Análise do Programa de Desenvolvimento de Líderes do INSEAD Global Leadership Centre

May 31, 2017 | Autor: Aulia Esper | Categoria: Leadership, Leadership Development, Adult Development
Share Embed


Descrição do Produto

Análise do Programa de Desenvolvimento de Líderes do INSEAD Global Leadership Centre

Aulina Judith Folle Esper Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Universidade Federal de Santa Catarina – [email protected] (Brasil) Endereço para correspondência do autor principal Rua Arnaldo Bonchewitz, n. 155, Centro, São José, Santa Catarina, Brasil, CEP 88103-215.

Cristiano José Castro de Almeida Cunha Dr. rer. pol., Universidade Federal de Santa Catarina – [email protected] (Brasil)

1

Resumo

O objetivo deste artigo é analisar a proposta de desenvolvimento de líderes do INSEAD Global Leadership Centre (IGLC), a partir do modelo para análise de programas de desenvolvimento de líderes de Esper (2015). A análise foi baseada nos seguintes critérios: discurso orientador do modelo; fundamentos do modelo; conceito de líder; conceito de liderança; fundamentos da concepção de aprendizagem; processo de aprendizagem; e o nível de profundidade da aprendizagem. O trabalho conclui pela necessidade de maiores pesquisas empíricas acerca dos resultados do processo formativo promovido pelo programa do IGLC em seus participantes. Recomenda-se, também, a análise de outros programas de desenvolvimento de líderes, visando a obtenção de subsídios para a construção de uma teoria integrativa do desenvolvimento de líderes.

Palavras-chave: Desenvolvimento de líderes. Análise comparativa. Abordagem psicodinâmica. Aprendizagem pela experiência. Desenvolvimento de adultos. Abstract The purpose of this article is to analyze the leader development proposal of INSEAD Global Leadership Centre (IGLC), using the analytic model of leader development programs developed by Esper (2015). The analysis was based on the following criteria: discourse of the model; model fundamentals; concept of leader; concept of leadership; learning fundamentals; learning process; and the level of the learning process. The work concludes that there is a need of more empirical research on the results of the development process promoted by IGLC program on its participants. It is recommended also to analyze other leader development programs, in order to obtain subsidies for the construction of an integrative theory of development leaders.

Keywords: Leader development. Comparative analysis. Psychodynamic approach. Experiential learning. Adult development.

2

Análise do Programa de Desenvolvimento de Líderes do INSEAD Global Leadership Centre

Introdução

O desenvolvimento de líderes é uma área de estudos significativamente recente e que ainda busca a afirmação de sua cientificidade (Day & Zaccaro, 2004; Mumford & Manley, 2003). Enquanto as pesquisas científicas e proposições teóricas sobre liderança vêm sendo desenvolvidas desde o início do século passado (House & Aditya, 1997), durante muitos anos o estudo do processo para que uma pessoa se torne um líder foi ignorado pela academia. Diversos fatores contribuíram para essa situação, destacando-se: 1) a influência da abordagem dos traços, que considera que a pessoa já nasce líder e; a ideia de que o desenvolvimento de líderes, na prática, se resume à aplicação de uma determinada abordagem da liderança (Day, Fleenor, Atwater, Sturm & McKee, 2014). Em sentido oposto à academia, as organizações identificaram no desenvolvimento de líderes uma fonte de vantagem competitiva em relação à concorrência, investindo consideráveis recursos nesse processo. DeRue e Wellman (2009) destacam pesquisa desenvolvida em 2006, que estima que aproximadamente 45% dos 56 bilhões de dólares investidos em aprendizagem organizacional e desenvolvimento nos Estados Unidos foram destinados especificamente para o desenvolvimento de líderes. Assim, várias organizações já se propunham a capacitar líderes antes mesmo de se começar a estudar mais criteriosamente esse assunto (Day, 2000). Por conta desses fatores, o interesse pelo estudo do desenvolvimento de líderes partiu das organizações em direção à academia, e não o contrário. Os programas de desenvolvimento de líderes criaram uma série de métodos e técnicas, mais preocupados com a resposta à demanda de mercado do que com a confiabilidade dos instrumentos utilizados e dos resultados obtidos na prática (Day, 2000). Muito embora essa situação tenha mudado nos últimos anos, o que se constata é que o estudo do desenvolvimento de líderes possui um baixo nível de consenso e é caracterizado pela carência de uma teoria integrativa, que considere o processo em sua totalidade. Mumford e Manley (2003) destacam que as pesquisas sobre o desenvolvimento de líderes têm focado muito mais na

3

determinação das habilidades a serem desenvolvidas, ou na descoberta de técnicas que garantam os melhores resultados, do que no processo integrado de desenvolvimento do líder. Enquanto as pesquisas sobre o tema se encontram neste estado, várias instituições internacionais vêm disponibilizando programas de desenvolvimento de líderes baseados nos resultados de estudos realizados por seus próprios pesquisadores. Dentre estes programas encontrase a proposta de desenvolvimento de líderes do INSEAD Global Leadership Centre (IGLC), do INSEAD (França). Neste sentido, considera-se que a compreensão da estrutura do programa de desenvolvimento de líderes do IGLC pode contribuir com a formulação de uma teoria integrativa do processo de desenvolvimento de líderes, assim como com a compreensão da prática do desenvolvimento de líderes. O objetivo deste trabalho, assim, é analisar o programa do IGLC a partir do modelo de análise de programas de desenvolvimento de líderes proposto por Esper (2015), apresentado na próxima seção. Os problemas que orientaram esta pesquisa foram: Como o modelo do IGLC busca desenvolver líderes? Que discurso orienta esta proposta? Quais são os seus fundamentos e definições sobre líder e liderança? Quais são os fundamentos e o processo de aprendizagem promovido? Qual é o nível de profundidade alcançado pela proposta?

Apresentação do modelo de análise de programas de desenvolvimento de líderes

O modelo de análise (figura 1) proposto por Esper (2015) foi elaborado a partir de uma revisão integrativa das publicações dos últimos 20 anos sobre desenvolvimento de líderes. No modelo são definidos sete critérios que orientam a análise de um programa de desenvolvimento de líderes.

4

Figura 1. Modelo de análise de programas de desenvolvimento de líderes Fonte: Esper (2015).

Este modelo permite a compreensão dos diversos aspectos representativos do processo de desenvolvimento de líderes que, englobam, em seu conjunto, não somente aspectos referentes à teoria da liderança, mas também o processo de desenvolvimento humano envolvido (DAY et al., 2014). A figura 1 representa os sete critérios no formato de um heptágono. A seguir, cada um dos sete critérios que compõem o modelo de análise será considerado individualmente.

Discurso orientador do programa O critério “discurso orientador do programa” fundamentou-se, sobretudo, nos trabalhos de Mabey (2013), Burrell e Morgan (1979), Morgan (1980) e Deetz (1996). Burrell e Morgan (1979) e Morgan (1980) propuseram que a teoria organizacional é composta por paradigmas, posições ontológicas e epistemológicas de base, as quais formam proposições metateóricas a priori. Após criticarem a perspectiva de Burrel e Morgan, Clegg e Hardy (1999) substituíram o conceito de paradigma por discurso, pois para estes autores as organizações são objetos empíricos, que podem ser vistos por diferentes perspectivas, sendo que cada perspectiva está associada a um tipo de discurso organizacional, com seu próprio vocabulário, modos de ver e de estudar o fenômeno. Deetz (1996) destaca que os discursos organizacionais podem ser diferenciados a partir de duas dimensões: o processo de formulação de conceitos; e a concepção de sociedade (figura 2). O processo de formulação de conceitos pode ser emergente ou a priori. Em uma pesquisa orientada por um discurso emergente os conceitos decorrem dos estudos realizados, enquanto que uma pesquisa

5

orientada por um discurso a priori testa e analisa a correspondência de determinados conceitos predeterminados com a realidade. A concepção de sociedade, por sua vez, pode partir de duas perspectivas, o dissenso e o consenso. Enquanto o dissenso parte da ideia de diferença (ou ruptura), o consenso se associa a uma concepção de unidade (ou continuação).

Figura 2. Os quatro discursos da liderança e do desenvolvimento de liderança Fonte: Mabey, 2013.

A articulação das duas dimensões e suas perspectivas originam quatro quadrantes dos discursos organizacionais: 1) o discurso dialógico representa a relação entre o dissenso e o emergente; 2) o discurso crítico é composto pela relação entre o dissenso e a perspectiva a priori; 3) o discurso normativo ou funcionalista é constituído pelas relações do consenso, com a perspectiva a priori; e 4) o discurso interpretativo se caracteriza pela relação entre o consenso e o emergente (Deetz, 1996). A figura 2 representa os quatro discursos da liderança identificados por Mabey (2013). Deste modo, a análise do discurso que orienta um determinado programa de desenvolvimento de líderes, permite identificar as concepções básicas o fundamentam (Esper, 2015).

Fundamentos da concepção de líder e de liderança Outro critério importante para se analisar um programa de desenvolvimento de líderes é o

6

conjunto de fundamentos da concepção de líder e de liderança do programa analisado. Esses fundamentos são representados especialmente pela abordagem da liderança e por determinadas premissas adotadas por um programa de desenvolvimento de líderes (Esper, 2015). A pesquisa em liderança é desenvolvida a partir de uma série de abordagens que buscam explicar quem é o líder e o que é liderança, sem que até o presente momento grandes consensos tenham sido obtidos. Na década de 1970, Stogdill (1974) revisou mais de 3 mil estudos, concluindo que quatro décadas de pesquisas produziram um enorme número de conclusões que não permitiram alcançar um entendimento integrado sobre a definição de líder e de liderança. Passados outros 40 anos dessa publicação, o trabalho de Dinh et al. (2014) conclui que esse pouco consenso ainda persiste. Na busca de uma fundamentação, cada programa de desenvolvimento de líderes se filia a uma determinada corrente do estudo da liderança, o que torna a identificação dessa corrente um aspecto importante da análise de um programa. Também as premissas adotadas pelo programa no tocante à liderança são consideradas nesse critério.

Conceito de líder Além da compreensão da estrutura teórica de base do programa analisado, representada pelos critérios do discurso orientador e também pelos fundamentos da concepção de líder e de liderança, a definição do conceito de líder é outro aspecto fundamental na análise de um programa de desenvolvimento de líderes. A definição de líder adotada por um determinado programa de desenvolvimento de líderes permite não somente clarificar as bases teóricas que sustentam uma determinada proposta de desenvolvimento de líderes, mas também identificar que tipo de líder que se pretende desenvolver no programa.

Conceito de liderança Para compreender um programa de desenvolvimento de líderes, a análise da definição de liderança é tão importante quanto a análise da definição de líder. Ao desenvolver o líder, um programa

7

não trabalhará somente aspectos referentes ao próprio líder, mas promoverá em seus participantes uma visão própria sobre como os processos de liderança ocorrem no grupo. Durante muito tempo, líder e liderança foram tratados como quase sinônimos, isso porque a liderança era considerada como o estudo da pessoa do líder. Atualmente, parcela importante da literatura considera que líder e liderança são conceitos diferentes -a liderança é uma relação entre pessoas, e o líder é uma das partes dessa relação (Ganga & Navarrete, 2013).

Fundamentos da concepção de aprendizagem Além da análise do discurso orientador do programa e também dos três critérios sobre a concepção do líder e da liderança (fundamentos das concepções de líder e de liderança; conceito de líder; e conceito de liderança), o modelo de análise de Esper (2015) também integra critérios referentes aos aspectos desenvolvimentais de um programa de desenvolvimento de líderes, representados: pela concepção de aprendizagem; pelo processo de aprendizagem; e pelo nível de profundidade da aprendizagem. Cada programa de desenvolvimento de líderes possui uma concepção própria sobre a forma como o processo de aprendizagem ocorre e sobre como uma pessoa pode ser desenvolvida para liderar. Desse modo, o quinto critério “fundamentos da concepção de aprendizagem” permite identificar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano adotada pelo programa analisado. Cada programa de desenvolvimento de líderes possui uma concepção própria sobre a forma como o processo de aprendizagem ocorre e sobre como uma pessoa pode ser desenvolvida para liderar.

Processo de aprendizagem O processo de aprendizagem é outro critério importante para se analisar um programa de desenvolvimento de líderes. Enquanto todos os critérios anteriores buscam fornecer uma compreensão geral sobre as bases teóricas de um programa de desenvolvimento de líderes, o critério do processo de aprendizagem permite analisar passo-a-passo como o programa atua sobre os participantes. A análise do processo de aprendizagem promovida pelo programa, deste modo, envolve dois questionamentos: o que desenvolver? E como desenvolver? A resposta à primeira pergunta ressalta o

8

objetivo do programa, referente ao conteúdo que se pretende transferir aos seus participantes. Já a resposta ao segundo questionamento, refere-se à estruturação do programa como um todo, e permite compreender a forma como o processo de desenvolvimento é promovido (Esper, 2015).

Nível de profundidade do processo de desenvolvimento O último critério para a análise de um programa de desenvolvimento de líderes é o nível de profundidade do processo de desenvolvimento. Para se desenvolver este critério adotou-se a classificação proposta por Day, Harrison e Hapin (2009). Eles consideram que um programa de desenvolvimento de líderes pode promover mudanças individuais em três níveis diferentes de profundidade ou camadas. O primeiro nível, mais aparente, é o das habilidades e das competências de liderança. No segundo nível estão a identidade do líder e a sua capacidade de autorregulação. Mudanças neste nível implicam na transformação na forma como o líder se percebe e se manifesta na relação com as demais pessoas. Este é um nível intermediário, menos visível que a dimensão das habilidades e competências, porém ainda verificável por um observador externo. Por fim, o terceiro nível é o mais profundo e fundamental. Nele estão as mudanças associadas ao amadurecimento de um indivíduo no decorrer da sua vida. O processo de desenvolvimento de adulto acaba por ser um aspecto invisível, pois ocorre de modo subliminar, a partir das escolhas e das respostas dadas pelo indivíduo aos problemas e às situações que são por ele enfrentadas no curso da sua vida (Day et al., 2009; Day & Sin, 2011). Os três diferentes níveis de profundidade estão representados na figura 3.

Figura 3. As três camadas do processo de desenvolvimento de líderes Fonte: Adaptado de Day e Sin, 2011.

Portanto, com o último critério de análise busca-se identificar qual camada um determinado

9

programa de desenvolvimento de líderes se propõe a atingir.

A proposta do IGLC: desenvolvimento do líder enquanto um processo de autoconhecimento O programa de desenvolvimento de líderes do INSEAD Global Leadership Centre (IGLC)1, vinculando ao INSEAD2, tem por base o pensamento de Kets de Vries3 sobre liderança e a atuação do líder. Em função da formação psicanalítica do autor e também de um dos seus principais colaboradores no projeto, Konstantin Korotov4, o modelo do IGLC se fundamenta em aspectos psicodinâmicos relacionados com o ato de liderar (Kets de Vries, Florent-Treacy, Ramo, Korotov, 2008). A seguir, o modelo do IGLC será analisado tendo por base os sete critérios apresentados na seção anterior. Os critérios do discurso orientador do modelo e do nível de profundidade do processo de aprendizagem serão apresentados por último, pois tratam-se de aspectos não explicitamente tratados pelos pesquisadores do IGLC, mas que podem ser inferidos, a partir da análise dos demais cinco critérios de análise. Fundamentos dos conceitos de líder e de liderança A base de sustentação do modelo do IGLC é a abordagem psicodinâmica da liderança, que 1

O IGLC é um centro do INSEAD fundado por Kets de Vries em 2003. O centro é dedicado especificamente aos estudos e à prática da liderança, além do desenvolvimento de líderes e de liderança. Insead Global Leadership Centre (2015). Who we are. Recuperado em 07 janeiro 2015, de http://centres.insead.edu/global-leadership/who-we-are/index.cfm. 2 O INSEAD é uma instituição de ensino fundada em 1957, sediado em Fontainebleau, França, e que possui campi em Singapura e Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Atualmente o INSEAD desenvolve projetos no Brasil em parceria com a Fundação Dom Cabral. INSEAD (2015). INSEAD the business school for world. Recuperado em 08 janeiro 2015, de http://about.insead.edu/who_we_are/index.cfm. 3 Manfred F. R. Kets de Vries é doutor em Economia pela Universidade de Amsterdã e em Administração pela Universidade de Harvard. Possui formação em psicanálise pela Canadian Psychoanalitic Society e pela International Psychoanalytic Association. Foi professor nas Universidades McGill e École des Hautes Etudes Commerciales, ambas do Canadá, e também da Universidade de Harvard. Atualmente é Professor Distinto de Desenvolvimento de Liderança e Mudança Organizacional e ocupante emérito da cátedra Raoul de Vitry d’Avaucourt de Desenvolvimento de Liderança pelo INSEAD. INSEAD Global Leadership Centre (2015). Manfred F. R. Kets de Vries. Recuperado em 08 janeiro 2015, de http://www.insead.edu/facultyresearch/faculty/profiles/mketsdevries/. 4 Konstantin Korotov é PhD em Administração pelo INSEAD. Atualmente é professor associado de Comportamento Organizacional e Diretor do Center for Leadership Development Research (CLDR) da EMST European School of Management and Technology, da Alemanha. Korotov atua também como colaborador do IGLC. European School of Management and Technology (2015). Konstantin Korotov. Recuperado em 07 janeiro 2015, de www.esmt.org/konstantinkorotov.

10

estuda a influência de fatores psicológicos conscientes e inconscientes do líder na relação deste com seus liderados. Esta abordagem considera que muitas das experiências de vida do líder, especialmente aquelas que ocorrem nos seus primeiros anos de vida, influem na forma como este age em relação aos liderados e nas organizações. Por isso, o líder deve passar por um processo de autoconscientização, como forma de superar pontos mal resolvidos de seu passado, assim como aprimorar-se para que possa tornar-se um ser humano e um líder melhor (Kets de Vries & Cheak, 2014). Com base neste fundamento, o modelo do IGLC atua sobre o líder para que, a partir da resolução dos seus problemas pessoais, ele esteja mais apto a lidar com problemas externos.

Conceito de líder

Para o IGLC, o líder deve conhecer seus pontos fortes e fracos, suas motivações, seus sentimentos e emoções, assim como a influência do inconsciente nas suas ações, pois todos estes fatores influenciam no seu comportamento e nas suas atitudes com seus liderados (Kets de Vries et al., 2008a). O líder que busca se conhecer e que se torna um ser humano mais equilibrado pode vir a se tornar um líder autêntico, tendo por característica qualidades como a abertura, honestidade, transparência e ser verdadeiro no dia a dia. A eficácia dos líderes autênticos, no sentido proposto pelos autores, decorre principalmente do fato de serem verdadeiros consigo mesmos, assim como com os outros, bem como por trabalharem continuamente no seu processo de autoconscientização, mediante a autoexploração. Esses líderes se autodesenvolvem dotados de qualidades como a coragem, a confiança, autoeficácia, decisão, honestidade e integridade (Kets de Vries & Korotov, 2010a). Destaca-se que esta visão de autenticidade do líder do IGLC não é idêntica à proposta de líder autêntico de Gardner, Avolio, Luthans, May & Walumbwa (2005). Apesar de haver certas similitudes entre ambas as propostas, o conceito de líder autêntico adotado pelo IGLC não encontra vinculação direta com a abordagem da liderança autêntica trabalhada pelos citados autores. Além disso, enquanto que o líder autêntico promovido pelo IGLC está baseado na abordagem psicodinâmica, o líder autêntico retratado por Gardner et al. (2005) representa uma nova abordagem da liderança, baseada

11

na psicologia positiva.

Conceito de liderança Este critério do modelo de Esper (2015) não pode ser plenamente identificado dentro do programa de desenvolvimento de líderes do IGLC. Isto ocorreu, pois, a abordagem psicodinâmica não foca na definição do que é a liderança. Pelo contrário, esta abordagem estuda a funcionalidade da relação líder-liderado, considerando que esta relação pode ser tanto produtiva, ou seja, funcional, quanto improdutiva, também sendo chamada de relação com disfunção (ou tóxica). Para esta abordagem, no exercício da liderança o líder autêntico constitui relações funcionais, enquanto um líder inautêntico, também chamado de líder tóxico ou destrutivo, produz disfunção nas relações em grupo. Este conceito de funcionalidade não se restringe aos aspectos estritamente ligados à produtividade no trabalho e a capacidade do atingimento dos objetivos, mas considera também outros aspectos, como a sanidade do ambiente de trabalho e a satisfação dos membros do grupo. Para o IGLC o líder não pode ser visto como um herói que possui todas as respostas necessárias para a condução da organização. Pelo contrário, ele é capaz de lidar com os mais diversos desafios enquanto participante de uma equipe, em conjunto com seus liderados. Deste modo, para este programa líderes e liderados são complementares entre si e exercem influência mútua no processo decisório (Kets de Vries & Korotov, 2010a).

Fundamentos da concepção de aprendizagem O processo de desenvolvimento do IGLC é pautado em três triângulos (figura 4), que representam as relações: da vida mental; dos conflitos; e das relações pessoais. O triângulo da vida mental considera aspectos cognitivos e emocionais do indivíduo; o triângulo dos conflitos compreende a forma como os conflitos surgem a partir de sentimentos inaceitáveis ou pensamentos que geram ansiedade e reações defensivas; e, por fim, o triângulo das relações diz respeito às experiências de vida na infância e juventude, que criam padrões de resposta que são repetidos no curso da vida (Kets de Vries & Korotov, 2007).

12

Figura 4. Os três triângulos do processo de desenvolvimento de líderes Fonte: A autora, com base em Kets de Vries e Korotov, 2007.

A partir dos três triângulos do processo de desenvolvimento, o IGLC se orienta a partir de quatro premissas clínicas: a) todo comportamento humano, até mesmo nas suas formas mais estranhas desviantes, possui uma explicação racional. A irracionalidade também está fundada em uma razão, ou significado; b) o inconsciente exerce uma considerável influência na determinação das ações, pensamentos, fantasias, esperanças e medos das pessoas; c) as emoções têm um importante impacto no comportamento das pessoas, elas exprimem significados positivos ou negativos para experiências passadas criando preferências nas escolhas feitas pela pessoa e no modo como ela lidam com o mundo. As emoções formam também as bases pelas quais são construídas as representações mentais do eu e dos outros, que refletem na forma como uma pessoa estabelece seus relacionamentos pessoais e profissionais; d) o desenvolvimento humano é um processo simultaneamente pessoal e interpessoal. As pessoas são produtos de suas experiências passadas, que continuam a influir no curso da vida (Kets de Vries et al., 2008a).

Estas quatro premissas, que podem ser consideradas como uma decorrência dos três triângulos (figura 4) representam a base para a intervenção direcionada ao desenvolvimento do líder. As premissas “a” e “b” representam a importância do trabalho com a instância da vida mental do líder, enquanto que os triângulos das relações e dos conflitos têm correspondência direta com as premissas

13

“c” e “d”. A partir destas quatro premissas, o programa do IGLC pretende promover um processo de aprendizagem baseado na experiência de vida de seus participantes. As experiências vividas pelos participantes servem como fundamento para a autoanálise em um processo que é desenvolvido concomitantemente à ampliação da sua visão de mundo, a partir do contato com as experiências de vida de outras pessoas. Busca-se desta forma fornecer ao participante uma melhor compreensão de quem ele é e dos resultados de suas experiências passadas, assim como permitir a adoção de novos caminhos para o futuro. Processo de aprendizagem Para a análise do processo de aprendizagem, em um primeiro momento será considerado o objetivo do processo de aprendizagem, para então, na sequência, se trabalhar com o processo de desenvolvimento promovido pelo IGLC. O programa de desenvolvimento de líderes do IGLC tem o objetivo de explicitar as principais questões pessoais ou profissionais que o participante precisa trabalhar para se desenvolver como líder, permitindo o exercício da mudança e a consolidação dessa mudança, mediante a internalização. Neste sentido, considera-se que esse modelo de desenvolvimento de líderes tem um caráter terapêutico, ainda que não seja uma modalidade de terapia (Kets de Vries, 2005). Esse modelo é chamado por seus autores como desenvolvimento de liderança transformacional, mas não como referência à abordagem da liderança transformacional de Burns (2010) ou de Bass (1985). O uso do termo transformacional no modelo do IGLC tem por referência a criação de um espaço de transição (ou espaço transicional), que permite a identificação e a mudança comportamental, tendo por resultado a transformação do líder (Kets de Vries & Korotov, 2010a). O processo de desenvolvimento do modelo do IGLC é composto por quatro fases: seleção; autoavaliação, para definir as questões individuais a serem trabalhadas; a criação de um espaço favorável à autoanálise e à reflexão para a mudança; e, finalmente, a internalização da mudança (Kets de Vries & Korotov, 2007). As fases de seleção e de autoavaliação são consideradas como parte do processo formativo, pois somente são selecionados participantes que estejam verdadeiramente dispostos a ingressar em um

14

processo de discussão sobre si mesmos. Para tanto, na segunda fase, os participantes são incentivados a definir as questões individuais que buscarão trabalhar no curso do programa. Durante a terceira e quarta fases do programa do IGLC é que ocorre a formação do espaço transicional, estrutura que busca efetivamente promover a mudança nos participantes do programa. Para o IGLC, devem ser selecionados, para participar do programa, indivíduos que estejam dispostos a se envolver em um processo de mudança, autoexploração e autoexperimentação, para que seja possível criar um ambiente onde as pessoas podem apresentar suas cognições, emoções e pensamentos. O IGLC possui, assim, nove critérios para a seleção dos seus participantes: nível de motivação para aprender e mudar; capacidade para estar aberto e responsável; conexão interpessoal; habilidades de gestão emocional; abertura à autorreflexão; capacidade de introspecção; consideração das observações dos outros; habilidade de tolerar a depressão ou a ansiedade; e também flexibilidade. Ainda que seja muito difícil avaliar os participantes a partir de todos esses critérios, segundo os autores, com o uso de entrevistas e análise de ensaios reflexivos escritos pelos participantes é possível encontrar indicadores da correspondência ou não do candidato aos requisitos para participação do programa (Kets de Vries & Korotov, 2007). As entrevistas com os candidatos são desenvolvidas de modo semiestruturado, abordando os pontos fortes e fracos do candidato, seus medos, fantasias e desejos acerca do futuro da sua carreira. Os autores destacam, inclusive, que esse processo seletivo acaba por se tornar uma prévia do modo pelo qual o processo de desenvolvimento ocorrerá durante o programa (Kets de Vries et al., 2008a). A segunda etapa é a identificação de qual ponto cada participante selecionado define como aspecto a ser trabalhado durante o programa. Neste momento, os participantes devem ser claros naquilo que eles esperam alcançar ou mudar, explicitando as questões centrais, para então definir objetivos alcançáveis. A definição do objetivo de mudança ocorre mediante um processo de autoavaliação, pelo qual o participante identifica os seus pontos fortes e fracos e estabelece um plano de desenvolvimento pessoal. Este processo de autoavaliação tem por objetivo aumentar a autoconsciência do indivíduo, enfatizando a responsabilidade pelo conhecimento de si mesmo. Deste modo, durante a terceira e quarta etapas do programa do IGLC em paralelo às atividades promovidas para todos os participantes em conjunto, cada participante também buscará implementar o seu próprio plano de desenvolvimento pessoal (Kets de Vries & Korotov, 2010a).

15

Na terceira fase ocorre a criação do espaço transicional, um ambiente em que os participantes sintam-se confortáveis para abordar suas experiências de vida mais íntimas, sem o receio de serem julgados, ou de se sentirem expostos e envergonhados. Dessa forma, os participantes descrevem medos, dúvidas e esperanças sobre questões tanto de suas vidas pessoais quanto profissionais (Kets de Vries & Korotov, 2007). Valoriza-se esta estrutura, pois para as pessoas em geral os dilemas da vida parecem insolúveis, pois elas estão limitadas à própria visão de mundo. Desse modo, as trocas de experiências entre os participantes do programa permitem a ampliação de sua visão de mundo, vislumbrando-se novas possíveis soluções. Assim, um participante, ao expor sua vida desse acaba sendo desafiado pelos demais a explorar as possíveis escolhas a serem tomadas e os possíveis resultados dessas escolhas (Kets de Vries & Korotov, 2007). Dubouloy (2004) destaca que, no espaço transicional, o sentimento de segurança cria a oportunidade para o desenvolvimento pessoal e o amadurecimento, podendo inclusive implicar numa mudança radical na vida dos participantes. Para poder criar tal espaço, um dos aspectos fundamentais é que o grupo seja composto por pessoas dispostas à mudança e maduras o suficiente para exporem aspectos de sua intimidade, que muitas vezes não seriam confessados ao seu amigo mais íntimo. Justamente por isto o programa se propõe a ser tão criterioso na escolha de seus participantes. Outro aspecto importante é que os facilitadores do programa devem ser pessoas treinadas, autoconscientes e capacitadas a trabalhar com os aspectos psicodinâmicos. No caso do IGLC, os dois responsáveis pelo programa, Kets de Vries e Korotov, são psicanalistas de formação, além de terem anos de experiência no trabalho com executivos (Kets de Vries & Korotov, 2010b). A quarta etapa do processo de desenvolvimento de líderes é a internalização e consolidação da mudança, para que ela possa perdurar após o término do programa. Para o IGLC, o processo de contar e recontar as próprias histórias e de escutar as histórias alheias marca o processo de internalização da mudança. Além disso, a organização e manutenção de uma rede de contatos entre os participantes é uma outra forma de manutenção do reforço positivo (Kets de Vries et al., 2009). Ao final do programa, os participantes devem redigir um relatório sobre o que eles buscarão implementar na organização, em sua vida pessoal e em sua carreira (Kets de Vries & Korotov, 2007). Durante terceira e quarta a fases do modelo o processo formativo do programa do IGLC adota

16

uma estrutura de reuniões divididas por módulos temáticos, com o objetivo de promover a transformação dos indivíduos, assim como a consolidação dessa mudança. O processo formativo é dividido em quatro módulos intensivos, cada um com duração de uma semana cada. O objetivo dos módulos é permitir que o participante faça as conexões entre as vivências e aprendizados obtidos no decorrer do curso, com sua experiência na prática profissional. Os três primeiros módulos ocorrem em um prazo de seis meses, enquanto que o último ocorre após outros seis meses, a fim de poder avaliar o processo de internalização nos participantes (Kets de Vries et al., 2008a). O primeiro módulo é marcado por aulas expositivas, assim como por sessões de discussão, com o objetivo de apresentar as quatro premissas do programa e também os conceitos de base acerca da relação entre a vida pessoal do líder, a cultura da organização e a sua estratégia. Ao mesmo tempo, os participantes são convidados à jornada pela autoconscientização. Nos demais módulos, os participantes fazem os seus relatos, abordando tanto aspectos de sua vida pessoal, quando da vida profissional. Os participantes são estimulados a intervir e problematizar as questões apresentadas pelo expositor, não participando como meros ouvintes, em um processo que pode ser caracterizado como um coaching em grupo (Kets de Vries et al., 2008b).

Figura 5. Estrutura do programa do IGLC durante a terceira e quarta fases Fonte: A autora, adaptado de Kets de Vries et al., 2008a.

O programa do IGLC destaca para os seus participantes que a mudança de vida somente ocorrerá se eles buscarem implementar a aprendizagem obtida em sua vida pessoal e profissional. Para tanto, no início de cada novo módulo os participantes fazem uma autoavaliação e manifestam se

17

estão satisfeitos ou não com os progressos que fizeram desde o módulo anterior. A autoavaliação é submetida então à discussão em grupo, buscando-se investigar os motivos que levaram os participantes à mudança ou à regressão (KETS DE VRIES et al., 2008a). A figura 5 representa o modelo de desenvolvimento de líderes do IGLC.

Discurso orientador do programa do IGLC A partir da análise da proposta do programa de desenvolvimento de líderes, percebe-se que este modelo se encontra baseado principalmente no discurso dialógico do desenvolvimento de líderes. Conforme Mabey (2013), o discurso dialógico trabalha com meios socialmente e historicamente situados, que conduzem às noções de líder e de liderança, em um estudo feito a partir de um discurso anterior, e na antecipação do discurso futuro sobre o líder e sobre a liderança. Para o discurso dialógico, o “eu” do líder é uma realização múltipla, fragmentada e discursiva, em um processo contínuo de vir a ser, como oposto a qualquer situação fixa ou estável. O desenvolvimento do líder, sob esta perspectiva, pode ser compreendido a partir do exame e da confissão, considerando-se assim o indivíduo como sujeito e objeto de análise ao mesmo tempo, o que é bastante comum nas pesquisas em psicanálise, ou na psicologia em geral. Percebe-se a fundamentação do programa do IGLC no discurso dialógico ao se considerar tanto a filiação do programa à abordagem psicodinâmica da liderança, quanto em função do processo formativo promovido pelo programa. O IGLC, como visto, se baseia no processo de autoexploração do líder, mediante tanto a autorreflexão, quanto o trabalho em grupo dentro do espaço transicional. Neste espaço, as experiências vividas são confrontadas com as experiências dos demais participantes e com o conteúdo ministrado no curso, desenvolvendo-se, desse modo, a percepção do líder sobre si mesmo e sobre o significado de experiências passadas e emoções por ele experimentadas. Este é um processo que nunca está acabado, mas, pelo contrário, trata-se de um contínuo movimento de descoberta de si mesmo e de autenticação (Kets de Vries et al., 2008a).

Nível de profundidade do processo de desenvolvimento O programa de desenvolvimento de líderes do IGLC pode ser considerado como uma proposta

18

que busca desenvolver seus participantes até a camada mais profunda, referente ao desenvolvimento de adultos. Certamente o processo de desenvolvimento promovido pelo IGLC envolve a aquisição de novas habilidades pelo líder, porém, o objetivo principal do programa é atuar diretamente nas questões referentes à identidade e à capacidade de autorregulação do líder e, mais ainda, capacitar o líder para o processo de desenvolvimento enquanto adulto. Verifica-se que a proposta do IGLC não visa apenas auxiliar no autoconhecimento do líder (nível da identidade e da autorregulação), mas também no processo de construção e de reconstrução desta identidade ao longo da trajetória desenvolvimental do indivíduo (desenvolvimento de adulto) (Kets de Vries & Korotov, 2007, 2010a).

Resultados

A partir da análise do programa de desenvolvimento de líderes do IGLC elaborada na seção anterior o quadro 1 consolida os resultados da análise dos sete critérios do modelo de Esper (2015). Quadro 1 Quadro analítico do programa de desenvolvimento de líderes do IGLC

19

N

Critério

Resultado Dialógico

1

Discurso orientador do programa

2

Fundamentos da concepção de líder e de liderança

Abordagem psicodinâmica

Líder autêntico 3

Conceito de líder

4

Conceito de liderança

5

Fundamentos da concepção de aprendizagem

Objetivo da aprendizagem 6

Processo de aprendizagem Processo de desenvolvimento

Não há uma definição de liderança. Aprendizagem pela experiência Explicitação das questões pessoais; Promoção e internalização da mudança. Quatro fases: Seleção; Autoavaliação; Espaço transicional; Internalização. Andragogia

7

Nível de profundidade

Características O foco de preocupação se dirige mais ao processo de descoberta dos indivíduos, do que nos resultados diretos que possam advir do processo de desenvolvimento. A partir do processo de autoconscientização o líder se torna mais apto a estabelecer relações de liderança funcionais e também a lidar com problemas externos. Pessoa autoconsciente, que conhece seus pontos fortes e fracos, motivações, emoções e sentimentos e sabe da influência do seu inconsciente. Dirige o seu foco na relação líder-liderado, que poderá ser funcional ou disfuncional (liderança tóxica). A aprendizagem ocorre principalmente mediante a reflexão sobre experiências vividas, baseada nos conteúdos ministrados no programa. Explicitação das principais questões pessoais ou profissionais para que o líder se desenvolva, tendo por base os três triângulos: vida mental, conflitos e relações pessoais, assim como a promoção da mudança e a internalização da mudança. Processo terapêutico de desenvolvimento, a partir da criação de um espaço transicional, para que se promova a mudança e a sua internalização. O processo é composto pelas fases: seleção; autoavaliação; construção do espaço transicional; e internalização da mudança. Se propõe a desenvolver os seus participantes, de modo que eles continuem o seu processo de desenvolvimento de adultos inclusive após o término do programa.

Fonte: A autora, 2015.

No quadro cada uma das linhas representa um dos critérios de análise do modelo de Esper (2015), enquanto que as colunas estão divididas entre o resultado obtido a partir da análise e as principais características identificadas tendo em vista o resultado obtido. Estes resultados podem ser também vistos a partir do heptágono dos sete critérios de Esper (2015) organizado de forma que cada um dos vértices traduza um dos resultados obtidos a partir da análise do programa do IGLC (figura 6).

20

Figura 6. O programa do IGLC visto a partir dos sete critérios Fonte: A autora, 2015.

A partir da análise do IGLC destaca-se, primeiramente, que esta proposta se encontra baseada no discurso dialógico da liderança e do desenvolvimento de líderes. Este aspecto é importante e diferencia este programa de outras propostas existentes, tendo em vista a preponderância do discurso funcionalista nas pesquisas sobre liderança e sobre o desenvolvimento de líderes e de liderança, como destacou Mabey (2013). Por estar fundado no discurso dialógico, o programa do IGLC não busca promover a autoconscientização do líder somente para que ele seja mais eficaz em suas atividades na organização. Na realidade, a preocupação de fundo é a funcionalidade do líder sob a perspectiva do seu bem-estar pessoal, assim como a sanidade do ambiente de trabalho, processo que ocorre mediante a contínua reflexão sobre si mesmo, tendo-se deste modo o indivíduo como sujeito e objeto de autoanálise. Certamente a liderança envolve as relações humanas tendentes ao alcance de determinados resultados de proveito comum. No entanto, constata-se que as pesquisas sobre o desenvolvimento de líderes em geral focam mais no incremento da performance do líder, do que no seu desenvolvimento humano. A proposta IGLC, como visto, diverge desta tendência. Do ponto de vista dos fundamentos da concepção de líder e de liderança, a proposta do IGLC se baseia na abordagem psicodinâmica, preocupando-se deste modo com os aspectos pessoais do líder que refletem nas relações de liderança, tornando-as funcionais ou disfuncionais. Assim, para o IGLC o processo de mudança do líder vem de dentro para fora. O líder mais autoconsciente e equilibrado no trato de suas emoções e resguardado da influência do seu inconsciente se torna mais apto para a

21

tomada de decisões do que líderes que não se submetem a uma formação semelhante. Constatou-se também que o IGLC não se preocupa em definir o que é liderança, dirigindo a sua atenção às formas pelas quais uma relação de liderança pode ser funcional ou disfuncional (tóxica). Quanto aos fundamentos da concepção de aprendizagem, verificou-se que para o IGLC, o desenvolvimento do líder ocorre tendo em vista as instâncias da vida mental, das relações e dos conflitos e também às quatro premissas clínicas, que retratam a racionalidade presente no comportamento humano, a influência do inconsciente e das emoções e também a visão do desenvolvimento do líder como um processo pessoal e interpessoal. O modelo do IGLC está baseado na concepção de aprendizagem pela experiência, visto que no coração do modelo está a importância das experiências de vida dos líderes como fundamento para a autoanálise, em um processo que é desenvolvido concomitantemente à ampliação da sua visão de mundo, a partir da experiência de vida de outras pessoas. Verificou-se que o processo de desenvolvimento promovido pelo IGLC tem por objetivo explicitar das principais questões pessoais ou profissionais a serem desenvolvidas pelos participantes, promovendo-se a mudança e a consolidação desta mudança. Finalmente, no tocante ao critério do nível de profundidade da aprendizagem promovida, constatou-se que o IGLC atinge a camada mais profunda, referente ao desenvolvimento de adultos. Certamente o programa do IGLC envolve o desenvolvimento das competências do líder, mas vai mais além, promovendo o desenvolvimento no nível da identidade e da autorregulação e, ainda, o desenvolvimento de adultos. Apresentado e analisado o modelo do IGLC, a próxima seção apresenta as considerações finais deste trabalho.

Conclusões

Este trabalho foi desenvolvido com o objetivo de analisar o modelo do IGLC de desenvolvimento de líderes, a partir da análise do programa a partir dos sete critérios de Esper (2015) algumas conclusões podem ser alcançadas.

22

Em primeiro lugar, destaca-se que o programa do IGLC se apresenta aos seus participantes não como um ponto de chegada, mas sim como o princípio de uma nova jornada em direção ao próprio desenvolvimento. Diferentemente de outras propostas identificadas pela literatura (Mintzberg, 2004), o programa do IGLC não tem a pretensão de tornar seus participantes líderes, simplesmente pelo fato de terem frequentado por um período aproximado de 18 meses o programa. Como uma proposta que atinge o nível do desenvolvimento de adultos, este programa busca responsabilizar os seus participantes como protagonistas do seu próprio desenvolvimento. Todavia, verificou-se que embora o programa do IGLC esteja bem estruturado sob o ponto de vista teórico, poucos são os estudos empíricos que avaliam os resultados do seu sistema de desenvolvimento na prática. Na realidade, encontrou-se apenas o trabalho de Kets de Vries, Hellwig, Ramo, Florent-Treacy e Korotov (2008) que avaliou 11 participantes de uma turma do ano de 2005 em um modelo de pesquisa baseado no instrumento do feedback 360º e na realização de entrevistas com os participantes logo após o término do programa e também no período de um ano depois. Deste modo, poucas são as fontes para o desenvolvimento de um estudo aprofundado sobre os resultados do programa, aspecto que pode ser considerado uma possibilidade para pesquisas futuras. Ingressando no campo dos possíveis direcionamentos futuros desta pesquisa, destaca-se também a importância da análise de outras propostas de desenvolvimento de líderes baseadas em fundamentos científicos, assim como o desenvolvimento de uma análise comparativa destas diferentes propostas, como forma assim de se fornecer subsídios para a construção de uma teoria integrativa do desenvolvimento de líderes, uma teoria que congregue todos os aspectos relacionados à liderança e também ao desenvolvimento humano, que se fazem presentes dentro deste fenômeno. Referências

Bass, B. M. (1985). Leadership and performance beyond expectations. New York: The Free Press. Burrell, G., & Morgan, G. (1979). Sociological paradigms and organizational analysis. London: Heinemann Educational Books, 1979. Burns, J. M. (2010). Leadership. New York: Harpercollins Publishers. Clegg, S. R., & Hardy, C. (Ed.). (1999). Studying organization: theory and method. London: Sage. Day, D. V. (2000). Leadership development: a review in context. Leadership Quarterly, 11(4), p. 581-613, 2000. Recuperado em 28 janeiro 2014, de www.scopus.com. Day, D. V., Fleenor, J. W., Atwater, L. E., Sturm, R. E., & McKee, R. A. (2014). Advances in leader

23

and leadership development: a review of 25 years of research and theory. Leadership Quarterly, 25(1), p. 63-82. Recuperado em 28 janeiro 2014, de www.scopus.com. Day, D. V., Harrison, M. M., & Halpin, S. M. (2009). An integrative theory of leadership development: connecting adult development, identity, and expertise. New York: Taylor and Francis. Day, D. V., & Sin, H. P. (2011). Longitudinal tests of an integrative model of leader development: charting and understanding developmental trajectories. Leadership Quarterly, 22(3), p. 545560, recuperado em 04 setembro 2014, de www.scopus.com. Deetz, S. (1996). Describing differences in approaches to organization science: rethinking Burrell and Morgan and their legacy. Organization Science, 7(2), p. 191-207. Recuperado em 12 julho 2014, de search.ebscohost.com. DeRue, D. S., & Wellman, N. (2009). Developing leaders via experience: the role of developmental challenge, learning orientation, and feedback availability. Journal of Applied Psychology, 94(4), p. 859-875. Recuperado em 25 agosto 2014, de http://psycnet.apa.org/journals/apl/94/4/859.pdf. Dinh, J. E., Lord, R. G., Gardner, W. L., Meuser, J. D., Liden, R. C., & Hu, J. (2014). Leadership theory and research in the new millennium: current theoretical trends and changing perspectives. Leadership Quarterly, 25(1), p. 36-62. Recuperado em 11 abril 2014, de www.scopus.com. Dubouloy, M. (2004). The transitional space and self-recovery: a psychoanalytical approach to highpotential managers' training. Human Relations, 57(4), p. 467-496. Recuperado em 11 janeiro 2015, de www.scopus.com/. Esper, A. J. F. (2015). Análise comparativa de programas de desenvolvimento de líderes. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil. Ganga, F., & Navarrete, E. (2013). Enfoques asociados al liderazgo eficaz para la organización. Revista Gaceta Laboral, 19(1), p. 52-77. Recuperado em 25 agosto 2014, de search.ebscohost.com. Gardner, W. L., Avolio, B. J., Luthans, F., May, D. R., Walumbwa, F. (2005). "Can you see the real me?" A self-based model of authentic leader and follower development. Leadership Quarterly, 16(3), p. 343-372. Recuperado em 20 novembro 2014, de www.scopus.com. Kets de Vries, M. F. R. (2005). Leadership group coaching in action: the zen of creating high performance teams. Academy of Management Executive, 19(1), p. 61-76. Recuperado em 15 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., & Cheak, A. (2014) Psychodynamic approach. INSEAD Working Papers Collection, 45, p. 1-22. Recuperado em 15 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., & Korotov, K. (2007) Creating transformational executive education programs. Academy of Management Learning and Education, 6(3), p. 375-387. Recuperado em 15 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., & Korotov, K. (2010a). Developing leaders and leadership development. INSEAD working papers collection, 77, p. 1-23. Recuperado em 15 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., & Korotov, K. (2010b). Transformational leadership development programs: creating long-term sustainable change. INSEAD working papers collection, 72, p. 1-30.

24

Recuperado em 15 setembro 2014, de http://search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., Florent-Treacy, E., Ramo, L. G., & Korotov, K. (2008). The proof is in the pudding: an integrative, psychodynamic approach to evaluating a leadership development program. INSEAD working papers collection, 38, p. 1-27. Recuperado em 15 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., Hellwig, T., Ramo, L. G., Florent-Treacy, E., & Korotov, K. (2008). Longterm effectiveness of a transitional leadership development program: an exploratory study. INSEAD working papers collection, 24, p. 1-29. Recuperado em 15 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Kets de Vries, M. F. R., Hellwig, T., Vrignaud, P., Ramo, L. G., Florent-Treacy, E., & Korotov, K. (2009). Sustainable effectiveness of a transformational leadership development program: an exploratory study. INSEAD working papers collection, n. 34, p. 2-32, 2009. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2014. Mabey, C. (2013). Leadership development in organizations: multiple discourses and diverse practice. International Journal of Management Reviews, 15(4), p. 359-380. Recuperado em 02 abril 2014, de www.scopus.com/. Mintzberg, H. (2004). Third-generation management development. T and D, 58(3), p. 28-38. Recuperado em 18 setembro 2014, de search.ebscohost.com. Morgan, G. (1980). Paradigms, metaphors, and puzzle solving in organization theory. Administrative Science Quarterly, 25(4), p. 605-622. Recuperado em 18 fevereiro 2014, de http://www.jstor.org/. Mumford, M. D., & Manley, G. G. (2003). Putting the development in the leadership development: implications for theory and practice. In S. E. Murphy & R. E. Riggio. The future of leadership development. Mahwah, New Jersey, London: Lawrence Erlbaum Associates. Stogdill, R. M. (1974). Handbook of leadership: a survey of literature. New York: Free Press.

25

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.