Anotação aos Artigos 62.º a 65.º Código Civil Português (Sucessão Mortis Causa)

July 5, 2017 | Autor: M. Matias Fernandes | Categoria: Private International Law
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ARTIGO 62º
(Lei competente)
A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário
.
ANOTAÇÃO
Preceito sem correspondência no Código de Seabra
Trabalhos preparatórios: art. 18.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, Direito Internacional Privado, BMJ, n.º 24 (1951), pp. 9-71; art. 55.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, em colaboração com J. Baptista Machado, Aplicação das Leis no Espaço, Direito dos Estrangeiros e Conflitos de Leis, BMJ, n.º 136 (1964), pp. 17-46.
Bibliografia: J. Baptista Machado, Lições de Direito Internacional Privado (apontamentos das aulas teóricas do ano lectivo de 1971-1972 na Faculdade de Direito de Coimbra), 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1982, pp. 433-452; A. Ferrer Correia, "Naturalização – Testamento de mão comum em direito internacional privado", Estudos Vários de Direito, [s.n.], Coimbra, 1982, pp. 421-473; A. Ferrer Correia, "Le principe de l'autonomie du droit international privé dans le système juridique portugais", in H.-J. Musielak / K. Schurig (Hrsg.), Festschrift für Gerhard Kegel, II, Verlag W. Kohlhammer, Stuttgart, 1987, pp. 119-146; A. Marques Dos Santos, Direito Internacional privado. Sumários, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1987, pp. 301-302; R. Moura Ramos, Da Lei Aplicável ao Contrato de Trabalho Internacional, Almedina, Coimbra, 1991, p. 856; R. Moura Ramos, "The Impact of the Hague Conventions on Portuguese Private International Law, Netherlands International Law Review, 1993, pp. 79-92, p. 86; A. Marques Dos Santos, "Lei aplicável a uma sucessão aberta em Hong-Kong", Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. 39, n.º 1, 1998, pp. 115-134; A. Marques Dos Santos, "Testamento Público", Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 207-220; A. Marques Dos Santos, "Algumas Considerações sobre a Autonomia da Vontade no Direito Internacional Privado em Portugal e no Brasil", in R. Moura Ramos, C. Ferreira De Almeida et. al. (org.), Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. I, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 379-426, p. 396; J. J. Abrantes et al., Étude de Droit Comparé sur les Règles de Conflits de Jurisdictions et de Conflits de Lois Relatives aux Testaments et Successions dans les États Membres de l'Union Européenne, colaboração no Estudo solicitado pela Comissão da Comunidade Europeia, Direcção Geral de Justiça e Assuntos Internos, coordenado pelo Deutsches Notarinstitut de Würztburg, disponível em http://ec.europa.eu/civiljustice/publications/docs/report_conflits_portugal.pdf; D. Silva, Viabilidade de uma Unificação Jus-Sucessória a Nível Europeu – Unificação Meramente Conflitual ou Unificação Material?, Almedina, Coimbra, 2005; F. Almeida Pires, Conflito de Leis. Comentário aos artigos 14.º a 65.º do Código Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, 146-152; L. Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado. Vol. II, Direito de Conflitos. Parte Especial, 3ª ed. refundida, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 545-552; L. Lima Pinheiro, "Algumas Reflexões sobre a Codificação Portuguesa do Direito Internacional Privado", in J.Miranda (coord.), Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, 743-768, 765-767; J. Gomes De Almeida, Direito de Conflitos Sucessórios: Alguns Problemas, Almedina, Coimbra, 2012.
Jurisprudência: Acs. STJ 18.03.1975 (065745), 27.06.1978, BMJ, n.º 278, p. 232, 14.03.1979, BMJ, n.º 285, p. 341, 21.03.1985 (072698), 25.06.1998 (98B327), 12.05.1992, BMJ, n.º 417 (1992), p. 759, 27.09.1994, CJ-STJ II (1994), III, p. 71, 23.10.2008 (07B4545); Acs. RE 28.10.1993, CJ-XVIII (1993), V, p. 276, 06.11.2008 (2416/08-3), ; Ac. RL 19.12.1991 (0033326); RP 11.04.1978 (0012916), 25.10.1994 (9410188), 11.09.2007 (0722005)
Nota Prévia: O âmbito de aplicação do art. 62.º resulta cerceado em razão da vigência na ordem jurídica portuguesa, de normas de fonte internacional e europeia pertinentes ao domínio material que por esta disposição de fonte interna é coberto. Cobram referência:
I. Com destaque particularíssimo atento o seu âmbito de aplicação universal (cf. o correspondente art. 20.º), o Reg. (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões e dos actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO L201, de 27 de Julho de 2012). As regras delimitadoras da entrada em vigor e do âmbito de aplicação temporal deste instrumento constituem objecto, respectivamente, dos arts. 84.º e 83.º correspondentes (o art. 84.º foi objecto de correcção publicada no JO L344, de 14 de Dezembro de 2012).
II. A Convenção sobre a Administração Internacional de Heranças concluída, em 2 de Outubro de 1973, sob os auspícios da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e em vigor na ordem internacional, bem como relativamente a Portugal, desde 1 de Julho de 1993. Para além da República Portuguesa, são Estados contratantes a Eslováquia e a República Checa. A Convenção foi aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 734/75, de 23 de Dezembro, DR I-S, n.º 295, pp. 2122-2133. Cf., ainda, o DL n.º 327/77, de 10 de Agosto, publicado no DR I-S, n.º 184, pp. 1954-1955, o qual aprovou o processo de reconhecimento do certificado a que se refere a Convenção sobre a Administração Internacional de Heranças.
I. Confirmando o critério geral posto pelo art. 25.º CC e optando por solução imobilizadora do elemento de conexão à data da morte, o art. 62.º sujeita a sucessão mortis causa à lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste.
II. A opção pela lei pessoal do autor da sucessão como lei reguladora desta ecoa, ao nível do Direito de Conflitos, o princípio romanístico da universalidade da sucessão. Trata-se de uma opção que, contrastando com aqueloutra que, na base de soluções divulgadas nos direitos de inspiração germânica e anglo-americana, envolve a submissão da sucessão nos imóveis a regras diferentes das que presidem à sucessão nos móveis – tipicamente, os direitos que sufragam o fraccionamento da herança mandam reger a sucessão imobiliária pela lei da situação das coisas e a sucessão mobiliária pela lei pessoal do autor da sucessão, quer esta seja a lei do domicílio ou a lei da nacionalidade –, torna indiferente o lugar da situação dos bens hereditários: onde quer que estes se encontrem, a lei reguladora da sucessão mortis causa é, nos termos do art. 62.º CC, a lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do decesso (com respeito à clivagem entre o princípio da unidade sucessória e o princípio da pluralidade de estatutos sucessórios, cf., por último, J. Gomes De Almeida, 2012: 19 ss). Bem entendido, o que fica dito – de resto, objecto de explicitação por parte dos arts. 18.º e 55.º dos Anteprojectos, respectivamente, de 1951 e de 1964 – é sem prejuízo da possibilidade de que, em razão dos critérios sobre devolução ou reenvio, o aplicador português chegue à aplicação da lex rei sitae (cf. J. Gomes De Almeida, 2012: 33 ss).
III. A lei pessoal das pessoas singulares é determinável nos termos dos arts. 31.º e 32.º CC.
I. Assiste ao estatuto sucessório uma vis attractiva manifestada na sua vocação para, em geral, abranger todos os aspectos da sucessão, designadamente a abertura da sucessão e a devolução e partilha da herança. Compete-lhe tomar posição, em particular, sobre: os factos que determinam a abertura da sucessão; o âmbito da sucessão, isto é, a delimitação dos direitos que se transmitem aos herdeiros e a certificação daqueles que, pelo contrário, são intransmissíveis; a questão de saber quem tem capacidade para adquirir mortis causa; no domínio da sucessão voluntária, os casos ditos de indisponibilidade relativa; a composição e a hierarquia dos sucessíveis, e quais as respectivas quotas; a existência ou inexistência de quotas indisponíveis e, na hipótese afirmativa, a composição dos herdeiros legitimários e o montante da legítima; a admissibilidade ou inadmissibilidade de disposições por morte com certo conteúdo e as consequências da invalidade de tais cláusulas; as causas de indignidade sucessória; a admissibilidade e o regime da substituição fideicomissária; a aceitação e o repúdio da herança; a transmissão desta; nos termos expressos do art. 62.º CC, os poderes do administrador da herança e do executor testamentário; a administração da herança pelos co-herdeiros; a liquidação e a partilha da mesma.
II. Indisputável a vis attractiva referida, supra, em 6.I., deve ser igualmente claro que o âmbito de competência da lei designada pelo art. 62.º CC resulta negativamente delimitado pela extensão do conceito-quadro das regras de conflitos consagradas nos arts. 63.º, 64.º e 65.º CC.
III. Mais, tem vingado na doutrina o entendimento de que, atento um imperativo de tutela da confiança do donatário, a redução de liberalidades feitas em vida pelo autor da sucessão é matéria a decidir pela lei pessoal do de cujus à data da realização da doacção, que não pela lex successionis definitiva tal qual esta é determinada ex art. 62.º CC (J. Baptista Machado, 1982: 449-450; L. Lima Pinheiro, 2009: 449-450; J. Gomes De Almeida, 2012: 159-160; cp. o art. 23.º, n.º 2, al. i) do Reg. (UE) n.º 650/2012, conjugado com as regras de conflitos do mesmo instrumento.
IV. Do mesmo passo, não deve olvidar-se que a vis attractiva referida em 6.II. supra não prejudica a necessidade de coordenação de certas disposições do estatuto sucessório com disposições integrantes de outros estatutos, mormente o familiar e o real. Assim, v.g., certo caber ao estatuto sucessório a regulação da partilha da herança, tem a lex rei sitae de ser auscultada, designadamante quanto à duração da indivisão sucessória e ao direito de pedir a partilha (J. Baptista Machado, 1982: 437; L. Lima Pinheiro, 2009: 550; cf., ilustrativamente, o art. 30.º do Reg. (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões e dos actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu).
V. Enfim, seja notado que as questões prévias jurídico-familiares, designadamente as suscitadas a propósito da atribuição da qualidade de herdeiro legítimo ou legitimário – v.g., a validade de uma adopção, a validade de um casamento – são de apreciar segundo a lei designada pelas regras de conflitos que lhes são autonomamente aplicáveis – cf. os arts. 49.º ss CC – e não à luz do estatuto sucessório. (FLORBELA, 147 / LLP 549 / ACRESCENTAR QUE TB AFC E JBM)


























ARTIGO 63º
(Capacidade de disposição)
A capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte, bem como as exigências de forma especial das disposições por virtude da idade do disponente, são reguladas pela lei pessoal do autor ao tempo da declaração.
Aquele que, depois de ter feito a disposição, adquirir nova lei pessoal conserva a capacidade necessária para revogar a disposição nos termos da lei anterior.

ANOTAÇÃO
Preceito sem correspondência no Código de Seabra
Trabalhos preparatórios: art. 19.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, Direito Internacional Privado, BMJ, n.º 24 (1951), pp. 9-71; art. 56.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, em colaboração com J. Baptista Machado, Aplicação das Leis no Espaço, Direito dos Estrangeiros e Conflitos de Leis, BMJ, n.º 136 (1964), pp. 17-46
Bibliografia: V. bibliografia referida na anotação ao art. 62.º
Jurisprudência:
Nota prévia: Com destaque particularíssimo atento o seu âmbito de aplicação universal (cf. o correspondente art. 20.º), o Reg. (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões e dos actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO L201, de 27 de Julho de 2012). As regras delimitadoras da entrada em vigor e do âmbito de aplicação temporal deste instrumento constituem objecto, respectivamente, dos arts. 84.º e 83.º correspondentes (o art. 84.º foi objecto de correcção publicada no JO L344, de 14 de Dezembro de 2012). Cf., muito em particular, os arts. 24.º, 25.º, 26.º, n.º 1, al. a), e n.º 2 deste instrumento.
I. O preceito anotando subtrai ao âmbito de competência da lei designada pelo art. 62.º as questões atinentes à capacidade para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte, bem como às exigências de forma especial das disposições por virtude da idade do disponente (cf., supra, os pontos 6. I e 6. II da anotação ao art. 62.º).
II. De conformidade com os seus termos, a regulação de tais questões pertence à lei pessoal do autor ao tempo da declaração. Que não, portanto, consoante sucederia caso estas matérias integrassem o âmbito de competência da lei designada pelo art. 62.º, à lei pessoal do autor da sucessão ao tempo da morte. Compreende-se a opção legislativa. Certo que o estatuto sucessório, determinado por referência ao momento da morte (cf. o art. 62.º), é competente para fixar os factos designativos, ainda que estes sejam factos passados, não sucede menos que quando o facto designativo seja uma declaração de vontade, existem certos aspectos com ele relacionados – assim, v.g., a capacidade para a sua emissão – que não podem deixar de ser regulados por uma lei contemporânea da sua manifestação. É que, de contrário, a correspondente valoração poderia ter lugar, e irrazoavelmente, de conformidade com lei com cuja aplicação o disponente poderia não contar. A explicação segue de perto o modo de expressão de J. Baptista Machado (1982: 438-439), autor que, discorrendo com respeito à sucessão voluntária, justamente sublinha a necessidade da distinção –
distinção esta reflectida nas soluções legais – entre dois estatutos: o «estatuto sucessório primário» ou «estatuto da sucessão», determinado ex art. 62.º CC, e o «estatuto da disposição», determinado ex arts. 63.º e 64.º CC, pelo qual se regem certas questões relativas à validade das disposições por morte. À luz desta discriminação, não existe obstáculo de razoabilidade a que a validade de um testamento em razão do conteúdo seja aferida pelo estatuto definido ex art. 62.º CC por isso que, substancialmente, o testamento só se apresenta como negócio jurídico completo com a morte do testador.
III. Tendo decidido pertencer à lei do autor ao tempo da declaração a competência para se pronunciar em matéria de exigências de forma por virtude da idade do disponente, o legislador resolveu directamente um problema de qualificação (J. Baptista Machado, 1982: 440; L. Lima Pinheiro, 2009: 235; J. GOMES DE ALMEIDA, 2012: 112; cp. o art. 27.º, n.º 3, do Reg. (UE) n.º 650/2012).
I. Prevendo a hipótese de o autor, depois de feita a disposição, mudar de lei pessoal, e a lei nova não lhe reconhecer capacidade para dispor, o nº 2 do preceito anotando estatui que o disponente conserva a capacidade necessária para revogar a disposição já feita, nos termos da lei anterior.
II. Trata-se de uma disposição que consagra, em matéria sucessória, uma solução paralela à do art. 29.º CC.
III. Segundo parece melhor, o disponente deve conservar a capacidade para dispor diferentemente dos seus bens, que não apenas a capacidade para revogar a declaração anterior (neste sentido, cf. F. Almeida Pires, 2009: 149; em sentido contrário, mas invocando argumentos que não logram persuadir, cf. J. Gomes De Almeida, 2012: 112-113 e notas 394 e 395; cf. o art. 26.º, n.º 2, do Reg. (UE) n.º 650/2012).














ARTIGO 64º
(Interpretação das disposições; falta e vícios da vontade)
É a lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração que regula:
A interpretação das respectivas cláusulas e disposições, salvo se houver referência expressa ou implícita a outra lei;
A falta e vícios da vontade;
A admissibilidade de testamentos de mão comum ou de pactos sucessórios, sem prejuízo, quanto a estes, do disposto no artigo 53.º.

ANOTAÇÃO
Preceito sem correspondência no Código de Seabra
Trabalhos preparatórios: art. 19.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, Direito Internacional Privado, BMJ, n.º 24 (1951), pp. 9-71; art. 57.º do Anteprojecto de, em colaboração com J. Baptista Machado, Aplicação das Leis no Espaço, Direito dos Estrangeiros e Conflitos de Leis, BMJ, n.º 136 (1964), pp. 17-46
Bibliografia: V. bibliografia referida na anotação ao art. 62.º
Jurisprudência: Ac. STJ 14.03.1979, BMJ, n.º 285, p. 341
Nota prévia: Com destaque particularíssimo atento o seu âmbito de aplicação universal (cf. o correspondente art. 20.º), o Reg. (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões e dos actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO L201, de 27 de Julho de 2012). As regras delimitadoras da entrada em vigor e do âmbito de aplicação temporal deste instrumento constituem objecto, respectivamente, dos arts. 84.º e 83.º correspondentes (o art. 84.º foi objecto de correcção publicada no JO L344, de 14 de Dezembro de 2012). Cf., muito em particular, os arts. 24.º, 25.º, 26.º, n.º 1, als. d) e e), e 75.º deste instrumento.
Como o art. 63.º CC, o preceito anotando subtrai ao âmbito da lei designada pelo art. 62.º a regulação de algumas questões, deferindo-a, sem prejuízo do que mais de espaço se dirá, à lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração. Subjazem àquela subtracção e a a este endosso razões que, atinentes à tutela das expectativas do disponente, foram já indicadas por respeito ao art. 63.º (cf. o ponto 5. II da anotação referente a esta disposição)
I. É à interpretação das disposições por morte que o artigo anotando começa por referir-se (cf. a al. a)). Para a submeter, consoante dito, à lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração.
II. Ressalva a parte final da al. a), contudo, a existência de uma referência expressa ou implícita a outra lei. Regista-se dissenso, na doutrina, quanto ao sentido a atribuir a esta ressalva. De conformidade com ponto de vista particular, a mesma corporiza o recebimento, no domínio jus-sucessório, do princípio da autonomia da vontade em Direito de Conflitos (R. Moura Ramos, 1991: 856; R. Moura Ramos, 1993: 86; A. Marques Dos Santos, 2002: 396). À luz de entendimento contrastante, a competência para a interpretação das disposições por morte pertence à lei pessoal do autor da sucessão ao tempo da declaração, não podendo à referência que o autor da declaração faça a outra lei ser atribuído o alcance de uma escolha conflitual por isso que a mesma deve apenas ser vista como uma autorização para que, no quadro da lei competente, elementos de um outro direito sejam tidos em conta para o efeito da interpretação das disposições por morte (F. Almeida Pires, 2009: 150; L. Lima Pinheiro, 2009: 222-223; L. Lima Pinheiro, 2010: 766; J. Gomes De Almeida, 2012: 92-93). Concorda-se com o ponto de vista por último exposto, afigurando-se que o legislador se teria servido de modo de expressão inequívoco se o caso tivesse sido o de pretender franquear as portas à possibilidade de uma professio iuris (corrobora este modo de perspectivar a consideração do n.º 1 do art. 57.º do Anteprojecto de 1964).
A despeito da solução consagrada na al. b) – rectius, a despeito da solução que deriva da tomada em consideração da al. b) e do corpo do preceito anotando –, já foi defendido na doutrina pátria que, pelo que à legitimidade para as acções de anulação ou de declaração de nulidade respeita, a lei designada ex art. 62.º se encontraria melhor colocada para intervir (neste sentido, J. Baptista Machado, 1982: 440).
Tomando posição sobre questão controvertida na doutrina e na jurisprudência portuguesas anteriores a 1966 – cf., para um relato, A. Ferrer Correia, 1982: 425 ss -, o preceito anotando defere à lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração a competência para se pronunciar quanto à admissibilidade de testamentos de mão comum (cf. a al. c)). Em detrimento da qualificação «forma», a opção legal fez-se pela qualificação «substância». Por boas razões – parece –, já que as reservas suscitadas pelos testamentos de mão comum têm na sua base preocupações relacionadas com o propósito de garantir a liberdade e a espontaneidade da vontade do testador e, assim, preocupações que relevam da substância do acto (cf. J. Baptista Machado, 1982: 447; A. Ferrer Correia, 1987: 130; A. Marques Dos Santos, 2008b: 215 ss; L. Lima Pinheiro, 2009: 551; J. Gomes De Almeida, 2012: 143-144).
I. Também a questão atinente à admissibilidade de pactos sucessórios é pelo preceito anotando submetida à competência da lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração (cf. a al. c)). Isto registado, importa notar que a parte final da al. c) ressalva – justamente quanto aos pactos sucessórios – o disposto no art. 53.º CC. De conformidade com entendimento divulgado, a esta ressalva há-de atribuir-se o significado de que a admissibilidade do pacto sucessório inserto na convenção antenupcial não depende da lei ou das leis pessoais dos pactuantes, antes da lei designada pelo art. 53.º CC para reger as convenções antenupciais (J. Baptista Machado, 1982: 444; L. Lima Pinheiro, 2009: 551; J. Gomes De Almeida, 2012: 151). Bem entendido, quando o pacto sucessório seja celebrado fora do contexto de uma convenção antenucpcial, a lei competente para aquilatar da correspondente admissibilidade e força vinculante é a lei pessoal do autor da sucessão que é parte contratante do pacto, concretizada a mesma ao tempo da declaração. Para a consideração e tratamento das eventuais dificuldades advenientes de pactos sucessórios relativos à sucessão de dois ou mais indivíduos quando a lei pessoal dos mesmos seja diferente, cf. J. Gomes De Almeida, 2012: 151-152.
II. Segundo entende J. Baptista Machado (1982: 445-446), o pacto sucessório que não é admitido pela lei pessoal do autor da herança ao tempo da celebração mas que é válido segundo a lei pessoal ao tempo da morte pode ser convertido em testamento se nessa conversão convier o estatuto sucessório (no mesmo sentido, cf. L. Lima Pinheiro, 2009: 552).
De conformidade com o ponto de vista de J. Baptista Machado (1982: 447), a renúncia à herança deve ser equiparada a um pacto sucessório para efeitos da alínea c) do art. 64.º e, assim, submetida à lei pessoal do autor da herança no momento da declaração (alinham pelo mesmo diapasão L. Lima Pinheiro, 2009: 552 e J. Gomes De Almeida, 2012: 152). Igual tratamento é por J. Baptista Machado (1982: 448-449) dispensado às convenções sobre testamento futuro (também aqui, com a anuência de L. Lima Pinheiro, 1989: 552).
A questão de saber se o testamento pode ser feito através de representante era pelo n.º 2 do art. 57.º do Anteprojecto de 1964 submetida à lei pessoal ao tempo da declaração. Na não transposição desta solução vêem os autores o sinal de que à mesma é aplicável, função da vis attractiva do estatuto sucessório (cf., supra, o ponto 6.I. da anotação ao art. 62.º), a lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste (neste sentido, cf. J. Baptista Machado, 1982: 440; L. Lima Pinheiro, 2009: 546).






















ARTIGO 65º
(Forma)
As disposições por morte, bem como a sua revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que remete a norma de conflitos da lei local.
Se, porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, será a exigência respeitada.

ANOTAÇÃO
Preceito sem correspondência no Código de Seabra
Trabalhos preparatórios: art. 20.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, Direito Internacional Privado, BMJ, n.º 24 (1951), pp. 9-71; art. 58.º do Anteprojecto de A. Ferrer Correia, em colaboração com J. Baptista Machado, Aplicação das Leis no Espaço, Direito dos Estrangeiros e Conflitos de Leis, BMJ, n.º 136 (1964), pp. 17-46
Bibliografia: V. bibliografia referida na anotação ao art. 62.º
Jurisprudência: Acs. STJ 12.05.1992, BMJ, n.º 417 (1992), p. 759, 09.01.1996, BMJ, n.º 453 (1996), p. 499, 12.10.2006 (6B3254); Ac. RC 27.05.2003, CJ – XXVIII (2003), III, p. 19; Ac. RL 16.03.1995, CJ – XX (1995), II, p. 80; Ac. RP 23.10.1997, CJ – XXII (1997), IV, p. 224
Nota Prévia Com destaque particularíssimo atento o seu âmbito de aplicação universal (cf. o correspondente art. 20.º), o Reg. (UE) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Julho de 2012 relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões e dos actos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu (JO L201, de 27 de Julho de 2012). As regras delimitadoras da entrada em vigor e do âmbito de aplicação temporal deste instrumento constituem objecto, respectivamente, dos arts. 84.º e 83.º correspondentes (o art. 84.º foi objecto de correcção publicada no JO L344, de 14 de Dezembro de 2012). Cf., muito em particular, o art. 27.º deste instrumento.
I. Dispondo para o domínio particular das disposições por morte, o art. 65.º consagra, quanto à forma, solução paralela à que do art. 36.º CC resulta pelo que às declarações negociais em geral respeita (cf. o n.º 1 do art. 63.º pelo que tange às exigências de forma especial por virtude da idade do disponente e os pontos 5.I, 5.II. e 5.III da anotação correspondente).
II. Norteado pelo propósito do favorecimento do negócio, o legislador envereda, no seu quadro, por estrutura de conexão alternativa. Por força dessa estrutura, devem as disposições por morte ser consideradas como (formalmente) válidas uma vez que qualquer uma das leis alternativamente indicadas as considere como tal (cf., porém, o que fica posto, infra, sob 6.).
III. São quatro as leis alternativamente aplicáveis ex art. 65.º, n.º 1: a lei do lugar da celebração do acto, a lei pessoal do autor da herança no momento da celebração, a lei pessoal do autor da herança no momento da morte e, enfim, a lei para que remete a norma de conflitos da lei local (discorrendo no sentido de que, em caso de uma pluralidade de leis nacionais, todas devem ser consideradas para os efeitos do art. 65.º, n.º 1, cf. J. Gomes De Almeida, 2012: 128-129).
IV. A referência à lei para que remete a norma de conflitos da lei local – cf. o n.º 1, in fine – monta à aceitação, com fundamento no princípio do favor negotii, de um reenvio. Vendo na solução um caso de recebimento, entre nós, do sistema da devolução simples, cf. F. Almeida Pires, 2009: 152; advogando que, em linha com o n.º 1 do art. 17 CC, a solução consagrada na parte final do n.º 1 do art. 65.º força o aplicador ao emprego da metodologia que corresponde aos sistemas da devolução integral, cf. L. Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado. Vol. I, Introdução e Direito de Conflitos. Parte Geral, reimp. 2ª ed. refundida, Almedina, Coimbra, 2009, p. 493 e J. Gomes De Almeida, 2012: 130.
I. Não é o que ficou dito de molde a oferecer um quadro completo das soluções que no art. 65.º se abrigam.
II. É que, restringindo o alcance do princípio do favor negotii que inspira o n.º 1, o legislador introduz um limite, ex n.º 2, à técnica da conexão alternativa. Nos seus termos, se a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, será a exigência respeitada. Resulta daqui que, vistas bem as coisas, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração não é pelo legislador colocada em pé de igualdade com as demais a que o n.º 1 se refere. Com efeito, a conformidade com estas só é suficiente – em ordem a fundamentar um juízo favorável à validade formal das disposições por morte, isto é – se a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração não exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro. Quando isto não suceda – entenda-se: quando a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro –, resulta do n.º 2 que, sob pena de invalidade, tem essa exigência de ser observada.
III. Registe-se que não é toda e qualquer exigência relativa à forma que na lei pessoal do autor da herança no momento da declaração se contenha a ter, nos termos e para os efeitos do n.º 2, de ser respeitada. O n.º 2 confere relevância – apenas confere relevância – às disposições materiais da lei pessoal do autor da herança que, regendo em matéria de forma das disposições por morte, estabeleçam exigências que se aplicam ainda que o acto seja celebrado no estrangeiro
IV. Constitui-se o n.º 2 do art. 65.º, desta sorte, em fonte de uma norma de remissão condicionada que permite ter em conta normas materiais estrangeiras que, como a consagrada pelo art. 2223.º CC, têm uma vontade de aplicação ainda que o acto seja praticado no estrangeiro. NANI
V. Por isso que a norma material sedeada no art. 2223.º vê o correspondente âmbito de aplicação espacial ser recortado por uma regra de conflitos unilateral ad hoc que no mesmo art. 2223.º tem fonte, a sua atendibilidade por parte de aplicador português não é função do n.º 2 do art. 65.º CC, antes se constitui em resultado da vinculação do aplicador nacional àquele critério conflitual que, porquanto especial, prevalece sobre o (geral) constante do art. 65.º, n.º 1 CC. VER J. GOMES DE ALMEIDA, 2012, 132. + PÁG 134
Depositária de regras de direito substantivo, está em vigor desde 9 de Fevereiro de 1978, na ordem internacional como na ordem interna portuguesa, a Convenção Relativa à Lei Uniforme sobre a Forma de um Testamento Internacional, concluída em Washington, sob os auspícios do UNIDROIT, em 26 de Outubro de 1973. A adesão a esta Convenção foi aprovada pelo Decreto n.º 252/75, publicado no DR n.º 119, de 23 de Maio 1975 (a seu respeito, cf., por último, J. Gomes De Almeida, 2012: 126-127).






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