Andrew Kliman - Harvey versus Marx sobre as Crises do Capitalismo Parte 3: Uma Tréplica

July 21, 2017 | Autor: Marcelo Silva | Categoria: Marxism, Political Economics, Marxismo, Economia Política, Falling Rates of Profit
Share Embed


Descrição do Produto

1

Harvey versus Marx sobre as Crises do Capitalismo Parte 3: Uma Tréplica Harvey Versus Marx On Capitalism’s Crises Part 3: A Rejoinder Andrew Kliman

Publicado em 13 de maio de 2015 no New Left Project [http://www.newleftproject.org]. Direitos de reprodução: licenciado sob uma licença Creative Commons. Tradução do inglês: Marcelo José de Souza e Silva* A lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx representa com precisão uma característica real do capitalismo e ajuda a explicar a Grande Recessão de 2007-2009? O debate entre dois grandes marxistas contemporâneos continua.

Quero começar agradecendo David Harvey por dispor seu tempo respondendo minha contra-crítica de seus criticismos (Harvey, 2014) da lei da queda tendencial da taxa de lucro (LQTTJ) de Marx, a teoria da crise econômica capitalista baseada nesta lei e a relevância da lei e teoria para um entendimento da Grande Recessão. A resposta dele aborda pouco do que escrevi; em particular, não aborda a evidência textual ou econômica que coloquei. Também interpreta erroneamente o que o texto aborda – minha analogia sobre o procedimento explicativo de Marx – ao retratá-lo como uma metáfora para a “natureza do capital”. Mas, pelo menos, sua resposta é um começo, uma abertura para uma discussão que pode ainda se prover frutífera. Para preparar o palco para o que segue, vou recapitular brevemente a acusação original de Harvey que a LQTTJ de Marx é mono-causal e minha analogia, que responde àquela acusação. Vou então esclarecer porque a analogia não é uma metáfora para a “natureza do capital”. As seções restantes dessa tréplica levam em conta a nova versão de Harvey da acusação de mono-causalidade, sua caracterização de falácia do espantalho da LQTTJ, sua injunção a priori implícita contra considerar a possibilidade de que a lei possa estar correta, e a necessidade dessa discussão, se ela for ser frutífera, em retornar a uma consideração da evidência. Acusação de mono-causalidade de Harvey (primeira versão) Harvey acusou que a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx e a teoria da crise capitalista baseada na lei, são mono-causais1. Essa acusação é baseada na controvérsia de Harvey de que a lei depende crucialmente de um número de “suposições Como observado na Parte 1 dessa contra-crítica, a lei de Marx diz que a taxa de lucro tende a cair por causa do progresso tecnológico poupador de trabalho sob o capitalismo. Ao diminuir os custos de produção, as inovações tecnológicas tendem a impedir o aumento dos preços dos produtos, e isso torna difícil aumentar o lucro das companhias tão rapidamente quanto a quantidade de capital que eles investiram para produzir seus produtos. 1

* Possui graduação em farmácia e é mestre em educação pela UFPR. Contato: [email protected]

2

draconianas” feitas por Marx. Por virtude dessas alegadas suposições, a LQTTJ supostamente exclui todas as causas potenciais da queda de lucratividade que não seja a mudança de tecnologia poupadora de trabalho, e todos os fatores que mantêm a taxa de lucro de cair por compensar o efeito da mudança tecnológica. Mesmo assim, é inegável que a Parte 3 do terceiro volume de O Capital, intitulada Lei: Tendência a Cair da Taxa de Lucro, discute diversos fatores contrários assim como causas adicionais da crise como o sistema financeiro. Harvey não discorda disso. Sua acusação de que a lei é mono-causal se baseia, na verdade, sobre a estrutura do procedimento explicativo de Marx, i.e. a ordem na qual os vários fatores causais aparecem no relato de Marx. Marx primeiro apresentou “a lei como tal” (das Gesetz als solches); somente depois ele incorporou fatores contrários, e então causas adicionais da crise, em sua explicação da LQTTJ. Essa forma de estruturar uma explicação é irrepreensível e bastante comum. Ainda assim, Harvey fez ela parecer ser uma explicação mono-causal ao reduzir a LQTTJ a “lei enquanto tal”. Os fatores contrários e causas adicionais da crise não são parte da “lei enquanto tal”; portanto (para Harvey, a LQTTJ pressupõe que eles não existem e não é uma lei válida se eles não existem. E, portanto (para Harvey), o fato de que Marx reconheceu a existência de fatores contrários e causas adicionais e os incorporou em sua explicação não o absolve da acusação de mono-causalidade. Só significa que Marx estava exibindo sua “vacilação e ambivalência” sobre a validade da LQTTJ e que ele não estava mais discutindo ela, mas estava, na verdade, discutindo “o que acontece quando os pressupostos feitos ao derivar a lei são descartados”. Em resposta, eu explique o que está errado com essa forma de interpretar o procedimento explicativo de Marx. Eu observei que “O texto não precisa ser lido dessa forma. E desde que não precisa, não deveria; uma leitura maldizente não é uma boa prática interpretativa”. Eu então forneci o que chamei de uma “analogia do procedimento de Marx”: Não é preciso uma discussão metodológica sofisticada para entender o que está errado com a acusação de mono-causalidade. A questão é simples. Se eu apelo para a lei universal da gravitação a fim de explicar porque maças têm uma tendência de cair das árvores, sem mencionar outros fatores que podem fazer elas caírem, como o sopro do vento, ou fatores contraditórios, como a resistência do ar, eu não estou assumindo que essas outras coisas não existem. Muito menos eu estou construindo um modo mono-causal que exclui eles e que é, portanto, severamente restrito em aplicabilidade. Eu não o estou fazendo mesmo se eu explico que a lei da gravitação segue da segunda lei de movimento de Newton e evito introduzir outros fatores na equação quando mostro como ela segue. Se eu vou então falar sobre a resistência do ar e o sopro do vento, eu não estou exibindo minha ambivalência, vacilando ou admitindo que a lei universal da gravitação opera somente no vácuo, mas falha em operar no mundo real (grifos no original).

3

Uma metáfora para “natureza do capital”? A contribuição inicial de Harvey (2014) para essa discussão critica vigorosamente a LQTTJ de Marx, seu lugar dentro da teoria de Marx da crise econômica capitalista e sua relevância para a Grande Recessão e a prolongada consequência da recessão. Minha contra-crítica abordou cada um de seus muitos criticismos. A resposta de Harvey a mim é dedicada exclusivamente para a discussão de duas sentenças de minha contra-crítica – as terceira e quarta sentenças na passagem citada acima – e ela seriamente ignora aquelas duas sentenças. De acordo com Harvey, as sentenças são uma metáfora que Andrew Kliman usou para “explicar porque sua visão da queda da taxa de lucro não é monocausal” e especialmente para “conceptualizar e enquadrar [seu] entendimento da natureza do capital”. “A grande diferença entre Andrew e eu, eu diria, reside no enquadramento metafórico que cada um de nós têm da natureza do capital”. Deveria ser claro a partir da seção precedente que existem três erros cruciais aqui. Primeiro, minha analogia não é sobre uma questão geral, abrangente como a “natureza do capital”; é sobre um fenômeno específico, nomeadamente, a tendência da taxa de lucro em cair. Segundo, a analogia não é sobre minha visão da queda da taxa de lucro ou meu entendimento da “natureza do capital”; é sobre o procedimento explicativo de Marx e a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx2. Terceiro, a analogia não é sobre a “natureza do capital”; é sobre o procedimento explicativo de Marx. Em outras palavras, não ontológica (sobre o ser), mas epistemológica (sobre saber). Eu não ofereci metáfora, naquela passagem ou qualquer outro lugar, para conceptualizar ou enquadrar meu entendimento da “natureza do capital”, e eu não tenho tal metáfora para oferecer. Eu não preciso de uma metáfora para conceptualizar meu entendimento do capital, mesmo porque “capital” já é uma conceptualização dos fatos, não um próprio fato bruto. Eu não vejo como trocar a conceptualização original (“valor em processo” (Marx, 2013, p. 231)) com uma metafórica poderia ajudar minha pesquisa teórica ou empírica. Eu tenho suspeitas sobre a frase “natureza do capital”. Eu me preocupo mais sobre como e porque o capitalismo funciona e não funciona do que eu me preocupo com sua “natureza”. E eu particularmente tenho suspeitas sobre a frase “natureza do capital” quando é usada como Harvey usou para me imputar a crença de que existe algum sentido não-trivial no qual o capital e o capitalismo são como o mundo natural, ou algum sentido não-trivial no qual a tendência da taxa de lucro em cair é como a força gravitacional. Não é isso que acredito. As discordâncias fundamentais de Harvey são com Marx. Sua contribuição inicial (Harvey, 2014) criticava Marx frequentemente e longamente, enquanto eu fui mencionado uma vez. Em contraste, a resposta de Harvey quase faz Marx desaparecer – ele é mencionado somente algumas vezes, basicamente em conexão com suas metáforas, mas nem uma vez em relação à LQTTJ e a teoria da crise baseada nela – e isso retrata a disputa entre Harvey e Marx como uma disputa entre Harvey e Kliman. O que leva a essa mudança repentina? E o que leva ao fato de que Harvey abruptamente mudou de discutir a evidência para discutir metáforas? Poderia ser que uma coisa é conceder que o suposto “enquadramento metafórico” de Kliman pode estar correto, mas outra bem diferente conceder que lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx pode estar correta e relevante para o entendimento de porque a Grande Recessão eclodiu? 2

4

Contrário ao que os parágrafos quarto e quinto da resposta de Harvey a mim sugerem, minha política revolucionária marxista-humanista não é deduzida de uma metáfora (“Daí a conclusão de Kliman”); está baseada em evidência e teoria. Estou disposto e posso defender minha política, mas somente depois de ler algum argumento que questione a evidência e teoria na qual é baseada – um argumento honesto-a-bom, não uma comparação de metáforas. A preferência pessoal de alguém para uma metáfora ao invés de outra e a experiência subjetiva (“como eu vejo e experiencio o capital”) subjacente àquela preferência não pode ser debatida; ele prefere o que ele prefere e experiência o que ele experiência, e isso é isso. Se a política associada com a metáfora e a experiência subjetiva é justificada, à luz dos fatos reais, é outra questão. Quando me for fornecido um argumento que objetiva prover tal justificativa, eu discutirei ele felizmente. Eu observei acima que minha analogia maçãs-caindo-das-árvores não é sobre a “natureza do capital”, mas sobre o procedimento explicativo de Marx. Essa parece ser uma divisão bem elegante. O tipo de explicação que alguém fornece não depende fortemente da “natureza” específica dos fenômenos que está explicando? Assim, minha analogia não implica que eu estou – queira ou não – igualando a LQTTJ e a força gravitacional? Não, realmente não. Não existe conexão necessária entre a “natureza” de um fenômeno e como se explica o fenômeno. Afinal, é possível fornecer uma análise sóbria da embriaguez3. Minha analogia maçãs-caindo-das-árvores não compara o capitalismo à realidade física. Ela ilustra como uma explicação multi-causal que apela para um princípio geral ou “lei de uma tendência” funciona, qualquer que possa ser a questão. Se eu apelo para 







a lei da gravitação a fim de explicar porque maçãs têm uma tendência em cair de árvores, sem mencionar outros fatores que podem fazer elas caírem, como o sopro do vento, ou fatores contrários, como resistência do ar; ou o princípio de que estudar aprimora o conhecimento a fim de explicar porque estudantes que estudam bastante têm uma tendência em tirar boas notas, sem mencionar outros fatores que melhoram as notas, como dormir com o professor, ou fatores contrários, como estupidez; ou a teoria da seleção natural a fim de explicar porque as girafas têm uma tendência de ter pescoço comprido, sem mencionar outros fatores que podem produzir girafas de pescoço comprido, como um desastre que pode ter matado as girafas de pescoço pequeno, ou fatores contrários, como mutações que produzem prole com pescoço relativamente pequeno; ou o princípio de que afro-americanos encaram discriminação no mercado de trabalho a fim de explicar porque eles têm uma tendência em sofrer de desproporcionalmente frequente desemprego, sem mencionar outros

Aparentemente, a frase “análise sóbria da embriaguez” foi cunhada por Tadeusz Boy-Żeleński, que a usou para caracterizar o artigo de Michel de Montaigne Da Embriaguez. 3

5



fatores que podem aumentar a frequência de desemprego, como incompatibilidade geográficas entre os que procuram emprego e as vagas de emprego, ou fatores contrários, como política de ação afirmativa; ou a lei da queda tendencial da taxa de lucro a fim de explicar porque a taxa de lucro tem uma tendência em cair, sem mencionar outros fatores que podem fazer ele cair, como um aumento nos salários, ou fatores contrários, como o barateamento dos meios de produção; ...

Eu não estou assumindo que os fatores causais adicionais e fatores contrários não existem. Muito menos estou construindo um modelo mono-causal que os exclui e que é, portanto, severamente restrito em aplicabilidade. Se então eu continuo falando sobre fatores causais adicionais e os fatores contrários, eu não estou exibindo minha ambivalência, vacilando ou admitindo que os princípios explicativos gerais que eu recorri falharam para operar no mundo real. Considere os primeiros quatro pontos marcados. Eles são metáforas que eu empreguei para enquadrar meu entendimento da “natureza” do capital? Eu penso que existe algo não-trivial que maçãs caindo, boas notas, girafas de pescoço comprido, desemprego desproporcionalmente frequente e lucratividade em queda, todos têm em comum? Eu penso que existe algo não-trivial que a lei universal da gravitação, a relação estudo-conhecimento, seleção natural, descriminação no mercado de trabalho e a LQTTJ, todos têm em comum? Dificilmente. Cada um dos fenômenos têm uma “natureza” muito diferente uns dos outros; cada princípio explicativo geral é bastante diferente uns dos outros. Apesar disso, as cinco explicações têm a mesma estrutura básica, e dentre as coisas importantes, eles têm em comum o fato de que nenhum deles é monocausal. Acusação de mono-causalidade de Harvey (nova versão) Ainda assim, Harvey continua a “tergiversar” sobre essa conclusão: Poderíamos tergiversar sobre a semântica do que mono-causalidade significa aqui. Se não existisse lei universal da gravidade, quantidade alguma de sopro do vento levaria a maçã ao chão e a quantidade de resistência do ar seria irrelevante. Essas condicionalidades (ou forças contrárias) são relevantes somente em relação à lei universal.

O significado normal de mono-causal é “ter uma única causa”, e o que Harvey (2014) alegou era realmente que “muito economistas marxistas gostam de afirmar” uma “teoria causal única da formação da crise” (grifo meu). Nessa analogia, entretanto, as causas do movimento da maçã incluem não somente gravitação, mas também o sopro do vento e resistência do ar. Existem três fatores causais aqui, não um. A analogia, portanto, não pode ser lida propriamente como exemplificando a acusação de Harvey de que a LQTTJ de Marx e a teoria da crise baseada nela tem “causa única”.

6

Ele está agora usando o termo mono-causal de maneira nova. A nova definição implícita dele de explicação mono-causal é “uma explicação na qual existe uma causa para a qual nenhuma das outras causas está totalmente não relacionada”. Como observei na Parte 2 da minha contra-crítica, eu suspeito que a conversa da multi-causalidade está mascarando o desejo de Harvey por uma teoria da crise apousa-causal [“uma na qual a LQTTJ não desempenha qualquer papel (apousa é “ausente” em grego)”]. Ele claramente não está feliz com a teoria específica multicausal da crise que surge, quando tudo que é dito e feito desde o volume 3 de O Capital – uma teoria na qual a LQTTJ permanece intacta e outros determinantes como o sistema financeiro estão vinculados a ela e mediados da forma na qual aparece (grifos no original).

Eu não tenho objeção à redefinição de Harvey de mono-causal, conquanto ele deixe claro que ele não está usando o termo da forma normal. Mas se ele está desacreditando explicações dos fenômenos sociais e econômicos que são mono-causais no sentido novo que ele criou, ele está desacreditando seres humanos, não atividade humana, e não fenômenos sociais ou econômicos. Todos esses fenômenos “são relevantes somente em relação ao” carbono; eles podem ocorrer somente porque o carbono está presente na Terra. Contestando minha afirmação de que ele está em campanha por uma teoria da crise apousa-causal na qual a LQTTJ não desempenha papel algum, Harvey escreve, “o todo orgânico constituído pelo capital poderia ser derrubado pelo mecanismo apontando em direção aos lucros em queda que Andrew favorece e eu certamente não excluo essa possibilidade, apesar do que ele diz”. Mas, eu nunca disse que ele nega que possa existir algum caso excepcional no qual a mudança tecnológica poupadora de trabalho é a causa da lucratividade em queda e a queda na lucratividade é uma causa da crise. Eu disse e digo novamente que ele está tentando excluir da consideração a possibilidade de que a lei da queda tendencial da taxa de lucro de Marx é uma lei genuína – isto é, um princípio geral que explica com sucesso porque a taxa de lucro tem uma tendência a cair. Ele está também tentando excluir de consideração a possibilidade de que a teoria da crise econômica capitalista enraizada na lei pode explicar com sucesso “o que está acontecendo conosco no aqui e agora” ao invés de o que irá acontecer no futuro distante quando “o sol ... eventualmente ficar sem gás”4. As palavras de conclusão da réplica dele rejeitam essas possibilidades explicitamente: “minha metáfora orgânica para entender a natureza do capital funciona muito melhor para o entendimento do que está acontecendo conosco no aqui e agora” (grifos adicionados). Harvey parece ter emprestado esse sofisma de Rosa Luxemburgo, que escreveu, “ainda vai passar algum tempo antes do capitalismo desmoronar por causa da taxa de lucro em queda, mais ou menos até o sol apagar”. Não parece existir evidência de que Marx considerou que o capitalismo deve, ou vai, desmoronar por causa da taxa de lucro em queda. Pelo contrário, ele argumentou que “devem estar em jogo fatores adversos que estorvam e anulam o efeito da lei geral [queda tendencial da taxa de lucro” (Marx, 2008a, p. 307), de que a LQTTJ “tem de ser constantemente superada por meio de crises” (Marx, 2008a, p. 338) e que “crises permanentes não existem” (Marx, 1989, p. 128, nota em estrela). 4

7

Uma LQTTJ da falácia do espantalho Embora a afirmação de Harvey que minha analogia maçãs-caindo-das-árvores é uma metáfora para a “natureza do capital” equivoca o que escrevi, tem o mérito de não ser uma mentira. O mesmo não pode ser dito da afirmação dele de que eu enquadro a natureza do capital em termos das certezas mecânicas daquele mundo newtoniano no qual se dava corda no relógio no início através de extrações de absoluto mais-valor só para gradualmente perder a corda sob o ímpeto competitivo para criar maisvalor relativo. Como a taxa de capital para trabalho empregado muda inelutavelmente em favor do primeiro, assim a taxa de lucro tende para baixo. Para mim, esse modelo mecânico parece muito determinístico, muito unidirecional e muito teleológico para caber em como eu vejo e experiencio o capital evoluindo como um todo orgânico.

Observe que esta afirmação, assim como a afirmação anterior dele de que “Andrew Kliman tem sido muito estridente em sua afirmação de que a crise nada tem a ver com a financeirização”, não está acompanhada de qualquer evidência ou citação de suporte. E é igualmente falsa. Minha posição sobre essa questão, que deixei perfeitamente claro, é o oposto da posição atribuída a mim: A destruição do valor do capital através das crises é um fenômeno recorrente. A restauração da lucratividade que essa destruição traz é, portanto, também um fenômeno recorrente. Por causa disso, a taxa de lucro não possui uma tendência secular determinada ao longo de toda a história do capitalismo, e esforços em deduzir ou predizer tal tendência são fúteis (Kliman, 2012, p. 25).

O seguinte é um exemplo muito melhor do uso de metáforas mecânicas retiradas da física newtoniana para enquadrar uma perspectiva determinística: Da mesma forma que as leis dos fluidos dinâmicos são invariantes em todo rio do mundo, também são as leis da circulação do capital consistentes de um supermercado para outro, de um mercado de trabalho para outro, de um sistema de produção de mercadoria para outro, de um país para outro e de uma família para outra.

Entretanto, eu não posso levar o crédito por essa metáfora determinística 5. Ela aparece na página 343 de A Condição Pós-Moderna (Harvey, 1990). Harvey parece bastante relutante em abandonar suas versões de falácia do espantalho da LQTTJ e a teoria da crise baseada nela. Além de atribuir a mim uma É verdade que as equações Navier-Stokes sobre as quais a mecânica de fluidos moderna é baseada sugere que o fluir do fluido pode ser “caótico”. Entretanto, caótico possui um significado técnico aqui que difere do significado do dia a dia. O comportamento de variáveis em um sistema dinâmico caótico, embora imprevisível na prática, é completamente determinístico. 5

8

concepção mecânica na qual uma única força motriz força inelutavelmente para baixo a taxa de lucro, ele reverte de volta abruptamente para sua acusação de que a LQTTJ e a teoria da crise associada são mono-causais no sentido “causa única” padrão. “Focar primariamente sobre [o mecanismo apontando em direção a lucros em queda] é como dizer que devemos focar somente em ataques do coração como causas de morte humana” (grifos meus). Não, não é desse jeito; primariamente não significa somente. De qualquer forma, eu não foco primariamente na queda da taxa de lucro como uma causa da crise (preciso repetir as doze causas da crise financeiro de 2007-8 que eu discuti no meu livro sobre a Grande Recessão e listei na Parte 1 da minha contra-crítica?); muito menos eu digo para os outros o que eles deveriam fazer. Quer uma causa potencial particular tenha sido realmente a primeira, ou a secundária, ou inoperante é algo que não pode ser conhecido antecipadamente. É por isso que devemos considerar a evidência empírica (que é o que Harvey e eu estávamos fazendo antes de ele desviar a discussão sobre sua metáfora versus minha (não existente) metáfora). Como observei em meu livro, Antes de analisar os dados, eu não possuía crença anterior de que as verdadeiras taxas de lucro tinham falhado em se recuperar desde o começo da década de 1980... Se eu posso agora dizer que um declínio persistente na lucratividade das corporações dos EUA é uma causa subjacente significante da Grande Recessão, e que a explicação de Marx de porque a taxa de lucro tende a cair, englobam os fatos consideravelmente bem, é porque eu triturei e analisei os números. Eu não poderia ter dito tais coisas alguns anos atrás (Kliman, 2012, pp. 89).

Não bloqueie o caminho da investigação A metáfora de Harvey sobre ataque do coração é problemática porque colide com a “primeira regra da razão” colocada por Charles Sanders Peirce: “Não bloquei o caminho da investigação”. Ele argumentou que não existe pecado positivo contra a lógica em tentar qualquer teoria que possa vir em nossas cabeças, contanto que seja adotada em um sentido que permita a investigação andar desimpedida e encorajada. Por outro lado, criar uma filosofia que bloqueia o caminho do posterior avanço em direção à verdade é a ofensa imperdoável no raciocínio (grifos no original).

A metáfora ataque-do-coração é uma injunção a priori explícita contra considerar até mesmo a possibilidade de que a tendência da taxa de lucro em cair como um resultado da mudança tecnológica poupadora de trabalho é a causa primária da crise. É um a priori porque essa possibilidade está excluída antecipadamente, antes de considerar a evidência e sem levar em conta a evidência, meramente porque “a metáfora que mais me impressiona”, a que melhor “encaixa como eu vejo e experiencio o capital”,

9

é aquela de um alegadamente “todo orgânico” que é, contudo, criado de “fatores desconectados operando independentemente uns dos outros”6. Metáforas são uma parte importante do processo de investigação – quando elas revelam possibilidades adicionais que podem não ter sido reconhecidas antes. Mas, quando elas são usadas para excluir possibilidades antecipadamente, elas bloqueiam o caminho da investigação, impedem e desencorajam a investigação, e “bloqueiam o caminho para posterior avanço em direção a verdade”. A metáfora de Harvey sobre os ataques do coração é “esperta e sedutora”, parcialmente porque nós já temos evidência suficiente para rejeitar – a posteriori – a possibilidade de que ataques do coração são a única causa de morte humana, e parcialmente por causa da substituição ilícita que ele faz entre primariamente e somente. Deixe-nos, portanto, restabelecer o termo primariamente e considerar outros casos. Deveria alguém ter ordenado outros a excluir, antecipadamente às evidências, a possibilidade de que fumar é a causa primária de câncer de pulmão, ou de que queimar combustíveis fósseis tem sido a causa primária da mudança climática, ou que problemas financeiros são a causa primária do fracasso dos estudantes universitários dos EUA em se graduar? Se a resposta é “não”, então porque ordená-los a excluir, antecipadamente às evidências, a hipótese de que as crises do capitalismo podem, realmente, ter uma causa primária? Eu entendo que algumas pessoas são indiferentes o bastante para não se importar se uma causa foi a primária ou não; e alguns podem ser tão indiferentes que não se importam com as causas dos eventos e fenômenos que experienciam. Eu não tenho desejo de alterar as preferências deles. Mas eu realmente peço que eles não deixem suas preferências bloquearem o caminho das investigações que outros de nós desejam se envolver. De volta à evidência? Deixe-me enfatizar novamente, entretanto, que eu não estou sugerindo que as crises do capitalismo possuem uma causa primária, ou até mesmo a crise “aqui e agora” – a Grande Recessão e suas consequências – possui uma causa primária. O que eu argumento é muito menos audacioso: que a queda de longo prazo na taxa de lucro das corporações dos EUA possui “uma causa subjacente significante da Grande Recessão, e que a explicação de Marx de porque a taxa de lucro tende a cair se encaixa nos fatos notavelmente bem” nesse caso em particular. Nem é a questão aqui se é apropriado excluir essas hipóteses antecipadamente à evidência. Eu já apresentei minha evidência. Eu mostrei que minhas análises e interpretações da evidência antecipada e tratada com As únicas entidades orgânicas que se encaixam nessa descrição são os famosos gavagai, as “partes não destacadas de coelhos” que o “nativo” imaginário de W. V. O. Quine (1960, p. 52) percebe quando o resto de nós percebe coelhos inteiros. A frase “fatores desconectados operando independentemente” aparece em Harvey (2014) assim como em sua resposta recente. Ele está citando Marx (1971, p. 120); mas Marx usou a frase para caracterizar crises econômicas como uma fusão violenta de fatores operando independentemente e desconectados, enquanto Harvey usa para sugerir que as causas das crises estão desconectadas de, e operando independentemente de, uma da outra. 6

10

as diversas objeções de Harvey à evidência da taxa-de-lucro-em-queda que outros apresentaram anteriormente. E eu mostrei que ele não forneceu uma contra-evidência legítima: o crescimento estático da força de trabalho dele não é evidência de que a taxa de lucro cresceu ou que a LQTTJ tem estado inoperante. Assim, a questão aqui é se é apropriado ignorar a evidência (legítima), e descartar minhas inferências a partir da evidência como algo irrelevante para “o que está acontecendo conosco no aqui e agora”, simplesmente porque meu (alegado, mas não existente) “enquadramento metafórico” não é Metaforicamente Correto. Para que eu não seja acusado de deturpar aqui Harvey, para que não seja dito que ele simplesmente comparou e contrastou diferentes enquadramentos metafóricos, porque fazendo isso é “útil para os leitores”, eu reitero que ele (1) concluiu sua resposta a mim declarando categoricamente que sua “metáfora orgânica para entender a natureza do capital funciona muito melhor para o entendimento do que está acontecendo conosco no aqui e agora”, e (2) chega nessa conclusão sem considerar a evidência empírica. Ele não questiona minha evidência nem apresenta qualquer contra-evidência empírica legítima. Ele, em vez disso, apela para o que o “impressiona” e “como eu vejo e experiencio o capital” para decidir o que “funciona muito melhor”. Essa forma de decidir as questões é certamente superior à consideração cuidadosa de forte evidência se o objetivo é confirmar o que já se acredita, ou para dar uma justificação ex post para conclusões que são, na verdade, baseadas em oportunismo político. Mas é indescritivelmente inferior se o objetivo é entender o que está realmente “acontecendo conosco no aqui e agora”. Como as pessoas “veem e experienciam” o que está acontecendo é frequentemente diferente do que está realmente acontecendo e, até mesmo mais frequentemente, inadequado como método de compreender o que está acontecendo7. Raciocínio e consideração cuidadosos de forte evidência são necessários antes da acurácia e adequação do que é “visto e experienciando” possa ser confirmado ou descartado. Quando a experiência subjetiva é fortemente influenciada por mal-entendidos, é um guia especialmente falho para entender o que está acontecendo. Harvey (2014) sustenta que o crescimento do emprego é, em e de si mesmo, importante evidência de que a taxa de lucro tem crescido e que a LQTTJ não tem estado operante. Ele argumenta que a lei de Marx seria verdadeira somente se os preços das mercadorias igualassem seus valores. Ele questiona a legitimidade da evidência contemporânea da taxa-de-lucro-emqueda, aparentemente ignorando que suas muitas objeções já foram antecipadas e tratadas. Não é surpreendente que a teoria da crise capitalista de Marx será experienciada como inaplicável para o “aqui e agora” quando a experiência subjetiva está colorida por tais mal-entendidos. Acho que é terrivelmente importante, politicamente e eticamente, combater e tentar extirpar o dogmatismo. Um tipo de dogmatismo é a insistência teimosa de que seu oponente está errado. Harvey certamente não é culpado disso. Ele escreve, “Existe, entretanto, a possibilidade de que ambos Andrew e eu estejamos certos em nossos enquadramentos metafóricos”. Embora essa afirmação erroneamente atribua a mim “Toda ciência seria supérflua se houvesse coincidência imediata entre a aparência e a essência das coisas” (Marx, 2008b, p. 1080); mas elas não coincidem, então a “ciência” é necessária. 7

11

uma metáfora que eu não apresentei e eu não endosso, pelo menos é admiravelmente não-dogmática. Ainda assim, existe um segundo tipo de dogmatismo também: recusa teimosa em modificar suas crenças à luz de forte evidência e considerações lógicas. “Você tem sua opinião e eu tenho a minha” e “Você não veio de onde eu vim” podem parecer ser a quintessência da mente aberta e respeito mútuo, mas se essas coisas são ditas a fim de descartar evidência e lógica, elas não são nada mais que uma recusa dogmática para entreter a possibilidade de que se possa estar errado 8. Eu não estou sugerindo que Harvey é culpado do segundo tipo de dogmatismo. Ele não recusou reconsiderar o que ele pensa à luz da evidência empírica. Ele simplesmente ainda não se comprometeu com a evidência. Ele ainda tem a oportunidade de fazê-lo, e eu espero que ele vai se beneficiar disso. Fazendo isso pode não ser “útil para os leitores”, mas nós intelectuais também temos outras responsabilidades. Uma delas é separar o trigo do joio9: aqui que é empiricamente correto e logicamente plausível daquilo que não é. Essa responsabilidade é crucial, porque muitos, se não a maioria dos leitores, não possuem o conhecimento e o tempo necessário para adquirir conhecimento suficiente para avaliar apropriadamente a evidência e os argumentos por si mesmos. Eles precisam de alguma ajuda. É nossa responsabilidade de ajuda-los. A falta de tempo e conhecimento dos leitores é uma razão principal que alguns deles podem achar que comparação de metáforas como sendo mais “útil” do que evidência e argumentos que eles não estão preparados para avaliar apropriadamente. Alguns deles podem ser encorajados pela sugestão “útil” de que eles podem decidir o “funciona muito melhor” ao apelar para algo que eles conhecem – nomeadamente, quais metáforas eles gostam e quais não gostam. Mas, essa sugestão é politicamente insensata. Se queremos mudar o mundo, não somente trocar um conjunto de personificações do capital que por acaso estão no controle do mundo por diferentes personificações do capital, nós podemos fazer efetivamente somente se temos conhecimento real –conhecimento baseado em argumento e evidência – de como o mundo realmente funciona e não funciona. A sugestão “útil” é também antiética. Como W. K. Clifford argumentou convincentemente em A Ética da Crença, “é errado sempre, todo lugar e para qualquer um, acreditar em qualquer coisa sobre evidência insuficiente”. Uma pessoa que não dispõe de tempo precisa ser um competente juiz das questões caso “não tenha tempo em acreditar”. Referências Harvey, David. 1990. The Condition of Postmodernity: An Enquiry into the Origins of Cultural Change. Cambridge, MA and Oxford: Blackwell Publishers. Eu tenho total consciência de incomensurabilidade, a teoria carregada de observação, e coisas desse tipo. Nenhum desses problemas são relevantes para o que estou discutindo nessa etapa. Eles são sobre casos nos quais a evidência e razão são insuficientes para resolver disputas, não casos nos quais eles são suficientes, mas um dos lados da disputa dogmaticamente recusa a aceitar suas consequências. 9 Eu me apresso a clarear que essa não é uma metáfora que compara a “natureza do capital” à produção agrícola. 8

12

_______. 2014. ‘Crisis Theory and the Falling Rate of Profit’. Kliman, Andrew. 2012. The Failure of Capitalist Production: Underlying Causes of the Great Recession. London: Pluto Books. Marx, Karl. 1971. Theories of Surplus-Value, Part III. Moscow: Progress Publishers. _______. 1989. Economic Manuscrit of 1861-63. In: Karl Marx, Frederick Engels: Collected Works, Vol. 32. New York: International Publishers. _______. 2008a. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro III: O Processo Global de Produção Capitalista, volume IV. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. _______. 2008b. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro III: O Processo Global de Produção Capitalista, volume VI. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. _______. 2013. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I: O Processo de Produção do Capital. São Paulo: Boitempo. Quine, W. V. O. 1960. Word and Object, Cambridge, MA and London: MIT Press.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.