ANÁLISE DOS IMPACTOS DA EXPANSÃO URBANA NAS INUNDAÇÕES EM PARATY, COM USO DO MODELO DE CÉLULAS MODCEL

August 8, 2017 | Autor: Zé Barbedo | Categoria: Flood Risk Management, Urban Planning, Flood Mitigation, Land-use planning
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ANÁLISE DOS IMPACTOS DA EXPANSÃO URBANA NAS INUNDAÇÕES EM PARATY, COM USO DO MODELO DE CÉLULAS MODCEL Barbedo, J. 1, Marins, M. 2, Miguez, M.³ & Sousa, M.4 Resumo – O presente estudo discute a problemática das enchentes em Paraty, com foco na área urbana onde está localizado o centro histórico, reconhecido como Patrimônio Nacional e candidato a Património Mundial da UNESCO. O artigo avalia diferentes abordagens para a mitigação de riscos de inundação, através da simulação de vários cenários de urbanização, comparando os seus impactos na ocorrência localizada de cheias. Para quantificar os impactos de possíveis mudanças de uso do solo no comportamento das Bacias dos Rios Perequê-Açu e Mateus Nunes foi utilizado o modelo de células de escoamento MODCEL. Os valores encontrados evidenciam que a ocupação da planície a montante da área urbana consolidada, conforme previsto no plano diretor atualmente em discussão, irá agravar os riscos de inundação em diversas áreas do centro urbano. São apresentadas medidas de requalificação fluvial e ordenamento do uso do solo, como forma de apresentar alternativas sustentáveis para o controle das cheias na região e garantir a preservação ambiental no município. Além disso, a análise pretende mostrar de que forma um modelo hidráulico-hidrológico pode ajudar à compreensão dos riscos da expansão urbana descontrolada, e em que medida é necessário considerar o papel das planícies aluviais peri-urbanas na prevenção de inundações. Palavras-Chave – Mitigação de Inundações Urbanas, Planejamento do Uso do Solo, Requalificação Fluvial

ANALYSING FLOOD IMPACTS OF URBAN EXPANSION IN PARATY, USING MODCEL Summary - This study discusses the problem of flooding in Paraty, with a focus on urban areas where is located the historic city center, recognized as a national heritage and candidate to UNESCO World Heritage. The article evaluates different approaches to mitigate flood risks by simulating various scenarios of urbanization, comparing their impact on the occurrence of localized flooding. To quantify the impacts of potential changes in land use on the responses of the PerequeAçu and Mateus Nunes river basins, it uses the flow cell model MODCEL. The values found evidence that the continuity of the current trend of occupation of the floodplain upstream the consolidated urban area will aggravate flood risks in various areas of the urban center. River restoration along with land use measures are presented as a way to introduce sustainable alternatives for flood control in the region and ensure environmental preservation in the county. Furthermore, this analysis aims to show how a hydrologic-hydraulic model can help to better understand the risks of urban sprawl, and to what extent it is necessary to consider the role of peri-urban floodplains for flood prevention. INTRODUÇÃO Estudos recentes sobre gestão de riscos de inundação enfatizam o papel do uso do solo na redução desses eventos (Kousky et al, 2011), afastando-se dos conceitos de drenagem baseada em soluções de engenharia tradicional para uma abordagem mais estratégica e integrada (Woltjer e Al, 2007; Miguez et al , 2012). Ao longo das últimas duas décadas, tem havido um reconhecimento crescente de que as soluções baseadas unicamente na construção recorrente de nova infraestrutura 1 Programa de Engenharia Civil, COPPE/UFRJ. Email: [email protected] 2 Programa de Engenharia Civil, COPPE/UFRJ. Email: [email protected] 3 Programa de Engenharia Civil, COPPE/UFRJ. Email: [email protected] 4 Programa de Engenharia Civil, COPPE/UFRJ. Email: [email protected]

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podem ter efeitos econômicos e ambientais adversos (Defra, 2003). Este reconhecimento representa uma mudança nas práticas de gestão de riscos de inundação a partir do conceito de resistência à inundação (Tunstal et al 2004) para o conceito de resiliência (Pelling, 2003; Vis et al, 2003; Pickett et al, 2004; Petrillo e Prosperi , 2011). Embora estes conceitos sejam hoje amplamente aceitos, encontram-se na literatura diferentes abordagens e perspectivas sobre a sua aplicação prática. Estes podem ser divididos em duas abordagens fundamentais: uma que sublinha a necessidade de travar a expansão urbana, promovendo cidades compactas através de uma reformulação radical - uma inversão da atual tendência de crescimento urbano, explorando as possibilidades de requalificação fluvial e restauro de propriedades naturais dos rios, de adaptação de planícies peri-urbanas para acomodar as águas durante e depois de um evento de cheia, por meio de armazenamento a montante da área urbanizada, do plantio de árvores extensivo, etc; a segunda abordagem explora possíveis formas de lidar com os processos de urbanização através do desenvolvimento de conceitos inovadores de drenagem, tais como o conceito norte-americano de Desenvolvimento de Baixo Impacto (LID) (USDoD 2004; PSAT, 2004; Kloss, Calarusse 2006), o conceito de Urbanização Sensível à Água desenvolvido na Austrália e os conceitos britânicos de Drenagem Urbana Sustentável (SUDS). Tais conceitos enfatizam a necessidade de combinar medidas estruturais e não-estruturais para mitigar os riscos de inundação (Rezende, 2009; Miguez et al., 2011), a fim de diminuir os impactos da urbanização, melhorando a resiliência às mudanças no ciclo hidrológico, aumentando a capacidade de infiltração da água através da conservação de solos permeáveis e a regulamentação dos padrões de construção. O desenvolvimento destas abordagens conceituais para a sua implementação no mundo real podem resultar num leque de opções relativamente ao uso e ocupação do solo. Neste contexto, é necessário analisar os impactos de diferentes cenários de urbanização e a informação resultante dessa análise deve ser claramente comunicada e facilmente acessível para os decisores políticos, agentes econômicos, outros interessados e ao público em geral (De Groot et al., 2010). Isto é ainda mais premente em economias em expansão como o Brasil, onde a necessidade de "crescimento" é difícil de desafiar e onde a batalha pela conservação é, em grande parte focada em áreas naturais "virgens", sendo muitas vezes negligenciados os custos de longo prazo decorrentes da urbanização descontrolada em áreas peri-urbanas. No presente trabalho, propõe-se analisar os impactos de diferentes cenários de urbanização no contexto específico das bacias dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes. Num estudo mais amplo do Município de Paraty, o grupo de pesquisa do PROURB coordenado por Tardim (2011) reflete sobre o sistema de espaços abertos no Município e apresenta três funções possíveis para estas áreas periurbanas: i) Valorização dos serviços ecossistêmicos, com potencial para preservar a vegetação, hidrografia e estrutura fundiária; ii) A preservação de áreas de percepção da paisagem, envolvendo uma possível relação entre paisagens naturais e artificiais; iii) Ocupação urbana como uma oportunidade para estruturar áreas que se encontram já em perigo de urbanização descontrolada (Tardim et al, 2011). O presente estudo foi construído sobre essas possibilidades, testando cenários hipotéticos de desenvolvimento urbano, estimando seus impactos sobre enchentes urbanas com o auxílio de um modelo hidrodinâmico. Os resultados obtidos a partir do exercício de modelagem permitirá analisar cada cenário de urbanização com base na medição dos custos e benefícios hidrológicos de cada cenário. METODOLOGIA Este estudo faz uso das técnicas de modelagem hidrodinâmica desenvolvidas pelo Laboratório de Hidráulica Computacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Mascarenhas e Miguez, 2002). O modelo matemático MODCEL é uma ferramenta utilizada para estimar fluxos entre XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos

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células ou compartimentos previamente divididos, responsáveis pela caracterização de uma bacia hidrográfica. A construção deste modelo matemático é baseado no conceito de células de escoamento (Zanobetti et al, 1970) no qual o território é representado através de um conjunto de compartimentos homogêneos, integrando toda a área da bacia, que são ligados entre si por equações clássicas unidimensionais. A subdivisão das bacias hidrográficas em células de escoamento na área de estudo foi realizada de acordo com as suas características topográficas e urbanas, com base no Sistema de Informação Geográfica do Município de Paraty e em outras bases de dados disponíveis, tais como cartas topográficas, fotografias aéreas, imagens de satélite e visitas de campo realizadas ao longo deste estudo. O modelo de células compreende 378 células de planície representantes das áreas de expansão urbana e urbana, 88 células de canal representativos dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes, principais cursos d'água na região, além de 67 células que representam as áreas de encosta. Depois da construção do modelo matemático, é possível avaliar tanto a situação atual quanto os cenários futuros de crescimento urbano. O estudo simulou a situação atual e 3 cenários, todos para um evento de chuva com um tempo de recorrência de 25 anos em cada bacia, como descritos abaixo: Situação atual: tem como objetivo realizar um diagnóstico da capacidade atual do sistema de macrodrenagem das bacias dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes, representando a atual configuração dos rios e da ocupação urbana, constituindo a linha de base para comparação de três cenários hipotéticos de desenvolvimento urbano, descritos em A, B e C, ilustrados nas fig.1(a,b,c); Cenário A) Expansão urbana, seguindo a tendência atual da urbanização na planície a montante da rodovia Rio-Santos (BR-101), como é preconizado pelo Plano Diretor atualmente em discussão. Este cenário assume a expansão urbana de toda a área definida pelo Plano Diretor atualmente em discussão, ainda não aprovado (ver Prefeitura de Paraty, 2011); Cenário B) Conservação ambiental, enfatizando medidas de requalificação fluvial com a reconexão de meandros no rio Mateus Nunes; plantio de árvores ao longo da planície, evitando a ocupação nas áreas a montante da BR-101; proteção das faixas marginais dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes. Neste cenário, a expansão urbana é restrita aos remanescentes de terra disponíveis a jusante da BR-101, elevando as taxas de densidade urbana na área do Jabaquara, ocupação da área da pista de pouso e outros espaços livres remanescentes junto à área urbana consolidada; Cenário C) Urbanização controlada, admitindo a ocupação urbana parcial da planície a montante da BR-101, ao longo da via RJ-165, que liga a área urbana consolidada ao bairro do Pantanal. Este cenário também propõe medidas de requalificação fluvial, a conexão entre as duas bacias hidrográficas através de canais artificiais (permitindo a transferência de volumes de água entre as duas bacias em momentos de cheia) e a dragagem dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes a jusante da BR-101, para recuperação da capacidade de escoamento perdida pelo excesso de assoreamento.

Fig. 1 (a) Cenário A, expansão urbana; Fig.1(b) Cenário B, conservação e; Fig.1(c) Cenário C, urbanização controlada XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos

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A calibração e validação do modelo para a situação atual foram realizadas através do cálculo do desvio entre as vazões calculadas pelo MODCEL e as vazões obtidas com base no posto fluviométrico local; do ajuste dos hidrogramas dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes com base na correta representação dos tempos de concentração de cada curso d'água; da comparação entre as manchas de inundação obtidas no MODCEL e informações diretas recolhidas em visitas ao local. Os dados de precipitação foram obtidos a partir da estação pluviométrica Paraty (ANA/HIDROWEB, 2012). Para definir as condições de contorno de jusante, as constantes harmônicas da estação Paraty foram inseridas no software livre SisBaHia, a fim de calcular as futuras variações de maré astronômica. RESULTADOS Nas fig. 2(a) e 2(b) podem ser observados os perfis dos níveis máximos de água na área urbana para as quatro situações modeladas nos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes, respectivamente. NÍVEIS D'ÁGUA MÁXIMOS - RIO MATEUS NUNES (Jusante BR -101) - TR 25 ANOS

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NÍVEIS D'ÁGUA MÁXIMOS - RIO PEREQUÊ-AÇU (Jusante BR -101) - TR 25 ANOS 3.50 3.00

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Comprimento (m)

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Cenário A - Plano Diretor

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Cenário A - Plano Diretor

Cenário B - Requalificação com urbanização a Jusante

Cenário C - Urbanização Controlada com Requalificação

Cenário B - Requalificação com urbanização a Jusante

Cenário C - Urbanização Controlada com Requalificação

Margem Esquerda

Margem Direita

Margem Esquerda

Margem Direita

Fig.2(a): Níveis máximos nos rios Perequê-Açu

Fig. 2(b) Mateus Nunes

A implementação do Plano Diretor atualmente em discussão representa um aumento considerável dos níveis máximos de água dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes, decorrente do aumento da expansão urbana e diminuição da retenção de áreas naturais na região a montante da BR-101. As medidas de requalificação fluvial propostas no cenário B não apresentaram melhorias nem agravamento da situação atual em termos de inundações provocadas pelo rio Perequê-Açu. Isto se deve ao fato das medidas terem sido aplicadas ao rio Mateus Nunes, já que este curso d'água se apresenta retilíneo em toda a sua extensão. No cenário C, o nível da água no rio Perequê-Açu são significativamente mais baixos. Observa-se que o rio Mateus Nunes, no cenário B, apresenta uma visível redução do nível de água, devido à implantação das medidas de requalificação fluvial. Vale também observar que o cenário C apresenta níveis de pico mais elevados em relação ao cenário atual no rio Mateus Nunes (fig.2b), ocorrendo o inverso no rio Perequê-Açu (fig. 2a), onde os níveis de pico foram reduzidos. Isto deve-se à ligação proposta entre esses rios no cenário C, permitindo a transferência de volumes de água do rio Pereque-Açu para o rio Mateus Nunes. Em geral, o cenário B apresenta níveis mais baixos no rio Mateus Nunes (fig. 2b) e o cenário C apresenta níveis mais baixos no rio Perequê-Açu (fig. 2a). No cenário C, os efeitos da urbanização controlada são pequenos devido às medidas de compensação propostas. As fig.3(a) e 3(b) mostram as vazões ao longo do tempo no rio Mateus Nunes na seção pela BR-101, para os 4 cenários modelados. Aqui pode ser observado que, no cenário B, as descargas no rio Perequê-Açu estão muito próximas da situação atual. A diminuição das vazões é mais clara no cenário B no rio Mateus Nunes - como já foi mencionado, a bacia hidrográfica onde foram propostas as medidas de requalificação fluvial. O cenário C resulta em descargas inferiores no rio Perequê-Açu e maiores no rio Mateus Nunes, devido à conexão entre os rios. XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos

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HIDROGRAMA - RIO MATEUS NUNES - TR 25 ANOS

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HIDROGRAMA - RIO PEREQUÊ-AÇU - TR 25 ANOS 260 240

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Fig 3(a): Hidrogramas dos rios Perequê-Açu e;

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Cenário A

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Fig 3(b) Mateus Nunes (b) para os 4 cenários modelados.

A Fig.4 mostra as áreas mais afetadas pelas enchentes na situação atual. Seguindo o padrão apresentado nas fig. 2(a) e 2(b) observa-se que no cenário de expansão urbana ocorre o agravamento das inundações em áreas urbanas vulneráveis; o cenário B, onde a expansão urbana é restrita, não apresenta grandes alterações no mapa de inundações em relação a situação atual; e no cenário C, onde a expansão urbana controlada é associada a medidas de requalificação fluvial combinadas com medidas clássicas de drenagem, a mancha de inundação é bastante reduzida em relação a todos os outros cenários.

Figura 4: Mapa de inundação da área urbana de Paraty, para as condições atuais e cenários modelados

Cabe ressaltar que no cenário C é adotada a ligação entre as duas bacias hidrográficas e é considerado um evento de chuva com 25 anos de duração em cada uma das bacias, conforme foi adotado nos cenários anteriores. Essa combinação de 2 eventos de 25 anos simultâneos, um em cada bacia, tem uma recorrência maior que 25 anos. Esse fato passa a ser relevante quando consideramos as bacias funcionando juntas, assim o cenário C foi simulado para um evento de chuva mais desfavorável que os outros cenários. DISCUSSÃO A seção anterior forneceu um conjunto de dados sobre os impactos de diferentes opções de uso do solo na ocorrência de inundações em Paraty. O cenário de expansão urbana, como preconizado pelo Plano Diretor de 2010 (ainda não aprovado) pode resultar em importantes danos materiais, nomeadamente pelo extravasamento das margens dos rios em áreas críticas, além de uma maior recorrência de enchentes. Alternativamente, os cenários B e C apresentam níveis de água mais baixos e menores descargas de águas pluviais que cenário A. Em alguns pontos críticos, os cenários B e C podem até mesmo melhorar a situação atual, diminuindo os níveis de alagamento e o tempo de concentração em caso de cheia. Em suma, os valores encontrados no modelo mostraram que ambas as abordagens adotadas nos cenários B e C são preferíveis às do cenário A. Assim, podeXX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos

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se considerar que a adoção de maiores taxas de densidade de construção nas áreas a jusante da bacia resultaria em impactos menores sobre as inundações na área urbana consolidada. Enquanto o adensamento de áreas a jusante teria um impacto mínimo sobre o risco de inundação, a ocupação das áreas a montante da BR-101 ao longo da planície remanescente, não só implicaria no agravamento dos riscos de inundação nas áreas recentemente urbanizadas, mas também iria trazer pressão adicional para as áreas a jusante, pondo em perigo o património construído existente e implicando em altos custos de infraestrutura e serviços de manutenção. Estes resultados mostram a importância das decisões de uso do solo, e como estas influenciam a exposição humana a riscos de inundações no médio e longo prazo. A este respeito, o Global Environment Outlook atribui especial importância aos riscos de ultrapassar determinados limites na frágil relação de equilíbrio entre o ser humano e o meio ambiente (UNEP, 2007). Tais preocupações são consistentes com teorias que enfatizam a importância da promoção de cidades compactas e o uso combinado de medidas estruturais e não-estruturais para a mitigação de riscos de inundação (Rezende, 2009, Miguez et al., 2011). No cenário C, por exemplo, a adoção de uma ocupação sensível ao comportamento hidrológico das bacias, combinado com medidas infraestruturais provou ser eficaz na compensação dos custos hidrológicos da urbanização e na redução substancial dos riscos de inundações. Os valores apresentados no cenário B demonstram que a mitigação de cheias pode ser significativamente melhorada através da implementação de medidas de reflorestamento e requalificação fluvial. De acordo com os cálculos obtidos no modelo, a implementação de tais medidas pode ser eficaz na retenção de água em períodos de cheia, absorvendo e reduzindo o escoamento de aguas pluviais, e reduzindo as vazões de pico quando ocorre a inundação. Essas medidas, além de terem um efeito significativo na redução de inundação, contribuem também para a preservação da saúde humana, a produtividade agrícola e qualidade ambiental, acrescentando novas dimensões e benefícios. A aplicação de um modelo hidrodinâmico para o nosso território de estudo provou ser útil não só para estimar impactos da urbanização nas inundações, mas também pode ser usado para introduzir princípios de equidade e justiça social nas decisões de uso do solo. O modelo de células estabelece um nexo de causalidade entre as mudanças no uso do solo e as externalidades inerentes a estas transformações. A compreensão dos mecanismos causais entre várias opções de uso do solo permite identificar quem suporta os custos da conversão do solo urbano em termos dos riscos de inundação que essas ações acarretam. Também torna possível identificar os beneficiários e potenciais prestadores de serviços ambientais para a mitigação de riscos de inundação. O uso de ferramentas hidrodinâmicas para a avaliação dos impactos das medidas de mitigação de cheias, oferece uma oportunidade para avaliar diferentes estratégias disponíveis, facilitando os processos de decisão. Os resultados do nosso exercício de modelagem constituem fortes argumentos para incentivar uma avaliação sistemática das consequências de ocupação de planícies aluviais periurbanas, considerando a possível adaptação desta territórios para usos compatíveis com o seu importante papel no amortecimento de cheias. CONCLUSÕES O exemplo de Paraty demonstra como o capital construído e o património cultural é criado a partir da transformação do território, mas uma vez que o ambiente urbano se desenvolve, fornece uma nova lógica para o uso da paisagem circundante. O crescimento desordenado e as consequentes modificações nas condições de escoamento nas bacias hidrográficas dos rios Perequê-Açu e Mateus Nunes (sistemas fluviais que sofreram inúmeras intervenções ao longo do tempo, como retificações, XX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos

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desvios e alteração da geometria de suas seções) acarretam na redução da capacidade de infiltração e no aumento das vazões superficiais, intensificando as cheias e, consequentemente, os impactos no município. Este estudo demonstra como o processo de crescimento que deu origem à cidade, fundado sobre fatores de desenvolvimento econômico, continuando a se expandir de forma descontrolada, torna-se uma ameaça para a própria cidade e seus habitantes. Esses fatores, associados à ocorrência de eventos hidrológicos extremos, aumentam as preocupações decorrentes das incertezas sobre as mudanças futuras causadas por fatores climáticos. De um modo geral, as implicações de médio e longo prazo decorrentes da conversão de terra rural em solo urbano (não só no risco acrescido de inundações, mas também de perda de importantes serviços ambientais e custos de manutenção de infraestrutura) devem ser devidamente consideradas pela sociedade e suas estruturas de governança. Tais considerações são ainda mais prementes quando a pressão urbana se exerce sobre planícies aluviais peri-urbanas a montante de áreas urbanas consolidadas, que neste caso particular constituem um património cultural e ambiental de grande relevância. REFERÊNCIAS ANA/HIDROWEB - Agência Nacional de Águas - Sistema de Informações Hidrológicas. Disponível em http://www.hidroweb.ana.gov.br, acesso em janeiro de 2013. DE GROOT R. S.; ALKEMADE R.; BRAAT L.; HEIN L.; WILLEMEN, L. (2010). Challenges in integrating the concept of ecosystem services and values in landscape planning, management and decision making, Ecological Complexity 7, 260–272. DEFRA (2003). Wetlands, Land Use Change and Flood Management. English Nature, the UK Environment Agency and the Forestry Commission, UK. HALLER, T., editor. (2010). Disputing the floodplains – Institutional change and the politics of resource management in African wetlands. African Social Studies Series, Brill, Boston, USA. KLOSS, C.; CALARUSSE, C. (2006). Rooftops to Rivers: Green Strategies for Controlling Stormwater and Combined Sewer Overflows. Natural Resources Defense Council, Low Impact Development Center, and University of Maryland School of Public Policy. KOUSKY, S.; OLMSTEAD, S.; WALLS, M.; STERN A.; MACAULEY, M. (2011). The role of land use in Adaptation to Increased Precipitation and Flooding: A Case Study in Wisconsin's Lower Fox River Basin Resources for the future, Washington DC, USA. MASCARENHAS, F.; MIGUEZ M. (2002). Urban Flood Control through a Mathematical Cell Model. In: Water International, Vol. 27, nº 2, p. 208-218. MIGUEZ, M., VEROL A.; CARNEIRO, P. (2012). Sustainable Drainage Systems: an Integrated Approach, Combining Hydraulic Engineering Design, Urban Land Control and River Revitalisation Aspects. In: Drainage Systems ed. Rijeka. MIGUEZ, M.; MASCARENHAS F.; VEROL. A. (2011). MODCEL: A mathematical model for urban flood simulation and integrated flood control design In Anais 4 Convegno Nazionale di Idraulica Urbana - Acqua e Citta, Veneza, Italia

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