«Análise do espaço da FAUP» In Sebenta (2)

July 22, 2017 | Autor: Luís Fortunato Lima | Categoria: Desenho
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ANÁLISE DO ESPAÇO DA FAUP Acerca da análise do espaço em desenho, escrevi na sebenta do ano transacto (2011-2012) que se tratava de fazer uma leitura, no local, de aspectos sensíveis e inteligíveis do espaço. Dei a entender, também, que essa análise implica o uso de diferentes sistemas de representação – planta, corte, alçado, axonometria, perspectiva – os quais facultam diferentes tipos de informação em função do modo como representam. De forma resumida, desenhar a planta de um sítio deve permitir compreender uma teia de relações entre os volumes dispostos no espaço e, dessa forma, deve também esclarecer uma série de tensões da sua organização. Está implícito, portanto, compreender a configuração da base dos volumes, as suas dimensões e orientações relativas, os alinhamentos existentes. Um corte, tal como uma secção, destacam situações particulares do terreno ou detalhes subjacentes dos volumes. Distinga-se, no entanto, o primeiro do segundo. Um corte é uma representação de algo cortado, seja em axonometria, projecção ortogonal ou mesmo em perspectiva; uma secção, mostra apenas a forma-fatia (destacada) que resulta da intersecção de um plano secante com um volume e/ou terreno. 1 Portanto, a representação em corte contém a secção. Desenhar um alçado permite, acima de tudo, compreender tipologias e singularidades compositivas das edificações. Dado que um alçado resulta como uma vista de frente de um objecto, ele permite uma representação inteligível das relações formais aí existentes. A axonometria, por seu lado, surge pela necessidade de uma maior e mais completa inteligibilidade do espaço (dada a constância métrica e angular) à qual acresce um esclarecimento englobante dos volumes. Fazer uma axonometria implica conhecer a organização em planta do espaço, as relações de alturas entre os volumes e todas as restantes particularidades do referente, mediante o grau de detalhe pretendido. Faculta, desse modo, a mais abrangente compreensão que um sistema de representação abstracto pode dar de um espaço. A perspectiva linear, por via do desenho medido a partir do real, permite anotar algumas observações precisas, estáveis e concretas - do espaço edificado. Deve possibilitar, numa base relativamente objectiva e lógica, mostrar a forma como os volumes se espacializam e se lêem em profundidade. Poderíamos então dizer, embora possa parecer paradoxal, que a perspectiva linear perfaz a lógica de uma sensação. Por seu lado, a perspectiva aérea, também comummente chamada voo de pássaro, implica um certo esforço de imaginação, procurando, frequentemente, uma visão 1

A distinção entre corte e secção, que aqui apresentamos, é oriunda do desenho técnico.

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englobante que parece escapar às possibilidades perceptivas do espectador comum. 2 A análise de um espaço tem, na prática de Desenho 2, um resultado concreto, que é a produção de uma série de desenhos lineares a caneta ou esferográfica. Independentemente dos sistemas de representação usados para fazer esses desenhos, todos devem denotar as estratégias gráficas da sua construção, pela insistente (re)marcação de medidas, pelo evidenciar de relações e alinhamentos de formas, pelas tentativas de compreender alguns eixos de organização do conjunto. Parece evidente que estes desenhos comportam uma atitude, uma predisposição psíquica e uma sensibilidade particular a medidas e vectores. Isto manifesta uma forma bastante específica de interpretar o espaço em desenho, a qual tem origem numa orientação pedagógica definida. Miguel Tamen diz-nos que a interpretação constitui-se como «um problema de conhecimento e da expressão desse conhecimento». Ora, o desenho é apenas um modo de interpretar, deveras singular no nosso caso, pelo facto de se preocupar com o registo da proporção e da correcta disposição dos principais volumes de um espaço existente. Entender e desenhar, nestes parâmetros, requer compreender uma atitude. Porque no entender para desenhar o espaço, e no desenhar para entender o espaço, ocorrem sérios equívocos e contradições, abertos a múltiplas possibilidades e divagações, artísticas se quisermos. Penso que não haverá outra forma honesta de entender o desenho de um espaço existente senão como a tradução gráfica de uma relação sensível e inteligível com ele, e não tanto como o equívoco de representá-lo, o que significa torná-lo presente. O corpo do desenhador é algo que, irremediavelmente, se interpõe entre a realidade e a sua representação, pelo que não há representação sem a mediação corporal dos sentidos. Mas, o corpo comporta já imagens, memórias, percepções feitas, «clichés físicos e clichés psíquicos», como diz Gilles Deleuze. Poderemos então dizer que, antes de desenhar, o papel já está potencialmente ocupado por toda uma categoria de relações e de ideias, e de «enquadramentos», certas ou erradas, em parte ou no todo. Em certa medida, desenhar o espaço, estando no espaço, deve permitir criar um confronto entre a experiência efectiva e o préconceito, desmanchando-o, revelando-o, corrigindo-o. No entanto, é complexa a sua aplicação por não se saber movimentar e colocar o corpo em função de 2

Distingue-se perspectiva aérea de perspectiva atmosférica; nesta última, o efeito de profundidade

está principalmente relacionado com o progressivo desvanecimento dos valores de claro-escuro e da cor.

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perceber esta ou aquela relação ou alinhamento, etc. Isto é particularmente evidente quando se pede a um estudante para desenhar a planta do campus da FAUP, e significa que é pela colocação inteligente do corpo, com uma intenção e uma atitude, mas também um interesse particular em conhecer, que se torna possível converter a experiência do espaço num esquema relativamente certo e decifrável da sua organização. Não só o corpo serve para medir, contando passos, por exemplo, como a sua colocação em pontos-chave permite ver, por exemplo, a orientação de uma parede relativamente ao centro de um volume, ou compreender que a altura desse volume é sensivelmente igual ao espaço que o separa de um outro. A experiência sensível pode tornar-se, assim, num registo inteligível. Como sugeri mais acima, desenhar perspectivas lineares, nesta fase de desenho 2, implica registar observações daquilo que se pode tocar ou agarrar do espaço; enfim, daquilo que ocupa espaço. O que, como efeito de contrapartida, confere grande importância ao espaço que não é ocupado. Porque o que ocupa espaço é o que permite enquadrá-lo, dar-lhe uma ordem, dar-lhe dimensão, criar relações e sensações particulares dentro de uma incomensurável globalidade. A perspectiva linear é o desenho (lógico) do sucessivo afastamento das coisas, é o desenho daquilo que apenas seria possível tocar indo lá, percorrendo o espaço. Por isso, é o desenho daquilo que se imagina que se pode tocar. De todos os sistemas de representação, apenas a perspectiva nos devolve essa sensação de profundidade. Mas dá-nos algo mais, por via do enquadramento, por via do corte que aí se exige sobre uma inimaginável continuidade do espaço. Desenhar em perspectiva significa logo à partida fazer escolhas, as quais se decidem fundamentalmente pela colocação do corpo no espaço, com a direcção do olhar, com a quantidade do que se vê e do que se representa no papel. Por tudo isto os desenhos de perspectiva revelam uma subjectividade, advenha ela de uma intencionalidade acutilante ou do fraco interesse pelo motivo, como diversas vezes acontece. Porque na perspectiva linear não está implícita outra coisa senão mostrar convincentemente que se está num lugar preciso a olhar numa direcção precisa. E aquilo que se verá nesse enquadramento será um aspecto parcelar e singular do espaço, onde o desenhador (desejavelmente) se mostra sensível a uma espacialização dos volumes, dos vazios, do chão, do céu… a qual produz, ainda que parcialmente, uma sensação psicofísica do espaço. Nenhum outro sistema de representação de desenho insinua estes aspectos subjectivos da experiência. O que está em jogo no final desta fase, a qual serve de preparação para a abordagem do terreno, onde os estudantes desenvolverão uma proposta em

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projecto 2, é a produção de um conjunto de desenhos que sintetizem e complementem as percepções e entendimentos do estudante diante do espaço. Mas, acima de tudo, é fundamental que, durante todo este processo, o estudante de arquitectura interiorize e desenvolva uma intencionalidade do olhar, uma atitude que o faça pensar a prática do desenho para lá dos meros efeitos gráficos e estéticos a que geralmente ele se associa no senso comum. Luís Lima Janeiro de 2014

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Ma r i aJ oã oAndr é .Es f e r ogr á f i c a .A3. Sus a naRi be i r o.Es f e r ogr á f i c a .A3.

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J oa naGr a ç a .Es f e r ogr á f i c a s .A3. J oa naGr a ç a .Es f e r ogr á f i c a s .A3.

AnaPi nhe i r o.Es f e r ogr á f i c a .A3.

Be a t r i zSous a .Es f e r ogr á f i c a .A3. Be a t r i zSous a .De t a l he .

FICHA TÉCNICA

Coordenação e edição Vítor Silva

Textos (por ordem de aparição) Vítor Silva

Marco Mendes Luís Lima

Armando Ferraz Desenhos

Todos os desenhos aqui reproduzidos foram realizados por estudantes inscritos na Unidade

Curricular Desenho 2 da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, no ano lectivo 2012-2013.

Incorporação dos estudantes - aqui representados- nas turmas dos docentes. Vítor Silva - Henrique Matiz, Susana Ribeiro.

Armando Ferraz - Juliana Gonçalves, Filipa Russel, Marta Ascenso.

Luís Lima - Francisca Mesquita, Maria João André.

Marco Mendes - Ana Pinheiro, Beatriz Sousa, Joana Graça. Desenho reproduzido na capa

Estudante não identificado (turma do Professor Marco Mendes) Captação/tratamento das imagens e design. Luís Lima Nota:

A adopção, ou não, do novo acordo ortográfico, é da responsabilidade dos autores dos textos.

EDIÇÃO POLICOPIADA. PORTO. ABRIL DE 2014. Nº DEPÓSITO LEGAL: 373557/14

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