ANÁLISE SOBRE OS PROCESSOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RESEX MARINHA DE CURURUPU E A GESTÃO SOCIOAMBIENTAL COMPARTILHADA

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Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

Bolsista: Ronyere Sarges Rêgo

Orientador(a): Profa. Dra. Madian de Jesus Frazão Pereira

ANÁLISE SOBRE OS PROCESSOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RESEX MARINHA DE CURURUPU E A GESTÃO SOCIOAMBIENTAL COMPARTILHADA

São Luís – MA 2015

_________________________________________ Ronyere Sarges Rêgo

_________________________________________ Profª. Dra. Madian de Jesus Frazão Pereira

ANÁLISE SOBRE OS PROCESSOS DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA RESEX MARINHA DE CURURUPU E A GESTÃO SOCIOAMBIENTAL COMPARTILHADA

Relatório apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, na Universidade Federal do Maranhão.

São Luís – MA 2015

RESUMO

Através do presente trabalho, buscou-se observar o grau de mobilização dos Conselheiros(as) das diversas ilhas que compõem a Reserva Extrativista (RESEX) Marinha de Cururupu face à implantação do Plano de Manejo, bem como perceber em que medida os representantes das comunidades que integram o Conselho Deliberativo da RESEX estão internalizando novas categorias advindas com o discurso da criação, gestão e institucionalização da unidade de conservação, sobretudo pela interação constante com representantes da RESEX de Cururupu/CNPT, um dos órgãos responsável pela gestão das RESEX, bem como a Associação de Moradores da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu - AMREMC e o Sindicato de Pescadores, que são os pilares para a construção dessa gestão compartilhada caracterizada primordialmente pelo diálogo entre as esferas locais, estadual e federal e como também o Conselho gestor. Desde a criação das primeiras Resex até os dias atuais, ocorreram mudanças significativas de como as comunidades tradicionais se organizam e se apropriam dos seus territórios, bem como a visibilidade política e inserção social adquirida por estes grupos, nas políticas públicas e nos procedimentos administrativos de criação e gestão destas áreas. Estes mecanismos legais que regem os Conselhos Deliberativos passam a fazer parte do discurso de alguns moradores que participam das reuniões da Associação de Moradores da Resex - AMREMC e de reuniões do Conselho Deliberativo. Ainda na construção desses instrumentos, coloca-se em observação se está ocorrendo um efetivo processo de reconhecimento e inclusão dos etnoconhecimentos desses extrativistas. Ressalta-se que essa construção só é possível de acontecer e ser mantida, devido aos diversos diálogos e parcerias entre os órgãos gestores da Reserva e os membros do Conselho Deliberativo. No processo de construção destes espaços de atuação, percebeu-se que muito se tem ainda que caminhar na busca de uma gestão verdadeiramente participativa, onde os pescadores possam exercer seu papel dentro do Conselho em condições de igualdade com as representações de instituições externas.

Palavras-Chave: Gestão Ambiental. Manejo Compartilhado. Representação Comunitária. RESEX Marinha.

LISTA DE SIGLAS

AMREMC– Associação de Moradores da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu ARPA – Áreas Protegidas da Amazônia CAPPAM – Centro de Apoio e Pesquisa ao Pescador Artesanal do Maranhão CNPT - Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Sociobiodiversidade Associada a Povos e Comunidades Tradicionais DESOC – Departamento de Sociologia e Antropologia FAPEMA – Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão GEDMMA – Grupo de Estudo Desenvolvimento Modernidade e Meio Ambiente IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária IN – Instrução Normativa MONAPE – Movimento Nacional de Pescadores MPA – Ministério da Pesca e Aquicultura PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PPGPP – Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas PPGCSoc – Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais RESEX – Reserva Extrativista SEMA – Secretária Estadual do Meio Ambiente SINPAC – Sindicato dos Pescadores e Agricultores de Cururupu SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação UC – Unidade de Conservação UFMA – Universidade Federal do Maranhão

SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO............................................................................................................. 6

2.

OBJETIVOS ................................................................................................................. 9

2.1

Objetivo Geral .................................................................................................................... 9

2.2

Objetivos Específicos ......................................................................................................... 9

3.

METODOLOGIA ....................................................................................................... 10

4.

PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS ................................................................. 11

5.

RESULTADOS ........................................................................................................... 13

5.1 O papel dos espaços representativos – o Conselho Deliberativo ...................................................22 5.2 Análises das reuniões do Conselho Deliberativo ..........................................................................26

6.

CONCLUSÕES ........................................................................................................... 30

7.

CRONOGRAMA DO PLANO DE TRABALHO...................................................... 32

7.1

Apresentação do Trabalho em Eventos Científicos ........................................................32

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 33 APÊNDICES ...................................................................................................................... 36

1. INTRODUÇÃO

O presente relatório tem como objetivo sistematizar os trabalhos desenvolvidos no decurso de doze meses, período entre agosto de 2014 a julho de 2015, relativos à duração da bolsa de pesquisa PIBIC-UFMA de 2014/2015. A pesquisa foi realizada de acordo com o plano de trabalho do bolsista que se intitula “Análise sobre os Processos de Consolidação da RESEX Marinha de Cururupu e a Gestão Socioambiental Compartilhada”. Assim, o relatório está sendo produzido para uma análise acerca do plano de trabalho que está vinculado à pesquisa Conflitos Ambientais no Maranhão desenvolvido pelo grupo de Estudo Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA)1. A presente pesquisa serviu de base para construção de trabalhos, artigos e banners que foram apresentados em eventos no decorrer da vinculação da bolsa, como: SNTC (Semana Nacional de Ciência e Tecnologia), XXVI SEMIC (Seminário de Iniciação Científica) e RELAJU (Rede Latino-americana de Antropologia Jurídica – Encontro Nordeste 2015). Em todos estes, os trabalhos foram apresentados na modalidade “Banner”. Através do plano de trabalho tem-se como objetivo geral fazer a análise e acompanhamento dos processos de consolidação e institucionalização da RESEX Marinha de Cururupu bem como as implicações geradas pela gestão compartilhada que a rege. É importante ressaltar que a pesquisa faz parte de um plano de trabalho que é uma renovação/continuação da pesquisa de iniciação científica que vem sendo realizada desde 2012/2013 (sua primeira etapa), dando continuidade na cota 2013/2014 e por fim esta etapa que se refere à vigência da bolsa PIBIC 2014/2015 Nesta pesquisa, busquei identificar quais e em que medidas as demandas estão se constituindo no processo de consolidação e institucionalização da RESEX de Cururupu, assim como perceber a forma que os representantes das comunidades no Conselho Deliberativo da RESEX de Cururupu estão se mobilizando e incorporando aos seus modos de vida a cogestão da Reserva; assim como observar o processo de inclusão dos etnoconhecimentos destas populações no processo de construção do Plano de Manejo.

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O GEDMMA é vinculado aos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc) e Políticas Públicas (PPGPP) e ao Departamento de Sociologia e Antropologia (DESOC) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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A Reserva Extrativista Marinha de Cururupu está localizada no Litoral Ocidental do Maranhão. Criada por decreto presidencial em 02 de junho de 2004, sua área compreende 13 ilhas habitadas (Mangunça, Caçacueira, Guajerutiua, Mirinzal, São Lucas, Peru, Valha-me Deus, Retiro, Iguará, Porto do Meio, Porto Alegre, Bate-vento e Lençóis) e inúmeras ilhotas inabitadas, diversos canais, rios e baías, e uma das maiores florestas de manguezais do mundo, como também uma biodiversidade ímpar que gera toda uma economia local voltada para a pesca, produção de mariscos e o ecoturismo de base comunitária. Nas reservas extrativistas a participação ativa da sociedade na gestão dos recursos naturais está amparada pelas diretrizes da Lei 9.985/2000 que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), mais especificamente no Artigo 5° e no Artigo 18, parágrafo 2º. Além disso, ainda encontra base legal no Decreto 4.340 de 22 de agosto de 2002, no capítulo V, referente ao Conselho Deliberativo das Reservas Extrativistas, onde estabelece nos parágrafos 1º e 2º que a gestão será feita, além das representações das populações tradicionais, também por representações da sociedade civil, organizações governamentais e não governamentais nos três níveis da federação: municipal, estadual e federal, de acordo com o contexto que a Unidade está inserida. Desta forma, os Conselhos Deliberativos se constituem como instrumentos de expressão, representação e participação da sociedade, tendo, portanto, um grande potencial de transformação política. Se efetivamente representativos, podem imprimir um novo formato às políticas públicas e ao processo de tomada de decisões. Para dar apoio ao bom funcionamento do Conselho Deliberativo nas RESEX, dois instrumentos se fazem importantes e fundamentais, um é o Regimento Interno e o outro é o Plano de Ação, que hoje se denomina Acordo de Gestão. Para a elaboração destes dois instrumentos encontra-se prevista na IN 02/2007, em seu Artigo 13, onde os mesmos devem ser elaborados após a publicação da Portaria de criação do Conselho e posse de seus Conselheiros. A mesma IN 02/2007, no seu Artigo 16, ressalta que o Regimento Interno deverá ser elaborado em um prazo de até noventa dias a contar da data de instalação do Conselho, seguindo o que orienta o Anexo II desta Instrução Normativa. É importante destacar que o parágrafo §2º, do Artigo 16, orienta que “antes de sua aprovação pelo Conselho, a minuta do Regimento Interno deverá ser encaminhada à Diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais do Instituto Chico Mendes para ciência e, quando necessária, para sugestões de alteração”. 7

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e suas Instruções Normativas (IN), em sua totalidade, apresentam um expressivo avanço no que tange as unidades de conservação. Porém, a prática destas leis normatizadoras deve ser usada com cautela, ainda mais quando se tratam de populações tradicionais pesqueiras que têm seus modos de vida, seus próprios modos de arte de pesca, assim como a relação místico-ambiental fortemente presente entre seus moradores e usuários da unidade de conservação. Desde a criação das primeiras Resex até os dias atuais, ocorreram mudanças significativas de como as comunidades tradicionais se organizam e se apropriam dos seus territórios, bem como a visibilidade política e inserção social adquirida por estes grupos, nas políticas públicas e nos procedimentos administrativos de criação e gestão destas áreas. Os mecanismos legais que regem os Conselhos Deliberativos passam a fazer parte do discurso de alguns moradores que participam das reuniões da Associação de Moradores da Resex - AMREMC e de reuniões do Conselho Deliberativo. Ainda na construção desses instrumentos, coloca-se em observação se está ocorrendo um efetivo processo de reconhecimento e inclusão dos etnoconhecimentos desses extrativistas. Ressalta-se que essa construção só é possível de acontecer e ser mantida, devido aos diversos diálogos e parcerias entre os órgãos gestores da Reserva e os membros do Conselho Deliberativo. No processo de construção destes espaços de atuação, percebeu-se que muito se tem ainda que caminhar na busca de uma gestão verdadeiramente participativa, onde os pescadores possam exercer seu papel dentro do Conselho em condições de igualdade com as representações de instituições externas. Quando há problemas de ocupação, uso de espaços comuns e de pesca, os representantes presentes no Conselho Deliberativo reivindicam direitos baseados nas leis regentes da Reserva.

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2. OBJETIVOS 2.1 Objetivo Geral Busca-se observar o grau de mobilização e atuação dos Conselheiros/Extrativistas das diversas ilhas que compõem a RESEX Marinha de Cururupu face à implantação do Plano de Manejo, bem como perceber em que medida os representantes das comunidades que integram o Conselho Deliberativo estão internalizando e utilizando efetivamente as novas categorias advindas com o discurso de institucionalização da unidade de conservação, sobretudo pela interação constante com representantes da RESEX de Cururupu/CNPT, órgão responsável pela gestão das RESEX.

2.2 Objetivos Específicos 

Identificar quais e em que medida as demandas estão se constituindo no processo de institucionalização da RESEX de Cururupu;



Perceber como os representantes das comunidades no Conselho Deliberativo da Reserva estão se mobilizando e incorporando o sentido de cogestão e diálogo com os órgãos externos;



Observar o processo de inclusão dos etnoconhecimentos dessas populações no processo de construção do Plano de Manejo;



Identificar possíveis conflitos pela ocupação e uso dos diferentes espaços.

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3. METODOLOGIA

Para a execução da pesquisa foram utilizados os seguintes procedimentos metodológicos, que serviram como norteador da pesquisa: 

Revisão bibliográfica, sobre temáticas como etnoconhecimentos, pesca artesanal, territorialidade marinha, identidade pesqueira, laudos antropológicos, documentos de institucionalização de unidades de conservação e legislação ambiental;



Visitação a algumas localidades que fazem parte da RESEX para coleta de dados documentais e depoimentos com os moradores, extrativistas e usuários;



Levantamento de indicadores socioeconômicos, ambientais e uso sustentável efetivo da área estudada;



Participação em atividades, oficinas e seminários propostos pela RESEX de Cururupu/CNPT em parceria com a AMREMC – Associação Mãe (Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu);



Realização de entrevistas, sobretudo, com extrativistas e com representantes do Conselho Deliberativo da RESEX de Cururupu, com registro através de áudios e fotografias.

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4. PROCEDIMENTOS EXPERIMENTAIS

A execução do projeto foi realizada com a revisão bibliográfica que se refere ao tema, sendo que grande parte dos estudos foram feitos nas reuniões semanais do Grupo de Estudo: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), bem como a busca por documentações disponibilizadas pelo órgão RESEX de Cururupu/CNPT, que está localizado no prédio do ICMBio – São Luís-MA. E também o acompanhamento das reuniões do Conselho Deliberativo que ocorreram durante a efetividade do plano de trabalho da iniciação científica. A pesquisa teve seu foco num primeiro momento em busca de bibliografias que tratassem de temáticas como etnoconhecimentos, pesca artesanal, territorialidade marinha, identidade pesqueira, laudos antropológicos, documentos de institucionalização de unidades de conservação e legislação ambiental. Simultaneamente, o bolsista, permaneceu em contato periodicamente com a sede da RESEX de Cururupu/CNPT – órgão responsável pela gestão da RESEX Marinha de Cururupu – com finalidade de fazer um levantamento dos documentos, laudos e produtos de pesquisas anteriores sobre a temática proposta pelo plano de trabalho. Foram realizadas duas reuniões do Conselho Deliberativo, sendo elas promovidas pela RESEX de Cururupu/CNPT e a AMREMC– Associação de Moradores da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu. A primeira ocorreu entre os dias 16 e 17 de setembro de 2014, na sede do município de Cururupu-MA, e uma segunda reunião entre os dias 24 a 26 de abril de 2015 na Ilha de Valha-me Deus – RESEX de Cururupu. A primeira reunião tratou da finalização do Acordo de Gestão da Reserva, atualização de dados cadastrais dos moradores e usuários, como também assuntos relacionados aos acordos de pesca e uso comum dos espaços. Vale lembrar que uma das principais pautas apresentadas e debatidas nas reuniões do Conselho Deliberativo é o benefício do Governo Federal denominado Bolsa-Verde, que contempla os moradores que possuem o Cadastro Único do Governo Federal e também beneficiários do Programa Bolsa-Família. Tal benefício tem a função primordial de prover entre os seus moradores beneficiários ou não, o senso de responsabilidade ambiental com a Reserva e seus recursos naturais. Já a segunda reunião, ocorrida em abril de 2015, teve como 11

principal pauta a apresentação do Acordo de Gestão2, uma vez que este já se encontra publicado no Diário Oficial da União. Para auxiliar no desenvolvimento desta pesquisa, foi realizada a leitura das atas das reuniões promovidas com as lideranças do Conselho Deliberativo e o órgão gestor da RESEX de Cururupu. A utilização dessas fontes documentais, que foram disponibilizadas pela RESEX de Cururupu/CNPT, serviu de fomento para a análise das questões que foram problematizadas e colocadas em discussão no presente relatório, por meio do qual apresento trechos das Atas das reuniões que dão subsídios para fazer

análise de informações a respeito da pesca,

Reservas Extrativistas, uso de locais comuns, atribuições de direitos e deveres dos usuários e moradores da Reserva, como também da magnitude ímpar que é a RESEX de Cururupu, e sobre os possíveis conflitos que se encontram pela sua grande extensão territorial. Tais Atas têm um caráter informativo de grande importância para a melhor compreensão do que é a atual forma de gestão e governança da Reserva, sendo que estes documentos foram de fundamental importância para a construção deste relatório e a participação in loco nas reuniões do Conselho. Procura-se realizar neste relatório uma revisão e levantamento da legislação que rege as Unidades de Conservação (UC), bem como perceber como elas são geridas pelos órgãos dos três níveis de governo: Federal, Estadual e Municipal; percebendo, assim, se a legislação ainda possui vigência, como também a retirada de alguns quesitos que outrora eram considerados importantes para a boa gestão da Reserva, como também os processos e etapas em que os espaços participativos são implantados e consolidados nas gestões da UC. Lembrando que estas construções de espaços participativos devem ser analisadas com um olhar crítico e relativo, uma vez que tais espaços apresentam momentos de interação, controvérsia e debate, mesmo que aparentemente de forma passiva entre os conselheiros. Este relatório também trata das questões condizentes com a pesca e o uso de espaços, ressaltando para os etnoconhecimentos que estão representados no Plano de Manejo, sendo este se encontra em processo de construção. Através da observação e análise destes processos, busca-se fazer uma reflexão das categorias de cogestão, governança, institucionalização e a representação comunitária, que estão presentes entre seus moradores e conselheiros mesmo que de forma não tão evidente em um primeiro momento de observação.

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https://www.jusbrasil.com.br/diarios/DOU/2014/11/10

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5. RESULTADOS

As Reservas Extrativistas são um tipo de Unidade de Conservação genuinamente brasileira, previstas no Sistema Brasileiro de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Como características gerais, essa modalidade de Uso Sustentável representa área de domínio público com uso concedido a populações tradicionais/extrativistas, geridas por um Conselho Deliberativo e que permitem o uso sustentável dos recursos naturais e a implementação de estruturas voltadas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades. Nos Planos de Manejo das unidades são definidas as normas de uso, o zoneamento das áreas e os programas de sustentabilidade ambiental e socioeconômica, entre outros aspectos. Nestas categorias também são permitidos a visitação pública e a realização de pesquisas científicas. A criação destas unidades é motivada por demanda de populações tradicionais e seus objetivos vão além da conservação da biodiversidade e do próprio uso sustentável. Envolvem o reconhecimento das comunidades tradicionais, de seus territórios e da importância do conhecimento e das práticas locais para a conservação ambiental. As RESEX representam também a busca por um modelo diferenciado de desenvolvimento, de economia, de inclusão social e melhoria de qualidade de vida das populações locais, além da valorização do patrimônio cultural desses grupos. As primeiras RESEX foram criadas no ano de 1990 nos estados do Acre, Amapá e Rondônia. A partir de então, o modelo expandiu-se da Amazônia para outros biomas e outros tipos de ecossistemas brasileiros. Apenas dois anos depois da instituição das primeiras RESEX florestais Amazônicas, foram criadas a primeira unidade costeiro-marinha. As particularidades dos processos de gestão demandam o estabelecimento de procedimentos que garantam a participação qualificada da população local e o uso de metodologias que permitam gerar uma integração dos conhecimentos tradicionais com o técnico científicos Neste sentido, uma grande atenção é dada dentro das possibilidades de cada Reserva na construção dos procedimentos para elaboração dos Planos de Manejo e formação dos Conselhos Deliberativos como instrumentos de gestão das RESEX, a partir da instituição do SNUC (Lei Federal Nº. 9.985 de 2000). A regularização fundiária e consolidação territorial das UC é um fator essencial para a implementação, gestão e institucionalização das mesmas e, no caso das Reservas Extrativistas, é essencial para garantir o acesso das populações tradicionais aos recursos e ao território. 13

A RESEX Marinha de Cururupu, a 175 km da cidade de São Luís, foi criada em 2004, através do Decreto de 02 de junho de 2004 e está localizada na zona costeiro-marinha dos municípios de Cururupu e Serrano do Maranhão, na região denominada de reentrâncias maranhenses no litoral norte do Estado do Maranhão. Possui uma área de aproximadamente 185.046 hectares, abrangendo ecossistemas costeiro-marinhos, estuarinos, extensos manguezais, três baías marinhas (Baía Cabelo da Velha, Baía do Capim e Baía de Bate Vento), 13 ilhas habitadas e uma população de aproximadamente de 4.500 habitantes, 1.300 famílias (dados do último levantamento em 2012). Esses números têm sofrido alterações devido ao grande fluxo de famílias e habitantes que é constante na Reserva; sendo que a pesca artesanal e a extração de crustáceos constituem as principais atividades de renda domiciliar na Reserva e atividades econômicas realizadas pelos extrativistas. A unidade possui famílias distribuídas em 13 comunidades: Mangunça, Caçacueira, São Lucas, Peru, Guajerutiua, Valha-Me-Deus, Porto Alegre, Lençóis, Bate Vento, Mirinzal, Porto do Meio, Retiro e Iguará. Estas comunidades estão organizadas formalmente através da Associação dos Moradores da Reserva Extrativista de Cururupu (Associação Mãe) 3, que reúne aproximadamente 700 sócios e sócias. Além disso, algumas comunidades possuem Associações locais, Grupos de Apoio, Sindicatos de Pescadores, bem como outras formas de organizações não formais, que contribuem para a representação das comunidades como também a garantia dos seus direitos básicos de cidadania. A criação do Conselho Deliberativo se constituiu como passo importante no processo de gestão da unidade, como fortalecimento das comunidades e suas instâncias de representações, visto que é o espaço legalmente constituído de valorização, discussão, negociação, deliberação e gestão da Unidade de Conservação e sua área de influência referente a questões sociais, econômicas, culturais e ambientais. Em sua totalidade, a constituição de um Conselho é bem visto tanto interior como exteriormente, para efetivação dos espaços de participação. Porém devemos nos ater que tais espaços não se constituem de forma paritária entre os conselheiros e conselheiras revelando assim nuances de discursos e questionamentos muita das vezes contrários e destoantes daquilo que realmente é de interesse dos moradores e usuários.

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É importante ressaltar que a Associação de moradores da Reserva Extrativista de Cururupu é conhecida tanto pela sigla AMREMC quanto Associação Mãe. Sendo que as duas nomenclaturas são válidas perante os órgãos de regência.

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A formação do Conselho Deliberativo é prevista no SNUC e têm as suas diretrizes, normas e procedimentos para formação e funcionamento, disciplinado pela IN 02 de 18 de setembro de 2007. Assim, o Conselho Deliberativo da RESEX de Cururupu foi formado e formalizado conforme orientações contidas nesses instrumentos da legislação para garantir e legitimar a gestão compartilhada da Unidade e fortalecimento das comunidades. Os Conselhos Deliberativos devem ser formados através de um processo de ampla discussão que permita a participação efetiva dos atores envolvidos, particularmente os extrativistas e suas organizações representativas, objetivando uma gestão participativa e o fortalecimento das comunidades. O processo de gestão das reservas extrativistas deve levar em consideração as características sócio-históricas de organização dessas comunidades, como suas relações com o meio em que vivem e o uso coletivo da terra. Dessa forma, o Conselho Deliberativo se constitui em uma importante ferramenta de gestão participativa de Reservas Extrativistas e no fortalecimento de suas comunidades e suas organizações representativas, além de sua influência referente às questões sociais, econômicas, culturais e ambientais. As particularidades desses processos de gestão, nessas categorias demandam o estabelecimento de procedimentos que garantam a “participação qualificada” (sendo muito difícil fazer essa compreensão, pois as maiorias dos casos se constituem de pescadores, marisqueiras) da população local e o uso de metodologias que permitam gerar uma integração dos conhecimentos tradicionais com os técnico-científicos. O Regimento Interno deve ser elaborado em um prazo de até noventa dias a contar da data de instalação do Conselho, seguindo o que orienta o Anexo II da Instrução Normativa em questão. Sendo importante destacar que o parágrafo §2º, do Artigo 16, orienta que “antes de sua aprovação pelo Conselho, a minuta do Regimento Interno deverá ser encaminhada à Diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais do Instituto Chico Mendes para ciência e, quando necessária, para sugestões de alteração”. Nesse contexto o Regimento Interno é um conjunto de regras normatizadoras e de conduta que são estabelecidas por um grupo que regulamenta o seu funcionamento, informando sua estrutura organizacional, o número de membros, o funcionamento das reuniões ou assembleias, a entrada e saída de conselheiros, dentre outras normas. Nesse documento é observada a sua importância, pois através dele são normatizadas as diretrizes específicas de funcionamento desse Conselho, que tem como pretensão promover um processo gestor de participação mais efetiva e de alguma forma 15

qualificada dos seus representantes, no que diz respeito aos extrativistas, como também às organizações que os representam perante o Conselho Deliberativo. O Acordo de Gestão é o momento importante para o Conselho pensar sobre a sua missão, identificando e relacionando as atividades prioritárias para o exercício funcional da reserva, tendo em vista resultado e acordos referentes ao uso comum da RESEX. É uma espécie de “contrato” firmado entre a instituição gestora da UC e a população local, o qual estabelece as ações e restrições que são necessárias executar para que os objetivos da UC sejam atingidos. Diferencia-se do Plano de Manejo porque pode ser executado sem que se disponha de todos os dados sobre as variáveis ambientais e socioeconômicas da UC e de seu entorno. É um instrumento que é precedido do Plano de Manejo, pois pode ser elaborado mais rapidamente que aquele e garante que algumas ações indispensáveis à proteção da UC sejam executadas até que se tenham as condições técnicas e financeiras de elaborar o Plano de Manejo da Unidade (SILVA, 2007). De acordo com Loureiro (2007), o Acordo de Gestão, bem como todo o trabalho de fortalecimento do Conselho, é estruturado de modo sintonizado com a seguinte premissa: quando pensamos em educação no processo de gestão ambiental estamos desejando o controle social na elaboração e execução de políticas públicas, por meio da participação permanente dos cidadãos, principalmente de forma coletiva, na gestão do uso dos recursos ambientais e nas decisões que afetam a qualidade do meio ambiente. (IBAMA, 2002, p. 26 )

Aqui é ressaltado que os mecanismos de regimento das RESEX foram se constituídos a partir da metodologia de um planejamento participativo como um primeiro produto que fomenta a reflexão e a ação institucional (Unidade de Conservação, Conselho, órgão ambiental responsável), que deve ser apropriado e aprimorado permanentemente por todos os envolvidos, em um processo educativo e democrático, voltado para a consolidação dos espaços participativos, a convivência inclusiva entre as diferentes culturas locais, a consolidação da gestão e a sustentabilidade das UC (LOUREIRO, 2007). A presente abordagem tem como um dos objetivos identificar como se dá a institucionalização dos espaços representativos das ilhas habitadas que compõem a RESEX Marinha de Cururupu face à implementação do Plano de Manejo, como também fazer a análise de como esses mecanismos representativos das comunidades que integram o Conselho Deliberativo da RESEX estão utilizando as categorias advindas com o discurso já institucionalizado e a gestão da UC, sobretudo pela interação constante com representantes do RESEX de Cururupu via CNPT, órgão responsável pela gestão da RESEX.

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O Conselho Deliberativo se constitui em uma importante ferramenta de gestão participativa de Reservas Extrativistas e no fortalecimento de suas comunidades e suas organizações representativas. O mesmo deve ser formado através de um processo de ampla discussão que permita a participação efetiva dos atores envolvidos, particularmente os extrativistas e suas organizações representativas que objetivam uma gestão participativa e o fortalecimento das comunidades. Para compreendermos os processos e etapas de construção dos espaços participativos da RESEX Marinha de Cururupu-MA, é necessário compreendermos que diversas atividades foram desenvolvidas e seguiram as etapas propostas conforme consta na IN 02/2007. Primeiramente, a identificação e escolha de representantes das populações tradicionais da Reserva. Outra etapa importante foi a mobilização, sensibilização e capacitação de representantes das populações tradicionais da Reserva através de oficinas e reuniões com os/as representantes das comunidades que foram escolhidos como conselheiros e seus suplentes. Dialogando aqui com os dados socioambientais da Reserva e indicando as tendências e vocações da área que é gerida pelos órgãos gestores, as suas potencialidades e as alternativas viáveis para o uso comum. Os conselheiros(as) têm o dever de assumir uma postura crítica e elaborar sugestões em relação ao que for apresentado nas reuniões, contudo nem todos utilizam essa postura crítica e muitas vezes as sugestões são suprimidas e deixadas em segundo plano. As atividades para a capacitação dos conselheiros(as) e seus suplentes reforçam os conceitos a respeito de caráter, atribuições e deliberações do Conselho, e têm um marco legal que regulamenta o perfil dos conselheiros(as) como a prática do diálogo entre partes conflitantes, a comunicação entre as comunidades e entidades parceiras nas questões que dizem respeito à gestão da Reserva. A realização de diagnóstico socioambiental em parceria com as populações tradicionais foi subsidio para construção do Conselho, Acordo de Gestão e Plano de Manejo. Essa elaboração do Plano de Manejo da Reserva Extrativista vem sendo realizado e já proporcionou o levantamento e sistematização dos dados para a caracterização socioambiental da área. Assim sendo, pretende-se realizar nesta atividade a divulgação dos resultados de tal levantamento e, caso oportuno, complementações de informações. O Plano de Manejo encontra-se em processo de construção e recentemente foram feitas oficinas para então, passar para o processo do mesmo.

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Outro aspecto desse processo de construção dos espaços participativos é a apresentação dos quesitos e questões que se fazem presentes nas demandas colocadas pelas populações tradicionais da Unidade, bem como também os que são apresentados pelo órgão executor, dos atores da sociedade civil, governamentais e não governamentais, com influência direta ou indireta na Unidade e seu entorno. O processo de construção dos espaços participativos necessita de uma definição do número de vagas e da composição final do Conselho Deliberativo em reunião com as populações tradicionais e demais segmentos. Esta atividade se dá através de Reunião, onde os membros do Conselho podem discutir e debater sobre a sua composição final e onde é gerada uma ata de constituição, que é encaminhada posteriormente com documentação para a formalização do Conselho Deliberativo. Conforme a IN 02/2007, a composição do Conselho obedecerá aos seguintes critérios: ser indicado para cada vaga no Conselho um representante titular e pelo menos um suplente, os quais poderão pertencer à mesma ou a diferentes entidades, ou representações desde que de um mesmo segmento; uma mesma entidade só poderá ocupar uma vaga no Conselho; deve-se garantir, na composição do Conselho, maioria de representantes das populações tradicionais da Unidade; o titular e o suplente do Instituto Chico Mendes deverão ser indicados pela Diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais do Instituto Chico Mendes. Os documentos e registros do processo de formação do Conselho Deliberativo são encaminhados à Diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais do Instituto Chico Mendes para análise e emissão de parecer técnico conclusivo, finalizando-se os trâmites para sua formalização com a elaboração de Minuta de Portaria. O processo de formação do Conselho Deliberativo devidamente instruído deve ser encaminhado para a Procuradoria Federal Especializada para emissão de parecer jurídico fundamentado e posteriormente à Presidência do Instituto Chico Mendes para publicação da portaria de criação do Conselho no Diário Oficial da União. Depois da homologação do Conselho Deliberativo, passa-se para a etapa da reunião de posse de seus conselheiros. Após a publicação em Diário Oficial, todos os membros conselheiros tomam posse nas suas respectivas cadeiras no Conselho, através de cerimônia pública de posse onde se deve fornecer uma breve explicação sobre a importância do Conselho e da gestão compartilhada da Reserva Extrativista. Devem ser enfatizadas também as atribuições de cada membro do Conselho e o papel do conselheiro perante os atores por ele representados, reforçando sua responsabilidade 18

em repassar o que for discutido e acordado dentro do Conselho. Além disso, os representantes devem perceber-se como peças-chave para estimular a comunidade a manter-se mobilizada e organizada em relação às questões da Reserva. Constituído o Conselho e empossados os respectivos conselheiros, as etapas seguintes são: discutir e elaborar o regimento interno e o acordo de gestão da Unidade de Conservação. Para tanto serão realizadas reuniões preparatórias para a elaboração do regimento interno, sendo necessário o comparecimento de todos os conselheiros e seus respectivos suplentes. No que tange sobre a gestão socioambiental compartilhada, entrando diretamente no plano de pesquisa que foi proposto, a análise dos processos que dizem respeito à criação da RESEX Marinha de Cururupu, primeiramente faço um breve levantamento das legislações que regem as UC, desde a introdução à lei SNUC como também a análise dos artigos e instruções normativas que regem constitucionalmente as Unidades de Conservação no território brasileiro, amparados pela Constituição de 1988. Devemos ter a consciência de que existem especificidades e singulares das UC (LOUREIRO, 2007). Para isso é levado em consideração os conhecimentos tradicionais no que diz respeito às questões de zoneamento, limites de pesca, entre outros. O roteiro metodológico, além de atender plenamente às determinações do SNUC, apresenta um elemento importante: a introdução do conceito de uso múltiplo, que, a rigor, difere dos modelos tradicionais de plano de manejo, que eram direcionados para um recurso ou uma determinada atividade produtiva (IBAMA, 2001).

Para se pensar no manejo das reservas extrativistas, o enfoque é o próprio ecossistema o qual faz parte, sendo que aqui se incluem as funções e os serviços ambientais que são provenientes do uso dos recursos naturais existentes, pois os objetivos básicos desta unidade de conservação da categoria de uso direto é compatibilizar a manutenção da natureza com o uso sustentável dos seus recursos (IBAMA, 2001). É importante notar que existe aqui de forma intrínseca e relacional o manejo da Reserva; também nota-se que existe um anseio corrente entre os representantes para a execução e manutenção do Plano de Manejo. Em relação à RESEX Marinha de Cururupu, embora o plano de manejo ainda não se encontre finalizado, o mesmo já está em fase bastante avançada, dependendo ainda da sua construção junto com as lideranças, moradores e Conselheiros da Reserva, essa construção está acontecendo através de oficinas de

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planejamento participativo, ministradas pela Equipe Deicmar Ambiental em conjunto com o ICMBio. Desde a criação e o atual momento em que a RESEX está institucionalizada, lembrando que dentre as demais RESEX marinhas, a de Cururupu é a que apresenta um grande avanço no seu Acordo de Gestão. Desde a implantação dos seus Planos, tanto o de Uso quanto o Acordo de Gestão, seus próprios moradores chegam a apresentar diversos pontos positivos, desde a sensação de segurança que eles possuem em relação ao uso comum como também a preservação do meio que lhes é assegurada por lei. É percebido que os moradores possuem um senso de preservação e consciência própria sobre os conhecimentos locais. O conhecimento tradicional dos pescadores artesanais não é pré-lógico ou pré-científico, mas sim baseado na observação contínua de fenômenos naturais recorrentes que permitem ao pescador tomar decisões sobre o momento de ir pescar, sobre o local mais adequado e sobre o uso das técnicas mais apropriadas (LÉVI-STRAUSS, 1989; DIEGUES, 2004). Sem tais conhecimentos precisos seria impossível a sobrevivência dessas comunidades e a reprodução de um modo de vida num ambiente marinho, sujeito a frequentes e perigosas mudanças de tempo e condições adversas. Chama-se a atenção para se perceber que a organização dos espaços faz-se permeada de regras informais que devem ser tratadas como legítimas e que, muitas vezes, são mais eficazes que as estipuladas pelas leis formais (PEREIRA, 2007). Nesse sentido, concordamos com Diegues (2000) que, ao analisar as questões ambientais que são críticas para a humanidade, propõe uma simbiose entre o conhecimento científico e o tradicional, no qual as bases da “etnoconservação” devem ser fortalecidas levando em conta o papel ativo das populações tradicionais. Ou seja, como bem afirma Pereira (2007. p.210) em sua tese de doutorado: na elaboração das estratégias de conservação as pessoas das comunidades tradicionais não devem ser tratadas com um peso menor no processo deliberativo no planejamento e execução de ações conservacionistas, mas sim como copesquisadores, como coautores de trabalhos pelas informações concedidas, alicerçadas num rico (etno)conhecimento informal, mas não ilegítimo.

E só um efetivo trabalho de escuta etnográfica poderia nos dizer qual o ponto de vista do nativo, as suas categorias de auto-atribuição e suas bases de etnoconservação que demarcam um sentido de “tradicionalidade”. 20

As RESEX são consideradas como instrumentos significativos para a manutenção e reprodução da cultura e das práticas socioeconômicas de uma grande parcela de comunidades tradicionais que estão localizadas em regiões marinhas, costeiras, estuarinas e ribeirinhas. Nelas têm-se como controle social nos métodos de exploração, sendo o sistema de ordenamento e normalização que é baseado no manejo tradicional e na gestão compartilhada dos recursos naturais e sociais. Para o exercício da gestão compartilhada é preciso alcançar primeiramente regras claras e flexíveis estabelecidas pelo manejo compartilhado, também é preciso a resolução de conflitos consentidos de forma coletiva, uma distribuição dos direitos e deveres, justa e equitativa, gestão sustentável dos recursos naturais presentes na Reserva em longo prazo, considerando aqui que o plano de manejo é otimizado pela organização socioprodutiva, desde a agregação de valores à produção, identificação e estabelecimento de formas mais justas de comercialização. É de grande relevância notar que os próprios moradores das 13 ilhas habitadas da região que hoje é a RESEX de Cururupu se articularam desde o início da década de 1990 para que a mesma pudesse ser criada e consolidada. Passaram-se mais ou menos 13 anos para que de fato a criação e homologação fossem realizadas. Em uma entrevista, com o senhor Roberto Vagner ex-presidente da AMREMC, percebemos que em sua fala que uma articulação em um primeiro momento partiu dos moradores em conjunto, mais exatamente da ilha de São Lucas: a criação da RESEX veio assim como uma benção do céu, porque na década de 1990, era uma violência muito grande nas ilhas e eu era uma pessoa que me preocupava muito com a violência, é... em cada ilha tinha uma violência e a gente começou se organizar, a criar um grupo de apoio, grupo de base, aí foi na comunidade São Lucas que criou o primeiro grupo de nível nacional teve uma entrevista pela rádio Globo e isso incentivou muito a gente, com a criação da reserva isso veio fortalecer ainda mais as ilhas, aí depois a gente foi se organizando, teve a primeira eleição que foi ali na comunidade de Lençóis, né... Nós “tava” quase duzentos sócios, saíram três candidatos e eu fui o vencedor, com noventa e quatro votos e daí a gente começou a trabalhar, começou a sair fora do Estado pra conhecer as realidades de outras reserva pra trazer aquilo de bom pra nossa reserva, levando os companheiros pra ver a realidade, né... não era eu só, a Katia e a cada comunidade eu levava uma liderança pra gente implantar aquilo de bom dentro da nossa reserva. (Entrevista com o Senhor Roberto Vagner (Vaguinho), morador da ilha Guajerutiua e ex-presidente da AMREMC – 17/05/2013)

Como já citado pela fala do Sr. Roberto Vagner, existiam demandas de organização, segurança e proteção do seu espaço de vivência e de pesca, sendo propício à abertura ao modelo de Resex, que foi apresentada aos moradores, juntamente com a Agenda 21 de Cururupu-MA e as demais entidades como Sindicato dos Pescadores de Cururupu, 21

Centro de Apoio e Pesquisa ao Pescador Artesanal do Maranhão e a Prefeitura. Articularamse em um modelo de Gestão baseado nas Reservas Extrativistas Marinhas que já estavam se institucionalizando. Sendo assim, depois de muitos laudos e estudos na área, foi então homologada a criação da Resex de Cururupu. Em um primeiro momento alguns moradores divergiam em suas perspectivas sobre a criação e consolidação da RESEX, mas é percebido a nítida e aceitação entre seus moradores e usuários, em relação à mesma. De certa maneira, é bem clara a percepção de que os moradores sabem qual é o papel da criação da Reserva, que é de proteger os moradores dos agentes externos (a pesca industrial, desmatamentos de áreas de mangue, retirada de madeira por terceiros, criação de animais de grande porte, construção de moradias para fins não condizentes com a Reserva, etc.), preservar as áreas de uso comum, valorizar a cultura local, os modos de vida e os recursos naturais presentes.

5.1 O papel dos espaços representativos – o Conselho Deliberativo

A gestão compartilhada abrange agentes federais, estaduais e municipais, porém as representações locais têm grande relevância na constituição e contribuição para a efetiva institucionalização da RESEX Marinha de Cururupu. A criação da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu deu-se a partir das seguintes parcerias: Sindicato dos Pescadores de Cururupu, Centro de Apoio e Pesquisa ao Pescador Artesanal do Maranhão (CAPPAM), Coordenação da Agenda 21 de Cururupu e Prefeitura de Cururupu (PEREIRA, 2007). Também foram analisados aspectos apresentados pelo chefe da unidade de conservação, o senhor Eduardo Borba – RESEX de Cururupu/CNPT, captados por meio de entrevista e foram os aspectos das últimas reuniões que aconteceram na RESEX. O Conselho Deliberativo, um dos órgãos que é responsável pela gestão da Reserva, possui hoje 23 representantes, sendo que apenas 14 cadeiras estão ocupadas (13 cadeiras, por conselheiros de cada ilha habitada e 1 cadeira por uma associação) 4. O Conselho Deliberativo passou por um processo de renovação, em que novos conselheiros assumiram seus cargos juntos com seus suplentes. O chefe da unidade de Conservação afirma que os conselheiros externos de certo

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Esse dado se refere ao período anterior à última reunião do Conselho Deliberativo, no mês de Abril de 2015. Sendo que hoje os 23 representantes do Conselho Deliberativo possuem participação no Conselho.

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modo possuem um falta de interação com os demais conselheiros internos. Um dado que deve ser levado em consideração é a grande quantidade de mulheres que assumiram os cargos de conselheiras da Reserva, sendo que a presença delas chegam a 70% nos cargos do Conselho Deliberativo. É percebido que a presença feminina está em ascensão no que tange as atividades de gestão da RESEX de Cururupu. Entrando em um esboço geral de governança, podemos estabelecer uma distinção entre seu sentido amplo e seu sentido estrito, em sentido amplo, governança refere-se aos diferentes mecanismos empregados para conferir ordem à população de atores, por adaptação, negociação, ordem e obediência; em sentido estrito, governança refere-se às diferentes formas de ação resoluta voltada a preocupações coletivas (MAYNTZ, 2009, p. 8).

É importante, fazer uma análise profunda neste quesito, pois esse esboço geral sobre governança e governamentalidade, não se pode cair no erro de que esse aspecto está cristalizado e muito menos acharmos que de fato a governança acontece democraticamente. Sendo percebida uma nítida divergência nas reuniões do Conselho Deliberativo, há por vezes pautas fechadas em que não ocorre uma participação efetiva dos moradores, dentre outros aspectos que ficam implícitos em um primeiro momento nas reuniões. Governança e governamentalidade denotam dois conceitos originados em tradições disciplinares e intelectuais distintas que compartilham uma questão central: a problemática de direcionar, regulamentar, governar, conduzir etc. na sociedade moderna - tendo em vista os indivíduos, as organizações, os sistemas, o Estado e a própria sociedade como um todo. Levando a premissa de que governar significa “administrar, dirigir, reger, ter poder sobre, conduzir”, nesse sentido, governabilidade quer dizer aptidão de conduzir, administrar, governar os negócios públicos. Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1995. p. 03) conceitua governabilidade como sendo a “possibilidade de ação governativa eficaz. Quer dizer, traduz a aptidão de um Estado, nesse caso o órgão gestor da Reserva – RESEX de Cururupu/CNPT, determinado a realizar os objetivos que se propõe – a sua missão – não em abstrato, mas em face de um quadro concreto”. Os conselheiros(as) locais possuem um elevado grau de importância, uma vez que eles têm um contato direto com os moradores de suas ilhas e através deles, os moradores e usuários são representados nas reuniões deliberativas e em assuntos estratégicos para a gestão da Reserva. Como sabemos, a gestão compartilhada pretende como principal aspecto a 23

abertura de espaço para que cada comunidade possua um representante no Conselho Deliberativo, sendo aqui apreciada por muitos dos moradores essa forma de governança5 proposta e utilizada pela RESEX. O Conselho Deliberativo tem sua importância na institucionalização da RESEX, com papel principal no gerenciamento, na busca de soluções quando necessárias e os interesses dos moradores no que tange a vivência dentro de uma Unidade de Conservação. Lembrando que todas as decisões passam por avaliação dos conselheiros(as) e por fim estes votam democraticamente para a resolução e/ou solução do impasse que pretende ser resolvido. Mas lembrando de que muitas vezes as resoluções por motivos que devemos nos aprofundar mais e buscar respostas, em algumas situações são colocadas em segundo plano ou silenciadas. Entendo que dimensões paralelas e muito complexas estão em jogo, sendo colocadas muitas vezes fora do campo de decisões do Conselho que tem como principal função a deliberação de ações em prol da Reserva. Tomando como ponto de análise os temas do Acordo de Gestão da RESEX de Cururupu, podemos ver quais são as principais reivindicações dos moradores em relação ao bem-estar e a melhoria da qualidade de vida. É importante lembrar que o Acordo de Gestão é o plano primeiramente proposto, uma vez que este vai tentar resolver a um curto e/ou médio prazo problemas recorrentes que são percebidos pelos próprios moradores. Em relação ao Acordo de Gestão quando perguntados sobre “como é sua vida aqui na Reserva?”, podemos ver os próprios moradores-extrativistas acionarem os problemas corriqueiros, mas que tem grande impacto no modo de vida desses moradores. Percebemos, por exemplo, a preocupação dos moradores com a questão da limpeza da praia 6, uma vez que é dito que os moradores das ilhas deveriam ser mais ativos na conservação do local onde eles vivem e retiram o seu alimento diário. Situações como

falta de escolas,

postos de saúde,

energia elétrica,

telecomunicação acessível, são as principais causas de circulação de moradores ilhacontinente, sendo que em diversas vezes o retorno dos moradores na maioria os jovens não acontece, devido aos poucos recursos presente nas ilhas. Porém é notado que entre os seus moradores existe um sentimento de pertencimento com o seu local de morada. Todos afirmam

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O sentido apresentado refere-se à forma que os três níveis, o Municipal-Estadual-Federal, e também o local (Conselho Deliberativo) dialogam para construir e aperfeiçoar a gestão da RESEX, utilizando as questões dos moradores; sendo que essa forma de gestão é uma novidade no cenário político e surge no momento em que as RESEX são criadas. 6 Refere-se à limpeza dos locais de pesca e de onde as ilhas possuem ligação com o alto-mar. Também pode ser entendida como os locais de recreação e ancoragem dos barcos de pesca.

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que são filhos do lugar onde moram e têm orgulho disso. É percebido durante as falas nas reuniões do Conselho Deliberativo e na leitura de atas dessas reuniões, sendo nítida a preocupação com o futuro das novas gerações e com as gerações mais anciãs que moram nas ilhas. Os principais problemas que foram explicitamente apresentados foram às questões de saúde e a educação. Todos vêem apreensivos os problemas que são causados pela falta e/ou a forma precária na qual a saúde e a educação são apresentadas pelos órgãos públicos. O Acordo de Gestão é um importante instrumento que auxilia na gestão participativa de uma Unidade de Conservação e serve acima de tudo para fomentar a reflexão e a ação institucional (Unidade de Conservação, Conselho, Órgão Ambiental responsável), que deve ser apropriado e aprimorado permanentemente por todos os envolvidos, em um processo verdadeiramente educativo e democrático, voltado para a consolidação dos espaços participativos, a convivência inclusiva entre as diferentes culturas locais, a consolidação da gestão e a sustentabilidade das Unidades de Conservação (LOUREIRO, 2007). No processo de construção destes espaços de atuação, percebeu-se que muito se tem ainda que caminhar na busca de uma gestão verdadeiramente participativa, onde a população tradicional possa exercer seu papel dentro do Conselho em condições de igualdade com as representações de instituições externas. Para tanto é fundamental que imprima cuidados e atenções diferenciados com tais membros do Conselho, levando-se em consideração a capacidade diferenciada para a participação, sendo preciso reafirmar a dimensão política do trabalho de criação, estruturação e fortalecimento dos Conselhos, principalmente como processo de construção de novas dinâmicas democrático-participativas. Esse processo não se esgota na sua competência técnica, por mais imprescindível que ela seja. Um Conselho forte, contribuindo efetivamente na gestão ambiental de áreas protegidas, promove o alargamento da democracia, amplia a participação social na vida pública e, consequentemente, amplia a dimensão pública para além do domínio do Estado. Desta forma, os Conselhos Deliberativos se constituem como instrumentos de expressão, representação e participação da sociedade, levando em conta os conhecimentos tradicionais de seus moradores, tendo, portanto, um grande potencial de transformação política. Tem-se percebido que mecanismos legais que regem os Conselhos Deliberativos passam a fazer parte do discurso de alguns moradores/extrativistas que participam das reuniões da Associação de Moradores da Resex e de reuniões do Conselho Deliberativo. 25

Por outro lado, a valorização plena do conhecimento local requer aberturas, avanços efetivos nos espaços como as assembleias participativas, no tocante ao fortalecimento da RESEX de Cururupu, pois percebemos que o sentido da compreensão entre natureza e cultura ainda não se dá tão claramente nas discussões. Uma coisa interessante a destacar é que a etnoconservação passa pelas questões do dia-a-dia dos pescadores, a forma como vêm manejando os recursos pesqueiros e a área do manguezal, evidenciando o lado prático do modus vivendi. A importância da inclusão dos saberes dessas populações no delineamento das políticas públicas está sendo aqui pontuada, mas ainda não se percebe um discurso aberto que incentive ou valorize as práticas desse manejo, de resguardo com o meio ambiente, com os elementos da natureza, ligadas com o mundo não material tão fortes em sua vivência, mas não explicitadas nas falas que se dão em espaços normatizados pela gestão da RESEX. Conforme Pereira (2007, p.185), quando se fala em populações tradicionais, e se quer realmente trabalhar a questão da etnoconservação, concebe-se que além das atividades de subsistência, o conjunto de crenças, de mitologia, deva ser considerado nas práticas de manejo realizadas no “lugar” em que dão sentido à sua vida, à sua reprodução material e cultural. Até agora essas questões com os nossos interlocutores só se dão fora da discussão das políticas públicas. Não é percebido esse assunto durante as assembleias; embora admitam, em outros espaços menos formais, a relevância dessas questões. Um ponto bastante significativo que tem sido evidente é que nas suas próprias falas, dos moradores/extrativistas das ilhas pertencentes à RESEX Marinha de Cururupu, há uma clara tomada de consciência de seus direitos, que a cada momento de crise é acionada e fortalecida. Quando há problemas de ocupação, uso de espaços comuns e de pesca, os próprios moradores reivindicam seus direitos embasados nas leis que regem a Reserva. 5.2 Análises das reuniões do Conselho Deliberativo No mês de Setembro de 2014, aconteceu a oitava reunião do Conselho Deliberativo da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu, na sede do Sindicato dos Pescadores, no município de Cururupu-MA (SINPAC). Estavam reunidos os moradores da RESEX de Cururupu, para a finalização do Acordo de Gestão da Reserva, atualização de dados cadastrais dos moradores e usuários, como também assuntos relacionados aos acordos de pesca e uso comum dos espaços. Vale lembrar que uma das principais pautas apresentadas e debatidas nas 26

reuniões do Conselho Deliberativo é o benefício do Governo Federal denominado BolsaVerde, que contempla os moradores que possuem o Cadastro Único do Governo Federal e também beneficiários do Programa Bolsa-Família. Tal benefício tem a função primordial de prover entre os seus moradores beneficiários ou não, o senso de responsabilidade ambiental com a Reserva e seus recursos naturais. O programa Bolsa Verde, contempla 500 famílias domiciliadas na UC, sendo que no total existem 1300 famílias cadastradas e morando nas diversas ilhas que compõe a Reserva, segundo os dados do último levantamento realizado. Levantamento este que teve como principal função a inserção de novas famílias como também o acompanhamento das resoluções que são necessárias para a promoção do Bolsa Verde na RESEX. Maurício de Alcântara Marinho (2014, p.58) afirma que, numa perspectiva que envolve a coparticipação ou protagonismo de atores sociais externos ao Estado, é necessária a diferenciação de modalidades de gestão de áreas protegidas envolvendo as gestões pública, privada e comunitária. A partir da cooperação de dois ou mais segmentos nesse processo, surge o “comanejo” ou “gestão compartilhada” ou “cogestão” no Brasil. No mês de abril de 2015 na Ilha de Valha-me Deus – RESEX de Cururupu-MA aconteceu à nona reunião do Conselho Deliberativo, e teve como principal pauta a apresentação do Acordo de Gestão, uma vez que este já se encontra publicado no Diário Oficial da União. Nesta reunião foram apontados por seus moradores problemas de ocupação de espaços em diversas ilhas da RESEX, lembrando que também foi discutido o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, ressaltando a venda de terrenos, cerceamento de espaços comuns por não residentes da unidade de conservação, criação de animais de grande porte que causa danos na vegetação costeira. Sendo todas essas questões embasadas pelo Acordo de Gestão já vigente. É percebido aqui que os membros do Conselho Deliberativo utilizam-se das leis que regem a UC e nestes espaços de reunião e deliberação apontam os problemas que estão ocorrendo em suas localidades de moradia e manejo coletivo. Porém a grande maioria da população da Reseva e seus usuários ainda não detém o conhecimento real dessas normas que deliberam a convivência, os seus modos de pesca, uso de espaços comuns. Sendo que em alguns momentos da reunião ocorreram atritos entres os Conselheiros(as) e os moradores, por terem discordâncias com os métodos de normatização dos meios de vida que já se encontram

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consolidados por gerações e gerações, causando muito desconforto entre os moradores e o Conselho Deliberativo. No segundo dia da reunião ordinária, seguindo a ordem da pauta que foi apresentada no primeiro dia, foi apresentada a COOSPAT (Cooperativa de Trabalho, Pesquisa e Assessoria Técnica) pela sua atual coordenadora, Marluze Pastor Santos, como também foram explicitadas questões de assistência técnica agrária e extensão rural. Foram pedidos esclarecimentos sobre a atuação da cooperativa, pelos participantes da reunião e também pelos Conselheiros, sobre quais assessorias poderiam ser apresentadas e efetivadas na Reserva, como também a questões para diagnosticar tanto no início como o final do trabalho da cooperativa e observar o avanço dos projetos que poderão ser colocados em curso. Depois da apresentação da COOPAST e de sua possível atuação na Reserva, foi aberta uma rodada de questionamentos e esclarecimentos para os presentes da reunião. A reunião teve sua continuidade com a apresentação da Organização não governamental (Ong) Rare7 – Projeto Pesca para Sempre8 – para os integrantes do Conselho Deliberativo, sendo colocada a atuação e o histórico da Rare. A proposta do projeto da Ong Rare especificamente em Cururupu é trabalhar com a espécie Pescada-Amarela (Cynoscion acoupa), devido à escassez da espécie que os pescadores da região estão verificando. Foi explicado o motivo de que a Pescada-Amarela (Cynoscion acoupa) ter sido escolhida pelo projeto para que a espécie seja preservada, colocando em jogo a colaboração dos pescadores para a construção e atuação do projeto, a fim de que no final de 2016 tenha como objetivos principais a conservação da Pescada-Amarela (Cynoscion acoupa), o respeito ao Acordo de Gestão e a participação dos pescadores nas reuniões. Também foi feita uma explanação alertando para a escassez da Pescada-Amarela (Cynoscion acoupa) que de um tempo pra cá vem ocorrendo dentro da Reserva, sendo feito um apelo dentro da reunião para que os conselheiros apoiassem o projeto. Ocorreram apontamentos sobre as questõesproblema do projeto, sendo proposta durante o debate a criação de um período exclusivo de defeso da Pescada-Amarela (Cynoscion acoupa), assim como a criação de uma legislação própria para que venha inibir a extinção como a preservação de áreas de berçários e cabeceiras, 9bem como uma fiscalização intensiva seria uma possível solução. No final da

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Tradução de “Raro” para o inglês, uma analogia para a conservação de espécies raras e com perigo de extinção, no caso de Cururupu-MA, seu foco é a Pescada-Amarela (Cynoscion acoupa) 8 http://www.rare.org/pt-br 9 Locais onde ocorrem a reprodução e desenvolvimento da espécie.

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reunião foi decidida, de acordo com as normas vigentes da Reserva, que a próxima será na sede do município de Cururupu-MA nos dias 18 a 20 de Setembro de 2015. Percebemos que os atores envolvidos na gestão compartilhada da RESEX de Cururupu possuem estes mecanismos de legitimação, institucionalização e normatização dos seus direitos e deveres no que envolve a participação destes no Conselho Deliberativo. É importante ressaltar a importância dessa análise, pois os eventos que dizem respeito a esta cogestão já estão consolidados e pela análise se percebe que já avançou bastante no que diz respeito aos processos constitutivos da RESEX de Cururupu, porém são de grande relevância o acompanhamento e análise dos eventos que estão por vir, neste caso o Plano de Manejo que está em finalização e brevemente será apresentado aos moradores, usuários e conselheiros.

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6. CONCLUSÕES

Foi acompanhado nesta pesquisa como é dada a participação ativa dos membros do Conselho Deliberativo na gestão dos recursos naturais da RESEX Marinha de Cururupu que está amparada pelas diretrizes da Lei 9.985/2000 que instituiu o SNUC, mais especificamente no Artigo 5° e no Artigo 18, parágrafo 2º. Além disso, ainda encontra base legal no Decreto 4.340 de 22 de agosto de 2002, no capítulo V, referente ao Conselho Deliberativo das Reservas Extrativistas, o qual estabelece nos parágrafos 1º e 2º que a gestão será feita, além das representações das populações tradicionais, também por representações da sociedade civil, organizações governamentais e não governamentais nos três níveis da federação de acordo com o contexto em que está inserida a UC. O Acordo de Gestão é um importante instrumento que auxilia no método de gestão participativa de uma UC, e serve acima de tudo para fomentar a reflexão e a ação institucional (Unidade de Conservação, Conselho, órgão ambiental responsável), que deve ser apropriado e aprimorado permanentemente por todos os envolvidos, em um processo verdadeiramente educativo e democrático, voltado para a consolidação dos espaços participativos, a convivência inclusiva entre as diferentes culturas locais, a consolidação da gestão e a sustentabilidade das UC. (LOUREIRO, 2007). Levando em consideração os mecanismos legais que regem os Conselhos Deliberativos, podemos perceber que eles dão legalidade nos discursos dos moradores. É percebido em suas próprias falas como os moradores/extrativistas das ilhas pertencentes à RESEX Marinha de Cururupu possuem uma consciência de seus direitos, que a cada momento de crise é acionada e fortalecida. É preciso reafirmar a dimensão política do trabalho de criação, estruturação, institucionalização e fortalecimento dos Conselhos, principalmente como processo de construção de novas dinâmicas democrático-participativas advindas desse processo. Um Conselho bem articulado com a população local e com os órgãos externos contribui efetivamente na gestão ambiental de áreas protegidas, promove o alargamento dos processos participativos, amplia a participação social na vida pública e, consequentemente, alarga a dimensão pública para além do domínio estatal no que diz respeito às práticas locais de participação. Os Conselhos são uma vivência de cidadania, de trabalho articulado (em rede) que precisa buscar, se complementar na solidariedade e na prática cooperativa, tendo em vista as 30

mudanças significativas na cultura política e social. Esses são aspectos positivos que apontam para uma governança em que a Sociedade Civil e o Estado atuam em consonância. É fundamental programar o processo com comprometimento, estabelecendo e ampliando as parcerias nesta trajetória. Desta forma, os Conselhos Deliberativos se constituem como instrumentos de expressão, representação e participação da sociedade, levando em conta os conhecimentos tradicionais dos moradores e usuários, tendo, portanto, um grande potencial de transformação nas formas que constituem esses métodos representativos. Pessoalmente, a construção do relatório desde sua gênese até a finalização é uma experiência extraordinária, desde o acompanhamento na sede da RESEX de Cururupu/CNPT onde busquei as documentações, laudos, produtos e atas das reuniões passadas, até ao acompanhamento direto com Conselho, como também o contato direto com os moradores e representantes das ilhas. O acompanhamento das reuniões torna-se um momento único da pesquisa, desde a saída de São Luís, até chegar à sede do município (Cururupu-MA), depois mais um deslocamento até a região da RESEX propriamente dita, o que pra mim é um grande desafio, mas uma desafio compensatório com a riqueza que o local possui, sendo ela natural e também de análise científica. Agradeço ao destino que me fez participar de uma pesquisa tão grandiosa e com grande influência na minha vida além da Academia. É importante ressaltar que essa pesquisa não se encerra aqui, uma vez que ela certamente necessitará de acompanhamento dos eventos e fatos que surgirão durante os processos deliberativos e de manejo da Unidade de Conservação. Neste sentido, o presente relatório tenta construir-se como um documento explicativo e crítico, de como se dão a institucionalização e a gestão compartilhada da Resex Marinha de Cururupu, desde a utilização por seus moradores e implicitamente nos seus modos de vida e de utilização dos espaços de uso comum como também os desafios que surgem com esse modelo de participação de seus conselheiros, moradores e usuários. Para finalizar, destaco que embora o relatório seja final, não implica no encerramento desta pesquisa, pois o modelo dessa cogestão é uma realidade e certamente há uma relevante importância de se fazer o acompanhamento e o levantamento de temáticas que venham surgir com o tempo e com os eventos futuros. Desse modo o tal relatório tem como finalidade ser fonte para outros pesquisadores, assim como para outros interessados na temática.

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7. CRONOGRAMA DO PLANO DE TRABALHO

2014 Atividade Estudo da literatura acadêmica sobre a temática de pesquisa Participação das reuniões de estudos do grupo Pesquisa documental sobre o processo de criação, gestão e institucionalização da Resex de Cururupu na sede do ICMBio/CNPT em São Luís Acompanhamento e registro das atividades propostas pelo Conselho Deliberativo da RESEX de Cururupu Participação em Oficinas semestrais de pesquisa Relatório semestral (Preliminar)

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Relatório Final de pesquisa

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7.1 Apresentação do Trabalho em Eventos Científicos 2014 Eventos Científicos SNTC (Semana Nacional de Ciência e Tecnologia) XXVI SEMIC (Seminário de Iniciação Científica) RELAJU (Rede Latinoamericana de Antropologia Jurídica – Encontro Nordeste 2015) Seminário Interno do GEDMMA

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APÊNDICES

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Imagens feitas durante as visitas e participação nas Reuniões do Conselho Deliberativo da Resex Marinha de Cururupu – 2014/2015.

IMAGEM 1 - SEDE DO SINDICADO DOS PESCADORES DE CURURUPU – MA. 16/09/2014. Autor: Ronyere Rego

IMAGEM 2 - OITAVA REUNIÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO - CURURUPU – MA. 16/09/2014. Autor: Ronyere Rego

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IMAGEM 3 - OITAVA REUNIÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO - CURURUPU – MA. 17/09/2014. Autor: Ronyere Rego

IMAGEM 4 - OITAVA REUNIÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO - CURURUPU – MA. 17/09/2014. Autor: Ronyere Rego

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IMAGEM 5 - BARCO ANCORADO NO PORTO DE PINDOBAL - CURURUPU – MA. 24/04/2015. Autor: Ronyere Rego

IMAGEM 6 - BARCO ANCORADO NO PORTO DA ILHA DE VALHA-ME DEUS RESEX DE CURURUPU-MA. 24/04/2015. Autor: Ronyere Rego

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IMAGEM 7 - NONA REUNIÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO - ILHA DE VALHA- ME DEUS RESEX DE CURURUPU – MA. 24/04/2015. Autor: Ronyere Rego

IMAGEM 8- NONA REUNIÃO DO CONSELHO DELIBERATIVO - ILHA DE VALHA- ME DEUS RESEX DE CURURUPU – MA. 25/04/2015. Autor: Ronyere Rego

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IMAGEM 9 - MEMBROS DO CONSELHO DELIBERATIVO - GESTÃO 2014 2016. 26/04/2015. Autor: Ronyere Rego

IMAGEM 10 - VISÃO PANORAMICA DA ILHA DE VALHA-ME DEUS - RESEX DE CURURUPU-MA. 26/04/2015. Autor: Ronyere Rego

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