Análise Econômico-Jurídica dos Regimes Aduaneiros Especiais no Brasil

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS Curso de Pós-Graduação - Especialização em Direito

Análise Econômico-Jurídica dos Regimes Aduaneiros Especiais no Brasil Bernardo Barcellos Araújo

ITAJAÍ 2015


UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS Curso de Pós-Graduação - Especialização em Direito

Análise Econômico-Jurídica dos Regimes Aduaneiros Especiais no Brasil Trabalho de Conclusão do Curso de Pós-Graduação - Especialização em Direito da Aduana e Comércio Exterior Brasileiros

Aluno: Bernardo Barcellos Araújo Orientador: Professor Doutor Everton das Neves Gonçalves Itajaí, ___ de ________ de 2015

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ - UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS Curso de Pós-Graduação - Especialização em Direito

Análise Econômico-Jurídica dos Regimes Aduaneiros Especiais no Brasil Trabalho de Conclusão de Curso aprovada como requisito parcial à obtenção do grau de Especialista em Direito da Aduana e Comércio Exterior Brasileiros pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

Orientador: ______________________________________ Professor Doutor Everton das Neves Gonçalves Professor Membro da Banca:________________________

Itajaí, ___ de ________ de 2015


Dedicado a Ubiratan Ulisses Tamandaré Barcellos & Cirene Roedel Zacarias In memorian.


AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, pelo apoio e compreensão em todos os momentos, inclusive nos mais difíceis. Vocês são a razão pela qual eu luto por um mundo melhor. Minha devoção, minha admiração e meu amor eterno. Agradeço aos companheiros Fábio Prestes Barbosa Meger e Guilherme Stadler Penteado, por dividirem suas carreiras e seus sonhos comigo. Águas calmas não formam bons marinheiros. Agradeço aos amigos Paulo Dolsan, Gustavo Pavani, Isadora Parmigiani de Biasio, Rayani Holtz Macedo e Samanta Zanella por todas as lembranças que construímos nestes últimos dois anos. Mais do que inesquecíveis, inestimáveis. Agradeço ao meu Orientador, Professor Doutor Everton das Neves Gonçalves, por iluminar com o seu conhecimento os caminhos que este projeto deveria trilhar. Foi uma honra e um privilégio para mim ter aproveitado a oportunidade de desenvolver este trabalho sob seus ensinamentos. A todos o meu muito obrigado.


ANÁLISE ECONÔMICO-JURÍDICA DOS REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS NO BRASIL Everton das Neves Gonçalves1 Bernardo Barcellos Araújo2 RESUMO: Os países em comunidade global, há muito, interagem comercialmente, justificando-se as teorias mais progressistas de comércio internacional que entendem necessário o atendimento, na esfera internacional, das urgentes e especiais necessidades dos povos. Entre os extremos do liberalismo e do intervencionismo Estatal, fato é que o comércio exterior é acentuadamente regulado pelo Estado. Pretende-se efetuar análise econômico-jurídica dos regimes aduaneiros especiais adotados no Brasil, com vistas a detectar sua eficácia no contexto neoliberal hodierno. Tendo em vista o constante aumento das intervenções estatais nas economias nacionais, o presente trabalho entende que o incentivo às práticas de livre mercado maximiza e torna eficiente as relações entre os agentes econômicos envolvidos. Trata-se de pesquisa descritiva e explicativa, utilizando o método crítico indutivo e fontes secundárias de informação: normas jurídicas e produção científica de reconhecidas obras doutrinárias. Defende-se que os regimes aduaneiros comuns são prejudiciais às relações comerciais internacionais; contudo, os regimes aduaneiros especiais, mais especificamente, os industriais são exceção à regra, pois o próprio Estado se beneficia da produção de riqueza advinda desta prática de mercado. Palavras-Chave: Direito e Economia, Análise Econômica do Direito, Regimes Aduaneiros, intervenção estatal no comércio exterior. Comércio exterior. ABSTRACT: For a long time the countries in the global community have interacted commercially justifying the most progressive theories of international commerce in order to fulfill their most urgent and special needs. In between the extremes 1

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG/MG; Doctor en Derecho Internacional por la Universidad de Buenos Aires – UBA/ Bs. As. – Argentina; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC/ SC; Professor de Análise Econômica do Direito e de Direito Econômico no Departamento de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da UFSC; Professor credenciado no Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD/UFSC, Coordenador do Centro de Estudos Jurídico-Econômicos e Gestão do Desenvolvimento – CEJEGD/ UFSC. 2

Aluno do curso de pós-graduação em Direito da Aduana e Comércio Exterior Brasileiros da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI.

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of liberalism and state interventionism, the fact is that international commerce is strongly regulated by the State. The present work will realize the economic analysis of the special customs procedures of Brazil, aiming to detect its efficiency at the modern neoliberal context. Bearing in mind the constant increase of state intervention in national economies, the present work is driven by the statement that the spurs applied to the free market maximize and make efficient the relations among the economical players involved. It is a descriptive and explanatory research, that utilizes the critical inductive method and secondary sources of information: legal norms and scientific production of notorious work. It stands for the negative effects of the basic customs procedures in the international commercial relations; however, the special customs procedures, more specifically, the industrial ones are the exception to the rule, because the State itself benefits from the economic growth of this market practice. Key Words: Law and Economics, Economic Analysis of Law, Customs Procedures, State Interventionism in International Commerce. International Commerce. Sumário: Introdução; 1. O Direito Econômico; 2. O Liberalismo; 3. Os Tributos incidentes nas operações de Comércio Exterior brasileiro; 4. Os Regimes Aduaneiros adotados no Brasil; 5. A Análise econômico-Jurídica dos Regimes Aduaneiros Especiais. Conclusão; Referências. INTRODUÇÃO O presente trabalho cuida de análise econômico-jurídica dos regimes aduaneiros especiais industriais evidenciando sua eficiência em relação aos regimes aduaneiros comuns. Primeiramente, situar-se-á a matéria a ser examinada, dentro da perspectiva do Direito Econômico, bem como do escorço histórico sobre a tributação incidente nas operações de comércio exterior brasileiro. Ato contínuo; passar-se-á ao exame da legislação aplicável à matéria aduaneira, e, posteriormente, a análise dos regimes aduaneiros especiais industriais sob a perspectiva neoliberal, a fim de se comprovar a eficiência das relações econômicas quando praticadas em livre mercado. O comércio internacional desenvolve-se em meio aos extremos do liberalismo e do intervencionismo Estatal, assim, urge verificar os regimes aduaneiros especiais adotados no Brasil, com vistas a detectar sua eficácia no presente contexto neoliberal. Em meio às incontestáveis intervenções estatais nas economias

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nacionais, entende-se que o incentivo às práticas de livre mercado maximiza e torna eficiente as relações entre os agentes econômicos. Trata-se de pesquisa descritiva e explicativa, utilizando o método crítico indutivo e fontes secundárias de informação: normas jurídicas e produção científica de notáveis obras doutrinárias. Objetiva-se demonstrar os benefícios advindos do fomento aos regimes aduaneiros especiais industriais sob a perspectiva liberal de não intervenção na economia; descreve-se o contexto histórico, legal e político em que se desenvolveram e se desenvolvem as relações comerciais brasileiras e evidencia-se os benefícios advindos da concessão de regimes aduaneiros especiais no Brasil. Defende-se que os regimes aduaneiros comuns são prejudiciais às relações comerciais internacionais; contudo, os regimes aduaneiros especiais, mais especificamente, os industriais são exceção à regra, uma vez que o próprio Estado se beneficia da produção de riqueza advinda desta prática de mercado. 1 O DIREITO ECONÔMICO Antes de mais nada, cumpre destacar que o Direito Econômico é ramo de densa complexidade no mundo jurídico. Washington Peluso Albino de Souza (2005, p. 23) apresenta conceito sobre o Direito Econômico conforme segue: Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a ‘juridicização’, ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se do princípio da economicidade.

Salienta, ainda, o princípio da economicidade que conduz a opções que representem uma “linha de maior vantagem”; assim, toma-se, a economicidade, como “’princípio’ que melhor conduza a objetivos da ideologia constitucional como um todo” (SOUZA, 2005, p. 24). O Direito Econômico cuida do “tratamento jurídico da política econômica” aplicada aos agentes econômicos; aqueles que atuam e influenciam no mercado, também conhecidos como “players”.

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Veja-se, portanto, que o Direito Econômico trata de disciplinar os fenômenos da produção, da repartição, da circulação e do consumo segundo normas de “conteúdo econômico” e conformes à ideologia constitucionalmente adotada em dado País; implementadas na Ordem Jurídica da Economia. Destaca-se, então, conforme Souza (2005, p. 24) que o Direito Econômico deve se ater à “ideologia adotada na ordem jurídica”, tendo em vista as finalidades perseguidas pela Constituição. Assim, faz-se necessário verificar qual é a situação político econômica de dada Ordem Pública da Economia que deverá ser disciplinada pela respectiva ordem jurídica. No Brasil, a Constituição da República Federativa de 1988 (CF/88) define, em seu art. 170 e seguintes, os princípios aplicáveis a Ordem Econômica, a saber: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego e IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Trata-se, no que toca ao Direito Econômico, de uma Constituição Econômica e Social, uma vez que se presta a “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (SILVA, 2009, p. 778). Nesta senda, impende mencionar as palavras de Eros Roberto Grau (2002, p. 179-180) sobre a hermenêutica do tema: Pensar o direito Econômico é pensar o Direito como um nível do todo social - nível da realidade, pois - como mediação específica e necessária das realidades econômicas. Pensar Direito Econômico é optar pela adoção de um modelo de interpretação essencialmente teleológica, funcional, que instrumental toda a interpretação jurídica, no sentido de que conforma a interpretação de todo o direito. É compreender que a realidade jurídica não se resume ao direito formal. É concebê-lo - o Direito Econômico - como um novo sentido de análise, substancial e crítica, que o transforma não em Direito de síntese, mas em sincretismo metodológico.

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Logo, observa-se que o dinamismo do mundo moderno e as dificuldades do Sistema Jurídico Brasileiro para acompanhar as mudanças ocorrentes no mundo fático, deram ensejo aos princípios elencados acima para nortear as decisões dos agentes econômicos, de acordo com a Ordem Econômica vigente, sendo propostos limites dentro da própria Constituição para a atuação do Estado como agente econômico3. O Brasil, hodiernamente, apresenta, de fato, uma economia de mercado, ainda que indelevelmente tocada pelos ditames Constitucionais Sociais em meio, é verdade, da pragmatica neoliberal mundial que se espraia segundo os ditames da flexibilização das relações de produção e, consequentemente, da normatividade jurídica conforme ao sistema adotado, qual seja, o liberalismo econômico. 2 O LIBERALISMO A expressão “Laissez-faire” tem sua origem na França e representa a ideia de livre mercado ou não intervenção estatal caracterizando o liberalismo econômico. O liberalismo, como esboçado por Adam Smith em “A Riqueza das Nações”, expandiu o pensamento econômico do Século XVIII para novos horizontes a partir da teoria da “mão invisível"4. A influencia liberal econômica de Smith, superando as máximas do mercantilismo (1450-1750) propôs a instalação do capital, em meio ao liberalismo político. Estudos posteriores de autores como León Walras, Willian Stanley Jevons e Carl Menger acabaram adotando a ética utilitarista,

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Art. 173: Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 4

“Cada indivíduo (…) não tem a intenção de promover o interesse público, nem sabe o quanto o está promovendo (…) Não pensa senão no próprio ganho, e neste caso, como em muitos outros casos, é conduzido por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte de sua intenção. E nem sempre é pior para a sociedade que não fizesse parte. Ao perseguir seu próprio interesse, ele frequentemente promove o interesse da sociedade de modo mais eficaz do que faria se realmente se prestasse a promovêlo.” (Tradução livre) (SMITH, 2012, p. 445)

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revolucionando, assim, o campo da política e da Teoria Econômica, em especial, da Microeconomia5. O livre mercado, levando em consideração a teoria da “mão invisível” de Smith, consiste, basicamente, na relação de trocas justas e voluntárias estabelecidas entre partes que, tendo interesses recíprocos, acordam, eficientemente, sobre dada transação econômica, livre da interferência estatal e, mesmo, de terceiros de qualquer natureza. Veja-se, portanto, que as partes, assim o fazendo, decidem qual é o objeto da negociação e estabelecem o valor do objeto de forma livre e justa, pois, ambas, acreditam nos benefícios recíprocos advindos da livre transação, formando-se, assim, o “sistema de preços”. Para o liberalismo clássico, o sistema de preços serve como mecanismo de regulação do livre mercado, pois oferece, aos indivíduos, a possibilidade de livre escolha sobre quais bens e serviços devem ser produzidos ou prestados na sociedade sem, por óbvio, a coação de terceiros. Desta forma, em uma sociedade economicamente liberal, os indivíduos podem escolher prosperar segundo seu livre arbítrio e da maneira que bem entenderem buscando a consecução de seus próprios interesses da melhor forma possível. Pelo pensamento econômico clássico, toda a oferta geraria a própria demanda e, assim, a regulação do mercado operaria automaticamente, de forma que os indivíduos, dirigidos pelos seus próprios e melhores interesses egoístas, ofereceriam os melhores bens e serviços pelos melhores preços. A prática, entretanto, demonstrou que a regulação automática do sistema de preços pode apresentar erros e falhas – de mercado, se tal sistema não for implementado numa sociedade justa. Adam Smith (2012, p. 686) explica que: Todo homem, contanto que ele não viole quaisquer das leis de justiça é deixado perfeitamente livre para perseguir seus próprios interesses de sua própria maneira, e para trazer tanto sua indústria quanto seu capital para a competição com os de quaisquer outros homens. (…) De acordo com o sistema natural de liberdade, a soberania tem 5

“A microeconomia é o estudo de como as famílias e empresas tomam decisões e de como elas interagem em mercados específicos. A macroeconomia é o estudo de fenômenos que englobam toda a economia.” (MANKIW, 2005. p. 27)

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somente três deveres para cumprir; três deveres de grande importância, de fato, mas simples e inteligíveis para a compreensão comum: primeiro, o dever de proteger a sociedade da violência e invasão de outras sociedades independentes; segundo, o dever de proteger, o mais que possível, todos os membros da sociedade de injustiças ou opressões de qualquer outro membro dela, ou o dever de estabelecer uma exata administração da justiça; e, terceiro, o dever de erigir e manter certos trabalhos públicos e certas instituições públicas, que nunca podem servir interesses de certo indivíduo, ou pequeno grupo de indivíduos, para erigir e manter; porque o lucro pode nunca pagar as despesas de um indivíduo, ou pequeno grupo de indivíduos, porém ele possa frequentemente fazer muito mais do que pagá-lo para uma grande sociedade (Tradução livre) 6.

É possível extrair deste excerto a influência dos ideais iluministas do Século XVIII, que se transmitiram através das palavras de Smith para a economia mundial. A exemplo do que ocorreu no mundo, no Brasil, o Visconde de Cairú, implementou os ideais do “laissez faire” smithiano. Necessário, entretanto, é perceber que mesmo o pensamento liberal smithiano não abandonou a necessidade da soberania estatal. Inegável, assim, a utilidade, a necessidade e o dever de se erigir e manter, em sociedade, determinados trabalhos e instituições públicas. O liberalismo sofre, constantemente, duras críticas em relação as suas bases ideológicas. Contudo, está, mesmo para o pensamento liberal, inequivoca a necessidade de se formar e gerir instituições públicas que sirvam de maneira igual a todos os homens; em benefício da coletividade, e não em favor de minorias autoritárias, que, no contexto histórico de Smith, se tratavam como elites burguesas. Desta forma, segundo Smith, apreende-se que o liberalismo propõe ao Estado que arrecade receitas para se ocupar de garantir: i) a segurança de seus convivas dos ataques de outros Estados; ii) a segurança de seus

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“Every man, as long as he does not violate the laws of justice is left perfectly free to pursue his own interest his own way, and to bring both his industry and capital into competition with those of any other man, or order of men. (…) According to the system of natural liberty, the sovereign has only three duties to attend to; three duties of great importance, indeed, but plain and intelligible to common understandings: first, the duty of protecting the society from the violence and invasion of other independent societies; secondly, the duty of protecting, as far as possible, every member of the society from the injustice or oppression of every other member of it, or the duty of establishing an exact administration of justice; and, thirdly, the duty of erecting and maintaining certain public works and certain public institutions, which it can never be for the interest of any individual, or small number of individuals, to erect and maintain; because the profit could never repay the expense to any individual or small number of individuals, though it may frequently do much more than repay it to a great society.” (SMITH, 2012. p. 686.)

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convivas entre si, em nome da administração da justiça; e iii) a fundação e manutenção de trabalhos e instituições públicas, como forma de soberania. Sendo assim, sob a ótica liberal, é possível questionar a soberania de um Estado Democrático de Direito tendo em vista a qualidade de suas instituições. O Século das Luzes ganhou este nome, essencialmente, por trazer à tona a era do conhecimento, por tanto tempo refreado pelas instituições morais dominantes da idade média. Nessa fase histórica, era abertamente difundido que as instituições de ensino levariam os homens em direção à liberdade. Nesse contexto, o liberalismo admitia que a qualidade da educação fornecida pelo Estado estava intimamente ligada à liberdade de seus indivíduos e a soberania desta democracia, pois; quanto mais educados, mais livres seriam as escolhas tomadas pelos ditos indivíduos, e, consequentemente, maior justiça e liberdade seriam promovidas neste Estado. Em face disto, constata-se que os indivíduos possuem liberdade para se autodeterminar e prosperar de forma livre, sem a intervenção e, mesmo, coação de terceiros e; mais importante do que isso, estes mesmos indivíduos, intentando suas escolhas pessoais, promovem o próprio desenvolvimento, bem como, do Estado. Veja-se, portanto, que o liberalismo propõe que os indivíduos, prosperando e satisfeitos com a Ordem Econômica liberal, honrem o pacto democrático sustentando o Estado mínimo - aquele que minimamente intervém nas relações econômicas, através do pagamento de tributos. O Estado, em contrapartida, deve fornecer a soberania, segurança e as instituições necessárias para a manutenção do bem estar social. Desta forma, o Estado se distancia da economia, e são preservadas as liberdades individuais dos “players” econômicos. Contudo, na segunda metade do Século XIX, segundo severa crítica ao liberalismo, difundiram-se doutrinas de cunho socialista, destacando-se autores como Joseph Proudon, Saint Simon e Karl Marx. Na prática, o início do Século XX trouxe mudanças sensíveis ao pensar liberal como, por exemplo, a República de Weimar, a Declaração do Povo Trabalhador da República

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Socialista Sovietica e a Revolução Zapatista Mexicana. Da mesma forma, a partir dos anos trinta, com a planificação econômica e, em especial, com a atuação e doutrina de John Maynard Keynes, implantou-se o intervencionismo estatal ou “Welfare State” que perdurou até os anos oitenta quando iniciou a experiencia neoliberal, na prática, com os governos de Helmut Kool, Margareth Thatcher e Ronald Reagan. Academicamente, já nos anos sessenta, Friedrich Von Hayek, havia começado a defesa da volta ao liberalismo econômico, embora tendo estudado a relação entre Estado e Economia em sua obra O Caminho da Servidão, observando que durante o início do Século XX até o final dos anos quarenta, alguns Estados, insatisfeitos com o liberalismo, apresentaram planos para dirigir a economia em direção a um fim político comum. Hayek percebeu, assim, que o Estado, embora apresentando ideal de liberdade em novas “vestimentas”, oferecendo uma alternativa “mais fácil” para a sua promoção; em verdade, pugnava pela supressão da livre concorrência e a planificação da economia, fenômeno chamado por ele de coletivismo. Nesse sentido, assevera Hayek (2013, p. 89): Os vários gêneros de coletivismo - comunismo, fascismo, etc. diferem entre si quanto ao fim para o qual pretendem dirigir os esforços da sociedade. Todos eles, porém, se distinguem do liberalismo e do individualismo por pretenderem organizar a sociedade inteira e todos os seus recursos visando a essa finalidade única, e por se negarem a reconhecer as esferas autônomas em que os objetivos individuais são soberanos. Em suma, são totalitários […].

A aproximação do Estado e da economia é, por muitas vezes, perigosa e quase sempre representa um retrocesso em relação às liberdades individuais, o que pode levar a sociedade à regimes de governo autoritários/totalitários, caso o Estado decida inviabilizar ou destruir a livre concorrência7. Hayek conclui sua obra atestando que uma política econômica realizada através da planificação da economia e voltada para um fim social invariavelmente se traduz na redução das liberdades individuais daqueles agentes econômicos que não são o próprio Estado. Dessa forma defendeu o

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Diante disso, por exemplo, o Legislador Constituinte Originário Pátrio de 1988 estabeleceu, no art. 173 da Constituição Federal, que a intervenção do Estado na economia é exceção, sendo, portanto, o livre mercado a regra a ser aplicada na economia nacional.

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neoliberalismo, refutando o papel do Estado como propulsor da Ordem Pública da Economia. Atualmente, o liberalismo se concentra na maximização da liberdade de escolha dos agentes econômicos para impulsionar o mercado. Assim, a promoção da liberdade de escolha dos indivíduos dentro do mercado se traduz na expressão da liberdade dos indivíduos em sentido amplo (FRIEDMAN, 2002, p. 8). Este argumento se baseia nos princípios do liberalismo clássico expostos acima, fundamentado na liberdade de escolha para estabelecer trocas livres e justas entre os “players”, livre da interferência de terceiros na relação econômica, gerando a promoção do livre mercado. Destarte, é pertinente destacar o papel da não-interferência de terceiros nas relações econômicas. A não-interferência é claramente parte essencial da própria liberdade da relação econômica, já que, havendo um terceiro interposto nessa relação, ocorre, de forma natural e lógica, o tolhimento da liberdade dos agentes econômicos. Contudo, outra razão sustenta a não-interferência nas relações econômicas: a ineficiência. A ineficiência das relações econômicas impede as partes de chegarem ao fim que lhes é comum - produção de riqueza, liberdade e autodeterminação, criando-se, assim, uma falha de mercado, externalidades negativas e desvio dos fatores produtivos de seu uso mais eficaz. Os neoliberais partem da crítica ao Estado, destacando que o mesmo é responsável pela maior parte das interferências negativas – externalidades, sofridas pelos agentes econômicos que, assim, não otimizam suas expectativas. Seja pela eleição de barreiras comerciais, concessão de subsídios ou através da tributação, o Estado se atravessa nas relações econômicas e tolhe a liberdade dos agentes econômicos. Diante disso, passa-se a exposição de uma das formas de intervenção do Estado nas relações econômicas: a tributação nas relações de comércio exterior.

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3 OS TRIBUTOS INCIDENTES NAS OPERAÇÕES DE COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO Propõe-se, aqui, breve explicação sobre o conceito de comércio exterior e seus institutos, bem como dos procedimentos alfandegários e tributos incidentes nas respectivas operações, antes de adentrar no estudo dos regimes aduaneiros especiais e suas finalidades. O comércio exterior é ramo do campo da economia internacional8, que trata das operações comerciais e trocas voluntárias de vendas e exportações e compras e importações, quando realizadas por pessoas físicas e/ou jurídicas residentes em países distintos. Nestas operações, as partes negociam mercadorias, serviços, e outras formas de riqueza, que são trocadas de forma justa e voluntária, através de acordo comercial firmado entre as partes. Logo, as partes concordam em concluir a transação através da efetiva troca de riquezas. No caso hipotético de uma importação de mercadorias direcionadas ao consumo dentro do território brasileiro9, é necessário observar as regras específicas sobre o procedimento de controle aduaneiro quando da chegada da mercadoria em zona primária, quais sejam: a) o registro da Declaração de Importação (DI); b) prosseguimento para seleção de canais de conferência e; c) o despacho de Importação (Desembaraço Fiscal). O Despacho será concedido apenas se apresentados: o conhecimento de transporte original; a fatura comercial; e o documento de arrecadação de receitas federais - DARF (MEIRA, 2002, p. 143). Veja-se, portanto, que a liberação e a entrega do bem, ao importador, ocorre tão somente quando da comprovação do pagamento de todos os tributos incidentes sobre a importação.

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Não só o comércio se tornou internacional. Também outros atos humanos, relacionados com a atividade econômica, não respeitaram as fronteiras nacionais, formando um conjunto de atividades que constituem a Economia Internacional. Portanto, a Economia Internacional é mais abrangente e engloba: - importação e exportação; serviços […]. (MAIA, 2013, p. 5) 9

Hipótese, ainda, que não necessite de Licenciamento Automático/Licenciamento Não-Automático.

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Por sua vez, os tributos exigidos nas operações de comércio exterior apresentam característica predominantemente extrafiscal10, o que significa que a sua incidência deve estimular ou desestimular as condutas dos contribuintes além da mera arrecadação, ou seja, a extrafiscalidade “conduz os contribuintes através dos interesses do Estado”. Incidem sobre as operações de comércio exterior os seguintes tributos: a) o Imposto de Importação (II), cujo fato gerador é a entrada do produto no território nacional, e tem como base de cálculo o valor aduaneiro; b) o Imposto de Exportação (IE), cujo fato gerador é a saída da mercadoria do território aduaneiro, e tem como base de cálculo o valor do produto; c) o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), cujo fato gerador é o despacho aduaneiro, e tem como base de cálculo o valor aduaneiro acrescido do valor do II; d) a Contribuição Social ao Programa de Integração Social, e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP11), cujo fato gerador é a entrada do produto no território nacional, e tem como base de cálculo o valor aduaneiro; e) a Contribuição Social à Seguridade Social (COFINS12) cujo fato gerador é a entrada do produto no território nacional, e tem como base de cálculo o valor aduaneiro; f) o Imposto sobre operações relativas à Circulação de Mercadorias e prestações de Serviços de transporte interestadual e intermunicipal de comunicação (ICMS), cujo fato gerador é o desembaraço aduaneiro, e tem como base de cálculo o valor da mercadoria apresentado na declaração de importação, acrescido do valor do II, acrescido do valor do IPI, acrescido do IOF, acrescido de quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; g) o Adicional ao Frete de Renovação da Marinha Mercante (AFRMM)13, cujo fato gerador é o início efetivo da operação de 10

Paulo de Barros Carvalho (2011, p. 291) define o instituto como o “[…] emprego de fórmulas jurídicotributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários […]”. 11

PIS/PASEP Importação, criado pela Emenda Constitucional 42/03.

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COFINS Importação, criado pela Emenda Constitucional 42/03.

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O Adicional ao Frente de Renovação da Marinha Mercante é considerado para fins tributários como uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), conforme dispõe a Lei n. 10.893/04.

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descarregamento da embarcação em porto brasileiro, e tem como base de cálculo a remuneração do transporte aqüaviário; e h) as taxas de utilização do Sistema Integrado do Comércio Exterior (Siscomex), tem como fato gerador a utilização do Sistema, e base de cálculo a previsão do art. 2, § 3, da Lei 9.716/9814. Enfim, ficam, aqui, registrados os principais tributos devidos pelos contribuintes nas operações de importação e de exportação, para o fim de demonstrar a amplitude da carga tributária exigida pelo Estado intervencionista Brasileiro. 4 OS REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS ADOTADOS NO BRASIL Uma vez arrolados os tributos incidentes sobre a importação e exportação de bens, passa-se, agora, ao estudo dos regimes aduaneiros que cuidam destas exações. Os regimes aduaneiros se fragmentam em duas espécies, sendo estas de ordem comum e de ordem especial. Osiris de Azevedo Lopes Filho (1983, p. 43) assevera que: A distinção entre os regimes comum e especial pressupõe a existência de um conjunto de regras e princípios que regulam a generalidade dos fatos submetidos à incidência do imposto - regime comum - e, por oposição, o disciplinamento das exceções, que refogem, pelas suas peculiaridades, à regra geral, será o regime especial.

Portanto, vê-se que o regime aduaneiro comum se destina às operações ordinárias realizadas no comércio exterior, seguindo as regras gerais de procedimento de controle aduaneiro, tais como as indicadas acima para as importações de bens para o consumo.

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“§ 3º Para efeito de determinação da base de cálculo do imposto, o preço de venda das mercadorias exportadas não poderá ser inferior ao seu custo de aquisição ou produção, acrescido dos impostos e das contribuições incidentes e de margem de lucro de quinze por cento sobre a soma dos custos, mais impostos e contribuições.”

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Por outro lado, os regimes aduaneiros especiais se diferenciam do regime comum em razão de suas características essenciais, e por isso obedecem a procedimento de controle e tratamento tributário específicos 15. Faz-se oportuno, ainda, classificar os regimes aduaneiros especiais em quatro modalidades distintas em razão de sua finalidade aparente, quais sejam: a) Trânsito; b) Utilização temporária; c) Depósito temporário, e; d) Industrialização. Nos regimes aduaneiros especiais de trânsito, utilização temporária e depósito temporário, a tributação é afastada das operações em razão de sua finalidade simples e determinada, pois como não ocorre a nacionalização do bem em caráter definitivo, quando esgotada a sua necessidade, se opera a extinção do benefício. Os regimes aduaneiros especiais de industrialização, porém, apresentam características próprias que ultrapassam a simples transitoriedade e atendimento de seus fins necessários. Nestes casos, a concessão destes regimes produzem efeitos complexos, que vão muito além dos fins meramente previstos pelo legislador. São regimes aduaneiros especiais de industrialização: a) Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (REINTEGRA); b) Drawback; c) Entreposto Aduaneiro; d) Entreposto Industrial sob Controle Informatizado (RECOF); e) Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (RECAP); f) Regime Especial de Importação de Insumos (RECOM); g) Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de Importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das jazidas de Petróleo e de Gás Natural (REPETRO); h) Regime Aduaneiro Especial para importação de Petróleo Bruto e seus derivados, para fins de exportação no mesmo estado em que foram importados (REPEX); e, i) Regime Aduaneiro Especial para incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária (REPORTO).

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[…] todos se identificam como benefícios fiscais condicionais, cujos produtos são submetidos a controle fiscal. […] no qual há redução ou isenção tributária sujeitas à condição resolutiva ou suspensiva e controle aduaneiro dos bens estrangeiros ou desnacionalizados. (MEIRA, 2002, p. 163).

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Cada um dos regimes acima citados possui respectivas peculiaridades; porém, é possível distinguir traços comuns como, por exemplo, a concessão de incentivos fiscais e a sujeição a procedimentos de controle próprios visando o desenvolvimento econômico de determinados setores da indústria. Desta forma, constata-se que estes regimes caracterizam-se como exceções às regras gerais aplicáveis as operações de comércio exterior, pois, para além do que prega a doutrina tradicional16, eles funcionam como instrumentos para a promoção do “laissez-faire”. 5 ANÁLISE ECONÔMICO-JURÍDICA DOS REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS Análise econômico-jurídica é um instituto complexo de Direito Econômico que foi suscitado pela primeira vez no Direito Americano, no artigo “The Problem of Social Cost” de Ronald H. Coase, e que depois de extensa produção acadêmica dentro da doutrina estadounidense, foi aprofundada por Richard Allen Posner, em seu trabalho “Economic Analysis of Law”. Leonardo Vizeu Figueiredo (2015, p. 9) conceitua o a Análise Econômica do Direito - AED, como: […] a aplicação do instrumental analítico e empírico da Economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas, bem como a lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico.

E, de forma complementar, segue Renato Leite Monteiro (2015, p. 1089): O fundamento maior da Análise Econômica do Direito seria trazer segurança e previsibilidade ao ordenamento jurídico. Da mesma maneira que os mercados, para serem dotados de um funcionamento adequado necessitam desses postulados, a AED tenta agregar maximização, equilíbrio e eficiência as relações jurídicas (grifo nosso).

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Segundo Osiris de Azevedo Lopes Filho (1983, p. 50), “Os regimes aduaneiros especiais funcionam, fundamentalmente, como um instrumento para fomentar as exportações. A entrada de produtos estrangeiros, no país, sem pagamento de tributos, propicia que sejam agregados ao processo produtivo, destinado à exportação, fatores abundantes e baratos oferecidos internamente, incrementando-se o nível da atividade econômica local e proporcionando melhores condições de concorrência no mercado externo, em face de menores custos de produção, obtidos através desses regimes.

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O raciocínio utilizado por esta escola, explica Washington Peluso Albino de Souza (2005, p. 91), consiste na utilização da “eficiência como valor referencial de primeira grandeza, por ela balizando o conceito de justo”. Contudo, a simples eleição da eficiência como princípio norteador da AED gerou severas críticas ao instituto - expostas por Dworkin, Habermas, Rawls, entre outros -, pois a eficiência como valor ético foi julgada pelos seus críticos como demasiadamente frágil de se sustentar no presente contexto fático e jurídico. Neste sentido, deve-se destacar a contribuição de Everton das Neves Gonçalves e Joana Stelzer que defendem o Princípio da Eficiência Econômico-Social (PEES) (2015, p. 23-24): O Princípio da Eficiência Econômico-Social (PEES) diz respeito a critério preestabelecido e não aleatório que defende a inclusão das externalidades negativas no cálculo econométrico, permitindo emergir critério de eficiência que seja socialmente inclusor. Uma vez aceito como ideal de justiça, o PEES torna possível acomodar, na lógica da práxis ideológico-normativa, os fins racionais economicistas do Direito e a necessidade basilar de equidade. O PEES deve ser identificado segundo Direito que caracterize o Mínimo Ético Legal (MEL), ou seja, que tem em vista a apropriação do individual racional, relevadas as consequências sociais (externalidades). O Direito, assim, deve zelar pela normatização de mínimas possibilidades éticas que atendam os anseios individuais e que tenham em consideração os custos sociais impostos pelo ganho privado.

Desta forma, é plenamente possível defender uma resposta atual, coerente e concisa às críticas feitas à AED, buscando-se a devida utilização dos institutos econômico-jurídicos através do Princípio da Eficiência Econômico-Social (PEES), em correlata observância ao Mínimo Ético Legal (MEL) por parte do Estado, para o fim de se promover o equilíbrio e a segurança das relações jurídicas. Em que pese o exposto, tem-se que Richard Posner, ao elaborar sua tese sobre a AED, ofereceu releitura do Utilitarismo de Jeremy Bentham, que buscava a maximização da felicidade, considerando que as decisões tomadas pelos indivíduos são aquelas que lhes trariam “maior felicidade”, sendo avaliadas numa relação entre “prazer e dor”, ou “custo e benefício”17.

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Também conhecida como trade-off, no jargão econômico.

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Diante disso, Posner se apropriou deste raciocínio e o aplicou nas diversas relações econômicas e, mesmo, jurídicas, uma vez defendendo que os indivíduos celebram trocas justas e voluntárias estabelecidas entre partes que acordam sobre uma transação econômica, livre da interferência de terceiros de qualquer natureza. Tendo em vista que as partes celebram transações econômicas apenas se considerarem estar se beneficiando destas, Posner deduziu, daí, a releitura da “maximização de felicidade” de Bentham, para a “maximização da riqueza”. A maximização da riqueza, além de sua finalidade evidente, traduz-se facilmente em eficiência, que, por conseguinte, transforma-se num valor ético a ser perquerido pelo Direito, uma vez que a ineficiência é extremamente nociva em um mundo de recursos escassos. Sobre este fenômeno, Posner (2010, p. 90) explica que: Em uma perspectiva econômica ou de maximização da riqueza, a função básica do direito é a alteração de incentivos. Isso implica que a lei não impõe impossibilidades, pois uma ordem impossível de cumprir não alterará comportamentos. Deve-se distringuir entre a ordem impossível e a sanção legal, que só é inevitável porque o custo de evitá-la é maior do que o de aplicá-la. (grifo nosso).

Destarte, o Direito, segundo a AED, difere do pensamento tradicional kelseniano. Tradicionalmente, o Direito se diferencia da moral essencialmente pela aplicação de sanções às condutas que descreve. Assim, dado enunciado considera determinada conduta do mundo fático e o traduz em linguagem jurídica. A este fato, estabelece-se um modal deôntico, a fim de permitir, proibir ou obrigar determinada conduta. Caso esta norma descritiva seja descumprida, recai uma sanção a fim de se reestabelecer o “status quo ante” (KELSEN, 2009). Por conseguinte, o Direito contém em si uma característica ínsita à sua existência, qual seja, a sanção diferentemente ao apregoado pela AED; qual seja, a persuasão. Desta forma, […] a norma jurídica e, principalmente a sua sanção, é processada como um preço pelo seu destinatário. Ou seja, as pessoas reagem às sanções da mesma forma como reagem aos preços. E, ao tomar esse comando normativo como um preço, o receptor da norma automaticamente, por ser racional, avalia a relação “custo X benefício” da conduta que poderia vir a praticar. (CARVALHO apud SCHOUERI, 2008. p. 188.)

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Logo, como exposto por Cristiano Carvalho (apud SCHOUERI, 2008, p. 188), na AED o sujeito de Direito ou agente econômico analisa a norma economicamente e escolhe a consequência que maximizará os benefícios em detrimento dos custos - sendo o custo, aqui, a sanção aplicável ao descumprimento normativo. A partir da exposição acima sobre a tomada de decisão jurídicoeconômica segundo a AED, relevando-se aspectos da Teoria Microeconômica e, não se desconhecendo que a AED tem suas diversas vertentes; pode-se inferir a análise econômico-jurídica dos regimes aduaneiros especiais de industrialização, que conferem benefícios fiscais através da não-tributação, suspensão ou isenção em determinados casos descritos em lei. Nestes casos, especificamente, vê-se, claramente, a racionalização da tomada de decisão por parte dos governos de Estado utilizando a AED. Tratase de análise econômica positiva em que se verifica, o Estado, através de seus dirigentes, ciente dos possíveis benefícios que se originam dos processos de industrialização - externalidades positivas, como, por exemplo: investimentos de capital estrangeiro, investimentos em obras de infraestrutura e industrialização, criação de empregos locais; e a tributação indireta das receitas advindas da produção de riqueza, concedendo o regime aduaneiro especial a fim de fomentar determinada atividade industrial. Contudo, ao conceder o benefício fiscal, não-tributando, não suspendendo ou isentando os concessionários dos regimes aduaneiros especiais, o Estado admite, ainda que tacitamente, um dos postulados do liberalismo. Se, para os liberais, o mercado deve ser livre de qualquer intervenção, a concessão de regimes aduaneiros especiais apenas reforça os benefícios provenientes da não-tributação no comércio exterior. São tais regimes, de fato, verdadeiro endosso ao livre mercado. Neste sentido, discorrem Milton e Rose Friedman (1990, p. 39): Costuma-se dizer que uma política econômica ruim reflete discordâncias entre os especialistas; que se todos os economistas derem o mesmo conselho, a política econômica seria boa. Economistas costumam discordar, mas isso não é verdade quando se trata de comércio internacional. Desde Adam Smith existe

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unanimidade entre os economistas, independentemente de suas posições ideológicas ou outras questões, que o livre comércio internacional resguarda os melhores interesses das nações e do mundo. Ainda assim, a tributação tem sido a regra (tradução livre) 18.

Desta forma, resta evidente que a tributação, assim como qualquer outra intervenção nas operações de comércio exterior representa desequilíbrio e ineficiência às relações econômicas. Tanto o é, que o próprio Estado se utiliza dos regimes aduaneiros especiais para colher os benefícios advindos da promoção do livre mercado. Neste sentido, a AED toma feição normativa, pois a não intervenção praticada nos regimes aduaneiros especiais apresenta resultados positivos, e segue as lições do neoliberalismo hodierno. Assim, normas de incentivo ao livre comércio internacional devem continuar sendo produzidas e promulgadas, a fim de se maximizar a riqueza dos agentes econômicos e promover a eficiência nas relações econômicas. Por fim, esta breve análise econômico-jurídica buscou avaliar, sob a ótica do liberalismo, a tomada de decisão eficiente do Estado - maximização dos benefícios em detrimento dos custos, equilíbrio e eficiência dos resultados -, em relação aos regimes aduaneiros especiais, concluindo que ações de nãointervenção como a concessão, criação e manutenção destes e de novos benefícios fiscais devem ser fomentadas, a fim de maximizar os ganhos de todos os agentes econômicos. CONCLUSÃO Conforme o exposto acima, vê-se claro o aproveitamento por parte do Estado das práticas de livre mercado próprias do liberalismo econômico. A análise econômico-jurídica dos regimes aduaneiros especiais industriais evidencia a eficiência dos regimes aduaneiros especiais em relação aos regimes comuns, tanto pela agilidade deste tratamento diferenciado quanto

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“It is often said that bad economic policy reflects disagreement among the experts; that if all economists gave the same advice, economic policy would be good. Economists often do disagree, but that has not been true with respect to international trade. Ever since Adam Smith there has been virtual unanimity among economists, whatever their ideological position on other issues, that international free trade is in the best interest of the trading countries and of the world. Yet tariffs have been the rule.” (FRIEDMAN, 1990, p. 39)

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pelo próprio incentivo econômico. O regime aduaneiro especial, pela tributação diferenciada dos regimes aduaneiros comuns, especificamente no caso dos regimes aduaneiros especiais industriais, desencadeia uma série de relações econômicas que maximiza a riqueza dos agentes econômicos envolvidos, como os investimentos em industrialização, geração de empregos, tributação indireta, entre outros. Evidente, portanto, os benefícios advindos deste tipo de norma jurídica, tendo em vista todos os tributos que se afastam das relações econômicas prestigiadas pelos regimes aduaneiros especiais, restando comprovada a eficiência das relações econômicas quando praticadas em livre mercado. Constata-se que a não intervenção estatal no comércio internacional deve ser praticada como regra nas relações econômicas, para o fim de se maximizar as riquezas, o equilíbrio, e a eficiência dos agentes econômicos envolvidos, evidentemente com vistas ao Princípio da Eficiência EconômicoSocial (PEES), e atento ao Mínimo Ético Legal (MEL) por parte do Estado.


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REFERÊNCIAS CARVALHO, Cristiano In SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito Tributário - Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. FRIEDMAN, Milton. Capitalism and freedom. 1. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 2002. ______. Rose. Free to Choose: a personal statement. 1. ed. New York City: Harvest, 1990. GONÇALVES, Everton das Neves e STELZER, Joana. A Análise Econômica do Direito e sua Crítica. Disponível em: Acesso em: 24/05/2015. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. HAYEK, F. V. O Caminho da Servidão. 1. ed. Campinas: Vide Editorial, 2013. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. LOPES FILHO, Osiris de Azevedo. Regimes aduaneiros especiais. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. MAIA, Jayme de Mariz. Economia internacional e comércio exterior. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2013. MANKIW, N. Gregory. Introdução à Economia. 1. ed. São Paulo: Cengage, 2005. MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes aduaneiros especiais. 1. ed. São Paulo: IOB, 2002. MONTEIRO, Renato Leite. Análise Econômica do Direito: Uma visão didática. Disponível em:
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