Análise variacionista da aquisição fonologia por aprendizes de inglês-L2

June 1, 2017 | Autor: Athany Gutierres | Categoria: Second Language Acquisition, Phonology, Language Variation and Change, Optimality Theory
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ANÁLISE VARIACIONISTA DA AQUISIÇÃO FONOLÓGICA POR APRENDIZES DE INGLÊS-L2

Athany Gutierres, PG (UFRGS)1

Resumo: Este trabalho apresenta uma análise de dados da realização variável da nasal velar [] por aprendizes brasileiros de inglês, que ocorre em palavras como doing [] (fazendo) e living [‘çç(vivendo), por exemplo. Essa variação ocorre tanto entre falantes de inglês-L1 quanto de inglês-L2, colocando em competição as nasais velar [] e alveolar [] entre os nativos e as nasais velar [] e palatal [ù] entre os não nativos. O objetivo do estudo é verificar até que ponto a interlíngua do aprendiz de L2, que está sujeito a mudanças em seu desenvolvimento, apresenta regularidade na variação. Os dados, coletados de estudantes pertencentes a dois níveis de proficiência linguística – básico e pré-intermediário –, foram submetidos à análise de regra variável (ARV) no programa Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005). Resultados indicaram a predominância da não aplicação da regra (produção da variante palatal: 63,1%) sobre a aplicação (produção da nasal velar: 36,9%). Das variáveis independentes controladas (sociais e linguísticas), mostraram-se como condicionadores estatisticamente significativos os fatores nível de proficiência (extralinguística) e classe morfológica (linguística). Tais resultados evidenciam a presença de heterogeneidade ordenada em processos de aquisição fonológica variável na interlíngua.

Palavras-chave: Nasal velar. Variação interlinguística. Aquisição fonológica.

Introdução

A linguística gerativa considera a aquisição/aprendizagem da linguagem uma capacidade inata, biologicamente pré-determinada. Essa competência estaria disponível no que Chomsky (1975) chama de Gramática Universal (GU), uma estrutura mental que opera através de restrições e universais linguísticos e que habilita o ser humano a adquirir uma ou mais línguas. 1

Programa de Pós-Graduação em Letras. Bolsista de Doutorado CNPq. Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. [email protected]

Tanto em gramáticas de primeira quanto de segunda língua/língua estrangeira, a variação é um fenômeno inegável, faz parte da constituência do sistema linguístico e manifesta-se no desempenho do falante. O estudo da variabilidade inerente às línguas vem ganhando cada vez mais espaço na ciência linguística, graças a estudos pioneiros de Labov (2008 [1972], 1994, 2001) e dos pressupostos de Weinreich, Herzog e Labov (2006 [1968]) para o estudo da variação e mudança linguística. A Sociolinguística Quantitativa laboviana implementou procedimentos específicos ao exame de dados variáveis e tem sido o método mais empregado nos estudos variacionistas. A própria teoria fonológica têm apresentado diferentes propostas (ANTILLA e CHO 2004 [1998]; BOERSMA e HAYES, 2001; COETZEE, 2004) de inclusão da variação como um componente integrante do processamento interno da gramática. Entre a competição de gramáticas do sistema consolidado (L1) e do sistemaalvo (L2) na construção da interlíngua do aprendiz, há variação. Sabe-se que todas as línguas naturais estão sujeitas a alternâncias, principalmente na fonologia. O fenômeno investigado – a variação da nasal velar em inglês – apresenta um comportamento relativamente estável quando produzido por falantes nativos dessa língua: a alternância da consoante velar com a alveolar é condicionada por fatores sociais e linguísticos, sendo a alveolar a realização predominante na maioria dos contextos (principalmente não verbais), e a velar, em outros (LABOV, 2001, p. 86). Em inglês-L2, há variação envolvendo as nasais velar e palatal. Nesse caso, a aquisição dos padrões variáveis deve apresentar particularidades, já que, além da existência do português como língua materna, as condições de aquisição do inglês são distintas quando comparadas à aquisição por nativos na infância: o ambiente de instrução, o input, a frequência de uso da língua-alvo, a L1 dos aprendizes, além de fatores individuais (psicolinguísticos) e aspectos fonológicos. Pressupondo-se que, como nas línguas naturais, a variação seja condicionada tanto linguística quanto socialmente, o que rege a variação nesse contexto? O propósito deste artigo é apresentar uma análise de regra variável (LABOV, 2008 [1972]) da nasal velar numa comunidade de aprendizes de inglês-L2. Considerando-se o processo de aquisição da linguagem variável, e assumindo-se a interlíngua do aprendiz como um sistema natural, esta análise pretende verificar como se apresenta a regularidade na aquisição da fonologia de L2, fornecendo informações a respeito da configuração interna desse sistema em construção.

Este trabalho apresenta (1) uma breve contextualização teórica a respeito da variação nas línguas naturais e na interlíngua, com vistas à caracterização do objeto de estudo (nasal velar); (2) a metodologia empregada na investigação; e (3) uma análise inicial dos principais resultados obtidos. Por fim, as considerações finais descrevem as implicações do estudo realizado, algumas limitações e as próximas etapas da investigação.

Variação nas línguas naturais (e na interlíngua)

A variação se instancia quando há duas ou mais formas distintas de se dizer a mesma coisa. Manifesta-se em diferentes níveis da língua – fonológico, morfológico, sintático –, mas encontra maior respaldo no primeiro, por revelar-se na fala. Em português brasileiro (PB), por exemplo, a palatalização é fenômeno variável em diversas regiões do país (BATTISTI e DORNELLES-FILHO, 2010; BATTISTI e HORA, 2013), estratificada socialmente; a lateral [] é vocalizada variavelmente entre falantes do PB de diversas regiões brasileiras (HORA, 2006), assim como entre falantes (nativos e estrangeiros) de inglês (HAHN, 2010). Esses exemplos são evidência de que as línguas traduzem padrões universais, reconfigurados por suas comunidades de fala através da interação da estrutura interna da língua com o processo social em que ela se realiza, de forma ordenada e heterogênea. Percebe-se que, a partir de um padrão linguístico universal, cada sistema configura-se de maneira particular, condicionado por características de seus falantes e da comunidade que em eles estão inseridos.

“A associação entre estrutura e homogeneidade é uma ilusão. A estrutura linguística inclui a diferenciação ordenada dos falantes e dos estilos através de regras que governam a variação na comunidade de fala.” (WLH, 2006 [1968], p. 125)

Recentemente, diversos estudos têm se preocupado com a análise de padrões variáveis na aprendizagem de línguas estrangeiras (ALVES, 2008, 2009 2013; HAHN, 2010; BOUNDAUD e CARDOSO, 2009; CARDOSO, 2005; GUZZO e

GUTIERRES, 2013; LUCENA e ALVES, 2010; HORA, LUCENA e PEDROSA, 2009; LIMA, 2012). Tais estudos detectaram a emergência da variação em sistemas de interlíngua, sistematicamente controlada por fatores internos e externos. Isso é um indício de que a gramática interlinguística comporta-se como uma língua natural e que o aprendiz de L2 provavelmente transfere padrões de sua L1 durante diferentes etapas da aquisição, em direção à proficiência na língua-alvo. Vale a menção de que a transferência L1-L2, apesar de ser o mais saliente, é apenas um dos fatores externos incidentes sobre a aprendizagem da interlíngua. A nasal velar em inglês é um fonema distintivo na língua, como se percebe nas palavras sing [] (cantar) e sin [] (pecado), por exemplo. Em PB, possui status diferente: não é fone em variação livre, que alterne imprevisivelmente com outros fones, como acontece na língua inglesa; é uma realização possível para o (arqui)fonema nasal em final de sílaba, determinada pelos segmentos vizinhos, como em ‘sangue’ [], o que faz de sua manifestação algo ‘automático’ para o falante-ouvinte de português (CAGLIARI, 1997; CÂMARA JR., 2002). Entre falantes brasileiros de inglês, em contexto de aprendizagem de L2, a variação pode ocorrer entre as variantes velar (forma-alvo, desafiadora) e a palatal (forma ‘confortável’, fonema da L1), sendo a última resultante da adaptação do sistema fonológico da L1 à fonologia da L2 em construção. Percebe-se que a variação do mesmo fenômeno linguístico manifesta-se por variantes distintas nas duas línguas (português e inglês). A configuração das comunidades de fala também é divergente: em inglês-L1, a variação está presente desde a infância em todos os ambientes frequentados pelos falantes; sua realização é algo natural, cujo emprego de uma variante ou outra é regularmente condicionada por fatores particulares em diferentes comunidades. Em inglês-L2, a variação emerge normalmente após a fase adulta do indivíduo, em ambientes de instrução formal da língua (sujeito a fatores contextuais), cujo input é proveniente de falantes estrangeiros e a exposição à língua-alvo é bastante limitada. Neste cenário, as questões de interesse a este estudo, no momento, são: (i) Qual o status da variação na interlíngua? (ii) Que fatores condicionam a variação interlinguística? (iii) O que a variação sistemática na interlíngua revela sobre a aprendizagem de L2? A busca por respostas, ou insumos que alimentem tais perguntas, é o que

orienta esta investigação e serão apresentados nas seções seguintes do texto.

Metodologia

Os dados desta pesquisa são provenientes de duas oficinas de conversação de curta duração realizadas em janeiro/2014, ministradas pela pesquisadora. Os participantes são dez estudantes da Universidade de Caxias do Sul (UCS), aprendizes de inglês do Programa de Línguas Estrangeiras (PLE) da universidade. Tais informantes, pertencentes a grupos de inglês de nível básico 2 (2º semestre) e pré-intermediário 22 (5º semestre), foram convidados (entre outros aprendizes dos mesmos níveis de proficiência) e voluntariaram-se a participar desses encontros, sem ônus. Formaram-se dois grupos de cinco participantes3 (três mulheres e dois homens em cada grupo). As conversas seguiram propostas de temas organizados pela pesquisadora, de modo a elicitar as formas esperadas, com a nasal velar. Todas as conversas foram gravadas com o consentimento dos participantes que, além de assinarem um termo de consentimento, preencheram um questionário sociolinguístico. A fala espontânea4, estilo onde a variação linguística manifesta-se, foi obtida através das conversas entre os aprendizes, a partir dos tópicos propostos. Ao total, foram gravadas 16 horas de fala dos participantes.

2

O material didático utilizado nas aulas desses níveis compreende, entre os conteúdos programáticos, a instrução formal da consoante nasal velar []; em tese, todos os informantes da pesquisa devem ter conhecimento mínimo acerca do fonema. A classificação dos níveis de proficiência segue critérios do Programa de Línguas da UCS. Disponível em: www.ucs.br/ple, último acesso em 17/12/2014. 3 Os alunos foram submetidos ao Oxford Online Placement Test (Teste de Nivelamento Online da Oxford) para verificação precisa de seu nível de proficiência em língua inglesa, conforme referências do Quadro Comum Europeu – Common European Framework (Disponível em https://www.oxfordenglishtesting.com/DefaultMR.aspx?id=3034&menuId=1, acesso em 17/12/2014). Todos eles foram classificados entre os níveis A1-B1, correspondentes à categorização de seu nível no PLE, conforme indicado pelo material didático utilizado (com exceção de um aluno do préintermediário, cuja classificação foi B2). 4 Em razão da pouca proficiência dos informantes do nível Básico 2, a pesquisadora precisou fazer uma pequena intervenção anterior à gravação das conversas, fornecendo exemplos e estruturando possibilidades de sentenças com os aprendizes. Por isso, a variável estilo foi classificada em espontâneo (quando não houve interferência alguma do pesquisador) e semiespontâneo (quando houve mínima intervenção prévia à gravação das conversas). Informantes dos dois grupos produziram fala espontânea; informantes de básico 2 também produziram fala semiespontânea.

Realizou-se análise perceptual (oitiva) e probabilística (estatística) da variação da nasal velar em inglês. A primeira etapa da análise constituiu-se de ouvir, transcrever e codificar todas as ocorrências produzidas em contextos de nasal velar. Cada ocorrência foi ouvida, no mínimo, três vezes, de modo que as nasais pudessem ser classificadas em velar ou palatal. A duração da vogal precedente à nasal foi uma pista acústica importante para a identificação da nasal: vogais breves favorecem a realização da nasal velar e vogais alongadas parecem condicionar a palatal. Foram computadas 502 ocorrências de nasais, reduzidas a 385 com a exclusão de contextos categóricos de produção (quando a realização da nasal velar é desencadeada pela produção da consoante oclusiva seguinte, como em thank [QéNk] ‘agradecer’, por exemplo). O arquivo de dados foi submetido ao programa de análise estatística multivariada Goldvarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005). Este programa apresenta as proporções de aplicação e não aplicação da regra variável, além de valores em peso relativo e níveis de significância referentes aos efeitos dos fatores em relação à aplicação da regra. Foram controladas onze variáveis independentes (seis sociais e cinco linguísticas), apresentadas no quadro seguinte. Nesta análise, considerou-se 0=não aplicação (variante nasal palatal) e 1=aplicação (nasal velar).

Variáveis sociais Estilo (espontâneo ou semiespontâneo) Faixa etária (18-24 ou 25 ou +) Gênero (feminino ou masculino) Profissão (industriário ou não

Variáveis linguísticas Número de sílabas

industriário )

Classe social (A-E) Nível de proficiência

Contexto fonológico precedente (/ç/, /é/, //, //, //) Acento (tônico ou átono) Classe morfológica

(básico ou pré-intermediário)

(substantivos, adjetivos, verbos ou pronomes)

5

(monossílaba, dissílaba, trissílaba ou polissílaba)

Contexto fonológico seguinte (pausa, vogal, consoante velar ou consoante não velar)

Quadro 1. Variáveis independentes controladas no estudo

Em relação às variáveis sociais, tem-se como hipóteses:

5

A categorização binária desta variável deve-se ao fato de que o município de origem dos informantes, Caxias do Sul (região nordeste do Rio Grande do Sul), é um importante polo industrial do estado e do país, empregando boa parte da população.

(1) a aplicação da regra será favorecida pelo estilo semiespontâneo, por conter um grau maior de monitoramento e cuidado na fala; (2) a aplicação da regra será favorecida por aprendizes de nível préintermediário,

por

estarem

em

um

estágio

mais

avançado

de

desenvolvimento da interlíngua e, consequentemente, estarem mais aptos à produção de formas semelhantes ao falar nativo; (3) o condicionamento das demais variáveis extralinguísticas poderá seguir o curso da estratificação social apontada por grande parte das pesquisas nesta área: a aplicação da regra é normalmente favorecida por informantes mais velhos (conservadores das formas padrão), mulheres (líderes no emprego de formas de prestígio), não industriários (pela maior formalidade na fala empregada em ambiente profissional, quando comparados a industriários) e de classe social mais alta, já que a variante de prestígio é a nasal velar entre as comunidades falantes de inglês-L1. No que concerne às variáveis linguísticas, as hipóteses são as de que: (4) os monossílabos favorecerão a aplicação da regra, devido a diferenças estruturais na constituição silábica entre o português e o inglês (a primeira, ao contrário da segunda, não permite codas ocupadas por obstruintes, com exceção de /s/); (5) a consoante velar seguinte à nasal favorecerá a aplicação da regra por assimilação de ponto, facilitando, desse modo, a articulação apropriada da nasal velar; (6) formas não verbais e átonas serão favoráveis à aplicação da regra, em consonância a resultados de estudos de variação da nasal velar em comunidades de falantes nativos; (7) a vogal alta anterior [i], precedente à nasal, será favorecedora à aplicação da regra em razão da frequência do léxico presente no corpus, que concentra grande parte das palavras em verbos de morfema –ing. Em se tratando de índices de aplicação global da regra, acredita-se que a variante palatal será a “preferida” entre os aprendizes, pelo conforto articulatório aos falantes (fonema de seu inventário na L1) e pelo próprio condicionamento contextual desta nasal em PB, favorecida quando antecedida de [], como em “sim” [sçù], por exemplo. Além disso, a variante alternativa à velar (nasal alveolar) é também a

predominante nas realizações de fala casual (espontânea) entre as comunidades de falantes nativos de inglês.

Resultados e discussão

Na rodada multidimensional efetuada, em que se obtêm proporções de aplicação por fator considerado, verificou-se 36,9% de aplicação total da regra (produção da nasal velar) e 63,1% de não aplicação (produção da variante palatal). Esse resultado está em conformidade com a hipótese geral do estudo, que espera a predominância da produção da nasal palatal sobre a velar, pelas razões já apontadas. As rodadas binomiais step up e step down selecionaram os fatores nível de proficiência e classe morfológica como os mais significativos, com peso relativo de 0.352 (desfavorecedor à aplicação da regra) e significância 0.000 (valores sem possibilidade de equívoco estatístico). Na variável nível de proficiência, aprendizes de nível básico são os que mais favorecem o emprego da regra variável, com peso relativo de 0.633; aprendizes de nível pré-intermediário desfavorecem, com peso relativo de 0.355, como se observa na tabela a seguir:

Fatores

Aplicação/total

Básico Pré-intermediário Total Input: 0.352

95/180 47/205 142/385

%

Peso relativo 52,8 0.663 22,9 0.355 36,9 Significância: 0.000

Tabela 1. Variável: nível de proficiência

Na variável classe morfológica, os não verbos (classes de substantivos, adjetivos e pronomes amalgamados por motivos de baixo percentual de distribuição na célula) são altamente favorecedores, com peso relativo de 0.700, enquanto que

formas verbais são desfavorecedores, com peso relativo de 0.438. Tais informações podem ser visualizadas na tabela seguinte:

Fatores Não verbos Verbos Total Input: 0.352

Aplicação/total 51/87 91/298 142/385

%

Peso relativo 58,6 0.700 30,5 0.438 36,9 Significância: 0.000

Tabela 2. Variável: classe morfológica

As variáveis número de sílabas, contexto fonológico precedente e acento foram excluídas da análise por apresentarem nocaute de aplicação da regra. As variáveis estilo, faixa etária, gênero, classe social, profissão e contexto fonológico seguinte mostraram-se com pouca importância estatística para a aplicação da regra variável. Apesar de sua irrelevância, é importante mencionar que algumas das previsões feitas em relação a essas variáveis foram confirmadas na análise binomial:  o estilo semiespontâneo favoreceu, de fato, a produção da nasal velar (57,1% de aplicação);  informantes de maior faixa etária são o grupo condicionador da regra variável (54,5% de aplicação);  a vogal [i] é altamente mais frequente na produção dos aprendizes (476/502 ocorrências);  a consoante velar pós-nasal condicionou 100% das ocorrências, ocasionando nocaute. Frente ao exposto, são retomados os questionamentos de base deste estudo (apresentados na Introdução), acompanhados de algumas considerações: (i) Qual o status da variação na interlíngua? A interlíngua dos aprendizes é sistemática e variável, condicionada por fatores sociais (nível de proficiência) e linguísticos (classe morfológica). A variação em L2, no entanto, parece não apresentar estratificação social como acontece entre falantes de inglês-L1, já que variáveis sociais típicas

dos estudos variacionistas (idade, gênero, classe social, profissão) não foram relevantes o condicionamento social da variação na interlíngua. (ii) Que fatores condicionam a variação na interlíngua? Linguísticos (classe morfológica) e extralinguísticos/sociais (nível de proficiência). O condicionamento por nível de proficiência contraria a hipótese apresentada por grande parte dos trabalhos em interlíngua (ELLIS, 2008; TARONE, 1977, 1987; SELINKER, 1972, 1994), já que aprendizes de menor proficiência produziram formas mais similares aos nativos quando comparados a aprendizes de proficiência intermediária. Entretanto, esse resultado direciona a análise ao estilo de fala empregado por tais aprendizes: enquanto que os de nível básico possuem menor proficiência, há maior monitoramento da fala e consequente maior grau de atenção e controle articulatório da fala; a maior fluência entre os falantes de nível pré-intermediário sugere uma menor preocupação com a acurácia, revelando, por sua vez, o verdadeiro ‘vernáculo’ como exposto por Labov. Em relação à classe morfológica, teorias de cunho lexical (KIPARSKY, 1985, 1993; COETZEE, 2009) podem contribuir para a interpretação dos resultados, bem como uma análise da frequência dos vocábulos empregados pelos informantes, provavelmente mais usuais em suas interações com colegas, professores e materiais didáticos. (iii) O que a variação sistemática na interlíngua revela sobre a aprendizagem de L2? A aprendizagem nem sempre se manifesta como um processo linear e gradiente, em que as formas-alvo são produzidas com maior frequência por falantes de níveis mais avançados de proficiência linguística. Fatores contextuais e próprios da comunidade investigada são divergentes de quaisquer outros grupos cuja fala variável manifesta-se na primeira língua.

Considerações finais

O estudo da realização variável da nasal velar por aprendizes de inglês-L2 levou em consideração aprendizes dos níveis básico e pré-intermediário do PLE/UCS e permitiu verificar a sistematicidade da interlíngua, variável em diferentes etapas de seu desenvolvimento e equiparada, portanto, à estruturação ordenada que rege as demais línguas naturais. A análise de regra variável com o programa GoldVarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH 2005) captou uma proporção de aplicação da regra de 36,9%, resultado que evidencia o caráter variável da aquisição fonológica de um novo sistema e a possível transferência de padrões fonológicos da primeira língua, em diferentes graus e em diferentes momentos do desenvolvimento interlinguístico. O fenômeno é condicionado tanto por fatores extralinguísticos (nível de proficiência) quanto linguísticos (classe morfológica). Na proporção total de aplicação da regra variável, estão incluídas ocorrências de realização da nasal velar desencadeada pela “produção ilegal” da oclusiva [] pelos informantes, por efeito de transferência grafo-fono-fonológica de sua L1, como constatada por estudos anteriores (ALVES & ZIMMER, 2006; ALVES & CABAÑERO, 2008). Este trabalho demonstrou a robustez dos procedimentos de análise de regra variável dirigidos a investigações de aquisição fonológica de L2, campo emergente nos estudos linguísticos da atualidade. Obteve evidências da heterogeneidade ordenada (WENREICH, HERZOG e LABOV 2006 [1968]) em sistemas de interlíngua e comprovou a presença da variação em diferentes etapas de aquisição de uma nova gramática em aprendizagem. Possibilidades futuras incluem a realização de uma verificação acústica dos dados, para fins de corroboração perceptual das nasais, assim como uma formalização dos resultados finais via teoria fonológica. Ainda, uma rodada adicional no programa, somente com dados dos informantes de nível pré-intermediário, podem fornecer maiores insumos em relação à aquisição variável de L2, já que conta com um corpus estritamente espontâneo, o verdadeiro ‘vernáculo’ tal qual proposto por Labov (2008 [1972]). Nesse caso, a fala em L2 pode ser paralelamente comparada à fala da L1, em termos de casualidade, formalidade e não monitoramento. Ainda que haja tais limitações (ou insights), acredita-se na pertinência deste estudo no que diz respeito a uma reflexão sobre a aquisição variável da fonologia de gramáticas de interlíngua e os fatores sobre ela incidentes.

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