Análise e Contextualização de Thomas Paine e sua Obra: Senso Comum

June 4, 2017 | Autor: Mateus Gusmão | Categoria: Thomas Paine, Iluminismo, Ilustração, História da ilustração, Panfletos Políticos
Share Embed


Descrição do Produto

Universidade Federal Fluminense Instituto de Ciência Humanas e Filosofia Curso de História Disciplina: História da Ilustração Professor: Guilherme Pereira das Neves

Análise e Contextualização de Thomas Paine e sua Obra: “Senso Comum”

Apresentado por:

Mateus Gusmão

Niterói 2016

Introdução “O senso comum operou uma poderosa mudança de mente em muitos homens” George Washington.

George Washington na frase acima refere-se ao panfleto mais influente da Revolução Americana, também objeto deste presente trabalho. A influência de Senso Comum, escrito por Thomas Paine em 1776, parece emanar de uma forte visão inspiradora de uma América independente, asilo para a liberdade e autogoverno cada vez mais desvanecidos em um mundo oprimido pelo despotismo e o privilégio hereditário. É dentro de um quadro de grande consciência filosófica ilustrada, aonde as ideias políticas, vinculadas intimamente ao processo revolucionário, ganham particular relevo, que a independência norte americana é conduzida. O panfleto de Thomas Paine parece nos revelar tal proposição. Esse panfleto insere-se em um contexto entre a filosofia das luzes e o desfecho do final do século XVIII, durante as vésperas dos contextos revolucionários dos Estados Unido1s e França, aonde a construção de um estado baseia-se no voto, pleno exercício de cidadania e igualdade plena de direitos. Quando desembarca na América com a ajuda de Benjamin Franklin, Paine depara-se com uma articulação para enfrentar a política inglesa, que revogava as conquistas feitas até então.¹ Era o ano em que reunia-se pela primeira vez na Filadélfia o Congresso Continental. A relação colônia-metrópole revelava-se caótica, visto que Londres estabelecera novos impostos para as colônias, além de usá-las para escoar produtos excedentes. O inglês recém chegado à américa não tarda em posicionar-se a favor da defesa de uma independência americana. Após ser demitido do jornal da Pennsylvania Magazine, o Senso Comum foi o seu objetivo principal.2 Endereçado de forma anônima por um inglês a todos os habitantes da América, terá mais de cento e cinquenta mil exemplares impressos no decorrer do ano de 1776. O panfleto, com características simples e objetivas, revela-se um instrumento amplamente eficaz na instrução política

1

MAAMARI, Adriana Mattar. A República e a Democracia em Thomas Paine. Dissertação (Doutorado em Ética e Filosofia Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo: USP, 2007. Cap. 2, p. 171. 2 Idem. Ibidem. Cap. 1, p. 46

de seus leitores, dada a complexidade e urgência do momento vivido pelas colônias. Com efeito, a forma como seu pensamento é exposto tem ligação direta com a ideia de instrução pública da população, que deve cada vez mais ser universal: senso comum! Para o autor, convém que os saberes explicitados em seus panfletos tornemse senso comum, trata-se, ao meu ver, de uma ferramenta literária e filosófica de suma importância em sua missão de convencimento. Mergulhado na conjuntura de seu tempo, Paine dialoga amplamente com a filosofia das luzes, já que qualquer proposta republicana parece consultar suas doutrinas como parâmetro para a ação e pensamento. Nesse sentido buscaremos perceber, através de uma análise minimamente expositiva de Senso Comum, como seu autor tem o intuito de instruir os indivíduos das colônias, para que dessa forma se tornem esclarecidos e defensores da independência e, portanto, de uma república. Breve Análise do Senso Comum “Dá origem e do plano de governo em geral, com concisas observações sobre a constituição inglesa” (PAINE, 1776). É esse o primeiro título do panfleto. Destinado a um público geral e com a finalidade de convencê-los, Paine almeja não só a mudança de opinião mas a tomada de decisão que vem logo a seguir. O cerne de sua obra é marcado pela crença nas possibilidades de ação da sociedade em contraposição à diminuição de interferência do governo. A sociedade é produzida pelas nossas necessidades, e o governo pela nossa maldade; a primeira promove positivamente a nossa ventura, unindo os nossos afetos, enquanto o segundo o faz negativamente refreando os nossos vícios. A primeira encoraja ao intercâmbio, o segundo cria distinções. A primeira é uma patrocinadora, o segundo um punidor.3

Apesar de conceber o governo como um punidor, não há nenhum flerte com os ideais anarquistas, sobretudo por acreditar que a natureza humana não é perfeita, e que uma vez movidos pelos seus próprios impulsos, os homens usariam de suas liberdades para cercear a dos outros, como podemos ver a seguir:

3

PAINE, Thomas. Senso Comum. In: Os Pensadores. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Cap. 2, p. 45.

Porque, quando sofremos ou ficamos expostos, por um governo, às mesmas misérias que poderíamos esperar em país sem governo, a nossa calamidade aumenta pela reflexão de nós é que fornecemos os meios pelos quais sofremos. O governo, como a vestimenta, é o emblema da inocência perdida; os palácios dos reis erguem-se sobre as ruínas das choupanas dos paraísos. Se obedecêssemos clara, uniforme e irresistivelmente

aos

impulsos

da

consciência,

não

precisaríamos de outro legislador; não sendo esse, todavia, o caso, vemo-nos obrigados a ceder uma parte da nossa propriedade a fim de providenciar meios para a proteção do resto, e somos induzidos a proceder dessa maneira pela mesma prudência que, em qualquer outro caso, nos aconselha a escolher, dentre dois males, o menor. Pelo que, sendo a segurança o verdadeiro propósito e fim do governo, segue-se irretorquivelmente ser preferível às demais qualquer forma que pareça mais capaz de nô-la garantir.4

O governo se torna necessário apenas pelo aumento da comunidade, e sua função não é outra senão proteger os homens livres e suas propriedades, além de realizar serviços públicos de interesse em comum. A maior parte dos valores criados pelo homem é o resultado de uma ação espontânea da sociedade, e a função governamental dessa forma seria impedir que os criminosos enfraquecessem os valores criados socialmente. Os representantes eleitos jamais deverão ter outros interesses que não os de seus eleitores. Com isso, a meta suprema de todo governo é assegurar a liberdade e a segurança de todos os homens da sociedade: Mas a medida que a colônia for crescendo, crescerão igualmente os interesses públicos, e a distância que, por acaso, separar os membros tornará inconveniente em demasia se reunirem todos em todas as ocasiões, como no início, quando era pequeno o número deles. Isso indicará a conveniência de eles consentirem em deixar a parte que a parte legislativa seja dirigida por um determinado grupo escolhido do todo, o qual terá supostamente em jogo os mesmos interesses que os que o indicam, e agirá da mesma maneira que agiria o todo se presente(...) e para que os eleitos jamais formem para si um interesse diverso dos eleitores, a

4

Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 45.

prudência mostrará a oportunidade de eleições frequentes, pois, podendo os eleitos, por tal meio, regressar em poucos meses ao corpo geral dos eleitores e com ele fundir-se, a sua fidelidade ao público ficará garantida pela prudente reflexão de não prepararem uma punição para si próprios. E como esse frequente intercâmbio estabelecerá um interesse comum com todas as partes da comunidade, os membros se apoiarão mútua e naturalmente, e é disso (e não do nome sem significação de rei) que depende a força do governo e a felicidade dos governados.5

A segunda parte do Senso Comum mostra como que os homens, apesar de racionais, poderiam ser enganados. A resposta se encontra na exploração da credulidade da sociedade, a partir de temores supersticiosos, indivíduos sempre conseguiram fazer aceitas suas formas irracionais e repressivas de governo. A mais frequente e contrária ao senso comum seria a monarquia hereditária, nas palavras do autor. Há, porém, outra distinção maior, à qual não se pode atribuir nenhuma razão verdadeiramente natural nem religiosa: é a distinção dos homens em reis e súditos. Macho e fêmea são as distinções da natureza; bom e mau as distinções do céu. Mas vale a pena indagar de que maneira uma estirpe de criaturas chegou a ser tão elevadas em cima das outras, a ponto de constituir quase uma nova espécie, e se ela constitui meio de felicidade ou de desventura para a humanidade. (...) Ao mal da monarquia acrescentamos o da sucessão hereditária; se a primeira é uma degradação e diminuição de nós mesmos, a segunda, apresentada sob o aspecto de questão de direito, é um insulto e uma imposição à posteridade. Sendo todos os entes humanos iguais pela origem, ninguém pode ter, por nascimento, o direito de colocar em perpétua preferência, no tocante às demais, sua família. Uma das provas naturais mais fortes da loucura da hereditariedade real é que a natureza a desaprova; de outro modo, não a faria tão frequentemente ridícula, dando à humanidade por leão um burro.6

5 6

Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 46. Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 52

Qual a justificação para a distinção entre reis e súditos? Nenhum entre eles podem estabelecer o privilégio, muito menos a sua descendência. Os reis tornam-se reis através do acaso, o que exclui a hereditariedade do trono; através da eleição, o que excluiria a hereditariedade pelo direito de voto das gerações seguintes; através da usurpação, artifício indefensável. A partir dessa explicitação, Paine revoga a ideia de equilíbrio de poderes entre o rei e o parlamento inglês. A hereditariedade do trono e a falta de representatividade das câmaras dos lordes e dos comuns revelavam a tirania do sistema. Para ele somente a completa independência faria nascer um sistema de governo adequado na América, aonde o ilusório sistema britânico de governo daria lugar ao genuíno direito dos homens. Quanto mais um governo se aproxima da república, tanto menos função existe para o rei. É difícil achar um nome adequado para o governo da Inglaterra, Sir William Meredith chama-lhe república; mas, no seu atual estado, é indigno de tal nome, porque a corrupta influência da coroa, tendo à sua disposição todos os postos, de tal modo absorveu o poder e devorou a virtude da Câmara dos Comuns (parte republicana da Constituição) que o governo da Inglaterra é quase tão monárquico quando o da França ou da Espanha. Os homens desentendem-se sem compreende-los, porque é da parte republicana, e não da parte monárquica da Constituição da Inglaterra que os ingleses se gloriam, ou seja, da liberdade de escolher uma Câmara dos Comuns saída do seu próprio grupo. A Constituição da Inglaterra se encontra enferma porque a monarquia envenenou a república: a Coroa absorveu os Comuns.7

Mais uma vez comprova-se o diálogo com o povo americano, alvos de um convencimento

visceralmente

ligada

à

uma

necessidade

separação.

Na

deslegitimação do rei e do parlamento reside a força propulsora de persuadir as massas a aceitar novas ideias. Na terceira parte de seu panfleto, Paine concentra sua análise no cenário de instabilidade causado pelos abalos da relação entre a Inglaterra e a América, e no uso

7

Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 55.

das armas como último recurso de resolução dos problemas. Para ele esse é um momento de grande oportunidade: O sol jamais brilhou sobre causa de maior valor. Não se trata de questão uma cidade, município, província ou reino; trata-se da questão de um continente que constitui pelo menos a oitava parte do globo habitável. Não se trata do interesse de um dia, de um ano, de uma época; a posteridade acha-se virtualmente envolvida na contenda, e ficará atingida até o fim dos tempos pelo que ora se sucede. A menor fenda agora será como o nome gravado a estilete na tenra casca de um jovem carvalho; o ferimento crescerá com a árvore, e a posteridade o lerá em letras completamente desenvolvidas.8

Dada compreensão da magnitude do que estaria por vir, o panfleto revela que qualquer proposta de solução resumiu-se à união com a Grã Bretanha. Ao inserir-se na polêmica questão, o inglês mais uma vez posiciona-se de forma crítica à ligação colonial, e como a persuasão da população é uma das suas finalidades, justifica o seu posicionamento conjecturando as duas possibilidades que se apresentam a América: a da continuidade do pacto colonial, ou a da afirmação da separação. Segundo suas análises acerca da continuidade dos laços, não houve uma intenção primária benigna por parte dos ingleses, mas apenas um interesse no comércio e no domínio, como afirma a seguir Temo-nos gabados da proteção da Grâ Bretanha sem considerar que o seu motivo era o interesse, não o afeto; sem considerar que não nos protegeu dos nossos inimigos por nossa causa, senão dos inimigos dela, e por causa dela, daqueles que não tinham nenhuma divergência conosco por outra cousa, e que serão sempre os nossos inimigos pela mesma cousa.9

Paine parece nesse momento convergir todas as suas análises para o âmbito comercial, aonde a América deveria ser livre para determinar os seus próprios rumos comerciais. Além disso, as divergências expostas no panfleto irão se referir unicamente aos meios de realizar uma união benéfica para as duas partes. Ainda assim, ao considerar a possibilidade de uma continuidade, o autor revela as 8 9

Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 55. Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 57.

desvantagens evidenciadas pelo sistema despótico de governo e papel secundário ocupada pela América na política inglesa. Após ampla argumentação em prol da tentativa de negativizar os laços coloniais, apresenta-se o mais poderoso dos argumentos: a independência. Ao exortar que qualquer receio no tocante a independência é fruto da falta de um plano, o autor sedimenta um terreno fértil para lançar suas ideias referentes à proposta prática de organização da república americana. Sejam as assembleias anuais, e haja um único presidente. Façamos mais igual a representação, inteiramente doméstica a atividade delas, e sujeita à autoridade de um Congresso Continental.10

Como percebemos as ideias inglesas sobre a república em grande parte inspiraram a Revolução Americana, ideias republicanas em oposição à monarquia parlamentar dos Hanover. A virtude, ou a independência política do indivíduo, deve ser protegida de um poder que poderia corrompe-lo ou a seus representantes. A constituição dos Estados Unidos tendia entretanto à criação de um governo federal capaz de unir seus vastos territórios e administrar a dívida nacional.11 Reunidos os membros deliberadores, estruturem um Estado

Continental

ou

Estatuto

das

Colônias

Unidas

(correspondente ao que se chama Magna Carta da Inglaterra), fixando o número e a maneira de escolha dos membros do Congresso, dos membros da Assembleia, com a data de reunião deles, e traçando entre eles a linha de atividade e jurisdição. (Sempre lembrando que a nossa força é continental, não provincial) Garanta-se a liberdade bem como a propriedade a todos os homens, e acima de tudo o livre exercício da religião, de acordo com os ditames da consciência, como as demais matérias que os estatutos devem necessariamente conter.12

10

Idem. Ibidem. Cap. 2, p. 64. POCOCK, J. G. A. Virtude e Republicanismo da Antiguidade ao Renascimento, Cidadania e Liberdade: os valores políticos dos antigos e a democracia moderna, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. P. 97-101. 12 PAINE, Thomas. Senso Comum. In: Os Pensadores. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Cap. 2, p. 65. 11

O panfleto já prenuncia o que verá expresso no conteúdo político da revolução: os fundamentos de seu êxito residiram num receio de poder e numa vontade de circunscrever o governo a suas funções mínimas. Thomas Paine aqui tipifica o líder que concentra seus esforços nos problemas fundamentais do poder público e da liberdade individual. Explora não apenas a tirania do poder, mas também a questão mais sútil da tirania da maioria, e cria instituições que pudessem limitá-las. Dá-se início, nesses panfletos, ainda que de forma subjetiva, à uma reforma das luzes.13 Na última parte do panfleto, após a análise das possibilidades americanas e de como a América é capaz de reunir a maior armada do mundo, volta-se diretamente a questão da independência americana: Igualmente, este é o tempo peculiar que só aparece uma vez às nações, ou seja, é o tempo de formação do governo. Grande número de nações deixou escapar essa oportunidade, sendo dessarte obrigadas a receber leis dos seus conquistadores em vez de fazer leis por si próprias.14

Mais uma vez a tentativa de controlar o poder coercitivo do governo, proteger os indivíduos livres da força da autoridade pública e quebrar os monopólios institucionais revela-se expressa no conteúdo do documento. Embora os poderes na constituição tenham sido fiscalizados e contrabalanceados para evitar os monopólios de estado, os poderes desse novo governo central, eram bastantes amplos e poderiam representar um perigo a sobrevivência das liberdades individuais, caso não tivessem sido controlados por um conjunto de direitos legítimos e respeitáveis quanto o próprio poder do estado.15 Conclusão Certamente na obra brevemente estudada pudemos encontrar as marcas das luzes lançadas contra as forças da repressão britânica, quais sejam: razão, natureza, tolerância, liberdade e felicidade. São marcas que uma vez lidas por iletrados não representem a complexidade de um novo sistema de valores contrário a ortodoxia do

13

BAILYN, Bernard. Duas Revoluções, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. P. 37-44. 14 PAINE, Thomas. Senso Comum. In: Os Pensadores. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Cap. 2, p. 72. 15 . BAILYN, Bernard. Duas Revoluções, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. P. 37-44.

Antigo Regime. Em uma leitura aprofundada do Senso Comum, poderemos observar também a inserção de Paine nos círculos dos filósofos que a partir de 1760 passam à ofensiva. Aliás, como dito por Maria Lucia P. Buke: O estudo jornalístico deste período é fonte de agradável surpresa, pois revela uma rica e complexa realidade que dá uma nova dimensão e justa medida às ideias dos grandes luminares, frequentemente engrandecidos por uma visão estreita que se recusa a procurar na história outras coisas que não sejam suas manifestações mais brilhantes. 16

A recuperação e revalorização das obras de autores secundários são de grande valia para recuperar as ideias que afetaram o comportamento dos indivíduos. Ainda que não se trate de um livro ou enciclopédia, como é o caso das figuras clássicas da ilustração, os panfletos e os jornais têm sido consagrados como uma via privilegiada de acesso ao pensamento coletivo de uma época. A obra objeto desse trabalho, consegue peculiarmente reunir não só o coletivo ou o inconsciente dos indivíduos que ora defendiam a permanência dos vínculos coloniais com a América, ora defendia sua ruptura, mas a marca intencional e individual do autor, fruto das ideias ilustradas, que agora se apresentam as massas. O conteúdo de Senso Comum teve um grande impacto sobre a Revolução Americana pela sua amplitude e retórica simples, sobretudo por alcançar o homem da rua, ainda que fosse este último um iletrado. Como constatamos, a independência americana é fruto de um ambíguo processo político. Ao passo que não gerou nenhum tratado ou teoria política, seus líderes jamais desligavam-se das teorias políticas pertencentes aos círculos letrados; podiam ser pragmáticos, mas eram experientes e ocupavam cargos políticos, além da profunda preocupação com seus atos na luta pela forma de exercício do poder e pela mudança de governo. Enquanto o século XVIII inglês continua a considerar a constituição, do ponto de vista da constituição do poder, como um negócio ou um contrato entre as ordens do rei e do povo, Thomas Paine faz da defesa da república um ato de soberania do

16

BURKE, Maria Lucia Palhares. O Teatro das Luzes: Diálogo e Imprensa no Século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1995. P. 12.

povo e da constituição um ato de limitação ao poder. O poder não era algo preexistente com o qual o povo deveria compor: era criação sua.17 Tais passos poderão, a princípio, parecer estranhos e difíceis, mas, como os outros passos que já demos, se tornarão em pouco tempo, familiares e agradáveis; e até que a independência seja declarada, o continente se sentirá como um homem que continua a adiar uma questão desagradável de dia para dia, mas sabe que deve ser resolvida, detesta iniciala, quer vê-la terminada, e fica constantemente perseguido pelo pensamento da sua necessidade.18

17

WOOD, Gordon. Os Modernos: O Pensamento Político na Época da Revolução Americana, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. P. 103-108. 18 PAINE, Thomas. Senso Comum. In: Os Pensadores. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Cap. 2, p. 75.

Bibliografia PAINE, Thomas. Senso Comum. In: Os Pensadores. Tradução de A. Della Nina. São Paulo: Abril Cultural, 1985. Cap. 2. WOOD, Gordon. Os Modernos: O Pensamento Político na Época da Revolução Americana, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. BAILYN, Bernard. Duas Revoluções, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. P. 37-44. POCOCK, J. G. A. Virtude e Republicanismo da Antiguidade ao Renascimento, Cidadania e Liberdade: os valores políticos dos antigos e a democracia moderna, em Robert DARNTON & Oliver DUHAMEL (orgs), Democracia, trad. De Clóvis Marques, Rio de Janeiro, Record, 2001. P. 97-101 MAAMARI, Adriana Mattar. A República e a Democracia em Thomas Paine. Dissertação (Doutorado em Ética e Filosofia Política) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo: USP, 2007. BURKE, Maria Lucia Palhares. O Teatro das Luzes: Diálogo e Imprensa no Século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1995.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.