“ANESTÉTICA” E PRECARIEDADE DAS CAMPANHAS ANTITABÁGICAS

May 31, 2017 | Autor: Victor Aquino | Categoria: Publicidade, Estética, Tabagismo
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PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012

“ANESTÉTICA” E PRECARIEDADE DAS CAMPANHAS ANTITABÁGICAS 1

Victor Aquino 2 Maura Martins 3 Rosalba Fachinetti 4

RESUMO: “Anestética” quer dizer estética inútil, precária, deficiente ou ineficiente Quer dizer também conteúdo de expressão humana, artística ou não, assinalado por ausência de estética, ou opção por estética sem impacto no espectador. O presente trabalho discorre sobre a precariedade das campanhas públicas de combate ao tabagismo, no que concerne à ausência de criatividade, à falta de profissionalismo, à tibieza criativa e à ineficiência dessas campanhas como instrumento para abandono do hábito de fumar, além de exposição do espectador ao mau-gosto dos conteúdos veiculados.

PALAVRAS-CHAVE: Estética, Anestética, Publicidade, Arte Publicitária, Lei Antifumo.

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Desde a promulgação da “Lei Antifumo” no Estado de São Paulo, o CEDE (Coletivo Estudos de Estética), grupo de pesquisa organizado junto à disciplina "Aventura Estética da Publicidade", do programa de pós-graduação em ciências da comunicação da Universidade de São Paulo, abriga a realização de complexa pesquisa sobre campanhas publicitárias de cigarro, no cotejo com o respectivo consumo na cidade de São Paulo.

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Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Estética, do 2º Encontro de GTs do COMUNICON, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012. 2 Doutor em ciências. Professor titular de estética em publicidade, ex-diretor da ECA-USP. – www.victoraquino.com 3 Doutoranda no programa em Ciências da Comunicação, ECA-USP. Coordenadora do curso de jornalismo, UNIBRASIL, Curitiba PR – E-mail: [email protected] 4 Doutoranda no programa em Ciências da Comunicação, ECA-USP. Diretora da Angellara Editora. – E-mail: [email protected]

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O grupo de pesquisadores, integrado por Emerson Cesar do Nascimento, Martine Renault, Grace A. Katz, Lilian Vasquez, Rosalba Fachinetti, Maura Martins, Guilherme Weffort Rodolfo, desenvolve atividades sob a coordenação do professor doutor Pelópidas Cypriano de Oliveira, do Instituto de Artes da UNESP. Essa pesquisa consta, entre outros, de um sistema de monitoramento de três diferentes contextos relacionados ao consumo de cigarros e materiais congêneres. O relato de pesquisa que pretende demonstrar até que ponto a propaganda de cigarro, antes e depois da “Lei Antifumo”, tem relação com o efetivo consumo de tabaco. Por efetivo consumo deve ser entendido o hábito de fumar que, independente de qualquer ação da propaganda, seja desencadeado regularmente por vontade própria do consumidor, alheio a qualquer recall de peças publicitárias de cigarros. O primeiro desses contextos diz respeito ao consumo propriamente dito. Fundamentados nos índices fornecidos por repartições sanitárias, como pelos próprios fabricantes de cigarro, o grupo tem verificado, por exemplo, que o arrefecimento do consumo tem sido constante, gradual e regular desde bem antes da Lei. O segundo, às alternativas que restaram para o anúncio desse gênero de produto, em decorrência das modificações e intervenções legais, motivadas, sobretudo, por questões éticas e legais. O terceiro, à “intempestividade” do lado institucional (envolvendo repartições sanitárias, controle governamental e ações oficiais de mídia), que praticamente “inventaram” um novo gênero de propaganda coercitiva, cuja eficácia, na ótica estritamente profissional, tem sido extremamente precária e deficiente. Além, claro, de ser de extremo mau-gosto. De acordo com Renovato et allii (2009), observa-se uma queda significativa do número de fumantes no Brasil, concentrando a maior parte dos consumidores nas regiões mais industrializadas, principalmente entre a população de menor escolaridade e renda. Associe-se a isso um crescimento gradativo de um discurso do politicamente correto, veiculado pelos meios de comunicação, que aos poucos dissocia a representação do cigarro à transgressão. Transgressão esta a que se poderia chamar de “valor”, antes extremamente considerado pelos jovens. Fato que tornava o ato de desencorajar o hábito uma forma de assegurar que continuassem fumando. (Klein, 1997, 17) Ao ser transformado em inimigo do culto ao corpo e da saúde, apontou para outra direção. Em um momento histórico, que tem como uma das principais características a negação da morte, o 2

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que sustenta como valor absoluto a prevenção obsessiva e a luta contra o fim, (Castells, 2005) o tabagismo passou a ser ressignificado como elemento dissonante em uma desejada adequação social. Levando-se em conta apenas os aspectos de natureza estética das campanhas públicas de saúde (e aí não apenas as campanhas de combate ao tabagismo), percebe-se uma característica comum a todas elas: a ausência de preocupação para com os elementos atrativos, que usualmente permeiam qualquer mensagem publicitária. Tem-se quase sempre a impressão de que o “compromisso” das mensagens oficiais com os objetivos da saúde praticamente dispensa qualquer outro esforço para atrair a atenção do espectador, buscando interessá-lo unicamente pelos conteúdos que transmitem. As campanhas públicas passam, então, a chamar atenção por uma precariedade “instituída”, cujo apelo pode ser considerado nenhum. A pesquisa conclui desse modo que sua principal característica passa a ser um elemento “anestético”, ou estético neutro, ou ainda estético nulo; pois se inexistente uma estética, diga-se, funcional ou utilitária, outra função estética tais campanhas não apresentam. Um grande problema adicional tem sido conversar sobre o assunto com profissionais que trabalham nos serviços públicos de saúde. Tem-se sempre a impressão de abordar um assunto inconveniente, à semelhança dos antigos tabus banidos em determinadas tribos, cuja simples referência faz aquecer os ânimos e desvirtuar a conversa. Pessoas muitas vezes inteligentes, empenhadas em pesquisas sérias, que deviam estar comprometidas com a ciência, nem de longe admitem conversar sobre qualquer dado negativo das campanhas oficiais. A estética, ao que tudo indica, começa a ganhar uma dimensão quase maniqueísta, na qual muitos grupos se definem e se expressam simplesmente a favor, ou contra o que está sendo observado publicamente. Discutir questões sobre ineficiência de campanhas antitabágicas, por exemplo, significa, para alguns desses profissionais, fazer proselitismo contra essas campanhas. Ou, então, inserir-se a favor, pura e simplesmente, do hábito de fumar. Quando não é o caso. Quando se publicou pela primeira vez Aesthetics, as way for watching Art and things,5 em que se introduzia a questão da Anestética, também se observou uma certa radicalização contra a

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AQUINO, Victor. Aesthetics, as way for watching Art and things. Monroe, WEA Books, 2002.

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ideia de que “estética não significa, necessária e unicamente, formas de medida de coisas bonitas”. Esse aparente “campeonato de conceitos”, no qual muitos se deixam trair pela adesão imediata e incondicional aos equívocos pessoais, mas muitas vezes aos equívocos de terceiras fontes, há como que uma frenética ânsia de fazer valer, a qualquer preço, a própria opinião. A proposta anestésica dos anúncios de cigarros rivaliza paradoxalmente com a natureza do consumo desse produto, que tende a sobrepor o prazer estético aos malefícios associados ao seu uso. Ao analisar as razões que levam alguém a utilizar continuamente uma substância capaz de trazer tantos prejuízos, Richard Klein argumenta que os cigarros carregam consigo a experiência do sublime compreendida por Kant: Concluí que não é a utilidade, por mais útil que possa ser, que explica seu poder de atrair a fidelidade imperecível de bilhões de pessoas que morrem por sua causa. A qualidade que explica seu enorme poder de sedução está antes ligada às formas específicas de beleza que promove. Essa beleza nunca foi compreendida ou representada como inequivocamente positiva; fumar cigarros, desde seu início no século XIX, sempre foi associado à aversão, transgressão e morte. Kant chama de sublime essa satisfação estética que inclui como um de seus momentos a experiência negativa, o choque, a obstrução, a sugestão da mortalidade. É nesse sentido estrito que Kant dá ao termo que a beleza do cigarro pode ser considerada sublime (...) A sublimidade do cigarro explica por que as pessoas gostam do que tem sabor desagradável e provoca náusea; elucida a política conflitante de governos como o nosso que fazem campanha contra o cigarro ao mesmo tempo em que fornecem subsídios consideráveis aos plantadores de tabaco. (Klein, 1997, 11-12).

Portanto, o prazer negativo do vício em cigarros – Klein arrisca a pontuar que “se o cigarro fosse bom, não seria sublime” (p. 18) – destoa aos esforços das campanhas antitabagistas na produção de mensagens de cunho antiestético, que buscam conscientizar os fumantes dos riscos assumidos por quem se envolve com essa droga. É interessante observar que, segundo o autor, o caráter de sublime é o que afasta a experiência da discussão arrazoada do discurso da ciência, pois, “sendo sublimes, os cigarros, em princípio, resistem a todos os argumentos dirigidos contra eles, da perspectiva da saúde e da utilidade” (id. ibid., 18). Sendo o campo da estética interessado ao que é inefável, ao que não pode 4

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ser apreendido pelas palavras, a objetividade do discurso da ciência não consegue superar o apelo do que fala aos sentidos e a “tudo que emerge de nossa mais banal inserção biológica no mundo”. (Eagleton, 1993, 17) Nesse sentido, o tom coercitivo das imagens antitabagistas estimula certo valor de resistência aos fumantes frente a um mundo dominado pelo discurso asséptico e científico, típico do politicamente correto. De forma a ilustrar as apropriações realizadas dessas imagens (e como elas afastam-se muitas vezes do efeito estético trágico previsto em sua produção), convém aqui pontuar que algumas pesquisas mostram que os consumidores evitam mais comprar embalagens com certas imagens do que outras – por exemplo, a que carrega um bebê prematuro (Renovato, 2009). O que nos faz inquirir que, embora tais imagens sejam, a princípio, antiestéticas, algumas delas pressupõem efeitos estéticos mais evidentes que as outras. Tais imagens sugerem sentidos, por exemplo, de ameaça à própria saúde e à saúde dos outros (como a imagem de um pé com dedos gangrenados ou de um feto em uma solução dentro de um frasco); da exclusão social a partir da desestruturação familiar (na imagem de uma mãe com seu filho que zelam por um pai de família, inconsciente em uma cama de hospital); de exclusão de um mundo que preza o belo (na foto de uma mulher cujo rosto se divide ao meio, com uma metade exibindo os efeitos de envelhecimento); e de uma negação da virilidade (na cena de um homem que não consegue ter uma ereção, enquanto uma mão feminina reitera a vergonha causada pelo episódio). Por outro lado, por vezes os consumidores subvertem os sentidos previstos pelas imagens, tornando-as menos trágicas ou mesmo passíveis de riso. Entre os homens fumantes, é comum ouvir um chiste de que a imagem mais indesejada é a que se refere a um caso de impotência sexual, sobrepondo-a às imagens vinculadas a morte ou ao sofrimento dos filhos. A discussão da qualidade, como da eficiência e oportunidade das campanhas públicas em qualquer setor, não significa uma reprovação a priori de tudo que tem sido divulgado. Não. Aliás, não é tão simples assim. No caso das campanhas antifumo, por exemplo, o que se tem observado é uma aparente “troca” da eficiência da campanha pela natureza do serviço oferecido. Isto é, de que seria muito mais prevalente a importância o “banimento do hábito de fumar”, do que o modo como se deve banir esse hábito. 5

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Ocorre, entretanto, que a exemplo de tudo que circunda o universo inteligente, a solução de problemas que foram transformados em questões culturais complexas, antes da solução propriamente dita, compreende um difícil cenário no qual convivem postulados científicos e as idiossincrasias humanas. Não raro se observa um elenco de paixões que, independente da procedência, tumultuam as discussões que buscam primeiro compreender a cultura onde são gerados, para depois eliminar esses problemas. Para exemplificar tal situação, pode-se relembrar a divulgação, pelo Jornal da USP, de pequeno artigo de autoria de Aquino sobre este assunto. 6 Uma professora de unidade em Ribeirão Preto, ao que parece com origem acadêmica na área de psicologia, provavelmente não entendendo a natureza do assunto proposto à discussão, entendeu o pequeno artigo em perspectiva que o dissociava do contexto qualidade e eficiência da mensagem publicitária. Desconhecendo, inclusive, a condição do autor que é, simultaneamente, professor titular de estética em publicidade e antigo profissional do ramo da propaganda, buscou no conflito pessoal argumentos para desqualificar a ideia ali proposta. O certo é que, como a subscritora da reclamação escreveu nada muda a realidade como se conhece. Pois, repetindo a mesma frase do autor, “a publicidade tem sido acusada de corromper a cultura e disseminar práticas inadequadas ao bom viver”. Tem sido assim há muito tempo. Pois mais fácil é culpar a publicidade, por exemplo, pelo emporcalhamento visual da cidade, como pelo estímulo desenfreado ao consumo. Além, claro, a esse convencimento de “criancinhas indefesas” que, entre um programa e outro, seriam “induzidas a possuir qualquer tareco ou brinquedo”. Ou não? Ouve-se muito que a publicidade tem a culpa por uma série de mazelas. Tem sido assim. Compra-se demais, a culpa é da publicidade. Não se tem como comprar o que a publicidade anuncia, a culpa também é dela. Além de frase feita sempre repetida: “as campanhas emburrecem o consumidor”, “a publicidade é antiética”, “a propaganda força o consumo”. São afirmações pouco inteligentes ouvidas com frequência em espaços inteligentes. A ciência é uma coisa. Os cientistas, outra. Cientistas são pessoas. Como pessoas comuns, longe do espaço da pesquisa e da reflexão lógica de qualquer estudo podem agir como qualquer outra pessoa comum. No caso das opiniões sobre campanhas antifumo não será diferente. Quase

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Aquino, Victor. “Não fumar, descubra esse prazer”, Jornal da USP, São Paulo, 2, 9 novembro 2009, p. 2.

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sempre a primeira reação de quem entende prioritariamente os efeitos nocivos do tabaco, a qualquer coisa que se escreva sobre a deficiência de campanhas contra o hábito de fumar, é não apreciar o que se escreve sobre isto. Principalmente porque essas campanhas são determinadas, orientadas e controladas por profissionais do mundo da ciência e não da publicidade. A publicidade apenas atende à demanda de solicitações de mensagens contra o hábito de fumar. Demanda quase sempre inapropriada, que parte dos profissionais de ciência. Eis porque as campanhas antifumo são tão feias, impróprias e deficientes. Como se sabe, a publicidade, sozinha, nunca inventou nada. Como, igualmente, nunca gerou fórmulas diabólicas para arrebatar vontades e consciências. Muito menos intuiu oportunidades de negócio que não fossem, antes, sondadas pelo interesse de quem (indivíduos ou corporações) quisesse obter vantagem com essas oportunidades. Sejam essas corporações fabricantes de bebidas ou fabricantes de medicamentos. São observações indispensáveis para a análise da questão do cigarro que, com tudo, também está implícito na história do produto, do consumo e da cultura do seu consumo. Quando se foca o começo do século 20, no berço desse comércio no Brasil, vê-se o produto em prateleiras de farmácias. Quem perder um pouco do preconceito e visitar qualquer museu do cigarro encontrará uma série de itens, no mínimo inusitados, incluindo artigos científicos e prescrições médicas com a indicação de quando e como consumi-lo. Ao se olhar para os Estados Unidos, então, a surpresa será ainda maior. Vai se descobrir até mesmo, imagine-se, cigarros para tratamento de asma. Basta procurar por essas coisas na Internet. No mundo inteligente as coisas também se atrapalham. Discussões importantes que envolvem a velha dicotomia do “pró” e “contra”, e que às vezes escapam do campo da razão. No caso em particular, quem é dado como vilão? A publicidade. Quem mais? O fumante. Este, então, foi transformado em quase criminoso. Aliás, a parte mais vulnerável do processo e que sofre as agruras da discriminação social, do constrangimento por causa, sobretudo, da dependência química que o escraviza por anos. Claro, em mais de um século de existência se viu muita campanha publicitária de cigarro. Cada qual, aliás, com o próprio slogan. Era “um raro prazer”, “o sucesso”, “alguma coisa a gente tem em comum”, “mais vale um gosto do que cem vinténs”, “o brasileiro sabe tirar vantagem”, “os homens se encontram no Arizona”, e assim por diante. 7

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Por trás da publicidade, o que ocorria? O Banco do Brasil financiava a indústria fumageira. Penso que Santa Cruz do Sul seria bem menor não fosse o cigarro. O governo arrecadava verdadeira exorbitância em tributos, entre produção, venda e circulação do produto. Havia, como ainda há, empregos, benefícios e aportes por conta dele. É de se indagar: terá sido a pressão social dessa gente viciada que determinou esse segmento de mercado, forçando governos a apoiar a produção de tanta nicotina, alcatrão e outras centenas de substâncias nocivas para empestear os pulmões de todo mundo? Tudo é feito na contramão, sem escala de valor, critério ou prioridade. Campanhas de cigarro sempre foram sofisticadas. Campanhas antitabagistas, o contrário. É possível ainda lembrar algumas no Canadá, durante os anos de 1970. Cenas de gente morrendo. Outras, de pessoas que viviam sem um dos pulmões. Cartazes com os efeitos explícitos do fumo em homens e mulheres. A lista é longa. Mais tarde, essas tarjas inócuas na própria embalagem do produto. Frases comuns em quase todos os países, como “o ministério da saúde adverte”. Inócuas, porque nenhum fumante jamais interrompeu o hábito por causa delas. Vítimas da própria dependência, independente de frase ou figura estampada em invólucros de cigarro, dependentes continuaram (como continuam) a fumar. Por fim, a lei que nivelou tudo por baixo, escondendo sob o tapete a falta de criatividade para solucionar o problema com competência. Bom lembrar a quem continuará culpando a publicidade que a lei também se vale de publicidade para passar uma mensagem autoritária e nada inteligente. Em um dos filmes da campanha, um médico conhecido diz: “ar puro, agora um direito de todos”. Agora? Antes não era? Diga então de quem seria esse direito entre nós. As grandes cidades vão continuar a conviver com gases expelidos por carros, ônibus e caminhões. Estabelecimentos fabris continuarão a soltar muita fumaça. Onde estão os esforços para se evitar, com a mesma vontade, que toda essa sujeira acabe no ar que respiramos? Dois pontos devem ser ressaltados: a pouca habilidade com que as autoridades usam a publicidade em casos semelhantes, como nenhuma sensibilidade na relação com fumantes e não fumantes. Deve-se repetir que a publicidade é um instrumento sofisticado para abordar questões complexas. Não pode ser pensada unicamente como meio de difusão de mensagens grotescas como esta do “ar puro, agora um direito de todos”. As pessoas, independente de serem ou não fumantes, devem ser poupadas dos jogos de cena discricionários, onde a fiscalização ostensiva, como a 8

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obrigatoriedade das placas de impedimento, submetem a inteligência humana à barbárie do mau gosto. Bom lembrar a chamada Lei Cidade Limpa. O assunto é outro, mas o foco é o mesmo. No terceiro artigo se lê que “o conforto ambiental deve assegurar, entre outras coisas, o bem-estar estético da população” (seja lá o que isso queira dizer). Ora, que são essas placas de proibição ao cigarro, que qualquer estabelecimento, independente de ramo de atividade, público ou privado, está obrigado a afixar? Primeiro, considere-se a heresia da utilização do ícone tradicional que representa o contorno geográfico do Estado de São Paulo. Transformado nesse horror gráfico, mais parece uma tabuleta de trânsito. Um sinal que o divide ao meio, corta a representação de um cigarro aceso, parecendo “um proibido estacionar”. Quanta criatividade! Observando a “profunda” premissa legal do “bem-estar estético”, conclui-se que os legisladores estaduais descuraram do conceito dos legisladores municipais no que concerne ao que se pode, ou não, ver nos espaços públicos. Como descuraram da imensa multidão de dependentes químicos, coagidos pela arrogância da “grande inteligência científica” que gerou a lei. No esforço pelo abandono do hábito e dependência do tabagismo, muito além do que previu a lei, deveria constar prioritariamente uma ação em favor da pessoa. Ação de envolvimento integral do dependente, com vistas a estimulá-lo positivamente ao abandono do hábito nocivo. A publicidade, que é usada até para divulgar ações governamentais, deveria ser entregue a profissionais de verdade. Nesse sentido, até mesmo a volta de um “slogan ao contrário” poderia ter sentido, criando novo gênero de mensagens como “não fumar, descubra esse prazer!”. Mas isso estaria muito distante do modo como os “especialistas do mundo científico” têm tratado o assunto até aqui. 7

Referências AQUINO, Victor. Aesthetics, as way for watching Art and things. Monroe, WEA Books, 2002. AQUINO, Victor. “Não fumar, descubra esse prazer”, in Jornal da USP, São Paulo, 2, 9 novembro 2009, p. 2. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2005. 7

Nenhum dos autores deste trabalho é fumante.

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EAGLETON, Terry. A ideologia da estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

KLEIN Richard. Cigarros são sublimes – uma história cultural de estilo e fumaça. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. RENOVATO, Rogerio; BAGNATO, Maria Helena; MISSIO, Lourdes (et allii). “Significados e sentidos de saúde socializados por artefatos culturais: leituras das imagens de advertência nos maços de cigarro” in Revista Ciência & Saúde Coletiva. Disponível em: Rio de Janeiro, 2009.

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