Antes da vaidade, para defensorar é necessário saber resolver problemas

June 4, 2017 | Autor: V. Siqueira de Assis | Categoria: Defensoria Pública, Defensoria, Defensorar
Share Embed


Descrição do Produto

03/05/2016

Antes da vaidade, para defensorar é necessário saber resolver problemas

Segunda-feira, 4 de maio de 2015

Antes da vaidade, para defensorar é necessário saber resolver problemas Victor Hugo Siqueira Defensor Público no Maranhão

1520

0

0

Facebook Twitter  

 

-

0

Google PlusLinkedin  

Envie para um amigo

 

Por Victor Hugo Siqueira // Defensorar**

  Quando decidi prestar concurso público, não conseguia criar em minha mente uma imagem de trabalho que não fosse na Defensoria Pública. Longe da demagogia e do lugar-comum, a possibilidade de ajudar os menos favorecidos a efetivamente solucionar seus problemas fascinava, ao mesmo tempo em que se mostrava um grande desafio. De fato, não estava enganado. Dito isso, posso afirmar que o início da minha atuação como defensor público foi nada mais do que frustrante. Sentia que não via o Direito se realizar aos meus olhos. Os processos não transcorriam de forma célere e eficaz. A demanda por atendimentos e ações era insuportável. A escassez de colegas tornava a atuação um calvário. Os assistidos cobravam. As desculpas cada vez se tornavam mais elaboradas e, em consequência, mais vazias. O sistema de justiça era tão falho ou eu que não conseguia transformar meu conhecimento técnico em soluções práticas? Seria eu um “pseudovocacionado”? Sim e não. Em nome de uma suposta efetividade, peticionava como se estivesse numa linha de montagem. O Direito seria o automóvel pronto para o uso. O assistido traria a carcaça para iniciarmos a produção. Eu seria o fiscal que faria com que todo o processo corresse da forma como imaginava que seria o correto. O juiz apenas decidiria depois do excelente trabalho que eu havia realizado, com criação de teses, rebuscamentos teóricos e jurisprudências atualizadas. Diante desse panorama, percebi que, além da pedância demonstrada, havia me distanciado exatamente do que me fez querer ser defensor público: solucionar os problemas dos que mais necessitam. Desse dia em diante, não existia outra alternativa para mim, passei a “defensorar”. Sendo assim, gostaria de dividir uma situação real que demonstra de forma bastante clara o que o título do texto propõe. A Lei Complementar nº 80/1994, alterada pela Lei Complementar nº 132/2009, traz em seu artigo 4º, http://justificando.com/2015/05/04/antes-da-vaidade-para-defensorar-e-necessario-saber-resolver-problemas/

1/3

03/05/2016

Antes da vaidade, para defensorar é necessário saber resolver problemas

inciso II, que “Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: (...) II – promover, prioritariamente, a soluçãoextrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;”. Por sua vez, o §4º desse mesmo artigo versa que “§4º. O instrumento de transação, mediação ou conciliação referendado pelo Defensor Público valerá como título executivo extrajudicial, inclusive quando celebrado com a pessoa jurídica de direito público.” Diante do texto legal e da realidade fática, imperioso se fazia que minha atuação fosse pautada na priorização da solução efetiva e extrajudicial das controvérsias que chegavam ao meu conhecimento. E foi dessa forma que recebi uma senhora extremamente aflita e receosa de ser expulsa do local onde morava. O caso se apresentava da seguinte forma: a assistida havia se casado sob o regime da comunhão parcial de bens no ano de 2010, inexistindo pacto antenupcial. Seu esposo, na época divorciado, era proprietário de um imóvel, além de possuir dois filhos do primeiro casamento. Ocorre que, em janeiro de 2015, o esposo da assistida faleceu, iniciando seu calvário. Logo após a morte do marido da assistida, a filha daquele tentou se mudar para a casa onde o casal residia, utilizando, inclusive, de ameaças. Alegava a mesma que, diante do fato do imóvel ter sido adquirido antes do casamento, a assistida não teria direito a ele, devendo sair da casa em uma semana. Desesperada, a senhora procurou a Defensoria Pública com o intuito de receber orientação de como deveria proceder. Após acalmá-la e ouvir seu relato, meu coração estava apertado, minha cabeça fervilhava de ideias. Teses acerca de direito real de habitação, direito de moradia, dignidade da pessoa humana pululavam, e passei a explicar àquela senhora todas as possibilidades que se faziam presentes. Foi quando ela me olhou e disse: “Doutor, só quero um lugar para morar.” Mais uma vez a realidade me trazia de volta do tentador paraíso das teses. Enviei uma notificação aos filhos do de cujus em busca de uma solução amigável. Dois dias depois, estavam os três em minha sala. As mágoas eram visíveis, a disposição para conciliação era quase nula, mas, após quase uma hora de conversa e explicações acerca de direitos e deveres, conseguimos chegar a um acordo. A assistida assinaria um documento abrindo mão do seu direito real de habitação sobre o imóvel em questão (seria feito por escritura pública), desde que os irmãos lhe pagassem metade do valor de mercado do mesmo. O numerário seria levantado no prazo de dez dias. Confesso que, mesmo após celebrado o acordo, não nutri muitas expectativas acerca de seu cumprimento. Uma semana se passou. A assistida retornou à Defensoria Pública e me pediu que analisasse um esboço de documento confeccionado em cartório onde ela abria mão do direito real de habitação sobre o imóvel em troca de uma contrapartida financeira, tal como avençado uma semana antes. Os irmãos tinham feito uma proposta e ela havia aceitado o valor. Disse-lhe que só assinasse após o depósito em sua conta-corrente, seria mais seguro. No outro dia, a senhora retorna ao núcleo, olhos cheios de lágrimas, mas com um sorriso sincero e espontâneo. Gostaria de agradecer. O valor foi depositado e ela já estava negociando a compra de sua casa com uma antiga vizinha. Até o final do mês de março http://justificando.com/2015/05/04/antes-da-vaidade-para-defensorar-e-necessario-saber-resolver-problemas/

2/3

03/05/2016

Antes da vaidade, para defensorar é necessário saber resolver problemas

de 2015 já deveria se mudar. Alguns podem alegar que o documento de renúncia ao direito real de habitação não teria valor legal. Outros, que a técnica foi totalmente deixada de lado e a segurança jurídica se mostra afastada com esse tipo de solução. Prefiro acreditar que estávamos ali realizando o Direito em sua acepção mais primordial, quando solucionar conflitos é mais importante que doutrinar através dos autos. Victor Hugo Siqueira de Assis é Especialista em Direito Processual Penal. Defensor Público do estado do Maranhão. ** Nota de Eduardo Newton, coordenador da Defensorar: Em nenhum momento a coluna Defensorar foi concebida como projeto pessoal, até mesmo porque não poderia invocar uma possível competência exclusiva e única relativa ao conhecimento sobre Defensoria Pública. De que adiantaria teorizar sobre pluralismo, se esse espaço não permitisse que outras vozes pudessem participar do diálogo? Com muita satisfação, o Brenno Tardelli me encaminhou esse belíssimo texto do maranhense Victor Hugo Siqueira de Assis, que narra sua criativa atuação extrajudicial. O nobre colega Victor Hugo Siqueira de Assis da Defensoria Pública do estado do Maranhão demonstra, e de maneira clara, que defensorar exige conhecimento e, ainda, humildade para reconhecer que nem sempre as formalidades do processo podem atender os anseios dos defendidos. Um último ponto merece ser destacado: Victor Hugo praticou um preceito que reputo importante no exercício da atividade decorrente do cargo de defensor público: soube respeitar a vontade do Outro; não confundindo, portanto, o aconselhamento com a imposição de seu ponto de vista. Se o defensor público não pode ser visualizado como um despachante jurídico, sob pena de demandas absurdas chegarem ao conhecimento do Poder Judiciário, também deve fugir da postura messiânica, ou Tabajara (procure o seu defensor e seus problemas acabaram), que, na realidade, despreza a autonomia do ser humano.

http://justificando.com/2015/05/04/antes-da-vaidade-para-defensorar-e-necessario-saber-resolver-problemas/

3/3

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.