ANJOS, IGHOR PATRICK DE ANDRADE DOS; CORRÊA, RODRIGO PARDINI. PEÇAS INFANTIS Nº I, IV E V DE CLÁUDIO SANTORO: UMA BREVE ANÁLISE DE SEU PIANISMO. 2014

July 17, 2017 | Autor: Rodrigo Corrêa | Categoria: Musical Composition, Piano Music, Pianists and Piano Literature, Piano Pedagogy, Piano Technique
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PEÇAS INFANTIS Nº I, IV E V DE CLÁUDIO SANTORO: UMA BREVE ANÁLISE DE SEU PIANISMO Ighor Anjos Rodrigo P. Corrêa RESUMO Este trabalho apresenta uma análise do conteúdo didático pianístico das peças I, IV e V da obra Peças Infantis de Cláudio Santoro para piano solo, propondo possíveis aplicações deste conjunto de nove peças para o desenvolvimento de técnicas específicas para piano, tais como passagem de polegar, toques legato, portato e staccato, independência das mãos, dentre outras competências pianísticas.

Palavras-chave; Cláudio Santoro, Peças Infantis, Piano, Competências.

1- INTRODUÇÃO Falta no Brasil uma atenção maior voltada para o repertório didático brasileiro, especialmente para o piano. Há uma grande quantidade de obras didáticas de qualidade que são desconhecidas e muito pouco utilizadas. Na maioria dos casos, os professores de piano preferem utilizar os já consagrados álbuns da juventude, como o de Schumann, ou as coleções de estudos de Burgmüller, dentre outras obras já concretizadas na didática do piano. Grandes compositores brasileiros do século XX, tais como Lorenzo Fernandes e Cláudio Santoro, dedicaram muito na composição de obras didáticas para piano. Peças como a Suíte Bonecas de L. Fernandes e a Peças Infantis de Cláudio Santoro são fortes exemplos deste vasto material didático produzido no Brasil que possuem uma riqueza de recursos pianísticos dentro do contexto folclórico brasileiro. Decorrente da falta de importância dada a estas obras, a professora de piano Carla Reis junto com seus alunos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), desenvolveram um projeto vinculado à instituição chamado Piano Pérolas, que tem como objetivo divulgar obras didáticas para piano de compositores brasileiros. 2- CLÁUDIO SANTORO Cláudio Franco Sá Santoro, filhos de pais pianistas, nasceu em 23 de novembro de 1919 em Manaus. Em 1931 viajou para o Rio de Janeiro para estudar com o professor

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Edgardo Guerra, porém voltou a Manaus meses depois por motivo de desentendimentos com as pessoas com quem morava. Santoro recebeu um auxilio para que voltasse a estudar no rio. Ele se ingressou em 1933 no Conservatório de Música do Rio de Janeiro, estudando harmonia com Lorenzo Fernandes. Graduou-se em violino e passou a trabalhar como assistente no próprio Conservatório (Oliveira, 2005 apud Fernandes, 2011). Cláudio Santoro passou então a estudar com Hans-Joachim Koellreutter, que se admirou por interesse dado ao modelo atonal-dodecafônico (Fernandes, 2011). Nesse período Koellreutter estava criando o grupo Música Viva, que tinha como objetivo a propagação de um movimento pioneiro de renovação musical no Brasil, promovendo concertos de música de diversos estilos, de compositores como Villa-Lobos, Koellreutter e o próprio Santoro. Em 1946, Cláudio Santoro recebe uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, porém por motivos políticos, sua migração para o país foi negada. Segundo Fernandes (2011), por esta razão, o compositor se candidatou e obteve uma bolsa para estudar em Paris em 1947. Em 1948, o compositor ganhou o prêmio Lili Boulanger na França, passando a estudar com Nadia Boulanger, de quem recebeu influência de seu estilo composicional, o qual era mais nacionalista (Souza, 2003 apud Fernandes, 2011).

Segundo Perpétuo (2001), “existe quase unanimidade entre os pesquisadores de que sua participação no II Congresso Interacional de Compositores Progressistas de Praga, em 1948, levou-o a abjurar o serialismo e abraçar o nacionalismo”, compondo a partir daí, obras de maior acesso às massas, em concordância com os princípios defendidos por Andrei Jdanov, comissário de cultura de Stálin. Ainda segundo o autor, Cláudio Santoro e Vinícius de Moraes começam em 1957 a compor as dez Canções de Amor e as Três Canções Populares, consideradas, segundo ele, como “os mais bem-sucedidos corpus de lied da língua portuguesa” (Perpétuo, 2001). De acordo com Perpétuo (2001), na década de 60, sob convite de Darcy Ribeiro, Santoro foi convidado a coordenar o Departamento de Musica da Universidade de Brasília, porém com o golpe militar em 1964, mudou-se para a Alemanha Ocidental, com a Bolsa Ford para Berlim, retornando ao Brasil em 1978, com o abrandamento do regime militar. Cláudio Santoro morreu em 1969, durante o ensaio de seu primeiro concerto da temporada no Teatro Nacional, aos 70 anos, vítima de infarto fulminante (Perpétuo, 2001).

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3- O PIANISMO Pianismo é um termo informal que se refere à forma em que o compositor trata o material sonoro da obra aplicando a técnica pianística. Segundo Hollerbach (2003), os professores que utilizam métodos dizem que são funcionais, porém não se aplica apenas um nas aulas por causa das deficiências técnicas específicas percebidas pelo professor em relação ao aluno, supridas por outros métodos e assim que o aluno é capaz de executar um repertório mais performático, são inseridas obras de repertório. Nesse ponto, podem-se aplicar obras que possuam elementos didáticos na qual o aluno possa progredir. Um dos principais desafios para os professores é a identificação dos elementos caracterizados como didáticos nas obras em questão, os elementos prioritários a serem trabalhados e a continuidade deste trabalho à medida que o repertório do aluno é desenvolvido. “Os aspectos inerentes ao “conhecimento do instrumento em si” são aqueles próprios do instrumento, como conhecimento do teclado (a sua estrutura) e a apreensão e reconhecimento de intervalos (espacialização do piano), além do funcionamento em si (os aspectos motores que são exigidos para acionar o teclado e o pedal e emitir sons).” HOLLERBACH (2003)

Dentre os diversos elementos técnicos próprios do piano, destaca-se neste trabalho o dedilhado, o pedal, a independência entre as mãos e dedos e os tipos de toque. Nas obras abordadas neste trabalho, não se encontram nenhuma grafia quanto a utilização dos pedais de una corda e o de sustentação, bem como o dedilhado. Fica, portanto, a critério do professor aplicar estes recursos de acordo com seu entendimento da obra. Vale a pena ressaltar que apesar de se tratar de peças didáticas, voltadas para o público infantil, essas obras apresentam dissonâncias características do estilo composicional de Claudio Santoro que seguia a linha do Impressionismo francês como modelo estético (Mendes, 2007). De acordo com Carrara (2010), o estudo dos tipos de toques pianísticos pode constituir um importante elemento para aprimorar habilidades não mecânicas, porém tal aprimoramento não nos garante transformar tais movimentos em arte. Portanto, é necessário que o elemento estudado seja aplicado no repertório para que deixe de ser puramente técnico e passe a ser musical.

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Carrara (2010) afirma que os diversos “tipos de toque (cantábile, legato, liaggiero, húngaro, legato, staccato, leggiero, portato, perlé martellato, entre outros) também são subordinados a critérios hierárquicos musicais”, diferenciados pelo texto e por concepções estilísticas. Ainda segundo o autor, podem ser utilizados no piano quatro tipos de toque, definidos por ela como: 1. Toque A. O toque “A” [...] é realizado com atividade em cada dedo (abaixamento e liberação da tecla) desconectada da atividade do dedo seguinte. Dessa forma, mantendo a mão livre de tensões desnecessárias, o dedo abaixa e libera a tecla retornando novamente à sua posição inicial. Na sequência, o dedo seguinte realiza a mesma atividade. 2. Toque B. O toque “B” [...] conecta a atividade final do dedo (liberação da tecla) com a atividade inicial do dedo seguinte (abaixamento da tecla). 3. Legato. No toque legato[...], a tecla abaixada espera que a seguinte esteja na mesma posição e só então deve ser liberada. 4. Toque com e sem pedal. O toque com e sem pedal que envolve um gesto mais amplo de braço e indica sonoridades mais cantadas [...] ou mais curtas e ásperas [...]. As trocas de pedal devem obedecer à ligação ou não dos sons. [...] O punho deve estar livre e a mão ligeiramente para baixo quando está suspensa. (Carrara 2010)

4- ANÁLISE DO MATERIAL

Nas peças abordadas neste trabalho, encontram-se basicamente os toques A, B, legato e staccato. Segundo Lemos (2012), o excesso da grafia do dedilhado confunde o aluno por ser mais um elemento visual a ser visto, porém, nas obras trabalhadas aqui, nenhuma possui dedilhado escrito pelo autor, ficando a critério do professor escrevê-lo ou não. Quanto à escrita do autor, esta é bastante clara e limpa, visualmente falando. Suas intenções são de fácil entendimento e bem definida pelas utilizações de dinâmica e agógica. Suas frases são muito bem construídas e utiliza de motivos simples para construir os temas obedecendo sempre a quadratura.

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4.1- Peças infantis nº I – Andante

Esta peça é modal e se desenvolve em torno do centro de Ré. Possui um tema de inicio anacrústico que se repete ao início de cada sessão que é desenvolvido ao longo de cada uma. Se mantem no compasso binário simples com apenas uma variação para ¼ no compasso 52. Não possui armadura de clave e os acidentes estão presentes nas próprias notas. Andante possui diversos elementos musicais que trabalham as competências pianísticas essenciais, tais como: passagem da melodia entre as mãos, terças harmônicas, blocos de acordes, ritmo simples (mínimas, semínimas e semicolcheias), contratempo, passagem de mão, articulações, dinâmica e variação de andamento. Nos dois primeiros compassos, o tema inicial se desenvolve, surgindo novamente nos compassos 8, 15 e 49 com as seguintes variações:

Fig. 1 - Compassos 1, 2, 8 e 9 respectivamente. Do primeiro compasso ao sétimo, a mão esquerda executa terças harmônicas por graus conjuntos.

Fig. 2 - Compassos 1 a 3. No oitavo compasso, a melodia passa para a mão esquerda enquanto a direita executa uma cadência em blocos de acordes passando pelas harmonias de Ré maior, Dó maior, Si menor e Lá menor. A partir do compasso 16, a mão esquerda retoma as terças harmônicas enquanto a direita volta a tocar a melodia.

Fig. 3 - Compassos 16 a 23.

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Do compasso 22 ao 48, as mãos se cruzam fazendo com que a melodia da mão direita seja executada em um âmbito mais grave que o acompanhamento da mão esquerda.

Fig. 4 - Compassos 22 a 26. 4.2- Peças Infantis nº IV – Valsinha Lenta

Esta obra também se estrutura no modalismo, mantendo seu centro tonal em Ré. Seu início é anacrústico, e sua textura é melodia mais acompanhamento, mantendo sempre a melodia na mão direita e o acompanhamento na mão esquerda. Mantêm-se no compasso ternário simples, alterando para binário simples apenas nos três últimos compassos. O tema principal se baseia na uma canção folclórica O Cravo Brigou com a Rosa que passa por modulações ao longo da peça. Das competências pianísticas trabalhadas se encontram: notas tenútas na melodia e no acompanhamento, fragmentação de acordes, harmonia aberta e dividida entre as mãos, articulação legato e pedal. A partir do segundo compasso, o acompanhamento da mão esquerda também passa por modulações a cada compasso. O tema se inicia no primeiro compasso e passa por modulações nos compassos 5, 7 e 11.

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Fig. 5 - Compassos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 11 e 12 respectivamente.

Nos compassos 18 e 22 a mão esquerda executa acordes abertos ultrapassando o âmbito de uma oitava.

Fig. 6 – Compassos 18 e 22 respectivamente. O acompanhamento está dividido em ambas as mãos nos compassos 9, 10, e do 15 ao 18.

Fig. 7 – Compassos 7 e 8.

Fig. 8 – Compassos 15 a 18. 4.3- Peças Infantis nº V – Andante: Diferente da I e da IV, a peça nº V é tonal e está no tom de Dó maior, possui células rítmicas simples: mínimas, semínimas e colcheias e sua forma é ABA, havendo uma ponte que liga a parte A na parte B e uma coda no final da peça. Na parte A, a peça se mantêm no compasso binário simples, onde a mão direita executa um tema legato enquanto a mão esquerda faz um acompanhamento em terças harmônicas.

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Fig. 9 – Compassos 1 a 8.

Na parte B há uma modulação para o relativo menor de Dó (Lá menor) e o compasso passa a ser ternário simples, onde a mão direita executa oitavas melódicas (Dó), com exceção do intervalo de sexta menor (Dó-Lá) no compasso 20, e a mão esquerda toca um segundo tema em arpejos.

Fig. 10 – Compassos 17 a 20. As principais habilidades pianísticas exploradas são: terças harmônicas, melodia cantabile, oitavas melódicas, arpejos, variações de andamento e inversão da melodia entre as mãos. O primeiro tema acontece do compasso 1 ao 14, havendo um pequena dissonância no 13º proveniente de um arpejo de Dó diminuto, que resolve na tonalidade base no 14º compasso. O segundo se inicia na parte B nos compasso 17 a 25, dentro de arpejos de Lá e Ré menor. As oitavas melódicas na mão direita aparecem na ponte e em toda a parte B, desde o compasso 15 ao 25, sempre em Dó, com exceção do 3º tempo do 20º compasso. As terças harmônicas estão presentes na mão esquerda em toda a parte A, do primeiro ao décimo quarto compasso, e na coda, do compasso 26 ao 29.

Fig. 11 – Compassos 26 a 29.

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5- CONCLUSÃO

Foi possível perceber através da análise feita nessas obras de Cláudio Santoro, que a utilização do material didático pianístico brasileiro em sala de aula pode ser tão produtivo quanto a literatura ocidental tradicional, pois além de apresentar uma vasta quantidade de recursos pianísticos e um excelente tratamento do material sonoro, permite que o aluno tenha contato com a cultura de seu próprio país e desenvolva seu ouvido para apreciar e compreender a sonoridade do estilo musical pós século XX, na qual Santoro é um grande representante.

6- REFERÊNCIAS

CARRARA, André. Deliberação expressiva e toque pianístico. Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2010. Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact= 8&ved=0CCQQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.lume.ufrgs.br%2Fbitstream%2Fhandle% 2F10183%2F31670%2F000784100.pdf%3F...1&ei=gxhyVJf4F8SaNov5ghg&usg=AFQjCN FP1630TBow61as_oR6V4NTw4YnQ&sig2=YPG7opWpxP7t4h5dRm41Og&bvm=bv.80185 997,d.eXY Acesso em: 23/11/2014 ás 16:28.

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FERNANDES, Felipe Cabreira. Estudos para piano de Cláudio Santoro: movimentos gerais e uma abordagem técnico-interpretativa. UDESC. 2011.

HOLLERBACH, Ingrid. Ensino elementar de piano: princípios didáticos, objetivos e escolha de repertório na perspectiva do professor de piano. UFMG. 2003. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/AAGS-7ZPNMM/ensino elementardepianoingridhollerbach.pdf?sequence=1 Acesso em : 23/11/2014 ás 15:22.

LEMOS, Daniel. Considerações sobre a elaboração de um método de Piano para Ensino Individual e Coletivo. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Pelotas, No. 5, 2012 p.

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98-125. Disponível em: http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/RCM/article/viewFile/ 2480/2316 Acesso em: 23/11/2014 ás 14:55.

MENDES, Sérgio Nogueira. Cláudio Santoro: Serialismo Dodecafônico nas obras da primeira fase (1939-1946). XVII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em música. Brasília, 2007. PERPÉTUO, Irineu Franco. Cláudio Santoro, uma trajetória. Revista Textos do Brasil. Itamaraty. No. 12. 2001. Disponível em: http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revistatextos-do-brasil/portugues/revista12-mat17.pdf Acesso em: 02/12/2014 ás 14:03.

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