Angola - Análise do regime e sistema políticos do país

June 2, 2017 | Autor: Daniela Gomes | Categoria: Angola, Democracia, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
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AUTORAS: Daniela Gomes Mariana Ferreira UNIDADE CURRICULAR: Introdução à Ciência Política DOCENTE: Isabel Camisão ANO LETIVO: 2015/2016

ANGOLA Análise do regime e sistema políticos do país

Introdução

No presente trabalho iremos abordar o regime político e o sistema político de Angola. Escolhemos este país porque, constitucionalmente, está consagrado como um país democrático e multipartidário, que salvaguarda as liberdades, direitos e garantias dos cidadãos, mas, como se irá perceber, na prática não é bem assim. Temos como objetivos principais explicar o porquê de considerarmos que o regime de Angola não é uma democracia, através da comparação entre os artigos da Constituição e a realidade, assim como explicar de que forma é que Angola não cumpre alguns dos direitos humanos. Os pontos abordados ao longo do trabalho consistirão desenvolver-se-ão ao longo de sete pontos: 1. Breve descrição das características geográficas e demográficas do país; 2. Desenvolvimento histórico do país; 3. Análise do regime político; 4. Análise do sistema político; 5.

A competição política: 5.1. O sistema partidário; 5.2. As eleições; 5.3. A sociedade civil;

6. O Estado no sistema internacional e a sua imagem aos olhos da comunidade internacional; 7. Conclusões – resposta à pergunta “Angola apresenta-se como uma democracia, mas será que age como um país democrático na realidade?”.

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1. Geografia e Demografia

Angola, ou República de Angola, é um país localizado na costa ocidental de África, banhado a oeste pelo oceâneo Atlântico, demarcado a norte e noroeste pela República Democrática do Congo, a sul pela Namíbia e a leste pela Zâmbia. O país possui também o enclave de Cabinda, província angolana localizada na República Democrática do Congo. O português é a língua oficial de Angola, existindo outras línguas denominadas “nacionais”, como o umbundo e o quimbundo, primeira e segunda línguas nacionais mais faladas, respetivamente. A superfície de Angola é de 1 252 145 quilómetros quadrados, e a sua densidade populacional é de 20 habitantes por quilómetro quadrados. A estimativa do todo da população é de 24,3 milhões, dos quais 48% são homens e 52% mulheres. A sua capital, Luanda, é simultaneamente a província mais populosa, conta com 6,5 milhões de habitantes (segundo censo da Marktest 2014). A província menos populosa é o Bengo, com 351 579 habitantes. 62% da totalidade da população vive em áreas urbanas, de acordo com os dados do INE de Angola. “Artigo 5.° da Constituição - Organização do território 3. A Republica de Angola organiza-se territorialmente, para fins político-administrativos, em províncias e estas em municípios, podendo ainda estruturar-se em comunas e em entes territoriais equivalentes, nos termos da Constituição e da lei.” (Diário da República) A população nativa pertence quase na sua totalidade (cerca de 95%) ao grupo étnicolinguístico Bantu. O próprio nome do país é uma adaptação portuguesa ao nome Bantu N’gola. Angola ocupa a 149ª posição no ranking mundial do Índice do Desenvolvimento Humano (2013), num total de 187 países, com a classificação de 0,526. É, portanto, um país com baixo índice de Desenvolvimento Humano.

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2. Desenvolvimento histórico

Angola formou-se como colónia portuguesa em 1575 com Paulo Dias de Novais, que foi o primeiro governador português a chegar a Angola, e tinha como principais objetivos explorar o tráfico negreiro (escravatura) e os recursos naturais, originando um comércio extenso. Com a abolição do tráfico de escravos em 1836 e a Conferencia de Berlim entre 19 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885 (onde se demarcou a divisão de África de acordo com as suas potencias coloniais). O país era autossuficiente, e o seu mercado era baseado na agricultura e exportação de matérias-primas. Após a proclamação da independência de Angola em 1975, deu-se uma luta pelo poder entre os três movimentos políticos angolanos - MPLA, FNLA e UNITA. O MPLA chegou ao poder em 1975 através da força militar e, adotando o leninismo-marxismo, inspirado no então modelo em vigor no bloco soviético, estabeleceu um regime político monopartidário e uma economia de base estatal. A FNLA e a UNITA não se conformaram com a derrota militar e a sua exclusão do sistema político, dando início a uma guerra civil em 1975 que se prolongou até 2002. Agostinho Neto foi o primeiro Presidente de Angola, desde 1975 a 1979. Após a sua morte em 1979, foi José Eduardo dos Santos que o sucedeu como Presidente de Angola, encontrando-se no cargo desde 1979 até à atualidade. Em 1992, foi adotada a primeira Constituição de Angola e foram realizadas as primeiras eleições a nível nacional. A UNITA e a FNLA aceitaram participar no novo regime e concorreram às eleições. As eleições consagradas pela Constituição dividiamse nas eleições legislativas e nas eleições presidenciais. O Presidente eleito teria obrigatoriamente de possuir a maioria absoluta dos votos, senão era necessária uma segunda volta, mas tal não se verificou. As eleições legislativas deram a maioria absoluta ao MPLA, mas as eleições presidenciais não correram como previa a Consituição, uma vez que José Eduardo dos Santos se manteve no poder, alegadamente, sem ter obtido a maioria absoluta e sem se ter recorrido a uma segunda volta. A alegada fraude nos votos, levaram a FNLA e a UNITA a retomar e a intensificar a guerra civil contra o MPLA. As eleições parlamentares marcadas para 1997 eram constantemente adiadas. Foram por fim realizadas em 2008, com uma vitória esmagadora do MPLA, o que permitiu que

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o partido adotasse uma nova Constituição em 2010, a qual manteve as mesmas regras para as eleições parlamentares, mas estabeleceu novas regras para as eleições presidenciais: o Presidente passa a não ser eleito diretamente pelo povo, uma vez que o candidato principal do partido que obteve maioria nas eleições parlamentares torna-se automaticamente Presidente da República. Desta forma, as eleições deixaram de se dividir e passam a ser eleições gerais. Em 2012, foram realizadas as primeiras eleições gerais, que deram novamente ao MPLA uma maioria absoluta.

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3. O regime político

O regime político que vigora em Angola é a democracia, no entanto o Presidente, José Eduardo dos Santos, detém os poderes executivo, legislativo e judicial, o que significa que não há divisão destes poderes, logo a democracia não está consolidada, pois esta divisão é um dos requisitos que lhe é imprescindível. No entanto, e apesar de todas as irregularidades, Angola afirma-se como um estado Democrático de Direito. A democracia fornece oportunidades constitucionais de mudar os governantes, assim como mecanismos para que a maioria da população consiga eleger os representantes que pretende. Para a consolidação da democracia, é necessário: 1. Que os governos prestem contas/respondam perante os cidadãos, caso contrário deverão sair do poder; 2. Competição política, que não tem que ver apenas com o pluralismo partidário, mas com a possibilidade de todos os partidos reunirem condições para expor as suas ideias e programas; 3. Alternância no governo (ocasionalmente o governo deve mudar de mãos), para prevenir a corrupção/abuso de poder; 4. Representação popular: a população elege os seus representantes, para que estes zelem pelo interesse geral; 5. Decisão maioritária: à partida, quem decide é a maioria, mas com respeito pelas minorias, que tem direito a expor as suas ideias; 6. Direito à desobediência civil: se se considerar que uma lei ou decisão é injusta/irrazoável, os cidadãos podem manifestar pacificamente o seu desagrado, de modo a que se proceda à alteração dessa mesma lei; 7. Igualdade política: todas as pessoas com mais de 18 anos têm o direito ao voto, e devem ter igual acesso e oportunidade de participar na vida política; 8. Consulta popular: regularmente, a opinião pública deve ser consultada, de forma a perceber se as leis estão em conformidade com a vontade da maioria e se é necessário alterá-las através de, por exemplo, sondagens ou referendos.

Artigo 2.º - Estado democrático de direito

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“A República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei, a separação de poderes e interdependência de funções, a unidade nacional, o pluralismo de expressão e de organização política e a democracia representativa e participativa.”

O que é uma Democracia representativa e participativa? É um regime político no qual a população elege os seus representantes através de eleições (existência de eleições não significa existência de democracia), e é consultada e chamada a pronunciar-se sobre várias questões, através de, por exemplo, um referendo. Durante a pesquisa para este trabalho, não encontramos nenhuma informação sobre referendos/vetos populares ou outra forma de democracia representativa já realizada em Angola, o que nos leva a crer que o governo nunca consultou o povo na tomada de decisões, logo pode considerar-se que o país não aplica a sua constituição. Recolhemos o testemunho de Justino Pinto de Andrade, líder do Bloco Democrático de Angola, que, durante a II convenção do partido, expôs alguns pontos críticos em relação às primeiras eleições gerais (presidenciais e parlamentares) em Angola. Devido a “razões inexplicáveis”, como alegou o líder do Bloco Democrático, este partido não participou nas eleições, tendo sido afastado do poder. Durante a convenção, afirmou: “Fruto de um processo eleitoral perfeitamente questionável, o MPLA conseguiu uma maioria qualificada no Parlamento, o que lhe permite, mais uma vez, fazer passar todas as propostas que lhe convier. E já o vai fazendo, desvalorizando, sistematicamente, as propostas vindas das bancadas da oposição, e desqualificando, igualmente, o pulsar da sociedade civil”. O Bloco Democrático está seguro em relação ao seu ponto de vista: Angola vive uma democracia de fachada. O presidente, detentor dos poderes, sobrepõe os seus interesses e os do partido aos do povo, atribuindo assim às instituições do Estado um carácter ditatorial. Acusa ainda o governo de corrupção, “negócios sujos” e subordinação dos interesses nacionais aos estrangeiros, o que enriquece ilicitamente os seus membros. O partido afirma a sua luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito Democrático em Angola, com independência e descentralização dos poderes, liberdade de expressão e cumprimento dos direitos humanos.

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A Democracia é muito mais do que eleições livres e justas, é também o respeito pelos Direitos Humanos, a liberdade política, o respeito pelas minorias e a liberdade de expressão e de informação. O artigo 40º. Da Constituição de Angola estabelece que: 1. “Todos têm o direito de exprimir, divulgar e compartilhar livremente os seus pensamentos, as suas ideias e opiniões, pela palavra, imagem ou qualquer outro meio, bem como o direito e a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício dos direitos e liberdades constantes do número anterior não pode ser impedido nem limitado por qualquer tipo ou forma de censura.”

A imprensa angolana é também muito controlada e censurada pelo governo. Comparamos dois jornais, o Jornal de Angola, financiado pelo estado e o jornal Folha 8, independente. Enquanto o Jornal de Angola “esconde” a verdade por detrás do regime e transmite as notícias de forma sensacionalista, o jornal Folha 8 denuncia as falhas do governo, nomeadamente a corrupção. Como jornal independente que é, respeita e incentiva a liberdade de expressão e rejeita qualquer tipo de apoio de grupos políticos, económicos, religiosos ou de qualquer outro tipo de grupos de pressão.

O artigo 47º. da Constituição de Angola, relativo à liberdade de reunião e manifestação, diz-nos que: 1. “É garantida a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestação pacífica e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização e nos termos da lei. 2. As reuniões e manifestações em lugares públicos carecem de prévia comunicação à autoridade competente, nos termos e para os efeitos estabelecidos por lei.” O cumprimento de todos estes artigos não se confirma na prática, pois o governo adota medidas totalmente contrárias. A censura nas notícias, o silenciamento e afastamento de outros partidos e a prisão de ativistas, jornalistas ou outros que pretendem transmitir e contestar a realidade são frequentes. Ilustramos esta afirmação

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com exemplos mediáticos, como é o caso da prisão Luaty Beirão e de 14 outros ativistas angolanos, acusados de conspirarem um atentado contra o governo e o presidente. Os arguidos alegam ter-se juntado para discutir política e o livro “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia política da libertação para Angola”, da autoria de Domingos Cruz, jornalista também preso, e cujo livro circula clandestinamente por Angola. Mantidos prisioneiros mesmo depois do período máximo de 90 dias de prisão preventiva, Luaty Beirão inicia uma greve de fome, como forma de protesto, não só em seu nome mas também em nome dos colegas, que terminou com uma duração de 36 dias. O julgamento deste caso já se iniciou, mas até à data deste trabalho ainda não existem informações sobre a sentença.

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4. O sistema político do govrno de Angola

O sistema político vigente em Angola é o semipresidencialismo. Raul Vasques Araújo, no seu livro O Presidente da Repúbica no Sistema Político em Angola, refere que “o Chefe de Estado em Angola detém poderes próprios que se estendem a todas as esferas do poder político. Existe como que uma «monarquia republicana»”. À semelhança de um monarca, o Presidente da República de Angola – José Eduardo dos Santos - é chefe de estado e chefe de governo e, apesar de o seu mandato não ter caráter vitalício como o de um monarca, encontra-se no cargo de presidente desde 1979. A lei constitucional de 1992 previa que o mandato de Presidente tivesse a duração de 4 anos, passando para 5 anos com a adoção da nova Constituição de 2010, sendo que cada cidadão só pode exercer até dois mandatos o cargo de Presidente da República (art. 113.º). Contudo, tal não se verifica na prática com José Eduardo dos Santos. Além de Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas, é também titular do poder executivo e tem, ainda, poderes legislativos. Enquanto chefe de Estado, o Presidente da República pode nomear oficiais executivos e judiciais. Entre esses oficiais, destacam-se: os Ministros de Estado, os Ministros, os Secretários de Estado, os Vice-Ministros, o Juíz Presidente do Tribunal Constitucional e mais quatro juízes do mesmo tribunal, o Juíz Presidente do Tribunal Supremo, o Juíz Vice-Presidente e os demais Juízes do referido Tribunal e três membros do Conselho Superior da Magistratura. Igualmente, de acordo com a Constituição, compete-lhe: promover e regular o funcionamento dos órgãos do Estado, representar a Nação no plano nacional e internacional, definir a orientação política do país, dirigir a política geral de govenação do país e da Administração Pública, submeter à Assembleia Nacional a proposta de Orçamento Geral do Estado, promulgar e mandar publicar as leis da Assembleia Nacional e as leis de revisão constitucional, exercer iniciativa legislativa, mediante propostas de lei apresentadas à Assembleia Nacional, e solicitar, de forma fundamentada, uma nova apreciação à Assembleia Nacional de um diploma ou de algumas das suas normas, sendo que depois desta reapreciação, se a maioria de 2/3 dos Deputados se pronunciar no sentido da sua aprovação, o Presidente da República deve promulgar o diploma. Existe, portanto, uma colaboração mútua e uma interdependência

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entre o Presidente e a Assembleia (unicameral), mas o Presidente não é obrigado a responder ou prestar contas ao parlamento. Ao mesmo tempo, o Presidente da República é também o líder do partido com a maioria dos lugares na Assembleia Nacional e pode dissolver a Assembleia no caso de se demitir. Desta forma, ele “concentra sobre si vários poderes, os quais lhe permitem decidir sobre várias matérias, como a formação de governo e a nomeação para altos cargos públicos, quer seja do governo central ou provincial” (Chimanda, 2010: 46), uma vez que ele também nomeia os governadores das 18 províncias de Angola. Podemos constatar, então, que não é respeitado, de acordo com o artigo 2.º da Constituição, um dos fundamentos do Estado angolano - a separação de poderes. Existem vários autores que consideram o sistema político do governo angolano presidencialista, mas nós entendemos que não é um sistema presidencialista por vários fatores. Além de o Presidente não ser eleito por sufrágio universal direto, como acontece, por norma, no sistema presidencialista, dado que quem ocupa o cargo de Presidente é o líder do partido vencedor das eleições, também não existe uma separação entre os poderes executivo e legislativo e a Assembleia não atua independentemente do Presidente, como é característico num sistema presidencialista. Isto porque o Presidente detém o poder executivo e alguns poderes legislativos, é o líder do partido dominante na Assembleia com poder legislativo e a Assembleia Nacional pode destituir o Presidente quando, por exemplo, ele cometa crimes de suborno, peculato, corrupção ou uma violação grave da Constituição (mas o que na realidade é difícil de acontecer, uma vez que o Presidente é o líder do partido com maior número de assentos na Assembleia). Embora consideremos o sistema político angolano semipresidencialista, ele tem um forte pendor presidencialista, pois o Presidente concentra vários poderes e pode, inclusive, dissolver a Assembleia Nacional caso se demita do cargo de Presidente.

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5. Competição política: 5.1. O sistema partidário

O sistema partidário em Angola é dominado por um partido (sistema de partido dominante) – o MPLA – que detém o poder governamental, embora existam outros partidos políticos de oposição que podem legalmente operar, mas estes são demasiado fracos. Tal pode-se explicar, em parte, pela ausência de igualdade de tratamento de todos os partidos por parte das entidades que exercem o poder público, nomeadamente a um tratamento imparcial da imprensa (art. 17.º), pelo desigual financiamento dos partidos políticos (o que se revê nas campanhas e propaganda política), pela supressão da liberdade de informação dos jornalistas, mas também pelas alegadas irregularidades nas contagens de votos, pela falta de independência e transparência da Comissão Nacional de Eleições angolana e pela adoção de normas constitucionais que restringem o acesso dos pequenos partidos ao poder (como por exemplo a forma como é nomeado o Presidente da República).

PARTIDOS/COLIGAÇÃO COM ASSENTO NA ASSEMBLEIA NACIONAL

ESPECTRO POLÍTICO DE UM TOTAL DE 220

IDEOLOGIA

N.º DEPUTADOS

MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (MPLA)

Centro-esquerda

Social-democracia

175

UNIÃO NACIONAL PARA A INDEPENDÊNCIA TOTAL DE ANGOLA (UNITA)

Centro

“catch-all-party”

32

COLIGAÇÃO CONVERGÊNCIA AMPLA DE SALVAÇÃO DE ANGOLA (CASA-CE)*

Centro-direita

Nacionalismo e democracia-cristã

8

PARTIDO DE RENOVAÇÃO SOCIAL (PRS)

Centro-esquerda

Progressismo e Federalismo

3

FRENTE NACIONAL DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA (FNLA)

Centro-esquerda

Nacionalismo e social-democracia

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*É composta por quatro partidos: Partido de Aliança Livre de Maioria Angolana (PALMA), Partido de Apoio para Democracia e Desenvolvimento de Angola – Aliança Patriótica (PADDA-AP), Partido Pacífico Angolano (PPA) e Partido Nacional de Salvação de Angola (PNSA).

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5.2. As eleições

Segundo o artigo 106.º da Constituição da República de Angola, o Presidente da República e os deputados à Assembleia Nacional são eleitos por sufrágio universal, direto, secreto e periódico. Contudo, na prática, apenas os deputados à Assembleia Nacional é que são eleitos verdadeiramente pelos cidadãos, através de sufrágio direto e universal. No caso do Presidente da República, é nomeado para o cargo o cabeça de lista, pelo círculo nacional, do partido ou coligação mais votado no quadro das eleições gerais (art. 109.º), à semelhança do que acontece com a nomeação do Vice-Presidente (órgão auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva), que remete para o candidato número dois da lista, pelo círculo nacional, do partido político ou da coligação mais votado no quadro das eleições gerais. Os deputados à Assembleia são eleitos segundo o sistema de representação proporcional (sistema que procura fazer corresponder o número de votos em cada partido ou coligação ao número de assentos no parlamento), para um mandato de cinco anos (art. 143.º). São eleitos por círculos eleitorais, existindo um círculo eleitoral nacional e círculos eleitorais correspondentes a cada uma das 18 províncias angolanas. Apesar de o MPLA ter perdido votos nas eleições de 2012, em comparação com as de 2008, as eleições têm fortalecido a sua permanência no poder, não se tendo verificado até aos dias de hoje uma alternância de partidos no poder – um dos requisitos para a existência de um regime democrático. Assim, podemos dizer que as eleições não são sinónimo de democracia. Por outro lado, a subida da taxa de abstenção nas eleições de 2012 em relação às eleições de 2008 – 31,7 % em 2012 contra 12.5% em 2008 – pode ser uma prova dos estudos que dizem que quantos mais anos passam sobre um país com um regime democrático, cada vez a abstenção de votos nas eleições é maior, ou seja, a participação política é menor.

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5.3. A sociedade civil

A maioria das organizações da sociedade civil angolana está associada à defesa dos direitos humanos, mais concretamente dos direitos que não são assegurados pelo Estado angolano. No entanto, a sua atuação tem vindo a ser condicionada por vários fatores, um deles é o Regulamento das Organizações Não Governamentais, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 74/15 de 23 de Março de 2015. Com este regulamento foram estabelecidos os deveres das ONG’s angolanas ou das organizações internacionais que atuam no território angolano, alguns dos quais são: cooperar com o Executivo e outras instituições do Estado para a realização dos seus objetivos (art. 13.º), absterem-se da prática de ações de índole político-partidária ou subversidas, isto é, que vão contra os ideais e princípios do governo (art. 23.º) e participar na implementação de programas económico-sociais aprovados pelo Executivo (art. 23.º). O não cumprimento dos deveres das ONG’s estabelecidos pelo art. 23º poderá levar à suspensão das atividades ou extinção das ONG’s nacionais, ou à proibição de atuação em território angolano no caso de organizações internacionais. Além disto, foi criada uma instituição do Executivo – o IPROCAC – para coordenar e acompanhar as atividades das ONG’s, assim como definir ou orientar o local de implementação dos programas destas (art. 19.º). Outro dos fatores que tem condicionado/bloqueado a atuação das ONG’s em Angola, mais concretamente a OMUNGA e a SOS HABITAT, é o bloqueio das suas contas bancárias pelo Banco de Fomento de Angola em 2015, levando à paralisação das atividades da SOS HABITAT por falta de financiamento. O coordenador desta ONG, Rafael Morais, não descarta a hipótese de que o bloqueio tenha "intenções políticas para impedir o funcionamento da SOS Habitat e da OMUNGA”. A SOS Habitat é uma organização não-governamental que tem como foco a defesa do direito à habitação e a luta contra os desalojamentos forçados em consequência de demolições. A sua atividade passa por pedir auditorias, fazer negociações com as autoridades públicas, esclarecer e prestar apoio jurídico aos cidadãos vítimas de despejos forçados e fazer denúncias; ao mesmo, desenvolve relações com organizações internacionais, incluindo a União Europeia, com vista a solucionar o problema do

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desalojamento. Tem como único financiador a Christian Aid, uma organização cristã britânica de assistência humanitária. A OMUNGA, criada em 2005, monitoriza vários aspetos ligados aos direitos humanos em Angola. A sua atividade traduz-se sobretudo em advocacia, pressão e ativismo: escrevem notícias, têm um ciclo de debates, fazem denúncias e ajudam a redigir cartas ou reclamações, fazem campanhas (por exemplo, sobre a demolição de casas), ou seja, tentam por vários meios dar visibilidade aos problemas das pessoas. A sua equipa tem cerca de dez pessoas e é financiada por instituições como a USAid (agência do governo dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, encarregada de distribuir a maior parte da ajuda externa de caráter social), embaixadas de alguns países e a Christian Aid. Outras organizações da sociedade civil angolana ligadas à defesa dos direitos humanos são a Associação Justiça, Paz e Democracia e a Associação Mãos Livres. A Associação Justiça, Paz e Democracia, constituída em 2000, tem como objetivos contribuir para a participação ativa, consciente e responsável dos cidadãos angolanos no processo de consolidação do Estado democrático de direito, da paz, do desenvolvimento e do respeito aos direitos humanos em Angola. Para tal, tem procurado pesquisar, documentar e denunciar situações de violação de Direitos Humanos em Angola. O seu propósito/missão é atingir um estado satisfatório de respeito pelos Direitos Humanos e institucionalização do Estado de Direito Democrático em Angola. A Associação Mãos Livres, também fundada em 2000, tem como âmbito a defesa dos direitos humanos em Angola e é formada por ativistas e advogados angolanos. É das organizações mais bem sucedidas a nível da defesa dos direitos humanos em Angola, desempenhando um papel proeminente na defesa de diversos casos jurídicos. Em 2013 apresentou uma queixa-crime na Procuradoria-Geral da República de Angola contra vários colaboradores do presidente José Eduardo dos Santos por corrupção. No plano internacional, é membro Observador da Comissão Africana para os Direitos do Homem e dos Povos, assim como integra a rede das ONG da SADC.

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6. Angola no sistema internacional e imagem do país na comunidade internacional

Angola é membro de várias organizações internacionais e regionais, entre elas: a União Africana (1975), a Organização das Nações Unidas (1976), o Banco Africano de Desenvolvimento (1980), o Banco Mundial (1989), o Fundo Monetário Internacional (1989), a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (membro fundador em 1996), a Organização Mundial do Comércio (1996), a Comunidade Económica dos Países da África Central, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (2006), a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, o Mercado Comum da África Oriental e Austral e a Nova Parceria para o Desenvolvimento de África. Na vertente bilateral, os principais parceiros económicos/comerciais de Angola são a China, Portugal, Estados Unidos, África do Sul e Brasil, com quem estabelece relações. A grande parte destes países estabeleceu companhias de extração de petróleo em Angola. Contudo, aos olhos da comunidade internacional, Angola ainda não é vista como um país verdadeiramente democrático. Várias organizações não-governamentais como a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a Associação de Advogados da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, a Front Line Defenders, e mesmo o Parlamento Europeu, criticam o desrespeito por alguns direitos humanos em Angola por parte do governo, mais concretamente as limitações da liberdade de expressão, de imprensa, de reunião pacífica e de associação, assim como as prisões irregulares de opositores ao governo e a corrupção. Angola, apesar de ser um país membro da ONU, não respeita alguns dos artigos consagrados na Carta Universal dos Direitos do Homem, como o artigo IX, que diz que “ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado”, o artigo XIX, que estabelece que “todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão” (este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras) e o artigo XX, que diz que “todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica”. A Freedom House considerou Angola um país não-livre no seu relatório Freedom in the World de 2013. A violação a liberdade de expressão dos jornalistas, a corrupção que ainda afeta boa parte da governação, a não garantia a liberdade de associação e reunião na prática, a restrição as atividades de várias ONG’s locais e internacionais, o direito à

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greve e os sindicatos, a prisão preventiva prolongada, a superlotação dos sistemas prisionais, a violação aos direitos da criança e ainda o trabalho infantil são alguns dos problemas apontados pela Freedom House que determinam a péssima classificação do país como não livre. Angola também é considerada um dos países mais corruptos do mundo pela Transparência Internacional.

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7. Conclusões

Apesar de considerarmos o sistema político do governo angolano semipresidencialista, pudemos perceber ao longo do trabalho que ele tem elementos do sistema presidencial, do sistema parlamentar e outros elementos que não existem em ambos os sistemas – é um sistema feito à medida e pelo Presidente da República. Angola apresenta-se como uma democracia, mas será que age como um país democrático na realidade? São vários os argumentos que nos levam a dizer que o país não é verdadeiramente democrático: - Apesar de na Constituição ser consagrado um sistema multipartidário, na prática existe um sistema de partido dominante, em que o partido do Presidente da República – o MPLA - é que domina e tem verdadeiramente o poder, embora existam outros partidos da oposição mas que não conseguem alcançar o poder; - O desrespeito por alguns Direitos Humanos (já referidos ao longo do trabalho); - A falta de competição politica - não há igualdade de oportunidade para todos os partidos exporem as suas ideias e/ou programas eleitorais; - Falta de alternância no poder; - Silenciamento e afastamento da oposição; - Elevado índice de corrupção; - Os interesses dos governantes estão acima dos da população; - O desrespeito pelos direito de desobediência civil; - As próprias organizações da sociedade civil são condicionadas pelo governo; - As eleições por si só não são sinónimo de democracia - em Angola as eleições servem mais para fortalecer e legitimar as elites do que propriamente para expressar a vontade do povo; existe uma espécie de consentimento ativo e neutralização do descontentamento e revolta do povo nas eleições, o que diminui as ações de manifesto da população contra o governo e, ao mesmo tempo, fortalecimento da elite que se tem perpetuado no poder, o MPLA. Por estes procedimentos, pela parte do governo angolano, podemos perceber que realmente a democracia está comprometida e que na prática não se aplica, é uma fachada. No entanto, o país insiste em afirmar-se como um Estado Democrático de Direito.

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Referências bibliográficas: 

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