Anotação ao Artigo 47.º Código Civil Português (Capacidade para Constituir Direitos Reais sobre Coisas Imóveis ou Dispor Deles)
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ARTIGO 47º
(Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou dispor deles)
É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei pessoal.
ANOTAÇÃO
Preceito sem correspondência no Código de Seabra
Trabalhos preparatórios: art. 31.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, em colaboração com J. Baptista Machado, Aplicação das Leis no Espaço, Direito dos Estrangeiros e Conflitos de Leis, BMJ, n.º 136 (1964), pp. 17-46. Cf., ainda, o art. 5.º do mesmo trabalho de preparação legislativa
Bibliografia: J. Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado (apontamentos das aulas teóricas do ano lectivo de 1971-1972 na Faculdade de Direito de Coimbra), 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1982, p. 378; A. Marques Dos Santos, Direito Internacional privado. Sumários, Associação Académica da Faculdade de Direito, Lisboa, 1987, p. 295; A. Ferrer Correia, "Conflitos de Leis em Matéria de Direitos sobre as Coisas Corpóreas", Temas de Direito Comercial e Direito Internacional Privado, Almedina, Coimbra, 1989, 363-411, 409-411; A. Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado - I, Almedina, Coimbra, 2000, p. 362; D. Moura Vicente, "Lei Pessoal das Pessoas Singulares", Scientia Iuridica, n.º 290, 2001, pp. 125-147, 142-144; N. Ascensão Silva, "Do Estatuto Pessoal – Unidade e Dispersão (Algumas Notas a Propósito da Comemoração dos 35 Anos do Código Civil", in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, 2.º vol., Coimbra Editora, Coimbra, 2004/2006, pp. 595-596; F. Almeida Pires, Conflito de Leis. Comentário aos artigos 14.º a 65.º do Código Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, 125-126; L. Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado. Vol. I, Introdução e Direito de Conflitos. Parte Geral, 2ª ed. refundida, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 306-307; idem, Direito Internacional Privado. Vol. II, Direito de Conflitos. Parte Especial, 3ª ed. refundida, Almedina, Coimbra, 2009, 103-104.
Jurisprudência:
I. Estabelece-se no art. anotando uma derrogação à regra geral do art. 25.º CC, o qual submete a matéria da capacidade das pessoas singulares ao império da lei pessoal, determinável nos termos dos arts. 31.º, n.º 1, e 32.º CC.
II. Subjaz à solução legal a consideração – pragmática, mesmo se não necessariamente justa (a este respeito, cf., infra, 5.I.) – de que se os tribunais portugueses decidissem a questão delimitada pelo conceito-quadro do art. 47.º à luz da lei pessoal dando-se o caso de a lei do Estado da situação dos bens imóveis se reputar, na matéria, exclusivamente competente, resultaria daí que a decisão judicial portuguesa não seria susceptível de reconhecimento no Estado da situação das coisas.
III. Na derrogação cominada pelo art. 47.º CC reconhece a doutrina a marca do princípio da efectividade – na sua vertente de princípio da maior proximidade –, de conformidade com o qual na resolução dos conflitos de leis há que atender à circunstância de certos Estados se encontrarem em posição privilegiada para imporem o seu ponto de vista sobre a regulação do caso (A. Ferrer Correia, 1989: 411; A. Ferrer Correia, 2000: 362; D. Moura Vicente, 2001:142; F. Almeida Pires: 2009: 125; L. Lima Pinheiro, 2009a: 306; L. Lima Pinheiro, 2009b: 104).
IV. O art. 47.º – ou, ao menos, o segmento em que nele se acolhe solução desviante em face do art. 25.º - não é aplicável à determinação da lei reguladora da capacidade para constituir ou dispor de direitos reais sobre imóveis sitos em Portugal. A solução começa por ser inculcada pela letra do preceito ela mesma, por isso que o art. 47.º subordina o chamamento da lex rei sitae à condição de a mesma se reputar exclusivamente competente, sendo que do Direito de Conflitos vigente em Portugal não deriva a atribuição de competência, em matéria de capacidade para a constituição e disposição de direitos reais relativos a imóveis, ao direito da situação da coisa. Acrescidamente, impõe-na a ratio legis por isso que a regra desviante do art. 47.º vai orientada por um propósito de favorecimento do reconhecimento das sentenças portuguesas no Estado da situação da coisa imóvel a que tais decisões judiciais se referem, ocorrendo que quando o bem se localize em Portugal um tal reconhecimento não aparece – por definição – comprometido (A. Marques Dos Santos, 1987: 295; D. Moura Vicente, 2001: 143-144; F. Almeida Pires, 2009: 126; L. Lima Pinheiro, 2009b: 104).
V. O desvio em proveito da aplicação da lei da situação das coisas imóveis procede independentemente da solução – v.g., a invalidade do negócio – que concretamente resulte das normas substantivas da lex rei sitae (F. Almeida Pires, 2009: 125).
VI. Segundo se julga, e sob pena de uma confusão de planos, o art. 47.º retém aplicação à matéria da capacidade para a constituição ou disposição de bens imóveis através de negócios jurídicos específicos do domínio familiar ou sucessório: uma coisa é a capacidade para a celebração destes negócios, outra, distinta, a capacidade para, através deles, operar a constituição ou disposição de bens imóveis (cp. F. Almeida Pires, 2009: xxx).
5. I. Não são procedentes, ao menos em toda a linha, as razões que estão na base da solução desviante que pelo art. anotando é consagrada. Começa por que a aplicação da lei estrangeira da situação da coisa imóvel não se constitui numa condição necessária ao reconhecimento de uma sentença estrangeira – para o que mais importa, portuguesa – quando no Estado da situação da coisa vigorar um sistema de reconhecimento de sentenças estrangeiras essencialmente formal. O que é ainda mais, a concessão à lex rei sitae tão-pouco é uma condição suficiente em vista daquele reconhecimento quando os tribunais do Estado da situação do imóvel reclamem competência jurisdicional exclusiva (assinalando o ponto, A. Ferrer Correia, 1989: 411; A. Ferrer Correia, 2000: 359-360; D. Moura Vicente, 2001: 143; F. Almeida Pires, 2009: 125; L. Lima Pinheiro, 2009b: 104).
II. As considerações aduzidas, supra, sob 5.I fundamentam uma sugestão doutrinal segundo a qual há-de o art. 47.º ser interpretado restritivamente e, em conformidade, a lex rei sitae aplicada à determinação da capacidade para constituir ou dispor de direitos reais sobre imóveis nas situações – e apenas nessas – em que essa aplicação se revele necessária e suficiente para assegurar a efectividade das decisões judiciais proferidas por tribunais portugueses sobre a matéria (D. Moura Vicente, 2001: 143).
III. A despeito da sua razoabilidade intrínseca, a uma tal sugestão pode opor-se que a mesma quadra mal à que parece ter constituído uma intenção do legislador no sentido de que a abdicação a favor da lei da situação da coisa imóvel tenha lugar independentemente de que a mesma se perfile como condição necessária e suficiente em ordem ao reconhecimento da decisão judicial portuguesa no Estado estrangeiro da situação do imóvel. É o que parece resultar: por uma parte, da circunstância de o n.º 2 do art. 5.º do Anteprojecto de 1964 não ter transitado para o Código Civil; por outra, da autonomia que já neste Anteprojecto o art. 31.º, que está na origem do art. 47.º CC, apresentava relativamente ao art. 5.º, n.º 2 (L. Lima Pinheiro, 2009b: 104, nota 172).
I. De conformidade com o art. 47.º – de resto, atenta uma racionalidade já passada em revista (crítica) –, a submissão à lex rei sitae exige que a lei da situação se considere competente.
II. Em não sucedendo assim, deve aplicar-se a lei pessoal, determinável nos termos dos arts. 31.º e 32.º.
III. Constitui motivo de divisão a questão atinente a saber a que título deve a lei da situação considerar-se competente para o efeito de, ex art. 47.º CC, lhe ser atribuída competência. De conformidade com determinado ponto de vista, só se dará aplicação à lex rei sitae na medida em que esta se considere competente por esse título; não já, todavia, quando ela se considere aplicável, v.g., qua lei da residência habitual (A. Ferrer Correia: 2000, XXX). De harmonia com outro, não releva o título a que a lex rei sitae reclama competência, pressuposto que o faça (D. Moura Vicente, 2001: 144; L. Lima Pinheiro, 2009b: 104).
FALTA A ARTICULAÇÃO COM O 28 E O 11 REG ROMA I
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