa das Confederações. Temos os primeiros brados de “vem pra rua”, um dos sinônimos do período de manifestações no País. Com o objetivo de protestar, novamente, contra os altos investimentos nos campeonatos de futebol e a mais recursos à saúde, educação e moradia, marcou um dos maiores confrontos na capital cearense entre policiais e manifestantes, segundo o jornal Gazeta do Povo (2013), contando com cerca de 100 mil manifestantes (TRIBUNA DO CEARÁ, 2013). Já no dia 20/06, a manifestação muda novamente o foco de reivindicação e agora é baseada nas carteiras de identificação estudantis e pela redução da tarifa de transporte coletivo e melhoria do serviço. Estima-se que 10 mil manifestantes estiveram presentes nesse ato, marcando a quarta manifestação em Fortaleza (TRIBUNA DO CEARÁ, 2013). No quinto dia de protestos, 21/06, as manifestações ocorreram em dois momentos: nas ruas, reivindicações pela educação e contra o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 37, que, segundo matéria publicada no Portal EBC, em junho de 2013, “sugeria incluir um novo parágrafo ao Artigo 144 da Constituição Federal, que trata da Segurança Pública. O item adicional traria a seguinte redação: "A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito

53 Federal, respectivamente". Além disso, a emenda também procurava impedir investigações pelo Ministério Púbico (TRIBUNA DO CEARÁ, 2013). No último dia de manifestações realizadas no mês de junho, 27/06, em nova partida na Arena Castelão pela Copa das Confederações, cerca de cinco mil manifestantes foram às ruas com, novamente, manifestações diversas, entre elas aumento salarial para professores e mais investimento em saúde e educação. Nesse ato, houveram a maior quantidade de pessoas presas: 92 detidos (TRIBUNA DO CEARÁ, 2013). Após essa apresentação cronológica dos acontecimentos no Ceará, passamos então à apresentação do documentário “Com Vandalismo”, como um produto das “Jornadas de junho” e objeto deste trabalho por apresentar características cyberpunk tanto em sua construção técnica discursiva.

4.3 O documentário “Com Vandalismo” Como já foi dito no parágrafo anterior, defendemos que o documentário18 “Com Vandalismo”, apresenta características de sua produção e realização, como seu discurso, pode ser caracterizado como cyberpunk.

Figura 11 – Capa/pôster do filme documentário “Com Vandalismo”. Fonte: Coletivo Nigéria, 2013.

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Acesso em: https://www.youtube.com/watch?v=KktR7Xvo09s

54 “Com Vandalismo” é um documentário com duração de 72 minutos filmado durante as manifestações de junho de 2013 na capital cearense. Narra os fatos na perspectiva de primeira pessoa do jornalista, em um estilo que beira o amador, na medida em que faz uso da câmera na mão imersa na ação do acontecimento. Nas filmagens dos dias 19/06, 20/06, 21/06 e 27/06, que já apresentamos na seção 4.2.1, o grupo formado por Bruno Xavier, Pedro Rocha, Roger Pires e Yargo Gurjão, dentre outros19 realizam aquilo definido por Chris Atton e James Hamilton (2008, p.13) como documentário colaborativo, um produto do jornalismo alternativo onde os jornalistas realizam participações diferenciadas, em pontos distintos da ação, porém, com uma mesma finalidade. Acreditamos ser pertinente uma breve reflexão sobre o que o caráter teórico do documentário, com vistas de validar a utilização do termo na realização deste trabalho. Para Fernão Pessoa Ramos (2008, p.22), documentário é “uma narrativa basicamente composta por imagens-câmera, acompanhadas muitas vezes de imagens de animação, carregadas de ruídos, música e fala (...), para os quais olhamos (...) em busca de asserções sobre o mundo que nos é exterior”. Segundo o autor, são essas asserções, espécie de valoração do mundo exterior a que somos colocados em contato pelo documentário, que o caracterizam como tal. Ele ainda descreve que há nesse estilo de filme de não ficção – consideração que não desenvolveremos em nosso trabalho – uma voz que enuncia e vozes diversas falando sobre o mundo ou de si. Essas características são claramente vistas no documentário através da narração, que conduz todo o documentário, assim como, os manifestantes dialogando e construindo o momento histórico nas ruas do Ceará. “Procedimentos como câmera na mão, imagem tremida, improvisação e utilização de roteiros abertos, ênfase na indeterminação da tomada” (RAMOS, 2008, p. 25), além de colocar nas asserções a “intensidade do mundo, de modo dramático, trágico, cômico, poético, intimo” (RAMOS, 2008, p. 25) também são características apontadas pelo autor para se compreender o documentário como campo de estudo. Uma consideração que nos coloca discordante de Fernão Ramos (2008) é sua afirmação de que “o documentário não está vinculado a acontecimento cotidianos de dimensão social que denominamos notícia” (2008, p.59). Apesar de crermos que a realização do documentário, em

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Fazem parte da equipe responsável pela realização do documentário, além dos citados: Valentino Kmentt, Leandro Alvares, Júlia Lopes, Silvio Gurjão, Davi Aragão e Franzé de Sousa.

55 si, não se converte em uma notícia, já que utiliza técnicas diferenciadas para produção e apuração e trabalha com o factual em um tempo dissonante do atual, entendemos que a produção de um documentário deve e leva em consideração fatos relevantes no momento histórico em que acontecem e que, por isso, pode se utilizar da factualidade das notícias, assim, sendo uma partida para o desenvolvimento de uma narrativa documentarista. Outro teórico que utilizamos para validação do conceito de documentário em “Com Vandalismo” é Bill Nichols (2012), que traça um interessante panorama conceitual a partir da crença de verdade que o documentário porta ao ser apresentado para o público. Essa verdade, que também podemos chamar de autenticidade é uma importante tradição documentarista. Para o autor, o documentário é o reflexo da percepção daquele que produz, que, dialogando com Ramos (2008), o produz com uma intenção já pronta de produzir algum efeito na audiência. Dito isso, fazemos uso da divisão de documentário proposta pelo autor, entre aqueles de satisfação de desejo e os de representação social, crendo que o produto analisado por este trabalho é represente da segunda categoria. Chamados comumente de não-ficção, as produções de representação social, aquelas que “representam de forma tangível aspectos de um mundo que já ocupamos e compartilhamos” (NICHOLS, 2012, p. 26), nos proporcionando visões de mundo novas e diferenciadas. Está no documentário, segundo o autor, a capacidade de acrescentar à memória popular e à história social novas nuances e perspectivas, na medida em que “colocam diante de nós um determinado ponto de vista ou determinada interpretação de provas” (NICHOLS, 2012, p. 30). É valido analisar “Com vandalismo” como um documentário na medida em que apresenta um ponto de vista marginal na sociedade – compreendendo marginal na perspectiva de classes sociais representativas – e que, se utilizando da premissa de dar voz aos excluídos nos proporciona asserções acerca do mundo em que vivemos, se insere na divisão proposta por Nichols em produções de caráter de representação social. Como veremos posteriormente, a utilização de entrevistas e diálogos entre os manifestantes como corpus da produção é outra característica que valida, em nosso entender, “Com Vandalismo” como um documentário, na medida em que está na raiz de uma produção documental a apresentação do diálogo, seja ele entre as personagens ou do autor documentarista com as personagens. Dessa forma, acreditamos ser possível prosseguir com a utilização do termo em nosso trabalho e corroboramos para maior margem de acerto no tocante às características analíticas que nos propomos no decorrer desta monografia.

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Figura 12 – Registro da caminhada dos manifestantes até a concentração do ato, próximo à Arena Castelão. Fonte: Zerosa Filho, 2013.

Defendemos por um caráter alternativo e cyberpunk a utilização do personagem central marginalizado, no sentindo de movimento externo aos realizados por grandes massas. Onde os manifestantes são utilizados como possíveis fechamentos de lacunas de informação deixadas pela cobertura convencional. Além disso, o próprio ato de se opor ao majoritário, como vimos no capítulo primeiro deste trabalho, pode ser considerado uma característica punk e cyberpunk. Como podemos ver a partir da sinopse do documentário, é clara a tentativa dos jornalistas em apresentar a voz dos excluídos na história, que é pouco ou não apresentada pelos veículos de mídia convencional, chamados de “grande mídia” pelos documentaristas. “SEM VANDALISMO!” repetiam gritando parte dos manifestantes que ocuparam as ruas de Fortaleza. Mas na multidão das manifestações, que explodiram no Brasil em junho de 2013, outros grupos empregaram métodos mais diretos. Tachados de "vândalos", foram criminalizados por parte da grande mídia, antes mesmo de serem ouvidos. Este documentário vai à "linha de frente" para registrar os confrontos e entrevistar os manifestantes para mostrar as motivações dos atos de desobediência civil” (COLETIVO NIGÉRIA, 2013)

Estar na linha de frente, ou seja, participar da factualide da notícia quase como um personagem da ação, é outra característica que julgamos pertencer ao jornalismo alternativo e, por conseguinte, ao cyberpunk. Nessa assertiva, levamos em consideração o ato do “Faça Você Mesmo”, que, nascida do comportamento punk (AMARAL, 2006), apresenta um traço de rebeldia como ser uma forma de oposição, fazendo uso do produto dos opressores como uma arma dos oprimidos.

57 A última característica que coloca o documentário como um produto cyberpunk está em sua divulgação pela Internet. Com lançamento em 26/07/2013, o documentário foi primeiramente postado no site de vídeos Youtube20 e já ultrapassa as 200 mil visualizações. Posteriormente, os caminhos de divulgação foram até o Facebook e perdeu-se o rastro pelos links e compartilhamentos na rede. Dessa forma, estamos de acordo como Leary (1988 apud AMARAL, 2006, p.38) ao pontuar que uma prática cyberpunk na sociedade “explora a criatividade individual e o pensamento através do uso de todas as informações e dados disponíveis via tecnologia”, seja ela digital ou analógica. Então, ao desenvolver técnicas colaborativas de produção e difusão no ciberespaço em conjunto com a “atitude contestadora” (AMARAL, 2006, p.39) de transformação do punk, os profissionais jornalistas atuando como documentaristas utilizam-se desse caráter cyberpunk no espaço social como uma arma que desconstrói e anarquiza momentos para transformá-los em novas coisas. (HEUSER, 2003). As considerações anteriores são pertinentes ao produto em si e sua definição como cyberpunk. No presente trabalho nos propomos a algo diferente. Ao invés de analisarmos a partir de produção e realização, nos debruçamos internamente aos diálogos e à linha de frente proposta pelos jornalistas. Será por meio do método da análise do discurso que perceberemos como o discurso da manifestação forma um documentário com viés cyberpunk.

4.3.1 Análise do discurso cyberpunk Com o intuito de sinalizar através da análise do discurso as características do cyberpunk no documentário “Com Vandalismo”, julgamos por bem realizar a divisão do objeto em quatro partes, recortando as manifestações de forma singular e analisando as enunciações presentes em cada um. Todos os em enunciados são resultados dialógicos entre os jornalistas documentaristas e os manifestantes presentes do ato. Nossa partida para a análise será analisar sobre o apresentado por Bakhtin (2007) acerca da manifestação da ideologia no discurso, analisando se essa ideologia pode ser caracterizada como cyberpunk por aquilo que já o definimos na primeira parte do trabalho. Posteriormente, lançamos mão dos pressupostos metodológicos para análise do discurso segundo Foucault

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Acessado em: 28 de junho de 2016

58 (2008), já apresentado na segunda parte desse trabalho, olhando os enunciados enquanto sua inversão, descontinuidade, especificidade e exterioridade. Essa medida é útil em nossa pergunta de como a ideologia cyberpunk pode ser um formador dos discursos presentes no documentário.

4.3.2. Quadro geral de análise 4.3.2.1. Análise da primeira manifestação do documentário

A primeira manifestação, no dia 19/06/2013, é apresentada em torno de sete minutos e dela destacamos para análise sete enunciados, descritos a seguir com a temporização do documentário: a) 1’27’’: — Por causa disso não merecem ser escutados (...) b) 3’00’’: — O povo não aguenta mais, tem a necessidade de vir para a rua. c) 3’30’’: — Nem que seja para sobrar uma mancha de desordem (...) d) 7’47’’: — Tem que ser pacífico mas a polícia está indo pra (sic) cima (...) e) 8’03’’: — Olha aqui o que os pobres ganham. f) 9’36’’: — Você cria um modelo de como você expressa a revolta. g) 9’42’’: — (...) querem uma manifestação pacífica, porque não surte efeito.

Percebemos pelos enunciados uma disposição de apresentar os manifestantes como algo à margem do convencional (minuto 1’27’’) e que tem seu local de fala vilipendiado por alguma atitude que venha a fazer (minuto 9’36’’), quando um dos manifestantes reduz sua condição e a dos outros participantes à pobreza e conclui que a única recompensa a receber seria a violência e a própria exclusão. Essa pobreza aliada à marginalidade torna insustentável um caráter de normalidade civil e valida as manifestações (minutos 3’00 e 3’30’’). A exclusão é uma atitude que atua como iniciador na mentalidade de quem manifesta e parte à procura de fazer sua voz presente na arena discursiva. Isso ocasiona a criação de modelos de ação em face das situações em que é excluído, como nos minutos 7’47’’ e 9’36’’, quando se gera uma dúvida em relação ao agir na manifestação, se de forma pacífica ou organizada com sentimento de revolta. Isso pode então validar a ação violenta diante de alguma força excessiva (minuto 9’42’’).

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Figura 13 – Manifestante demonstra para a câmera cápsula de bala de borracha durante confronto. Fonte: print screen do documentário “Com Vandalismo”, 2013. Inferimos então que a atitude de mesmo estando presente de forma marginal, ou seja, fora da arena discursiva, ocasionar o confronto na busca de apresentar seus anseios contra aquele que o suprime é uma atitude ideologicamente cyberpunk. Essa atitude é visualizada a partir do sentimento de rebeldia no decorrer dos enunciados, como em “Nem que seja para sobrar uma mancha de desordem (...)”, ou “você cria um modelo de como você expressa a revolta”. Juntamos à isso, uma vontade de não agir pacificamente, escolhendo a rebelião como única forma de achar uma solução para seus anseios. Além disso, destacamos que ao utilizar-se do documentário como porta-voz de seus discursos temos o que Kellner (2001) descreve como um uso descentralizado da tecnologia a serviço dos indivíduos, pois o documentário é uma alternativa em relação às produções de mesmo tema na mídia convencional. Assim como os documentaristas, os manifestantes fazem uso da tecnologia contra a própria tecnologia como uma atitude de insatisfação e revolta, definindo suas falas como cyberpunk. Falamos isso pois, mesmo quem manifesta não esteja direcionando a câmera em busca das imagens, é através dessa tecnologia que conseguem se fazer ouvidos. Já demonstramos, com suporte em Bakhtin, que não é a vivência subjetiva do falante que ocasiona uma manifestação ideologica, mas, sim pelo ato envolto em situação social. Dessa forma, é estando presente na manifestação que o discurso cyberpunk tende a se manifestar de forma mais característica, na medida em que constatamos a procura por algo que está em falta e a disputa contra centros de poder tidos como hegemônicos, no caso, os anseios da população presente contra os desmandos no país. Fazendo uso das técnicas analíticas propostas por Michel Foucault (1996 apud LEMOS, 2013), é através do princípio da inversão, onde há uma ocultação e rarefação do sujeito com

60 uma não-desvinculação de um discurso, mesmo que seu posicionamento discursivo aponte isso, que temos que a desvinculação dos sujeitos manifestantes do sujeito coletivo da manifestação, quando não se referem a si em primeira pessoa dentro do próprio movimento, mas sim na terceira pessoa, como “o povo”, “os pobres”. Pelo princípio da inversão, podemos, então, definir essa prática como individual e inferir que há uma característica cyberpunk nesse quesito na medida em que aqueles à margem da sociedade procuram demonstrar sua potencialidade de forma individual por meio de um grupo social, no caso, um grupo de manifestantes. Mesmo que seus discursos o retirem do aporte ideológico da manifestação, os mesmos seguem inseridos se analisados pelo princípio anterior. Mais ainda, como já demonstramos através de Leary, (1988 apud AMARAL, 2006, p.38), uma prática cyberpunk na sociedade tem a capacidade de explorar a criatividade individual e o pensamento através do uso de todas as informações disponíveis de forma digital ou analógica. Ou seja, os manifestantes estão atuando com anseios próprios e em busca de uma solução singular, mesmo que inseridos no corpo da manifestação em geral.

4.3.2.1.2 Análise do discurso da segunda manifestação

A segunda manifestação, no dia 20/06, é apresentada em torno de 10 minutos e dela destacamos para análise seis enunciados, descritos a seguir com suas devidas marcações de tempo: a) 10’55’’: — Contra o vandalismo e a violência dos policiais (...) b) 11’07’’: — Vandalismo vem das duas partes. c) 12’25’’: — Vandalismo que a mídia tá falando (...) d) 12’29’’: — Estamos aqui pra (sic) representar o Brasil. e) 13’56’’: — Vândalo não nos representa! Vândalo não nos representa! f) 17’08’’: — Não existe revolução sem briga.

Apresentamos no capítulo 2 que uma ideologia é manifestada pela contexto social em que os enunciados estão inseridos, ou ainda, é o fundamento de todos os conhecimentos manifestados em todos os discursos. Os enunciados elencados anteriormente demonstram uma insatisfação e um ativismo do manifestante, na tentativa de representação do mesmo como uma salvação para os problemas sociais.

61 Porque a partir dos discursos dos manifestantes “não existe revolução sem briga”, apresentada na imagem abaixo, e “estamos aqui pra (sic) representar o Brasil”, é possível inferir que o ato de estar na manifestação é cívico e uma atitude com sentimento de rebeldia de ir contra ao status vigente. Nisso, temos um cerne cyberpunk, pois compreendemos que essa subcultura carrega as potencialidades de desafiar essas situações de status, pela utilização da informação ou pela força, como vemos nos discursos.

Figura 14 – Manifestantes discutem durante a segunda manifestação em Fortaleza. Fonte: print screen do documentário “Com Vandalismo”, 2013. Se pontuarmos que uma ideologia pode estar presente em um discurso que é construído historicamente, podemos aceitar que os manifestantes estão nas ruas com um pensamento de mudança e uma nova condição para os marginalizados. Classificamo-las como cyberpunk por serem o ativismo e a rebeldia uma maneira de o cyberpunk ver o mundo e, por isso, a opção pela ação individual como uma forma de salvação e pela violência como uma forma de atuação. Nosso segundo princípio analítico proposto por Foucault (1996) é o princípio da exterioridade, no qual “não se pode atingir a significação do discurso, mas somente possibilidade a partir da percepção de sua regularidade e ao fato de se tratar de uma série encarando-o como acontecimento” (LEMOS, 2013, p. 204). Para isso, Foucault (1996) descreve quatro noções que devem ser seguidas para análise: a noção de acontecimento, de série, de regularidade e condição de possibilidade. Apresentamos no capítulo 2 deste trabalho, uma descrição acerca das quatro noções a se seguir para análise. Dessa forma, buscando uma melhor compreensão de nosso trabalho, faremos seguiremos a análise neste subtópico, em consonância com explicações sobre as noções. Foucault (1996) afirma que para compreendermos o discurso, precisamos perceber o que levou a possibilidade desse discurso acontecer, dessa forma, a manifestação ocorrida no dia 20/06 tem relevância como acontecimento, na medida em que foi a única do documentário em

62 que os manifestantes, através de um grupo homogêneo, chegou ao Palácio da Abolição, centro do poder executivo estadual para a realização de uma reunião com representes do Estado. Além disso, os discursos seguem uma serialidade, pela demonstração de sujeitos diferentes atuando em uma mesma manifestação, o que entendemos ser uma espécie de descontinuidade do discurso, apresentando- se de forma heterogênea ao longo do documentário; uma regularidade pois, todos eles destacam a questão do vandalismo, o que, em nossa visão, permite ao discurso irromper como verdadeiro na manifestação e, por último, apresenta condições de possibilidade por estarem envoltos em um contexto histórico de manifestação, fatores externos responsáveis pela formação dos discursos. De uso do pensamento de Lemos (2013) onde uma análise deveria atentar para o contexto histórico e para as séries regulares dos discursos manifestados, acreditamos que os discursos predominantes são fragmentários, porém provêm de um mesmo cerne, o do vandalismo. Até mesmo quando é apresentado como algo que não tem o caráter de representação da manifestação, o vandalismo já pode estar no ato de manifestação dos sujeitos, pelo simples ato de se rebelar contra uma convenção. Podemos, então, inferir que a característica cyberpunk presente nestes discursos está na rebeldia, na contrariedade, partindo do pressuposto de que o cyberpunk, na visão de Kellner (2001), é uma atitude disposta a se rebelar contra as estruturas e as autoridades estabelecidas.

4.3.2.1.3 Análise do discurso da terceira manifestação

A terceira manifestação, no dia 21/06, é apresentada em torno de 10 minutos e dela destacamos seis enunciados, descritos a seguir com suas devidas marcações de tempo: a) 20’45’’: — Infelizmente, vem a minoria que são os vândalos.” b) 21’15’’: — Vem pra (sic) roubar, trazer o caos. É tudo o que eles querem fazer. c) 21’38’’: — E a mídia não mostra isso, a mídia esconde tudo. d) 25’43’’: — Isso é grito de opressão. e) 27’28’’: — É absurdo a população achar que isso aqui é violência. f) 30’13’’: — Sem vandalismo! Sem vandalismo!

Com o aporte de Bakhtin (2008), analisamos que os seis discursos apresentados denotam uma ideologia cyberpunk na perspectiva que essa subcultura se caracteriza por uma rebeldia latente em detrimento daquilo que é imposto. Então, quando manifestações são colocadas em

63 cheque pelos próprios participantes, o que vemos é aflorar um discurso ideológico de contrariedade no próprio ato. Como mostrado nas considerações finais do capítulo 2, refletimos a ideologia interna à nossa consciência e do meio em que estamos interagindo socialmente ao falar. Dessa forma, acreditamos que a insatisfação sobrepõe aqueles que acreditam em uma manifestação sem confronto e torna-se o condutor de uma ideologia cyberpunk que tem o intuito de transformar situações em que há uma manifestação de poder latente que marginaliza grupos que não detém um poder. Indo além em nossa análise em Bakhtin (1992, pp. 36-37), se olharmos a palavra como um “fenômeno ideológico por excelência (...) que acompanha toda ação ideológica”, é possível crer que a presença da palavra “vândalo” carregue em si um caráter ideológico cyberpunk nos moldes que apresentamos anteriormente, onde essa subcultura é caracterizada por uma atitude rebelde e de contrariedade que chega a utilizar a violência nas disputas hegemônicas. Se de acordo com Lemos (2013, p.202), “todo sentido é atribuído às coisas como uma violência”, como aquilo que impomos às coisas, podemos utilizar o princípio da especificidade para analisar os discursos desta terceira manifestação. Notamos que há um mesmo aspecto presente no movimento, que seria a questão do vandalismo. Os discursos “Infelizmente, vem a minoria que são os vândalos”, “Vem pra (sic) roubar, trazer o caos. É tudo o que eles querem fazer” e “Sem vandalismo! Sem vandalismo!” entram em oposição aos discursos “E a mídia não mostra isso, a mídia esconde tudo”, “Isso é um grito de opressão” e “É absurdo a população achar que isso aqui é violência”, tentando todos definir sentidos que lhe convém – necessários ou não representativos a manifestação – de acordo ou que refletem seus próprios papeis ou posições no movimento. No decorrer da manifestação o que percebemos é uma segregação entre os próprios manifestantes, que se dividem entre “vândalos” e “pacíficos”. Essa divisão interna acaba por criar uma hierarquia no próprio movimento, que exclui aqueles com menor poder de fala. Dessa forma, um discurso cyberpunk, por meio do documentário, atuaria com o propósito de dar voz aos marginalizados, no caso, os ditos “vândalos”. Excluídos durante as coberturas convencionais sobre o ocorrido, os manifestantes excluídos dentro do próprio movimento tiveram a oportunidade, de, através do documentário, terem suas vozes difundidas para além da manifestação. Ocasionando na utilização da tecnologia contra a própria tecnologia, entendendo que utilizando formato e material similares aos da televisão, o documentário buscou dar voz à parcela que a “grande mídia” tornou invisível, possivelmente, pondo em cheque o discurso da mídia convencional.

64 4.3.2.1.4 Análise do discurso da quarta manifestação

A quarta e última manifestação ocorreu no dia 27/06, sendo a com maior tempo de exibição, 30 minutos, pois foi a com maior número de detenções, 92 ao todo, o que transformou o acontecimento no maior dos quatro analisados, mesmo que a quantidade de pessoas tenha sido menor do que, por exemplo, a primeira manifestação. Maiores detenções, inferem maior confronto nas ruas e, dessa forma, maior tempo no documentário. Dela, destacamos 6 enunciados, descritos a seguir com suas devidas marcações de tempo: a) 33’38’’: — A mídia está querendo surfar no movimento. b) 35’04’’: — Pessoal revoltado com tudo, com todas as impunidades. c) 35’38’’: — Vandalismo é uma babaquice, nem gosto de falar mais nisso. d) 38’11’’: — O poder popular está na rua! e) 51’23’’: — É o povo, é a favela se apropriando (...) f) 51’54’’: — Ou seja, é a classe baixa lutando contra a classe alta.

Como apresentado anteriormente, a linguagem é carregada por uma ideologia, construída dentro de um grupo historicamente formado. Esse grupo carrega em si o dialogismo, descrito em capítulos anteriores como um diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade (BRAIT, 1997, p.98). Na construção de uma ideologia cyberpunk, os discursos apresentam características, tais quais, uma atitude de contrariedade, de revolta diante do que é estabelecido, de luta social, utilização de formas de tecnologia ou de força para alcance dos objetivos, enfim, uma construção que visa a transformação de algo para um bem comum. Quando então temos um descrédito da mídia (a), a demonstração de que a população está procurando uma retomada do poder diante de uma situação social desfavorável (b, d, e, f) e que os manifestantes neutralizam que uma atitude que rompa com uma paz social é algo válido em momentos de efervescência social (c), o cyberpunk pode ser visto, em nossa opinião, como ideologia possível de abarcar esses pensamentos, na medida em que carrega um cunho de fenômeno social onde os desfavorecidos ganham importância com as tecnologias ou a força e a assimilação do grupo composto por atitudes individuais. O quarto e último princípio para análise do discurso na perspectiva de Focault e que utilizamos para análise dos enunciados trata-se da descontinuidade. Lemos (2013, p.200) descreve que esse princípio “baseia-se na ideia de que não há um grande discurso ilimitado e

65 contínuo (...), mas os discursos devem ser encarados como práticas descontínuas”, no qual enunciados com temas variados formariam uma ilusão de sentido único, quando na verdade, são os pontos descontínuos de cada discurso que estão unidos nessa prática. Nos discursos percebemos a presença de temas variados: 

no a) há a insatisfação com a atuação da “grande mídia” na cobertura das manifestações, denotando que o trabalho desses jornalistas está sendo realizado com um intuito que não seria a favor dos manifestantes;



no b) um dos manifestantes justifica os acontecimentos da insatisfação da população;



no c) temos um dos manifestantes demostrando que as conversas relacionadas ao que seria um vândalo ou vandalismo já não fazem mais sentindo nos atos;



na d) há a indicação de que os manifestantes formam um grupo homogêneo de frente popular que está reivindicando algo, no e) o discurso justifica e dá um desfecho das manifestações como o retorno do poder ao povo, fator principal das lutas de classe em uma sociedade capitalista, como na última fala. Podemos perceber que o documentário “Com vandalismo” tem como principal

característica as vozes dos chamados “vândalos” na manifestação, aqueles que reivindicam mudanças em diversos estamentos sociais e que tem sua voz cerceada pela mídia. Os seis discursos para análise tem no cerne uma atitude de defesa do movimento manifestante, seja pela luta de classes, pela tomada do poder popular, pela deslegitimação do trabalho da “grande mídia” e do próprio significado de vândalo. De todos, sem dúvida, o caráter cyberpunk pode ser como um fator de análise, pois é caracterizado como uma tentativa de destituição do poder hegemônico, pela visibilidade de grupos marginalizados, que através da tecnologia ou da atitude de força, procuram transformações no ambiente social em que vivem e da utilização da tecnologia contra a própria tecnologia que os tenta reprimir. Nisso, depreende-se dos discursos dos manifestantes que suas práticas são pautadas pelo desejo de mudança e de legitimação do movimento como algo natural a se acontecer e que deveria acontecer naquele momento. Cria-se uma perspectiva de grupo social em que cada participante é uma fonte de luta como o estabelecido e utiliza-se das ferramentas disponíveis no momento para alcançar êxito. Ao término desse capítulo alguns direcionamentos são apresentados a nós sobre a nossa tentativa de análise do discurso cyberpunk no documentário “Com Vandalismo”. O primeiro deles é a possibilidade verdadeira de, através das considerações de ideologia e dialogismo,

66 encontrarmos um discurso com vertentes cyberpunk interno ao documentário. Os enunciados utilizados em nossa análise demonstram que o aspecto ideológico é latente e converte-se para ações de rebeldia e contrariedade pela dominação. Em segundo lugar, ao utilizar os quatro princípios foucaultianos para análise do discurso, procuramos ver nos enunciados as situações em que ocorriam a rarefação do sujeito falante, tendo o discurso cyberpunk atuado como uma tentativa de não silenciamento dos sujeitos durante o período da manifestação. Analisamos que em meio aos discursos, uma clara tentativa de proporcionar mudanças de formas individuais, ações únicas de cada manifestante que procuravam transformar o cenário social em que estava inserido. Além disso, os discursos, mesmo aqueles que apresentam um posicionamento contrário à atuação dos chamados “vândalos”, seguem sendo em seu cerne uma tentativa de revolução, de transformação e de conseguir ter sua voz ouvida de qualquer forma. A forma, então, mais viável para esse acontecimento é através do documentário “Com vandalismo” que em si é um produto cyberpunk pois atua como uma contra tecnologia às utilizadas pela “grande mídia” e representa um importante meio para difusão de ideias de contrariedade e sobre o panorama de como uma manifestação é construída por vozes únicas.

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5 CONCLUSÃO O advento da Ficção Científica como literatura foi um processo que levou tempo e uma grande quantidade de discussões profícuas que direcionaram escritores, teóricos e leitores para pensamentos além das páginas dos livros e voltou os olhos para o mundo em que vivia, sendo a escrita uma grande metáfora do mundo presente. Ler F.C era, e é, entrar em contato com histórias fantásticas, ideologias terrenas e marcianas, altas tecnologias em ambientes de pobreza, individualidades que atuam em prol de um bem comum. Enfim, um leque de oportunidades. Um dos filhos dessa ficção futurista é o cyberpunk uma união insólita entre tecnologia e rebeldia, entre computadores e violência, entre pensamento e atitude. Apresentamos o cyberpunk desde suas vertentes góticas até seus momentos futuristas, passando por mais meio século de histórias e pensamentos que criam entusiastas a cada dia. Novamente, em um movimento de entrada no mundo presente, os textos cyberpunks começam a além de imaginar, discutir e analisar uma sociedade envolta por tecnologia ao ponto de ser vilipendiada em seu local universal, o de ser humano. Com tantas possibilidades para conhecimento e visão de mundo, fizemos a escolha de um quesito válido se entendemos o cyberpunk como um fato social irrefutável e que pode transferir-se para as pessoas como uma ideologia e um discurso. Foi nessa perspectiva que implementamos o presente trabalho, na tentativa de encontrar traços dessa ideologia e um discurso advindos do cyberpunk, assumindo ambos como produtos de construção histórica e que podem integrar os grupos em certos momentos sociais. Para alcançar esse objetivo e já escolhendo um momento social para nossa tentativa, temos à mão um objeto produzido imerso num momento de conflito, o documentário “Com Vandalismo”, filmado durante as manifestações de junho de 2013 no Ceará e que, de forma colaborativa entre jornalistas independentes, teve o objetivo de colocar os manifestantes dentro da arena discursiva e proporcionar a divulgação das vozes marginalizadas por fatores externos e internos a manifestação. Entendemos que a melhor forma para alcançar o êxito em nossa análise do discurso seria utilizando o aporte teórico de dois principais autores, Mikhail Bakhtin e Michel Foucault, pelas suas considerações sobre ideologia, dialogismo e por uma proposta de análise do discurso que demonstrasse como o poder atua internamente aos discursos e ocasiona a exclusão de determinados agentes.

68 Em nossa análise então, encontramos que a construção história do cyberpunk nos permite vislumbrar que os enunciados e o discurso que personagens ou simpatizantes do movimento perpetuam segue uma estrutura única, onde estão presentes características, tais quais, a rebeldia, a insatisfação, a utilização da tecnologia ou da força contra alguma hegemonia, a utilização da tecnologia contra a própria tecnologia dos meios de comunicação. Além disso, esse discurso, por se tratar de algo que vai de encontro ao estabelecido, aflora em momentos de comoção social e as manifestações de junho de 2013 satisfazem esse quesito. Descrevemos que a ideologia está presente na palavra e, por conseguinte, no discurso. Ela é intrínseca a toda fala humana e não pode ser desvinculada de um grupo social a qual a pessoa pertence. Assim, nossa análise demonstrou que durante a manifestação os discursos eram bastante similares aos propósitos literários ficcionais e teóricos do cyberpunk e que isso demonstra, mesmo que os manifestantes não tenham entrado em contato com obras ou um ideal cyberpunks, podem se assumir perpetuadores dessa ideologia pela sua atuação como cyberpunks em busca da transformação que necessitam. O dialogismo, um dos fatores para o desenvolvimento de uma prática social, também foi outro fator que julgamos primordial em nossa análise. O documentário é inteiramente construído de forma dialógica, no qual entrevistadores e entrevistados interagem e constroem o conhecimento sobre a manifestação. Essa prática demonstra que os discursos, que nem sempre estão em harmonia, entram em contato e iniciam a construção da linguagem. Na manifestação, manifestantes pacíficos, manifestantes vândalos e jornalistas estavam em constante dialogismo e isso demonstrava através das perguntas, ou de provocações, uma ideologia cyberpunk, analisada e demonstrada em nosso trabalho. Quando então utilizamos o aporte teórico de Foucault e iniciamos uma trajetória pelos discursos em busca do discurso cyberpunk, conseguimos apresentar que está intrínseco ao discurso dos marginalizados na manifestação, uma tentativa de transformação e de aparição de suas falas dentro do próprio movimento. Discursos são rarefeitos e seguem uma continuidade de temas demonstrando que pode ser a ideologia cyberpunk um ponto de partida para compreensão desse momento histórico e que esse mesmo discurso está presente nas considerações dos manifestantes. Há insatisfação, atuação e produção individual, há confronto, há uma atitude rebelde perpetuada pelas falas dos manifestantes e que demonstram a ativa participação de todos os que estavam nas ruas naquele mês de junho. Sem dúvida, outros fatores podem ser campo de análise em trabalhos futuros, haja vista, termos escolhidos a análise do discurso para desenvolvimento desta monografia.

69 Pretendemos demonstrar que o documentário “Com Vandalismo” é, por si só, um produto cyberpunk, pela sua modalidade de produção e de veiculação, utilizando primordialmente os meios digitais. Esses fatores podem ser utilizados em trabalhos futuros analisando uma perspectiva ampla do objeto e envolvendo características de jornalismo alternativo e maiores considerações sobre cibercultura. Em nosso trabalho, nos propomos a delimitar o máximo o documentário, chegando à seus enunciados verbais, parte integrante dos discursos para então demonstrarmos uma ideologia e um discurso característico do cyberpunk. Para trabalhos futuros, muitas vertentes se abrem a partir de lacunas que preferimos não contemplar neste trabalho. Uma delas é a discussão acerca da modalidade de produção do documentário, ao mesmo tempo alternativo, como a colaboração entre quatro jornalistas e a tradicional, com a utilização de voz over, ou off, característica intrínseca aos modelos clássicos de documentário. Essa dicotomia alternativo e clássico já pode ser caracterizada como cyberpunk na medida em que essa subcultura é própria do conflito entre underground e mainstream, ou alternativo e popular. Outra vertente, na qual pretendemos desenvolver com maior profundidade em trabalhos posteriores, é em relação ao enunciado dos documentaristas, analisando em que medida eles se contradizem com os enunciados dos manifestantes ou se complementam. A partir desse escopo, poderíamos identificar se os documentaristas, detentores do poder de fala no filme, teriam interditado alguma fala própria ou dos manifestantes. Concluímos, então, que é possível encontrar uma ideologia cyberpunk no documentário “Com Vandalismo” e que, ainda mais, é possível pontuar um discurso cyberpunk como uma tentativa de fugir da rarefação dos sujeitos de fala e que, por meio de uma ideologia construída ao longo do tempo, permanece nas falas daqueles que buscam a transformação de forma direta e individual. Por fim, quando falamos, refletimos a ideologia interna à nossa consciência e do meio em que estamos interagindo socialmente, assim como no documentário “Com vandalismo”, uma atitude para fazer compreender o cenário social e iniciar uma transformação social.

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