António Dinis da Cruz e Silva, O Hissope. Poema Herói-Cómico, edição crítica, Coimbra, Angelus Novus, 2006, 480 pp. Co-autores: Ana María García Martín e Pedro Serra.

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António Dinis da Cruz e Silva

O HISSOPE Poema Herói-Cómico

Edição Crítica

por

Ana María García Martín e Pedro Serra

ÍNDICE

I. A TRADIÇÃO MANUSCRITA DE O HISSOPE I.1. O manuscrito-base da presente edição crítica I.2. Os manuscritos integralmente cotejados I.3. Outros manuscritos coligidos II. A TRADIÇÃO IMPRESSA DE O HISSOPE II.1. A edição princeps de 1802 II.2. A edição de José Ramos Coelho de 1879 II.3. A edição de José Pereira Tavares de 1950 II.4. Outras edições principais II.5. Edições integradas em volumes conjuntos e revistas II.6. Traduções integrais de O Hissope III. AS VERSÕES DE O HISSOPE III.1. Comparação dos mss. de 6 e 7 cantos III.2. Comparação dos mss. de 7 e 8 cantos III.3. Os manuscritos de 9 cantos

IV. PARA UMA LEITURA DE O HISSOPE IV.1. Círculo do riso IV.2. Podão pintado IV.3. Um feto ridículo IV.4. Alto e sublimado, grandíloquo e corrente IV.5. Abrirem-se os montes e saírem ratinhos BIBLIOGRAFIA GERAL CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO TEXTO SOBRE AS NOTAS As notas filológicas As Observações Polyhistóricas e restante anotação do poema As siglas utilizadas Os desenhos e as gravuras O HISSOPE Canto Primeiro Canto Segundo Canto Terceiro Canto Quarto Canto Quinto Canto Sexto Canto Séptimo Canto Outavo

Notas Filológicas C. I C. II C. III C. IV C. V C. VI C. VII C. VIII

………………………………… O Hissope recorda–nos, com Henri Bergson, que não nos rimos a sós, o riso requer «cumplicidade»1. Produzido num momento anterior ao primado cultural do «subjectivismo» romântico, foi todavia precisamente na deriva portuguesa dessa configuração estético–ideológica que o poema herói–cómico viria a ter uma como que segunda vida2. A reflexão bergsoniana sobre o riso vale–nos especialmente pois, como já foi referido, a perspectiva psico–social que adoptou assenta na procura do irrepresentado da psiqué colectiva, superando assim o mecanismo (e mecanicismo) «egótico» romântico: «L' interprétation du rire proposée par Bergson diffère radicalement de toutes celles qui précèdent, en particulier parce qu' elle déborde le partage disciplinaire et qu' elle s' émancipe de la causalité subjective. Pour la première fois – et cette extrême originalité explique peut–être les malentendus qui se sont attachés à sa réception – le rire est compris comme l' une des formes les plus socialisées de l' impensé émotionnel et de ses effects incontrôlés dans les groupes sociaux»3. A julgar pela tradição impressa do poema, o muito que terá feito rir durante o século XIX, obviamente, denuncia uma re–semantização do riso. A fábula que se foi configurando à volta da origem de O Hissope é bem reveladora desse facto. Vai tomando forma, fundamentalmente, a imagem de um Cruz e Silva criando o poema em sede íntima. O Elpino Nonacriense de um Teófilo Braga é já um sujeito romântico que, no espaço fantasmaticamente arcádico do elvense Sótão do Falcato, mais próximo de um cenáculo informal de amigos, faz a observação de vícios públicos e utiliza o riso como modo de denúncia e transcenção. Depois de passar em revista os tipos humanos da cidade da província, diz–nos: «Todos eles davam elementos de risota nas conversas desenfadonhas do Sótão do Falcato. Dinis vivia o seu poema 1

Cf. 1978: passim. A editio princeps do poema, póstuma, data de 1802. Seguiram–se inúmeras e assíduas edições ao longo do século XIX: Lisboa, 1808; Paris, 1817; Paris, 1821; Paris, 1834; Lisboa, 1834; Rio de Janeiro, 1844; Rio de Janeiro, 1853; Braga, 1872; Barcelos, 1876; Lisboa, 1879; Porto, 1886; Lisboa, 1889. Cf. Pimentel, 1921. 3 Nelly Feuerhahn, 1996: 29. 2

herói–cómico em estado virtual»4. Um Cruz e Silva que fizesse preceder «virtualmente», i.e., pela imaginação, o poema devolve–nos algo como aquela injunção baudelairiana segundo a qual «la potencia de la risa radica en el que ríe y en modo alguno en el objeto de la risa»5. O risum movet é lido pelo prisma de uma cultura plenamente subjectivada, i.e., burguesa. Neste quadro mental o indivíduo reage à comédia de costumes, distanciando–se dela precisamente pelo riso, i.e., um ponto de vista desde o qual pode transcender o social: «Elvas abundava em uma galeria de figuras ridículas e personalidades grotescas, que eram o pábulo contra a monotonia da vida provinciana; tudo isso produziu em Dinis uma disposição para a sátira, que uma anedota prolongada o impeliria para um poema herói–cómico»6. Por palimpsesto, Teófilo parece querer ver um Eça, talvez aferindo o poema por uma arte afim à literatura nova. Note–se como o comentário do membro da Geração Crítica pressupõe um meio em si mesmo «ridículo» e «grotesco» que moveria um dictum poético – a «sátira» – originado na «disposição» do autor. Todavia, como argumentaremos ao longo deste ensaio, a poetologia de um Cruz e Silva não é exactamente homologável a este modelo epistémico e estético. O riso que move Elpino Nonacriense dista ainda daquele que será o de um espaço público plenamente autonomizado como foi o que conformou a Geração Crítica. O círculo ridente, digamos universal, que as condições materiais da cultura portuguesa a partir da segunda metade do século XIX permitem, contrasta com as contigências culturais da segunda metade do século XVIII, que determinam uma esfera pública de amplitude completamente diferente. A fábula de Teófilo não terá falhado por muito. Cabe recordar aqui, neste sentido, aquele momento imediatamente anterior à formação de uma publicidade autónoma, para que nos chama a atenção Jürgen Habermas: «Aún antes de que la publicidad se volviera pugnaz respecto del poder público – para acabar completamente distanciada de él –, a través del raciocinio político de las personas 4

Braga, s.d.: 151. 2000: 1241. 6 Ibidem: 149. 5

privadas, se formó bajo su manto una publicidad de configuración impolítica: el embrión de la publicidad políticamente activa»7. O universo burguês que é o de António Dinis da Cruz e Silva, e do movimento arcádico em que se inscreve, é um universo contíguo ao mundo aristocrático. A reanimação arcádica do Humanismo é a cultura com que se representa essa sociedade burguesa–aristocrática no âmbito da centralização/estatização do Poder sob o impulso pombalino8. O Hissope não foi legitimado na Arcádia, nem tal legitimação, pelas especificidades do poema, como argumentaremos, teria sido pensável. Todavia, ele pede muito à cultura arcádica, ou à sua deriva, depois de um momento álgido que vai de 1757 a 1761. O ethos do «clássico» é plenamente convocado no poema. O riso que solicita passa, precisamente, pela aferição do «real» por essa cultura, que se perfila, assim, como estalão moral que nega esse «real». Por «real» entendemos o Outro da cultura arcádica, cortesã e fundamentada no bon goût. Não se trata, pois, de carnavalizar a língua do genus épico9 – ao jeito de uma Eneida Travestita de Giambattista Lalli ou de um Virgile Travesti, de Scarron, poemas seiscentistas –, ou, menos ainda, da literatura que faz o «bom gosto». O círculo do riso culto em que se insere o poema bloqueia a função crítica desse riso. Isto porque a circulação restrita desse impulso ridente, vinculada de modo determinante ao curso manuscrito do poema, não nos permite interpretar O Hissope como imagem dialéctica. Outra coisa não seria de esperar de uma obra que só viria conhecer a publicidade do impresso no século XIX. Antes dela, o riso que pode ter movido foi, neste sentido, «impolítico», precisamente por não indiciar um qualquer auto–distanciamento. 7

1997: 67. O arcadismo, neste sentido, é um espaço não plenamente autónomo em relação à referida estatização. Idealmente pensado como locus de uma Razão emancipada, não deixou de ser speculum do narcisismo desse estado. Cf. Saraiva–Lopes, 1996: 593 e ss. 9 Claude Maffre, analisando o estilo herói–cómico presente em Nicolau Tolentino maneja o seguinte conceito: «Le style héroï–comique peut–être, à juste titre, consideré comme une parodie de l’ épopée» (1994: 488). Em O Hissope, do nosso ponto de vista, do que se trata é de produzir uma competente mímica da linguagem da epopeia, de modo a desvincular o mundo representado do modo discursivo que o representa. A décalage não ocorre tanto por excesso do significante mas sim por defeito do significado. 8

O Hissope. Poema Herói-Cómico de António Dinis da Cruz e Silva, edição crítica (Coimbra, Angelus Novus, 2006, 480 pp.). Co-autor: Ana María García Martín.

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