Análise do poema “Enigma no Túnel” de Mauro Gama

June 28, 2017 | Autor: G. Pereira | Categoria: Poetry, Contemporary Poetry, Experimental Forms In Poetry
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UFBA – Universidade Federal da Bahia
Instituto de Letras – Departamento de Fundamentos para o Estudo das Letras
Setor: Teoria da Literatura
LET B87 – Teoria da Lírica
Profa. Lígia Telles


Análise do poema "Enigma no Túnel" de Mauro Gama:



Silêncio sal seleção de

sedes e almas entre
algemas
e alianças: dança teima
de sobrecenho e
indecifrável
senha – circunspecta
ou patética?
Está pálida: traz os lábios
e o olhar franzidos – tudo
contudo súbito
se alvoroça
e é troça exuberância de
escárnio e riso e rosa
(amarga) que
se estilhaça
e dói e se refaz na pressa
do sonho
e sangue da gente: embora
o vento – ou a vida – não
violente o que de zelo
e noite – e nada –
lhe compõe os cabelos.


GAMA, Mauro. "Expresso na Noite". Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. P.
51.



"Enigma no Túnel", embora sendo somente um trecho do longo canto que
compõe o livro "Expresso na Noite" (escrito entre 1968 e 1976), exemplifica
muito do revelatório que traz a lírica expressa na noite de Mauro Gama. O
poema parte de uma busca, cuja necessidade parte do silêncio, do sal e na
seleção das sedes e almas entre algemas e alianças – entre a prisão e o
símbolo de união. O que há de bom ou ruim nesse estranho anelo dança, teima
de sobrecenho e indecifrável senha. Duvida, então, o poeta da seriedade de
seu caráter – circunspecto ou patético? Poesia? A palidez da imagem de uma
suposta musa, talvez "traz os lábios e o olhar franzidos" – e tudo que se
interconectou e se interrelacionou subitamente se alvoroça e é motivo de
exuberante escárnio: o fascínio feminino da "rosa (amarga)" estilhaça-se
dolorosamente e "se refaz na pressa do sonho e do sangue da gente". O vento
ou a vida não se cede ou se excede a ponto de macular a composição zelosa,
noturna e de nada que há em seus cabelos. Ou seja: a nudez ainda está ali,
rindo obscuramente. Sublimando a dor.
Antes de saber qual é o enigma, tem de entender o seguinte: qual é o
túnel? Antes de tudo, ele é um contato com a poesia e um tato para com o
frêmito existencial humano e para com a sedução feminina que justifica essa
mesma existência. O enigma se revela ambíguo, na acessibilidade de sua
exuberância e na incapacidade de superar o engano de seu desnudamento. Que
importa se isso é fruto de um delírio ou a (in)tangibilidade de seu ato
revelatório? A sobrenaturalidade metafísica da noite é o que interconecta
os seres com as instâncias imanentes – e a sua transcendência se faz
evocatória, mobilizando a poeticidade na superação do desengano ambíguo da
sensualidade noturna, da passagem de um túnel cuja saída se revela menos
tola perante a obscuridade.
Na poética do carioca Mauro Gama, espacializa-se a reflexão em torno
do mistério por entre o nexo sintagmático das palavras ou dos versos. Cada
passo é uma pulsação de leitura, um eco de território que demarca a música
do espírito, que também não deixa de lado suas nuanças melódicas,
atmosferas timbrísticas e dissonâncias de opacidades soturnas. É uma
poética convidativa, táctil e naturalmente abstrata, mas também de desafio
e desalinho da tessitura verbal e das veredas do nada feito de obscura
clarivivência.
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