António Maria Mourinho - Testemunhos de uma Vida

June 15, 2017 | Autor: Sérgio Gorjão | Categoria: Biografia, Miranda do Douro, António Maria Mourinho, Museu da Terra de Miranda
Share Embed


Descrição do Produto

António Maria Mourinho (1917-1996)

Homenagem nos 25 anos do Museu da Terra de Miranda

Testemunhosdede uma vida Testemunhos

Instituto dos Museus e da Conservação Museu da Terra de Miranda

18 de Maio de 2007

Bestimos de burel? - Yê l nôsso, antigo, fôrte i bu~ gasalho Naid’ te nada cu~ él. ... - Bestiru l’ nôssos abós I nu~ éra mais que nós. (...) Bendita séia la rôca, La carda i la spadiêlha!... Nossa Alma i Nossa Tierra

Fiadeira de roca pormenor de um retábulo em talha dourada e policroma, séc. XVII-XVIII Igreja de N. S. do Monte (Duas Igrejas) Fiadeira de Roca / MTM / Sérgio Gorjão / 2007

2|

Ficha técnica Título

ANTÓNIO MARIA MOURINHO (1917-1996) – TESTEMUNHOS DE UMA VIDA – HOMENAGEM NOS 25 ANOS DO MUSEU DA TERRA DE MIRANDA (2007)

Coordenação Editorial

Sérgio Gorjão (Director do Museu da Terra de Miranda)

Nota introdutória

Manuel Bairrão Oleiro (Director do Instituto dos Museus e da Conservação)

Textos

Amadeu Ferreira (Vice presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) | António Bárbolo (Director do Centro de Estudos António Maria Mourinho) | António Nabais (Director do Museu Etnográfico e Arqueológico Dr. Joaquim Manso - Nazaré e Presidente da Associação Portuguesa de Museologia) | António Rodrigues Mourinho (Sobrinho, Historiador e Ex-Director do Museu da Terra de Miranda) | Balbina Mendes (Pintora) | Belarmino Afonso  (ex-Director do Arquivo Distrital de Bragança) | Carlos Ferreira (Vice-presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano) | Domingos Duarte Lima (Advogado, Deputado à Assembleia da República) | Domingos Raposo (Professor e linguista mirandês) | Francisco Valentim Garcia (Advogado) | Hermínio Augusto Bernardo (Professor e Historiador) | João Manuel Neto Jacob (Director do Museu do Abade de Baçal) | José Domingos Mourinho (Sobrinho) | José Miguel Moser (Economista, Ex-Vice-Presidente do IPPC) | Júlio Meirinhos (Presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano, Ex Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, Governador Civil do Distrito de Bragança e Deputado à Assembleia da República) | Justino Mendes Ferreira (Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões” e Vicepresidente da Academia Portuguesa de História) | Manuel Rodrigo Martins (Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro) |Manuela Barros Ferreira (Linguista e coordenadora do Grupo de Estudos de Língua Mirandesa) | Margarida Celeste Mourinho da Veiga (Sobrinha) | Maria Justina Moreira Gomes (Dirigente no Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - Pauliteiros de Miranda) | Maria Olinda Santana (Coordenadora Científica e Técnica do Arquivo Pessoal António Maria Mourinho e do Centro de Estudos António Maria Mourinho) | Maria Rosa Mourinho (Sobrinha) | Natália Correia Guedes (Professora da Universidade Católica Portuguesa e da Unibersidade Lusíada, Ex Subsecretária de Estado e Presidente do IPPC) | Sérgio Gorjão (Director do Museu da Terra de Miranda) | Silvério Benigno Pires (Cónego da Sé de Bragança e Reitor do Seminário Maior de São José de Bragança) | Teresa Perdigão (Antropóloga)

Com a colaboração especial de

Maria da Lurdes Reis Mourinho (viúva do Dr. António Maria Mourinho) Ângelo Arribas (Gaiteiro e artesão - Freixiosa) Aureliano António Ribeiro (Mestre-artesão, criador da capa de honras inaugural e da capa de honras dos 25 anos do MTM) Carlos Moreira (Grupo de Pauliteiros e Pauliteiras de Miranda do Douro) Darvim Garcia (Grupo de Pauliteiros de Picote) Esmeraldino Fernandes (Grupo de Pauliteiros de Malhadas) Gualdino Raimundo (Grupo de Pauliteiros e Pauliteiricos - Palaçoulo) João Paulo Liberata Machado José Preto (Viti-vinicultor, produtor do vinho de celebração dos 25 anos do MTM – primeiro vinho DOC do Planalto Mirandês - Sendim) Manuel Rodrigo Martins, Eng.º (Presidente Câmara Muncipal de Miranda do Douro) Maria Justina Moreira Gomes (Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - Pauliteiros de Miranda) Paulo Meirinhos (Associação Mirandanças - Grupo de Pauliteiricos de Miranda do Douro) Paulo Preto (Músico) Sérgio Granadeiro (fotógrafo) do Jornal Expresso Sérgio Meirinhos (Grupo de Pauliteiros de Fonte Aldeia)

|3

Apoios Arquivo Distrital de Bragança Associação Cultural de Pauliteiros de Miranda Associação Mirandanças - Grupo de Pauliteiricos de Miranda do Douro Câmara Muncipal de Miranda do Douro Casa da Música Mirandesa (CMMD) Grupo de Pauliteiros e Pauliteiricos (Palaçoulo) Grupo de Pauliteiros de Fonte Aldeia Grupo de Pauliteiros de Malhadas Grupo de Pauliteiros e Pauliteiras de Miranda do Douro Grupo de Pauliteiros de Picote Jornal “Expresso” Equipa do Museu da Terra de Miranda Celina Bárbaro Pinto Margarida Nunes Macedo Isabel de Pêra Rosa de Oliveira e Silva Cláudia Ventura Carlos Pais Fotografia Arquivo Pessoal de Maria de Lurdes Mourinho Arquivo Pessoal de António Rodrigues Mourinho Instituto dos Museus e da Conservação / Museu da Terra de Miranda Instituto dos Museus e da Conservação / Museu do Abade de Baçal Instituto do Vinho do Douro e do Porto (Colecção Domingos Alvão) Sérgio Granadeiro (Jornal Expresso) Documentação Arquivo da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais Arquivo do Museu da Terra de Miranda Arquivo Pessoal de Maria de Lurdes Reis Mourinho Fotografia da capa Quem é você? - P. Mourinho (assinatura ilegível) 17.07.1982 IMC / Museu da Terra de Miranda Foto da contracapa Dr. António Maria Mourinho em Capa de Honras, ostentando as suas condecorações Sérgio Granadeiro (Revista Expresso, 15.07.1995) Reprodução por cortezia de Sérgio Granadeiro e Jornal “Expresso” Design Gráfico Costa Valença, Publicidade e Artes Gráficas, Lda. Pré-impressão, Impressão e acabamento Impresse4, Sociedade de Edições e Impressão, Lda. Edição © Instituto dos Museus e da Conservação 2007-05-18 Tiragem 1000 exemplares ISBN 978-972-776-328-3 Depósito legal XXXXXXXXXXXX Museu da Terra de Miranda Praça de D. João III, n.º 2, 5210-190 MIRANDA DO DOURO Tel./Fax.: 273 431 164 - [email protected] - www.ipmuseus.pt

4|

Porta de N. S. do Amparo IVDP / Col. Domingos Alvão / c. 1940

|5

6|

Índice Ficha Técnica

3

Índice

7

Nota Introdutória - Manuel Bairrão Oleiro (Director do Instituto dos Museus e da Conservação)

9

Apresentação – Sérgio Gorjão (Director do Museu da Terra de Miranda)

11

Testemunhos Recordação - Sérgio Gorjão

15

Dr. António Maria Mourinho - Belarmino Afonso

39

L segredo de António Maria Mourinho - Amadeu Ferreira

40

António Maria Mourinho: un teçtemunho - António Bárbolo

42

António Maria Mourinho (1917-1996) - Memórias… - António Nabais

43

O Humor do Padre Dr. António Maria Mourinho - António Rodrigues Mourinho

44

Obreiro de gente - Balbina Mendes

49

O Cura Mourinho: O Cura Mirandês por excelência - Carlos Ferreira

50

António Maria Mourinho - O Quixote da cultura mirandesa - Domingos Duarte Lima

52

Evocação do Pe. Doutor António Maria Mourinho (1917-1996) - Domingos Raposo

53

Pe. Doutor António Maria Mourinho - Francisco Valentim Garcia

55

Ao Padre Dr. António Maria Mourinho - Hermínio Augusto Bernardo

56

“Afinal o Diabo não é tão feio como o pintam” - João Manuel Neto Jacob

57

Exmo. Senhor Director do Museu da Terra de Miranda - José Domingos Mourinho

69

Em Homenagem a Um Notável Investigador da Cultura Regional Portuguesa - José Miguel Moser

70

Vinte e cinco anos depois: homenagear é continuar - Júlio Meirinhos

71

António Maria Mourinho (a modéstia do sábio) - Justino Mendes Ferreira

73

O Pe. António Maria Mourinho: O mais ilustre dos mirandeses - Manuel Rodrigo Martins

74

Recordando António Maria Mourinho, defensor da Lhéngua - Manuela Barros Ferreira

76

Padre Dr. António Maria Mourinho – Lembranças de sua sobrinha Margarida - Margarida Celeste Mourinho da Veiga

78

Lembrando-te Pe. Mourinho - Maria Justina Moreira Gomes

80

Testemunho sobre Dr. António Maria Mourinho e o Museu da Terra de Miranda - Maria Olinda Santana

82

Memórias de meu Tio Padre Mourinho… - Maria Rosa Mourinho

83

Pe. Dr. António Maria Mourinho - Natália Correia Guedes

84

In Memoriam…Dr. António Maria Mourinho - Silvério Benigno Pires

85

Um tributo - Teresa Perdigão

89

Nota Final - António Maria Mourinho

90

Contributo para uma cronologia da vida e obra do Dr. António Maria Mourinho - Sérgio Gorjão

93

“Tiu” Manuel Felício (Mestre-gaiteiro de Vale de Mira) IVDP / Col. Domingos Alvão / c. 1940

|7

8|

Nota Introdutória Manuel Bairrão Oleiro Director do Instituto dos Museus e da Conservação

A circunstância de decorrerem no próximo Dia Internacional dos Museus (18 de Maio) vinte e cinco anos sobre a criação do Museu da Terra de Miranda propicia uma justa e merecida homenagem a António Maria Mourinho, seu fundador e primeiro director. Natural de Sendim, onde nasceu em Fevereiro de 1917, António Maria Mourinho demonstrou, desde cedo, grande interesse por todas as questões que diziam respeito ao património cultural mirandês. Após a conclusão da sua formação em Teologia, no Seminário de Bragança, e já como Pároco de Duas Igrejas, António Maria Mourinho iniciou um percurso eclético e abrangente de pesquisa e divulgação de raízes culturais do Nordeste Transmontano, na senda de trabalho similar desenvolvido pelo Abade de Baçal, com quem aliás manteve contactos a propósito da história e do património regional. Se a etnologia e a arqueologia foram áreas de trabalho a que dedicou profícua atenção, como bem o demonstram as colecções que reuniu para criar o Museu da Terra de Miranda, talvez o legado maior de António Maria Mourinho tenha sido o que possibilitou reavivar o mirândes, publicando, obras de poesia e prosa, recolhendo e divulgando lendas e contos tradicionais, mas também editando estudos linguísticos, afirmando-o, em qualquer fórum onde intervinha, como um dos factores de identidade distintiva da Terra de Miranda e das suas gentes. Por iniciativa do actual Director do Museu da Terra de Miranda, Dr. Sérgio Gorjão, reuniram-se nesta ocasião testemunhos de quem com ele privou, de quem estudou e apreciou a obra de António Maria Mourinho nas suas diversas componentes, todas elas enriquecedoras e de consulta indispensável a quem se interessa pela história, pelo património, pelos usos e tradições da região mirandesa. Como director do Instituto dos Museus e da Conservação estou convicto que a requalificação do Museu da Terra de Miranda, cujo projecto se encontra em fase de conclusão e que aprofundará e ampliará o estudo e a exposição do património cultural mirandês, constitui a melhor forma de homenagear António Maria Mourinho, prosseguindo a obra de salvaguarda e divulgação pública das marcas culturais da região mirandesa, à qual dedicou a sua vida de estudioso e investigador. Domus Municipalis Col. Particular / c. 1950-60

|9

10 |

Apresentação Sérgio Gorjão Director do Museu da Terra de Miranda Vinte e cinco anos se passaram desde que o Museu da Terra de Miranda (MTM) abriu as suas portas pela primeira vez ao público. Em 1982, num momento de especial afirmação cultural, tendo à frente um dos maiores vultos da cultura portuguesa e transmontana do século XX, o Museu propôs-se a ser um coração pulsante da Cultura nas Terras de Miranda. Esta herança do Dr. António Maria Mourinho, mais conhecido pelo “Pe. Antonho”, foi construída pedra a pedra, entre o frio e o calor intensos, e com uma extraordinária dedicação e sabedoria. Está especialmente viva na língua mirandesa, nas danças e cantares, nos pauliteiros, em muitas das manifestações culturais que reflectem a alma desta Terra Fria. Está também, este legado, especialmente patente no Museu, pese embora as vicissitudes do tempo não terem permitido o seu crescimento, pelo menos não com a visão que aquele Homem teve para o Futuro. O presente trabalho foi-se estruturando e desenvolvendo, como um organismo vivo. Apresenta-se não como uma obra feita, mas como uma proposta. Quanto mais há a dizer sobre o Dr. Mourinho, quantas pessoas o conheceram e gostariam, elas também, de poder dar o seu contributo para honrar aquele amigo de sempre? É, por este motivo, uma proposta… Nada mais. Nos textos agora publicados podemos ver muitas facetas da vida, obra e pensamento do Pe. Mourinho. Começamos por um texto nosso, redigido na primeira pessoa, que esboça um conjunto de ideias. Tenta uma síntese que una as principais faces desta personalidade, aglutina algumas ideias, faz algumas interpretações, assume uma tentativa de aproximação num ambiente descritivo temperado com a emoção. Os testemunhos de todas as pessoas seguidamente editados dão uma tónica mais precisa, mais detalhada e pessoal. São reflexos luminosos do Dr. Mourinho, mas são apenas uma amostragem de um universo. Por este motivo estamos já a programar outras iniciativas e a encetar contactos com diversas entidades a fim de, em anos vindouros, podermos explorar outros caminhos no sentido de vivificar memórias, Património intangível e precioso. Este trabalho de “inventário” e “interpretação” será realizado em vários domínios referentes ao objecto de trabalho do MTM, com especial incidência nos Patrimónios Imateriais, e à memória e obra dispersa do Dr. António Maria Mourinho. Pastor / IVDP / Col. Domingos Alvão / c. 1940

| 11

Neste capítulo dos testemunhos, permitimo-nos destacar a edição de diversos inéditos, sobretudo as cartas do Pe. Mourinho ao seu mentor Pe. Francisco Manuel Alves, no anexo ao texto do Dr. João Neto Jacob, nosso colega e director do Museu do Abade de Baçal. Por último, socorrendo-nos do seu “Curriculum Vitae (notas curriculares) de António Maria Mourinho (1942-1995)”, editado pela Câmara Municipal de Miranda do Douro em 1995, tentámos contribuir com mais algumas informações dispersas. Várias pessoas e instituições devem aqui ser lembradas. A família, começando pela viúva, Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, que com total alegria e generosidade nos facultou os elementos que, de outra maneira, nos faltariam, incluindo a oferta de um conjunto de documentação pessoal; o seu sobrinho Dr. António Rodrigues Mourinho, que lhe sucedeu no lugar de director deste museu e que continua uma inestimável prestação pública ao desenvolver os Cursos de Cultura Mirandesa de forma tão abnegada, transmitindo e partilhando preciosos ensinamentos sobre a História, Arte e outros aspectos do património cultural; aos colaboradores e autores dos textos deste trabalho (bem como às suas instituições); ao Senhor Aureliano António Ribeiro, mestre-artesão, que fez a capa de honras inaugural em 1982 e a capa de honras destas bodas de prata, com a mesma mestria e sabedoria com que o Pe. Mourinho escreveu os seus livros (1); a José Preto, pela oportunidade de podermos brindar com a edição do primeiro vinho DOC do Planalto Mirandês numa edição especial e comemorativa deste 25.º aniversário; ao Dr. Paulo Meirinhos, pelo apoio desde o primeiro dia e por continuar, em conjunto com outros, a obra de revitalização do património musical mirandês; aos diversos grupos de pauliteiros que aceitaram participar nestas celebrações, à Prof.ª Doutora Natália Correia Guedes e ao Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira (pela inspiração desde há muitos anos). Uma palavra especial de agradecimento e apreço à Câmara Municipal de Miranda do Douro, através do seu executivo, que tem apoiado o Museu ao longo de todos os seus anos de existência. Com a reestruturação dos serviços museológicos dependentes do Poder Central, no fechar de página do Instituto Português de Museus (IPM) e na criação recente do novo Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), irá este museu, com a patina de vinte e cinco anos passados, também ele abrir um novo capítulo da sua existência. Projectam-se obras a curto prazo para ampliação e qualificação dos serviços que quotidianamente se prestam aos utentes (não só visitantes, mas também às comunidades). O exemplo claro desta intenção está expresso nesta obra. Urge, contudo, reflectir sobre outros aspectos da actividade no panorama museológico nacional e, particularmente, no caso do Museu da Terra de Miranda, um museu realmente “regional”, espelho de um rincão com fronteiras físicas e culturais bem definidas, porem não estanques. O Museu da Terra de Miranda tem o seu espaço e objecto próprio de intervenção, necessita manter o espírito com que foi criado em 1982 e manter-se como uma bandeira, livre e equidistante, mas próxima dos seus objectivos: a salvaguarda, o estudo e a comunicação dos bens culturais tangíveis e intangíveis, adoptando, contudo, novas metodologias e dinâmicas de trabalho. Não podemos deixar de referir o apoio da presente direcção do IMC nas pessoas do seu Director, Dr. Bairrão Oleiro, da Dr.ª Clara Camacho e da Dr.ª Isabel Magalhães, cuja comprovada competência auguram a segurança necessária para que os serviços museológicos dependentes mantenham e melhorem a sua performance de funcionamento. Por fim cumpre-me ainda agradecer e lembrar o bom desempenho da equipa deste museu, guardiães de saberes e de histórias intermináveis, competentes e empenhados. São também eles a chave para que tudo funcione. Ficou por fazer o historial do Museu desde a sua abertura até à actualidade, mas não faltarão momentos. Nos alicerces do Movimento do Ressurgimento Mirandês, cavados pelos amantes da Cultura mirandesa, assentou-se a pedra da Fundação em 1982. Esta pedra foi (é) o Dr. António Maria Mourinho. Outras pedras se acrescentaram a este “edifício” ao longo de 25 anos, mas este tipo de “casa do saber” nunca está pronta. Possa ela ser abrigo para novas gerações. Miranda do Douro, 3 de Maio de 2007

1 Aureliano António Ribeiro, de Constantim (Miranda do Douro), nascido em 1937, desde que saiu da escola com sete anos foi ajudar o pai e, ainda, o avô, ambos alfaiates, onde aprendeu a fabricar as Capas de Honras mirandesas. É o último dos artesãos de linhagem familiar (a família Cristal) existentes e o mais antigo-mestre artesão em actividade no Concelho de Miranda.

MTM / Doação Maria de Lurdes Mourinho (2007) / 1991

12 |

| 13

14 |

Recordação Sérgio Gorjão Director do Museu da Terra de Miranda

Pode parecer estranho que “um estranho”, como eu, use este termo “recordação”, para falar acerca de um homem que não conheci. Contudo este termo não é vão. Só por descuido dizemos que o Pe. Dr. António Maria Mourinho já não está entre nós. Na realidade ele vive connosco. A primeira vez que entrei, para trabalhar, no Museu da Terra de Miranda, perturbou-me a mirada daquele grande vulto numa enorme fotografia solene e formal. Tal como quando estamos perante um grande mestre, o nosso olhar desvia-se com a naturalidade de reconhecermos a nossa pequena dimensão. Este retrato, que parece de um homem de estado, tem-me acompanhado. Agora gosto de o ter à minha frente. Agradeço-lhe a luz cultural com que ilumina muitos caminhos pelos quais hoje a Cultura mirandesa se expande. Outra janela se abriu neste reencontro quotidiano quando li os testemunhos agora publicados e a Dr. Mourinho / MTM / 1991 partir das conversas que tenho tido com tantas pessoas. Percebi que o Dr. Mourinho vive intensamente nos corações de todos. Ao visitar a Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, viúva do nosso homenageado, generosamente me disse “- está tudo à sua disposição”, “- vou-lhe mostrar o último poema do meu marido”. Esse poema, “Anos vão e anos vêm! Setenta e nove…”, redigido na data do seu aniversário, foi lido à pressa. Reconheci de imediato que era um hino e era forte a sua carga emotiva. Para o voltar a ler recolhi-me dias depois, porque é um tesouro que merece ser apreciado. Ao ler o testemunho de Margarida da Veiga, sobrinha do Dr. Mourinho, apercebi-me que o seu sentimento é profundo quanto a este mesmo poema, e nada mais posso acrescentar: “é um hino à vida, é consciência do seu envelhecimento e da sua fragilidade de ancião, é a nostalgia da vida vivida, dos amigos, do seu trabalho, da sua actividade” (2). Ainda a Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho (D. Milú), mostrou-me a fotografia do seu marido em capa de honras, na Revista Expresso (3). Parece um rei. De novo aquela sensação de grandeza. O Mirandês, trajado com a sua capa e mostrando as suas medalhas, no salão nobre dos Paços do Concelho, revestido de toda a nobreza que caracteriza esta terra de “gente”. Parecia um penedo, como uma fraga granítica. É o mesmo Mourinho que há mais de meio século atrás discursava, na Casa de Trás-os-montes, quando foi agraciado com o Grau de Oficial da Ordem de Cristo, referindo-se a si mesmo: “Essa fraga, de que falo, naciu antre las outras de tierras de Miranda… Un die falou, na súe fala dura i “caçurra”. Bós l öubistes, i, cumo bós dezistes, bos ancantastes, porque nunca habiedes oubido falar fragas. Essa fraga söu yöu, ciega, dura i farreinha com’las outras q’allá biben, antre las fragas mortas i las touças bibas. — Sou de las fragas cum alma, dantre zimbros i carrascos, tagalhos e bacadas, cantigas e flores…” (4). Aquele olhar, contudo, já não era de um jovem de 26 anos, era o de um sábio e de um homem consciente de que se abeirava de uma nova forma de existência. Há algo de intemporal e de desconcertante naquele olhar, trespassa-nos como a luz passa o vidro. Logo a seguir demos com outro retrato do Dr. Mourinho, desta vez a tónica é a introspecção, ele está “consigo mesmo”. 2 Testemunho de Margarida Celeste Mourinho da Veiga publicado nesta obra. 3 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007; Revista Expresso, n.º 1185, Sábado 15 de Julho de 1995, rubrica Corpo Inteiro, pp.16-17, texto de Carlos Magno e Fotografia de Sérgio Granadeiro. 4 Jornal “Novidades”, 25-12-1943.

Padre Mourinho / MTM / 1942

| 15

Trata-se de uma fotografia a preto e branco, que não é de pose como aquelas que havia visto. Não é o Padre, não é o investigador, não é o homem do bom humor, e também daqueles maus dias em que entrava no museu, subia as escadas a vociferar (5). Ou será tudo? Acho, por fim, que é tudo. É o melhor retrato para mim. É apenas um homem de cabelo desgrenhado, a estudar ou a escrever - poderia ser um poema, um tratado linguístico, um artigo de história, uma troca de impressões com outro investigador, ou estaria apenas a pôr uma dedicatória num livro, a reler uma carta do seu saudoso mentor, o Abade de Baçal… pode ser tudo o que quisermos. Despreocupado e sempre bem carregado de roupa (no frio e no calor), é, novamente, o Dr. Mourinho. Porque tudo na vida é transitório, estas fotos, estes papéis, irão desaparecer. É ilusório aferrolharmo-nos a eles com as chaves dos nossos pequenos egos. Não é uma visão catastrófica, só a observação crua da realidade. Vale, sim, a nossa memória, aquilo que vamos guardando na nossa mente e no nosso coração, por aí continuaremos vivos, sempre …

Porm. da foto de Sérgio Granadeiro (Jornal Expresso) / 1995 [publicada na íntegra na contracapa]

António Maria Mourinho nasceu em Sendim (Concelho de Miranda do Douro), a 13 de Fevereiro de 1917, filho de João da Cruz Mourinho e Ermelinda Rosa Pires (6). Embora filho de gente humilde, agricultores, Mourinho entra no seminário de Vinhais e depois no Seminário Maior de Bragança, prosseguindo aí os seus estudos entre 1930 e 1941, sendo ordenado presbítero a 29 de Junho deste ano. Celebra missa-nova a 1 de Julho de 1941, na Capelinha das Aparições de Fátima. Seguidamente é nomeado, pelo 40.º Bispo de Miranda e 15.º Bispo de Bragança, D. Abílio Vaz das Neves, como vigário e ecónomo da Paróquia de Nossa Senhora do Monte de Duas Igrejas e de São Cristóvão de Vila Chã da Braceosa (Concelho de Miranda do Douro), onde se manteve 42 anos (até 1993, data da dispensa sacerdotal). A sua acção é ainda hoje recordada de forma muito viva pelos seus antigos paroquianos, porque o Pe. Mourinho foi o amigo de todas as horas. Não foi aquele tipo de padre que “dá a missa” e segue o seu caminho, foi um verdadeiro “padre”, um “pai”, que esteve nos baptismos, nas catequeses, nas confissões, nos casamentos, MTM / Doação Maria de Lurdes Mourinho (2007) / 1982 nos desgostos, nos finados. Foi também esse Pe. Antonho que acorria à cave da casa da D. Laurinda (em Duas Igrejas), quando esta aflita chamava “- Oh Pe. Antonho, binde, binde…!” para consolar os doentes e os foragidos herdeiros da miséria da Guerra Civil Espanhola; era o Pe. Antonho que, com o seu Carocha, mais tarde com o jeep Portaro (que atravessava estradas, terras e fragas) e com um

5 A expressão usada é puro calão, mas não deixa de constituir memória: “Fode-te e ri-te; ri-te e fode-te…” 6 Foi registado como tendo nascido a 14 de Fevereiro, diz-se que por superstição.

16 |

Audi velho, quase sempre “amarrotado” pela distracção (7), servia de motorista “de taxi”; era aquele tipo de Padre que toda a gente via como sendo da família. Na primeira metade do século XX, as coisas eram bastante diferentes. Para ir a Bragança era uma aventura, muitas vezes às costas de um cavalo. A sua sobrinha Margarida da Veiga, dá-nos este retrato de época: “Era eu pequena (6 ou 7 anos de idade) e lembro-me de ele sair muito cedo de casa, madrugada ainda, às aldeias vizinhas celebrar missa. Quando eu me levantava, já ele voltava montado num bonito e luzidio cavalo castanho-escuro (foi o seu primeiro meio de MTM / Doação Maria de Lurdes Mourinho (2007) / 1942 transporte), acompanhado do fiel “Lobito” um dos cães que ao tempo guardavam a casa paroquial de Duas Igrejas.” (8); ou ainda outra pincelada de um mesmo quadro, num testemunho de outro sobrinho, José Domingos Mourinho: “Como sacerdote, apanhou muitas geadas e quedas no seu cavalo montado, assistindo religiosamente, de alma e coração as muitas aldeias que lhe foram confiadas. Foi sacerdote, médico, bom conselheiro, bom samaritano e nunca subjugou ninguém, por isso teve sempre imensos amigos” (9). Esta era a vida do sacerdote, que era especial devoto de Nossa Senhora do Monte (em Duas Igrejas), da Senhora do Naso (na Póvoa) e da imagem da Senhora das Dores (hoje na Igreja da Santa Cruz em Miranda do Douro). “Quem se não lembra de ver o Padre Mourinho descalçar os sapatos e seguir descalço o itinerário da procissão da Senhora do Monte, em Duas Igrejas?” (10). Já numa fase tardia da vida, preparando uma mudança radical, agindo em conformidade com os seus sentimentos e com a sua liberdade, enriquecendo-se em experiências… escreveu a “Oração da Última Hora” (11). Entrega o seu destino a Deus, através da Virgem Maria. Ao rever o papel que o elemento feminino tem na sua vida, ele enaltece o valor da mulher, como Mãe de Deus, inspiração espiritual, deixando-se guiar, confiante, como aliás fez com a sua própria mãe biológica, que sempre acompanhou. Agora surgia uma outra companheira, uma nova mulher que o fez repensar no sentido da sua vida, na necessidade de se sentir de outra forma. Não há qualquer juízo de valor a fazer quando decide solicitar a dispensa das obrigações sacerdotais para poder, livremente, contrair matrimónio. Foi uma decisão íntima, ponderada, por amor e com muita coragem. Em nada o reduziu já que manteve sempre a Fé e a dimensão da celebração interior dos votos que havia feito. Nada renegou, mas apenas MTM / Doação Maria de Lurdes Mourinho (2007) / 1942 acrescentou.

7 Sofreu diversos acidentes. Numa das ocasiões em que perdeu a caixa das mudanças, numa aldeia em Espanha, viu-se forçado a fazer todo o percurso de volta a Miranda, vencendo todo o retorcido persurso de vários quilómetros em marcha-a-trás. 8 Vide testemunho de Margarida Celeste Mourinho da Veiga publicado nesta obra. 9 Vide testemunho de José Domingos Mourinho publicado nesta obra. 10 Vide testemunho do Cónego Silvério Benigno Pires publicado nesta obra. 11 MOURINHO, Pe. António Maria; Oração de Última Hora; 1991. Obra apresentada no processo de dispensa das obrigações sacerdotais a S.S. o Papa João Paulo II, por forma a poder contrair matrimónio.

| 17

O Pe. Mourinho, à data do seu pedido de dispensa sacerdotal (12), revela uma necessidade de compensar a solidão. Morreu-lhe o pai aos 20 anos, morre-lhe o “segundo” pai, o Abade de Baçal, em 1947; a sua mãe falecera em 1971, carregada de uma vida de trabalho; em 1978 morrem os seus dois únicos irmãos e com mágua profunda os viu partir, no remorso de um reencontro adiado. Desalentado com a perda dos seus entes queridos, ferido pela forma com que um pequeno grupo escarnecia do seu ministério e do seu esforço no período póst-revolucionário, (inesperado! Vindo de quem sempre ajudou, mas que agora por ele passava “como por vinha vindimada”), cada vez mais sozinho de todos…, num extremar de sentimentos sentidos pela necessidade de compreensão familiar, muito Casamento Civil / Col. Maria de Lurdes Mourinho / 1984 embora todos o amassem de facto, apoderouse lentamente e decididamente do seu corpo e da sua alma uma fadiga subtil e profunda. Foram anos de encontro e desencontro, internos e externos. Este conflito interior permaneceu, começara-se a sentir fechado em solidão. Sem iguais com quem partilhar o mais profundo no seu coração procura rasgar horizontes na sua vida. No ensino encontra uma via (talvez uma fuga) para a sua sede de estar no mundo e partilhar, depois surgiu uma amizade sincera que se transformou num amor verdadeiro. O sacerdócio, que sempre manteve interiormente, foi dispensado em 1993 para poder contrair Matrimónio com Maria de Lurdes Reis. “Ser Padre foi para ele um sopro interior, um apelo de alma que, mesmo entre alguma incompreensão e adversidade dos últimos anos, nunca conseguiu calar.” (13). Usando do livre arbítrio que Deus lhe deu, consciente que este passo era, para alguns, como pôr o mundo de cabeça para o ar, o Pe. Mourinho mesmo assim se afirmou, consciente das suas responsabilidades, mas sobretudo livre e destemido. A “Oração de Última Hora”, pequeno-grande texto que não é para ler, mas sim para meditar, é uma obra complexa porque traça o seu perfil Col. Maria de Lurdes Mourinho / c. 1986 psicológico. Nela se faz uma síntese mística, interior e profunda, expondo com sabedoria os anseios de uma vida inteira, de uma alma despida de preconceitos. Esta “Oração”, recebeu uma nota introdutória de um desaparecido amigo, Dr. Belarmino Afonso e, homenagem também lhe seja feita, como sendo o grande sucessor cultural do Dr. Mourinho, como já este havia sido do Pe. Francisco Manuel Alves (o célebre Abade de Baçal). Como dizia Belarmino Afonso, esta oração, que ele preferia designar de “Todas as Horas”, era um “escrínio de ouro” com palavras “buriladas pela Fé de um homem que trás consigo a ancestralidade da alma mirandesa. Fé profunda e transparente. Enriquece-se na poeira dos caminhos da vida, feitos de certezas e dúvidas, de angústias e esperanças.” (14). 12 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007. Requerimento do Padre António Maria Mourinho a Sua Santidade o Papa João Paulo II, a pedir a graça da dispensa das obrigações sacerdotais e a consequente autorização para contrair matrimónio. Documento dactilografado, assinado e datado em Miranda do Douro a 25 de Setembro de 1992, incluso na cópia do processo enviado a S.S. o Papa João Paulo II. 13 Vide testemunho de Hermínio Augusto Bernardo publicado nesta obra. 14 Ibidem.

18 |

Mas voltando ao Mourinho, desta vez o poeta, linguista, investigador, erudito… De facto corria-lhe nas veias a língua mirandesa e, sobretudo, a poesia. Diz-se em Miranda que para falar mirandês é preciso “mamá-lo” (15). Jogava com as palavras para colorir e para partilhar sentimentos. Era como falar consigo mesmo, face a face com um papel. O seu primeiro poema conhecido data de 1938 e permanece inédito. Encontra-se na posse da família e é um testemunho pessoal da violência e amargura sentidos pela perda do seu pai. Margarida da Veiga, sua sobrinha, refere-nos no seu testemunho que os encontrou “num velho baú na casa de meus avós, já depois de meu tio falecer. Nem ele se lembraria mais de tais escritos, pois nunca nos falou deles. (…) O poema descreve com carregada dor e amargura a morte por acidente de seu pai, meu avô” (16). Também o Dr. Rodrigues Mourinho, seu sobrinho, refere esse documento: “Não posso deixar registada aqui aquela elegia tão triste, tão pungente e tão sentimental que escreveu, no dia em que o meu avô, João da Cruz Mourinho, foi vitimado pelo peso de um freixo que lhe caiu sobre o abdómen. Era o dia 6 de Setembro de 1938, tinha o jovem António Maria Mourinho a idade de 20 anos. É uma peça literária de um sentimento tão profundo, só próprio de um grande poeta em que o sofrimento só foi sublimado pela fé” (17). Continuou a escrever em poesia, desta feita tornando públicos dois poemas em mirandês, da sua autoria, declamados, na Sociedade de Geografia de Lisboa. Um deles, Nossa Alma i Nossa Tierra, em Novembro de 1942 (18). Em carta ao Abade de Baçal, de 7 de Julho de 1944, Mourinho diz - “Vou a aprontar dentro de mês e meio o meu primeiro livro Nossa Alma i Nossa Tierra - versos em mirandês” (19), obra que, no entanto, só foi dada à estampa 17 anos depois (em 1961), constituindo uma extraordinária obra de arte literária dedicada ao seu grande amor de toda a vida: a Cultura da Terra de Miranda. Constatando que a língua mirandesa estava fatalmente a desaparecer, fundida no português (ou simplesmente por desuso), e em jeito de legado, compõe essa obra entre os seus 23 e 28 anos, e fá-lo em verso “quando horas propícias da minha alma pedia um desabafo”. A Introdução à obra Nossa Alma i Nossa Tierra é extraordinariamente clara, quase profética, passados que estão mais de 60 anos sobre a sua redacção e mais de 40 até ter atingido a sua edição. Mourinho refere que quer, ou melhor, que tenta, “retratar a nossa alma e a nossa terra. Somos mirandeses, filhos do campo, companheiros inseparáveis do Sol e das estrelas, guardas perenes da ovelha e da vaca inocente. Cabouqueiros das escarpas, entre fraguedos e carrascais do Douro e das planuras de Leão; pastores solitários e alegres do planalto árido e frio, cantando loas ou rimances medievais ou tocando flautas bíblicas ou gaitas de foles, atrás do rebanho; comemos pão que nossos braços semearam e bebemos vinho que nosso suor fez brotar da terra, puríssimo e fino; vestimos nosso burel e nosso linho. Adoramos a Deus. Somos cristãos. Olhamos para o Céu e admiramos o campo. Quando nasce a estrela da manhã, já nos encontra a pé” (20). Mas no fim do referido livro, na sua Nota Final, já inflecte um pouco o discurso, dando-nos uma tónica da mudança deste povo: “Não se fabrica tanto burel (…)”, “Não se come já tanto centeio (…), até o “Douro milenário, inçado de tantos perigos (…) foi detido pelos portugueses”.

15 Entenda-se que deve ser falado desde o berço. 16 Testemunho de Margarida Celeste Mourinho da Veiga publicado nesta obra. O referido poema ocupa 16 páginas manuscritas. 17 Testemunho de António Rodrigues Mourinho publicado nesta obra. 18 Publicado nas actas do II Congresso Transmontano. 19 Vide epistemologia publicada em anexo ao testemunho do Dr. João Neto Jacob, nesta edição. 20 MOURINHO, Pe. António Maria; Nossa Alma i Nossa Tierra; Lisboa, Imprensa Nacional, 1961; pp.V-VI.

| 19

Ainda na Introdução da citada obra, faz um historial das raízes da língua mirandesa. Filia-a, como outros ramos linguísticos peninsulares (galaico-português, asturiano-leonês, aragonês, catalão e castelhano), no latim popular. Refere também o sendinês, as inclusões de outras origens, a estrutura idiomática e fonética da língua e remata um ponto importante: “O mirandês nunca foi língua escrita. Foi sempre língua falada, sozinha entre a fronteira leonesa e o Douro, talvez até à desembocadura do Sabor, pela desembocadura do Maças, Outeiro, a fechar com Leão, nas serras de Avelanoso” (21). – Foi sempre língua falada… Reforça esta ideia no texto poético: Ah! Fála nôssa i siêmpre biba, Falada i nunca screbida!... Tu sós La mais rica, eiterna i nobre hardança (22) Na Introdução à Nossa Alma i Nossa Tierra, redigida apenas em 1959, Mourinho sintetiza o que lhe levou anos a pesquisar. Prova disto é a correspondência trocada com o Abade de Baçal e agora publicada em leitura do Dr. João Neto Jacob, revelando, em várias cartas, a necessidade de encontrar referências bibliográficas, sobretudo de Leite de Vasconcelos e de Menendez Pidal, e documentais. Em 1941 o Abade de Baçal sugere-lhe a leitura de vários títulos importantes para o estudo e compreensão da dimensão linguística do mirandês, dando como ponto de partida a obra de Leite de Vasconcelos (O Dialecto Mirandês, Porto, 1882; Flores Mirandesas, Porto, 1884; Estudos de Philologia Mirandesa, Lisboa, 1900), entre uma série de outras (23). Precisamente entre 1943 e 45 estava no auge das suas pesquisas sobre o mirandês, constantemente solicitando e trocando informações, sobre este assunto, com o seu mentor, Abade de Baçal. Em carta datada de 11 de Janeiro de 1944, “Pedia-lhe o favor de me dizer, se sabe onde vive o Ramon Menendez Pidal, espanhol, filólogo, cientista e amigo do Dr. José Leite. Precisava consultá-lo acerca das origens do Dialecto Leonês, que se relaciona com o Mirandês” (24). Com o tempo acaba também por estabelecer alguma correspondência com este grande investigador. Menendez Pidal chega mesmo a pedir-lhe apontamentos sobre o mirandês para a revisão do El Dialecto Lionês (reeditado pelo Instituto de Filologia de Buenos Aires) e também o informa de que já havia percorrido muitos pergaminhos com interesse para o estudo do mirandês. Também nessa altura estava a estudar as palavras de origem árabe e visigótica no vocabulário mirandês, compulsando muita documentação, a qual por vezes se encontrava em bastante mau estado: “Nos arquivos paroquiais tenho encontrado muitas coisas de mistura com esterco de ratos.” ( 25). Andou também “às voltas” com a questão do “Contium” (um dos antigos topónimos de Miranda) escrevendo sobre este tema para a “Revista de Portugal”, à época dirigida pelo Dr. Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior. Em 1945, na sequência de uma série de contactos e da promessa de ser dispensado temporariamente para poder prosseguir as investigações sobre a História e língua mirandesa, Mourinho prepara uma digressão a Madrid, com passagem por Zamora e Simancas (para ver se encontrava o fundo documental do Convento de Moreruela). Nas cartas trocadas esse ano com o Abade de Baçal é notório o entusiasmo e a sede que tem de cultura, de conhecer e vivificar as coisas da Terra de Miranda. De facto foi um grande ano, cheio de actividade e emoção. Este empolgamento é sobretudo notado numa carta datada de 1 de Agosto de 1945, manifestando, a propósito da viagem que iria empreender aos arquivos espanhóis, que seria capaz e merecedor dessa “missão” de investigação, depositando muitas esperanças em encontrar documentação inédita sobre Miranda, não só histórica, como acerca da língua, organização civil, costumes e organização eclesiástica de Trás-os-Montes. Outra nota importante que se colhe nessa missiva é a introdução de um método inovador na forma de recolher a informação. Diz ele: “actualmente um dos melhores e mais rápidos processos de colher as informações necessárias é a fotografia dos documentos com máquinas especiais. Trazemse as fotografias e estudam-se em casa. Poderiam tirar-se provas fotográficas deles e davam-se ao Arquivo do Museu.” (26). 21 Ibidem; pp.IX. 22 MOURINHO; op.cit.; excerto do poema Nossa Tierra, pp. 72. 23 Vide carta datada de 1 de Julho de 1941, SANTANA, Maria Olinda Rodrigues; Cartas Inéditas do Abade de Baçal para o Padre António Maria Mourinho – 1941-1947; Câmara Municipal de Miranda do Douro, 2005. 24 Vide epistemologia publicada em anexo ao testemunho do Dr. João Neto Jacob, nesta edição. 25 Ibidem; carta datada de 16 de Dezembro de 1943. 26 Ibidem, carta datada de 1 de Agosto de 1945.

20 |

Padre Mourinho em Toledo, com a sua câmara fotográfica / MTM / Doação de Maria de Lurdes Mourinho (2007) / c. 1945

Quem se lembra do Pe. Mourinho sabe que era inseparável da sua máquina fotográfica. Tinha um verdadeiro “vício” em fotografias, teve várias câmaras e com elas fez preciosos registos, a maior parte dos quais hoje depositados no Centro de Estudos que recebeu o seu nome e que ainda não são consultáveis (por força da morosidade no seu tratamento e a dificuldades diversas, pese embora quatro anos volvidos na sua entrega ao domínio público) (27). Mas ainda sobre o mirandês… Seguindo a pista do grande filólogo Leite de Vasconcelos (e um pouco também por inspiração ou motivação do Abade de Baçal) Mourinho investe naquilo que é “primeiro” e exclusivo do seu rincão natal: a sua língua, o seu “charro” ou “caçurro” (28), tido por aquele grande mestre como a “língua do campo, do lar e do amor”. Num dos seus primeiros discursos, quando é agraciado com o grau de Oficial da Ordem de Cristo, com apenas 26 anos, põe toda a carga do mirandês, não só nas palavras, mas nas ideias. É uma preciosidade da literatura mirandesa, digna de nota e que felizmente podemos recordar, mercê da cuidadosa atenção prestada pelo Dr. João Neto Jacob, que em anexo ao seu testemunho, aqui publicado, revela uma pequena, mas preciosa, epistemologia trocada entre Mourinho e o seu elogiado mestre (29). Muitas foram as obras que foi redigindo em mirandês, sedimentando-o, passando cada vez mais ao domínio dos conhecimentos académicos. São de dois tipos as suas obras, no que respeita ao mirandês: umas são expressões de arte literária puras, com mensagens que assentam melhor nesta língua (vejase o discurso publicado em a 15/12/1943 no “Novidades”, a lenda das “Siête Hermanas” (composto em 1941-42), a “Nossa Alma i Nossa Tierra”, “Scôba Frolida ã Agosto” (1979); etc.); outras ainda, por ventura mais técnicas, são de análise à própria língua, pedras basilares em que assentam as futuras acções que conduziram à sua definição (mais ou menos rigorosa) e à promulgação da Lei que a reconhece como oficial em 1999. Não querendo elencar todas as obras, socorro-me e remeto-me para a excelente apresentação da Dr.ª Manuela Barros Ferreira (30). Permito-me, contudo, ressalvar três obras: “Diversidades sub-dialectais do mirandês” (Brigantia Revista de Cultura, 1960); o opúsculo Fundação do Castelo de Algoso, 1974) na qual dedica um pequeno capítulo que sintetiza as conclusões 27 É urgente e extremamente importante que o acervo fotográfico seja catalogado e efectivamente disponibilizado ao público, cumprindo, assim, a missão para a qual foi doado. 28 Expressões idiomáticas do mirandês que auto-denominam “falar rústico” ou “falar mirandês”, em oposição à língua portuguesa das línguas faladas na vizinha Espanha. 29 Recorte do jornal “Novidades”, 25-12-1943, anexo a uma missiva datada de 11 de Janeiro de 1944. 30 Vide testemunho editado nesta obra.

| 21

de vários anos de estudo e de alguma intuição; e as “Breves Notas sobre a Língua Mirandesa desde há cem anos”, nota introdutória à segunda edição dos “Estudos de Philologia Mirandesa”, comemorativa do 50.º aniversário da morte de Leite de Vasconcelos, com fac-simile da primeira edição realizada em 1901 (31). Na Nota de Introdução aos “Estudos de Philologia Mirandesa”, Mourinho faz um panegírico aos que defenderam a língua. Recorda o Pe. Manuel Sardinha, o Pe. Francisco Meirinhos (ambos de São Martinho de Angueira), Bernardo Fernandes Monteiro (da Póvoa), Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal), Francisco Rodrigues Brandão (de Cércio), Domingos Ferreira Deusdado (antigo presidente da Casa de Trás-os-Montes), Trindade Coelho (de Mogadouro), Álvaro Pinto (Director da Revista de Portugal e Ocidente, natural de Bragança), Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior, Maestro Afonso Valentim, Pe. Manuel Preto; reflecte também, numa perspectiva integrada, a obra de Menendez Pidal, Gonçalves Viana, Erik Staaff, Isabel Afonso Anton; e manifestações de incentivo por parte de outros, gente simples ou eruditos, como António Luís Fernandes (camponês, de Cicouro), Newton Sabá Guimarães (da Academia de Letras do Brasil), Clea Rameh (Professora e Directora do Instituto de Linguística Românica da Universidade de Georgtown, em Washington, E.U.A.), entre outros. Nessa Nota de Introdução começa por traçar o “limite” geográfico da língua, refere o riodonês, língua irmã falada em Riodonor e Guadramil; e dá conta da existência de documentação escrita, dos séculos XV a XIX, “quando os escrivães e os párocos eram menos letrados e sobretudo originários das próprias aldeias mirandesas que por vezes escreviam como falavam” (32). Não menos importante, na referida Nota de Introdução, são os últimos quatro pontos dedicados à problemática do mirandês como instrumento de Cultura; do interesse de mirandeses e estranhos pela língua mirandesa; do mirandês cultivado literariamente desde o princípio do século XX e ainda a cultura histórica e literária do mirandês. Com esta base, que bebe nos escritos de Leite de Vasconcelos “Estudos de Philologia Mirandesa” e nos Opúsculos ou Dialectologia, os seus estudos progridem no tempo. Em 1987 (entre os dias 10 e 12 de Julho), estando na Direcção do Museu da Terra de Miranda, realizaram-se as Primeiras Jornadas da Língua e Cultura Mirandesa (organizados pelo Museu, Escola Preparatória de Miranda do Douro, a Coordenação Concelhia da Acção Escolar). Ressalva-se nestas Jornadas a participação de um dos seus maiores amigos e um dos defensores mais genuínos da língua e Cultura Mirandesa, o Dr. Domingos Raposo, que de algum modo é responsável por um determinado grau de disseminação do mirandês em meio escolar e que seguiu o Dr. Mourinho e redimensionou a questão da língua estruturando-a a partir das bases: na escola, como forma de garantir uma vivência linguística, para que não fosse tratada nem como um aspecto de folclore nem como uma “flor de estufa” académica. As Jornadas assumiram como missão e finalidade “estimular o conhecimento do Património Local e reflectir sobre a importância da Língua Mirandesa e do seu ensino”. Foi notável a adesão e a diversidade de tópicos tratados, “varrendo” muitos dos aspectos daquilo que hoje entendemos como Património Material e Imaterial mirandês: língua, música, pauliteiros, artesanato, história (em todas as suas componentes de arqueologia, história da arte, etc.), arte dramática, para além das interacções frutíferas entre especialistas e agentes locais. Um dos primeiros grandes passos dados para a salvaguarda e vivência da língua mirandesa ocorreu de imediato, já que passou a estar disponível às novas gerações através, de despacho ministerial, uma disciplina optativa nas escolas do ensino básico do Concelho de Miranda do Douro, aplicada logo a partir do ano lectivo de 1987-88. 31 VASCONCELOS, Leite de; Estudos de Philologia Mirandesa; Lisboa, Imprensa Nacional, 1901; reedição do II vol., Câmara Municipal de Miranda do Douro, 1993; com nota introdutória à 2.ª ed. De MOURINHO, António Maria, 1993. 32 Ibidem, pp. não numerada.

22 |

Em 1993 realizou-se um Congresso em Miranda, sobre a grande temática da língua e sobre Variação Linguística. Tornou-se evidente a necessidade de criar instrumentos de controlo, uma aproximação a uma convenção ortográfica (tema, aliás, que ainda não é pacífico entre especialistas). Como colaborador da Câmara Municipal, à época presidida pelo Dr. Júlio Meirinhos, o Dr. António Maria Mourinho assumiu com toda a naturalidade o seu papel de grande especialista e de interlocutor entre todas as partes (nomeadamente com o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa). Em 1995, na sequência dos trabalhos iniciados e desenvolvidos em anos anteriores, participou activamente na “Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa” (em diversas sessões ocorridas a 24 e 25 de Fevereiro; 6, 7 e 8 de Maio, e 2 e 3 de Junho). Como resultado, no Dia da Cidade desse ano apresentou-se uma proposta metodológica para a ortografia mirandesa. É nesta altura que se edita a já aludida fotografia da Revista Expresso, de 15 de Julho de 1995, mostrando o Dr. Mourinho em posse de um grande texto de mirandês (33). Mas também, se nos familiarizarmos mais com essa imagem, começamos a sentir no seu olhar, na sua postura, o peso dos anos e o cansaço. O tempo começa a esgotar-se… A sua última obra magna da língua mirandesa é os “Ditos Dezideiros” (ou melhor “Refrãos e provérbios Mirandeses – Ditos Dezideiros – Recolhidos e coligidos por ordem alfabética em língua mirandesa”; ou ainda, um título secundário e incriptado, a “Segunda Bíblia dos Mirandeses”), ainda inéditos, que deixou concluída e entregue (34). Optamos por editar, em primeira mão, a totalidade da Nota Final de Agradecimento, que estava à época já maquetada (redigida por Mourinho e datada de 3 de Maio de 1996), atendendo a todos os pormenores que ela contempla e de forma muito especial a referência que faz à Prof. Maria Claudina Pires e ao Dr. Domingos Raposo, que atrevo-me a considerar um dos maiores vultos da língua mirandesa, na sua perspectiva mais vivificante e como um herdeiro natural deste quinhão tão almejado do legado do Dr. Mourinho. Também ressalvo a simplicidade e sagacidade com que remata a questão das “falhas” no mirandês, objecto permanente de arremessos; e nada melhor do que perceber que a língua é assim mesmo, os erros podem vir por bem porque são “mais populares e úteis nos caminhos diários da nossa vida”. Também não posso deixar de referir a magnífica obra de arte criada pelo escultor José António Nobre e destinada a ilustrar a capa do livro. É um grande tratado do espírito mirandês, um pouco surrealista, eivada de fervores e contrições de um Povo. A Nota Final de Agradecimento é a seguinte: “Resta-me agradecer a todas as pessoas que transmitiram provérbios em mirandês. Os provérbios mirandeses têm o sabor da rusticidade que os amoldou, através dos tempos. Agradeço muito penhorado à Senhora Professora Dona Maria Claudina Pires o enorme trabalho que teve de transcrever do meu original manuscrito em mirandês, ao computador, para poderem seguir para a tipografia, por esse motivo, eles não passariam de simples miragens manuscritos, e assim ficam de vez impressos e fixos em letra de forma embora com muitas falhas de toda a ordem dispersas pelos textos, que de qualquer maneira eles são mais populares e mais úteis nos caminhos diários da nossa vida. Ao escultor José António Nobre o ter feito a capa com a sua alma de artista criador, com o provérbio tão verdadeiro como útil se se meditar: “L mundo yê un Fandango / mas hai que beilá-lo!...” Ao Dr. Domingos Raposo, professor de Mirandês (língua e cultura) o ter-me ajudado a rever as provas, que foi preciso modificar a ortografia por três vezes por causa de estar nessa altura em curso a Convenção da Ortografia actualizada da Língua Mirandesa. Erros os peritos em Língua Mirandesa vão encontrar muitos, mas eles os veêm, eles os emendarão. Este filão de provérbios é inesgotável, poderão os novos explorá-lo. O maior agradecimento vai para a Câmara Municipal de Miranda do Douro e sua vereação e Presidente, sem cujo mecenato isto ficaria letra morta, ainda os meus agradecimentos muito expressivos para o ainda seu ilustre presidente, Dr. Júlio Meirinhos. Eu chamo a esta colecção a “Segunda Bíblia dos Mirandeses”. Aos trabalhadores da Bringráfica de Bragança, os meus agradecimentos pela paciência com que sempre me trataram. Gratidão a todos! Loures, 3 de Maio de 1996 António Maria Mourinho” (35). 33 Eventualmente um esboço do Dicionário de mirandês-português, um “mono” da Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa, ou o original dos Ditos Dezideiros (segundo informação de D. Maria de Lurdes Mourinho). 34 Vide testemunho de António Bárbolo, nesta obra. 35 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007, maqueta da capa, Nota fina de Agradecimentos e nota biográfica.

| 23

Não sobreviveu à oficialização do mirandês como língua, proposta do então deputado e ex-Presidente da Câmara de Miranda do Douro, Dr. Júlio Meirinhos e promulgada pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, a 24 de Janeiro de 1999 (36). Pensando bem… Há algo de irónico, mas talvez não venha por mal. Hoje o mirandês continua a ser falado nas aldeias (cada vez menos porque cada vez mais desertas de gente). Os números que nos apontam quanto ao mirandês indicam, contudo, o inverso: que está a crescer (devendo-se este fenómeno ao enorme esforço das escolas e de alguns professores, bem como à mudança de atitudes face aos aspectos culturais). O mirandês, língua falada neste reduto de Portugal há tantos séculos, ganhou entretanto asas e também se transformou em bandeira(s). Esta preciosidade cultural, é um organismo vivo, absorve e perde, produz um movimento constante enquanto tiver utilidade prática e espaço para se desenvolver, por esse motivo o interesse no mirandês hoje parece estar redobrado, mas ainda subsistem bastantes questões que o tempo (e verdadeiros amantes da cultura mirandesa) acabará por aclarar. Vejamos outros aspectos desta personagem: António Maria Mourinho embriagou-se nas suas gentes e na cultura mirandesa. Desde cedo percebeu que este era um recurso precioso, frágil, que era necessário acalentar para construir um futuro melhor. Não nasceu um “erudito”, teve apenas curiosidade e coragem. Talvez tenha tido outra “função”: conseguiu ver para além do seu tempo e do seu espaço, e esta função de “Ver” com olhos de “Ver”, transformou-se em Sabedoria. Não lhe bastou aprender, acumular conhecimentos, quis mostrar e partilhar o que há de melhor na Cultura Mirandesa, não só aos de “fora”, como, sobretudo, aos de “dentro”. O seu amor pela cultura não se mede apenas pelas diversas academias nacionais e internacionais a que pertencia, nem pelos “tchocalhos” (37) (as medalhas, graus honoríficos, homenagens, louvores, etc.) que recebeu, a primeira das quais com apenas com 26 anos (a 31 de Março de 1943), quando foi galardoado, pelo então Presidente da República, General Óscar Carmona; nem nos milhares de livros que deixou à Biblioteca Municipal (que muito justamente recebeu o seu nome), obras estas felizmente disponíveis ao público, mercê de um trabalho aturado e extraordinariamente válido da Câmara Municipal de Miranda do Douro, com o seu actual presidente e com os seus técnicos de biblioteca. No entanto esses “tchocalhos” e a quantidade de livros é, em si mesmo, um indicador dessa sede de cultura. Este era outro dos seus vícios. É notável que, nas cartas que dirige ao Abade de Baçal, faça muitas vezes referência à necessidade de encontrar informação complementar às suas investigações. Numa das cartas diz: “como sabe todo o dinheiro que tenho ganho tem sido e está sendo para livros, por isso estou pouco sobrado…” (38). Talvez, pela sua missão enquanto sacerdote, sabia que o espírito precisa que um determinado objecto cultural faça sentido para ser credível. Dançar por dançar não faz sentido; dançar serve para as pessoas se divertirem, se conhecerem, interagirem. São motivo de puro regozijo e de partilha, valores extraordinariamente positivos. Imaginemos aqueles aldeãos, homens e mulheres, que o acompanharam a Lisboa, ao II Congresso Transmontano, promovido pela Casa de Trás-os-Montes, para cantar em mirandês e dançar (fora do seu rincão natal pela primeira vez na História) à frente de tanta gente desconhecida, tanto danças mistas, como pauliteiros. Obviamente o espectáculo estava montado e a energia gerada por estas manifestações, o gosto de receber apreço e aplausos, o prazer de passear por tantas partes do país e do mundo, só poderiam ser consubstanciadas na criação dos diversos grupos recreativos e culturais. Note-se que imediatamente, em 1942, se começou a estruturar o primeiro Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas e Cércio- Pauliteiros de Miranda (39), fundado em 1945 e depois uma série de outros. Não será relevante, para este ponto, saber quem é que nasceu primeiro, mas devemos olhar para a extraordinária e invulgar força dos grupos folclóricos mirandeses, claramente obra directa ou indirecta do Pe. Mourinho. Como tudo o que tem verdadeiro sucesso não nasce do nada, mas sim de trabalho árduo, às vezes só para preparar caminho, o Pe. Mourinho despendeu muito do seu tempo nesta paixão dos grupos de danças e pauliteiros. Chegou mesmo a ser apontado com aquele “dedinho” acusador e a maior parte das vezes anónimo, mas, contudo, não lhe faltava perseverança (não tanto teimosia). Foi acusado de umas “minhotices” (alegoria ao folclore para turismo no Minho), foi acusado de umas “baçalidades” (alegoria ao espírito liberal do Abade de Baçal), situações às quais tentava ser superior, e seria bom dizer que sim… mas não!... Há, de facto, quem se entregue por amor a causas e sinta a farpa. 36 Lei 7/99 de 24 de Janeiro, I série. 37 Expressão, graciosa e humorística, que por vezes usava para se referir às condecorações com que lhe foram sendo atribuídas; contudo gostava bastante desses símbolos de honra, mas, por serem merecidos, eram para ele fonte de consolo e alegria, não tanto de orgulho e nunca de sobranceria. 38 Vide carta ao Abade de Baçal, datada de 8 de Fevereiro de 1945, publicada em anexo ao testemunho do Dr. João Neto Jacob, nesta edição.

24 |

Pauliteiros de Miranda / IVDP / Col. Domingos Alvão / c. 1942-45

O Pe. Mourinho era daqueles que aceitava um desafio, até mesmo uma crítica, mas sofria com a desfaçatez e o atrevimento da ignorância. Num desabafo ao seu “pai” cultural, revela uma dessas sensações: “Eu tenho uma auto-cultura, embora mínima e rasca, e quando algo digo ou escrevo é em conformidade com o que observo e com a razão e com o Evangelho, do que tomo sempre inteira responsabilidade, e sou, acima de tudo, depois de sacerdote e português, transmontano puro. Não me condene também o Sr. Abade, porque toda a cambada do meu tempo se rói e me acusa de já ter o mesmo sistema doutrinário e expansivo do Sr. Abade (…). Mas eu sou da opinião que não devemos tremer, nem ligar importância a puerilidades, porque não nos faz mais falta o tempo para coisas mais úteis para eles e para nós, mas mais para eles, deixemos que os cães ladrem à lua, e nós sigamos o nosso caminho, para bem da Terra e da ciência.”(40). Outros exemplos poderíamos dar por toda a sua vida, mesmo depois de ser um “mito”. Mas a resposta está dada em 1945, ou em qualquer outra data. Ainda a propósito dos Pauliteiros, Manuela Barros Ferreira (quase vinte anos mais tarde), no âmbito dos estudos em mirandês que à época realizava, faz-nos o retrato do seu primeiro encontro com o Pe Mourinho, num ambiente vivido (de ensaios) que deveria ser quase o mesmo desde o início: “Encontrámo-lo na rua. Na sua pressa, o Padre Mourinho apenas nos disse para aparecermos em sua casa, depois do jantar. Quando lá chegámos, andava ele num rodopio, no meio de um grupo, a ensaiar danças de paulitos. A grande sala estremecia sob os passos dos dançadores e até os vidros das janelas vibravam com a cantoria que servia de acompanhamento” (41). Sobretudo com Pauliteiros, Miranda foi sendo sucessivamente conhecida e aclamada. De facto, se chegar a Miranda era uma aventura considerando as vias de comunicação existentes, então fezse o contrário, levou-se a cultura mirandesa a toda a parte, sobretudo onde havia portugueses emigrados ou como forma de promoção de turismo no país e no estrangeiro. Os pauliteiros foram, assim, a quatro continentes, percorreram diversos países da Europa (Espanha, França, Alemanha, Suíça, Áustria, entre outros), África (Angola), América (Estados Unidos e Canadá) e Ásia (Hong Kong e Macau). O reconhecimento da importância cultural e turística do folclore mirandês, tão específico no contexto mundial, foi uma constante, sempre entusiasticamente aplaudido e recebendo diversos prémios, dos quais avulta o Prémio Europeu de Arte Popular concedido em 1981. 39 Permaneceu na direcção do Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas (Pauliteiros de Miranda) até ao dia 1 de Dezembro de 1991, retirando-se desta função por motivos de saúde. 40 Vide carta ao Abade de Baçal, datada de 1 de Agosto de 1945, publicada em anexo ao testemunho do Dr. João Neto Jacob, nesta edição. 41 Vide testemunho da Prof. Doutora Manuela Barros Ferreira, nesta edição.

| 25

Ainda na cultura mirandesa: Em 1945, nas comemorações do IV Centenário da elevação de Miranda a Cidade, foi também momento para acentuar as relações internas e externas. Colabora na organização das comemorações do IV centenário da elevação de Miranda do Douro à categoria de cidade e integra a comitiva de recepção às autoridades do Poder Central. Pouco tempo depois é fundado e estatuído o movimento cultural do “Ressurgimento Mirandês”, tendo como cofundadores Mário Simão e o Conselheiro Dr. António Carlos Alves. Um dos vectores mais salientes nos propósitos dos Estatutos radicam-se na necessidade de criar “um museu em que se recolham e conservem objectos históricos e arqueológicos, de arte e indústrias regionais”. A um nível mais elevado o Pe. Mourinho começa a ser mais notado e a conhecer meios mais exigentes, pessoas mais gradas da sociedade, como o então Ministro do Interior, e o Presidente do reformado Secretariado da Propaganda Nacional (que desde 1944 se designava por Secretariado Nacional de Informação). Dá conta de grandes festejos, diz “foi assombroso o espectáculo. Tenho pena que o Senhor Abade [de Baçal] não tivesse visto a grandiosidade da vida mirandesa em todos os aspectos, folclórico, cantante e laborante, e até religioso. A nossa terra está em parte por descobrir.” (42). A sua expectativa estava ao rubro, extasiado. Tendo sido convidado a colaborar no SNI ele começa a perceber a sua responsabilidade. Não há grande margem de manobra para “copianço” (como ele mesmo diz). Sem leviandade e com os pés na terra, faz uma autocrítica honesta. É um passo importante no seu crescimento intelectual e vem no seguimento das cautelas que tomava para se preservar, caso sentisse que ainda não estava preparado. Não se cingindo às observações e prospecções mais ou menos sistematizadas no campo e junto da população (limitadas contudo à disponibilidade que poderia ter da sua principal actividade), mesmo assim ainda estabeleceu uma aturada correspondência com diversos eruditos, de onde avulta a figura do Abade de Baçal, sacerdote e historiador bastante mais velho, mas que lhe serviu de grande exemplo. Ambos partilhavam um grande amor pela Cultura (popular e erudita) específica da região transmontana. Foi esse mesmo ensejo que o fez percorrer muitos arquivos, não só os das paróquias a que teve acesso, mas também em outros em Portugal e Espanha. A produção literária do Pe. Mourinho é vasta, não é possível, para já, enunciá-la por completo. Tem inúmeros artigos redigidos para várias revistas, actas de congressos, etc. e tem um apreciável conjunto de livros que hoje são vistos como fontes (tal é a sua solidez, fiabilidade e muitas vezes por serem testemunho directo de realidades observadas e de recolhas orais). Interessa-se, desde cedo, pelos ramos da História e da História da Arte. Trabalhou sobre muitas das igrejas do Concelho de Miranda e do Planalto, estudou em maior detalhe os templos e culto mariano, dedicou parte das suas observações a pormenores de arte integrada, como aspectos das decorações formais das igrejas, as suas filiações estilísticas. No seguimento de investigações realizadas em 1943 e 1944, descobre e estuda uma série de pinturas escondidas sob as estruturas retábulares dos altares, ou sob a cal das paredes, a maior parte pintura mural tardo-gótica extremamente rara no país. São disto exemplo a igreja da Senhora do Monte em Duas Igrejas, nas Arribas de Picote, Igreja de Cércio, Santo André, que está a beira do Douro, em ruínas (no limite da freguesia de Cércio); na capela do Santo Cristo dos Carrascos, em Picote, e a lapa dos Santos dos Barrocos, que atribui aos freires de São Paulo, em Vila-Chã, em Fonte Aldeia e outros, com informação absolutamente inédita e que se relaciona com a origem romano-gótica dos edifícios. No caso do estudo das “Nossas Senhoras” transmontanas, este é um assunto do seu maior interesse, tanto devocional, como por lhe ter sido confiada essa missão, através de um pedido realizado após uma visita pastoral realizada em Outubro de 1944. Quem o convida a fazer o estudo é o então Bispo da Diocese, D. Abílio Vaz das Neves, através do Pe. Aníbal Coelho (da Congregação do Imaculado Coração de Maria e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa). Apesar de ter solicitado muitos apoios, não parece ter tido grande eco dos seus pedidos, mesmo entre os seus pares, do que dá nota na correspondência com o Abade de Baçal. No campo da História da Arte, a que dedicou algum tempo (mas não tanto quanto merecido), encontrou um continuador, o seu próprio sobrinho António Rodrigues Mourinho, que desenvolveu, no âmbito da sua carreira académica e dos seus próprios gostos pelo mundo da arte, uma sistematização no que toca à recolha documental e de informação com vista a uma análise integrada do panorama artístico da Terra de Miranda. Rodrigues Mourinho apresenta temas diferentes dos do seu tio e antecessor na direcção do Museu da Terra de Miranda, explorando diversas áreas das quais se destaca a arquitectura religiosa da Diocese de Miranda do Douro-Bragança, e a riquíssima talha das igrejas da região, sempre em grandes volumes de informação. 42 Vide carta ao Abade de Baçal, datada de 11 de Julho de 1945, dia imediatamente a seguir ao dos referidos festejos, publicada em anexo ao testemunho do Dr. João Neto Jacob, nesta edição.

26 |

Ao nível da História, faz uma série de incursões em arquivos portugueses e espanhóis, mas quase sempre com propósitos precisos. Um dos pontos altos foi a digressão que fez aos arquivos de Madrid, trocando correspondência diversa com o Abade de Baçal e preparando as suas visitas com especialistas do país vizinho. Previa nesta digressão, com o apoio da Diocese, do Governo Civil e do Instituto para a Alta Cultura, passar também nos arquivos de Zamora e Simancas (para ver se encontrava algo do Convento de Moreruela), na sua senda de descoberta de textos antigos. Mais tarde, acompanhado do seu sobrinho António, volta a fazer este percurso (leia-se a aventura que este regista no seu testemunho). Deste trabalho surgiram muitas comunicações, artigos, ópusculos, mas surge também uma obra basilar (editada em 1991 pelo autor e pela Câmara Municipal de Miranda do Douro): Terra de Miranda – Coisas e factos da nossa vida e da nossa alma popular. É um extraordinário livro, dedicado aos seus falecidos e saudosos pais e ao Dr. Joaquim Santos Júnior, agradecendo, aos primeiros “a maior parte das coisas que aqui vão escritas”. Este ponto pode parecer de menos importância, mas não, obviamente esta dedicatória é de natureza pessoal e dá-nos a tónica do seu temperamento honesto e bondoso. Expressa a vontade de relembrar a sua mãe “companhia corajosa e sabedoura” (…); lembra-a “pelo seu sentido do comum, correcto e sensato, pelo seu alto e irrevogável sentido de justiça e duma sabedoria sã e conhecimento nato” (…) ”ela que era analfabeta de letras (…) tinha no coração uma biblioteca de saber perfeito” (43). Em 1991, à data da edição desta obra, diz na Introdução desta “Não desejo despedir-me ainda. Desejava que Deus me concedesse vida e saúde capaz, para adiantar algo mais o programa cultural que ainda tenho na forja…” (44). Este trabalho resume um labor que ele diz ser de 20 anos, mas na realidade começa muito atrás, pelo menos 50 anos antes, começa, ainda muito jovem, a interessar-se por TUDO o que é da sua terra. Na introdução à obra, Mourinho diz-nos que ela é uma manta de retalhos, ou melhor, diz “são retalhos de uma manta” multicolor. É verdade. Os diversos capítulos parecem uma compilação, mas há um fio condutor. Começa por fazer um balanço do estado actual do Património Cultural. Toda a primeira parte da obra é dedicada ao Património intangível (música, teatro, folclore, trajo, comunitarismo, etc.). Há até um capítulo dedicado à opinião do Papa Pio XII (1953) sobre o folclore, que aí se encontra propositadamente e, leia-se nas entrelinhas, para demonstrar que na pedra de chave da cúpula da igreja existia um bom entendimento deste tipo de manifestação popular, ao contrário de opiniões um pouco mais divergentes vindas por parte de outros níveis da igreja e, em particular, da sua diocese. Os restantes capítulos rebatem temas como a arqueologia, a etnografia transmontana, a terra e o homem, crónicas da aldeia, a língua, etc. e ressalvo, por defeito de profissão, as considerações sobre a criação de um museu etnográfico, tema que retomaremos adiante. No campo da arqueologia a acção de António Maria Mourinho também teve eco. Identificou alguns sítios arqueológicos, alguns com um elevado interesse nacional, e recenseou muitos testemunhos de diversos povos que fizeram do Planalto Mirandês a sua casa. Percorre o território (1944) para visitar os castros na região (Aldeia Nova, Picote e Calçada), descobre um castro pré-romano, ainda desconhecido, em Cércio, nas arribas do Douro, com estruturas bastante conservadas, detalhando a sua observação numa carta dirigida ao Abade de Baçal, datada de 20 de Maio desse ano. Ainda em 1944 detecta na Senhora da Luz (por informação do Pe. Aníbal Coelho) restos de fortificações e ruínas, eventualmente com interesse estratégico e militar (provavelmente um castro, uma citânia ou castelo). 43 Terra de Miranda…, pp. XI e XII. 44 Ibidem, pp. XII.

| 27

Um dos achados mais emblemáticos foi feito em 1974, quando, em dois abrigos da Serra de Mogadouro, na “Fraga da Letra”, detectou algumas pinturas rupestres. Em 1975 recebeu da Direcção Geral do Património Cultural uma bolsa de estudo para prosseguir investigações na área da arqueologia e no seguimento da identificação de pintura rupestre na “Fraga da Letra” (Mogadouro). Posteriormente veio a identificar outras estações arqueológicas, como o Abrigo Rupestre da Solhapa, com cinco painéis de insculturas (classificado como Imóvel de interesse público); a estação Luso-Romana de Saldanha (Mogadouro), “onde foram encontradas várias lápides funerárias, sendo uma de grande valor arquelógicohistórico, a ara votiva a JUPITER DEPULSOR, a segunda aparecida em Portugal mas esta dedicada por um veterano da celebre Légio VII Gemina, que deu o nome à cidade Espanhola de Leão” (45); a estação luso-romana de Atenor (Miranda do Douro), também com várias lápides funerárias de interesse; e outra em Sanhoane (Concelho de Mogadouro). Seguindo de perto os estudos do Abade de Baçal, sobretudo após o seu falecimento a 13 de Novembro de 1947, identificou na região mais de meia centena de inscrições funerárias e votivas luso-ronanas em resultado do qual edita a obra Epigrafia Latina Aparecida entre o Sabor e Douro desde o Falecimento do Abade de Baçal1947 (Bragança, 1988). Entre 1970 e 1975 frequentou a Universidade do Porto, onde se licenciou em História, obtendo a classificação final de 16 valores. Nesse período do “Verão Quente” e de alguma agitação, dado que pertencia a uma classe considerada reaccionária, ainda teve alguns pequenos dissabores, mas o seu espírito era progressista, liberal e livre. Depois veio um período de acalmia e a sua labuta cultural continuou (talvez com uma ligeira aproximação a temas mais sociológicos e Epígrafe tardo-romana / MTM mais em voga na época). Em 1977 recebeu uma bolsa de estudo da referida Direcção Geral do Património Cultural, dedicandose, desta feita, a investigações de natureza sócio-antropológica: “A sobrevivência de comunitarismo agro-pastoril” e “Sobrevivência de trabalhos manuais em ferro forjado”, coligindo um volume designado de Cancioneiro Tradicional e Danças Mirandesas, publicado em1984. Em 1978, recebeu nova bolsa de estudo do Estado Português, continuando diversos estudos sobre o “Ferro Forjado, o Comunitarismo Agro-Pastoril, O Cancioneiro Tradicional, O Conto e a Lenda Tradicional Mirandeses, O Teatro Rural…”. Outra das áreas transversais em que investiga é no domínio da Música e do Teatro. Neste universo não só descobre Cantigas de Amor medievais, como generaliza ao domínio das cantigas em mirandês, da coreografia, da recolha e apresentação de peças musicais, os “cascos”, peças de teatro popular cujo gosto diz ter herdado do seu pai (46), rimances, provérbios, contos e lendas tradicionais, e outras tradições, há um cruzamento constante de informações que, por sua vez, geram ainda mais investigação (47). Em Junho ou Julho de 1945 esteve na casa do falecido Pe. Miranda Lopes, de Argozelo, consultando a sua biblioteca. Nela ressalvou a existência de “muita coisa sobre folclore e Cancioneiro, alem do que publicou”. Dá ainda conta que os apontamentos históricos desse Padre foram entregues ao Padre Amado e que estariam bem entregues. Durante as décadas seguintes recolhe muitas anotações referentes a danças e cantares, redundando na edição de dois volumes (com títulos ligeiramente diferentes, mas que se sucedem formalmente): Cancioneiro Tradicional e Danças Populares Mirandesas (1984), um espesso volume com mais de 600 páginas num corpo de letra 45 Curriculum Vitae Notas Culturais de António Maria Mourinho; Bragança, Ed. do autor e Câmara Municipal de Miranda do Douro, 1995 46 O Cardo-Jornal do Nordeste, 15 de Julho de 1996, pp.12. 47 Muito deste material ainda se encontra inédito, algum conservado no CEAMM.

28 |

bastante pequeno; e o segundo volume designado Cancioneiro Tradicional Mirandês de Serrano Baptista (1987), recolha realizada por este funcionário do Tribunal Judicial de Miranda, onde esteve cerca de 30 anos. No Cancioneiro… de 1984, Mourinho dedica este enorme volume a Leite de Vasconcelos, ao Abade de Baçal, ao Pe. Firmino de Vinhais, ao Pe. José Manuel Miranda Lopes de Moncorvo, e ao Abade de Moncorvo, Pe. José Augusto Tavares. Todos eles foram obreiros de recolhas continuadas e até delegadas no Pe. Mourinho. Neste trabalho refere-se exaustivamente as questões da poesia popular, a tipologia das canções transmontanas, romanceiros, canções de acompanhar as lides do campo e da casa, cancioneiro religioso e histórico (medieval), mas também se contempla de forma muito especial as danças de pauliteiros e danças mistas. É, por este motivo, uma verdadeira “bíblia” das danças, cantares e musicologia mirandesas. António Maria Mourinho desde que se estreou nos palcos da Sociedade de Geografia em Lisboa, no início da década de 40, até à data da sua morte em 1996, semeou tantas cearas que ainda hoje colhemos os seus frutos. Além de todos estes trabalhos escritos e publicados sobre os quais tão ligeiramente (para não dizer levianamente) me debrucei para caracterizar um pouco esta figura, parece-me que tanto ficou por saber e por dizer… mas também há que assumir, com a coragem e o destemor necessários, que as reflexões aqui manifestas tendem a ser equidistantes. Fica a faltar uma abordagem à sua veia de orador. Sabemos que não era um homem acanhado, nem que tinha a síndrome da interioridade que tanto faz perder os horizontes futuros. Para ele, estar em Miranda era tão natural como estar em Lisboa, ou em outro sítio qualquer. Não havia complexos. Se era para resolver, era para resolver. Tal como a então directora do IPPC diz, “Ele não aparecia no IPPC com a sua pesada e longa capa de honras, de lã pisoada, mas tudo acontecia como se usufruísse da sua imponência – a presença era discreta mas sábia, a voz forte, o olhar directo e acutilante, a passada firme. Vinha para decidir e não para esperar” (48). Da mesma maneira, se fosse para falar, lá estava. Tinha histórias e mais histórias que não acabavam, mas se o limite fosse ultrapassado também logo dizia: “- Já não digo mais nada… Se quereis ir, idevos. Querereis ficar, ficai; mas não digo mais nada…” e não dizia. A prova desta disponibilidade para partilhar é bem presente na enorme quantidade de actividades culturais e científicas em que participou, a maior parte das vezes como orador, tanto em Portugal como em Espanha, país que também soube honrar a estatura cultural e integridade do Pe. Mourinho. É curioso notar que, do outro lado da fronteira, instituições importantes como a Universidade de Salamanca, Valladolid, Madrid, diversos museus, como o Museu Etnográfico de Zamora e outras, não só conhecem esta figura, como também guardam a memória da sua importante obra, sentindo-o por vezes, e com propriedade, que este investigador transmontano também marcou o panorama cultural da raia espanhola. Num dos seus escritos descreve as actividades culturais, literárias e científicas em que participou do seguinte modo: “Impulsionado por uma necessidade interior, já vinda do Seminário, e para matar os tempos livres da paróquia rural, desértica durante o dia, e evitar o relaxamento e os perigos lorais da ociosidade, orientado, logo de início, pelo espírito e pela mão do grande vulto da ciência e da sabedoria sacra e profana que foi o Pe. Francisco Manuel Alves Abade de Baçal, cuja actividade e obra realizada sempre me prendeu, sem desdenhar o Apostolado Paroquial e inter-paroquial, dediquei-me à investigação arqueológico-histórica de toda esta região, escudado nas ciências das raízes e de base, aproveitando ao mesmo tempo todas as chegas de Etnografia e Folclore, nos campos mais precisos do teatro rural bíblico e cavalheiresco de raiz vicentina, 48 Vide testemunho da Prof. Doutora Natália Correia Guedes, editada nesta obra.

| 29

ainda vivente nos povos, nas tradições e costumes locais – todo um tesouro inesgotável de cultura tradicional e cristã (…). Progredindo no conhecimento de todo este reservatório precioso e intocado, participei, sempre solicitado pelas entidades científicas e culturais, em mais de meia centena de congressos, colóquios e seminários, em Instituições diversas e Universidades nacionais e estrangeiras, sobre todas as matérias citadas, incluindo jornadas diocesanas e interdiocesanas de pastoral, liturgia, culto mariano e história eclesiástica, não esquecendo os centenários de S. Martinho de Braga, Santo António de Lisboa, S. Bernardo de Cister, IX Centenário da Sagração da Sé de Braga. Resultou, de todos estes trabalhos, em mais de 50 anos de investigação e estudo, um espólio, embora pobre como eu, que se publicou e cuja resenha apresento em anexo, numerada e datada, desde o ano de 1942, até 1992 e, desde o numero 1.º, até ao 102.º título” (49). Ainda sobre o Abade de Baçal, a figura que melhor “substituiu” a falta que sentia do seu pai, Mourinho conservou sempre os seus escritos e trocas de missivas, preparando, mais tarde, em 1985, a compilação das cartas daquele grande Padre e Historiador, editadas a título póstumo, em 2005, com o título: Cartas Inéditas do Abade de Baçal para o Padre António Maria Mourinho – 1941-1947 (Introdução e Notas do Destinatário), pelo Município de Miranda do Douro. Por último ficou o museu, a sua herança colectiva materializada. Este foi um dos sonhos mais sonhados. Digo assim porque acho mesmo que nunca deixou de ser um sonho, já que mesmo após a abertura do Museu da Terra de Miranda, em 1982, ele continuou a sonhar com a Verdade de um grande e merecido Museu que fizesse justiça e salvaguarda da memória da sua terra. A posição como sacerdote facilitou muitíssimo a acção cultural (e museológica). Em parte, quase não se conseguiam distinguir estas duas “ferramentas”, esta missão de Deus e da Cultura. Empiricamente sentia que o absoluto e o relativo estavam de mãos dadas; o Homem é a imagem do absoluto, mas vive uma realidade filial também na Terra. Assim trabalhou com as diversas comunidades locais: respeitou-lhes o sentido da Fé, tanto na Igreja, como no dia-a-dia. As portas de casa franqueavam-se ao Padre, que também era amigo/familiar, mas a faceta de estudioso era também apreciada e respeitada. Muitas eram as pessoas que, voluntariamente, com legítimo afecto e consideração, traziam “novidades” de achados arqueológicos, ou que mostraram com confiança e felicidade os seus tesouros de linho e lã, tecidos em teares centenários, ou as simples alfaias agrícolas. Tudo era motivo de interesse; tudo era motivo de troca de conhecimentos que o Padre Mourinho sobe catalizar. Nesta “pesquisa” tão natural quanto a vontade de conhecer a terra e as gentes (que se traduz num acto de amor genuíno), foi recolhido um extraordinário conjunto de materiais, parte deles pertencentes à esfera do Património Imaterial e que podemos considerar terem sido “salvos” num tempo muito oportuno, em que muitos dos valores da ancestralidade vivida pelas gentes de Miranda estava à beira de uma transformação acelerada e de perdas inevitáveis. Na diáspora para França, Alemanha, ou para as cidades maiores, os mirandeses deixaram a sua terra mais desprotegida, mas com legitimidade o fizeram num momento e num país que não lhe conseguia dar o mínimo. Quem ficou sentiu dificuldades maiores. Perdera-se um pouco do mundo dos lameiros, cada vez há menos pastores, cada vez menos crianças. Quem regressou fez a sua casa nova, em parte retomou a horta e as actividades, alguns construíram mesmo novas oportunidades de benefício das terras que os viram nascer. Não é romântica a visão, nem tão-pouco nostálgica, ninguém gosta de andar descalço, mas as horas agora passam mais depressa… não há tempo; o pouco que há leva-nos a vida. O sonho do Museu é antigo, creio mesmo que outros, mais velhos e também atentos à Cultura de Miranda, já esboçavam pontualmente este desejo. Contudo é apenas com o Movimento Cultural “Ressurgimento Mirandês” (1945), fundado pelo Conselheiro Dr. António Carlos Alves, Mário Simão e Mourinho, que esta ideia ganha forma. Nos Estatutos deste movimento o principal vector era, como já referimos: “fundar um museu em que se recolham e conservem objectos históricos e arqueológicos, de arte e indústrias regionais” (50). António Mourinho, certamente entusiasmado pelo exemplo bragantino e, sobretudo, pela sua acção de estudo e dinamização cultural, deparou-se com esta necessidade vezes sem conta. Como começou pelos materiais arqueológicos e etnográficos da Terra de Miranda, houve necessidade de os depositar num qualquer espaço, sendo para isso escolhido um templo devoluto e parcialmente arruinado no centro da cidade de Miranda, a Igreja dos Frades Trinos. 49 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007. Requerimento a Sua Santidade o Papa João Paulo II, a pedir a graça da dispensa das obrigações sacerdotais e o consequente sacramento do matrimónio do Padre António Maria Mourinho. Documento dactilografado, assinado e datado em Miranda do Douro a 25 de Setembro de 1992. Ao documento falta o aludido “anexo” referido no texto, com a resenha das obras publicadas e numeradas de 1 a 102. 50 Estatutos do Movimento do “Ressurgimento Mirandês”, artigo 1.º, alínea d).

30 |

Nas Cartas Inéditas do Abade de Baçal para o Padre Mourinho – 1941-1947, podemos registar diversos passos que revelam esta preocupação de recolher e preservar, sobretudo as “antiguidades” e as epígrafes, embora este cuidado, na altura, fosse sinónimo de uma certa depredação do património local em favor do espólio que estava a ser constituído em Bragança (como aliás o foi também relativamente a alguns tipos de bens que tomaram como destino o Museu Etnológico de Leite de Vasconcelos, em Lisboa). É notável a epistemologia trocada com o Abade de Baçal, desde o primeiro instante em que se torna Pároco em Duas Igrejas, até à morte deste (em 1947). Nessas cartas (51), que só por si dariam para mergulhar fundo no que foram os primeiros anos do Pe. Mourinho como aprendiz e a sua transformação em “oficial” e “mestre” da História, há um constante de preocupação com a Cultura. Esta “escola” museológica depressa deu frutos, o Abade de Baçal aconselhou-o inclusivamente sob o melhor método a adoptar para as prospecções arqueológicas (52). Mas também depressa se esgotou este tipo de “instrumentação” museológica e, acompanhando os tempos, há uma mudança no modus faciendi (sem nada Igreja dos Frades Trinos / Col. Particular / c. 1950 alterar na motivação). Apesar da actividade de prospecção arqueológica, recolha de epígrafes, registo e estudo de elementos arquitectónicos e artísticos, o Pe. Mourinho gradualmente foi-se aproximando de um tipo de Património mais subtil, o Património intangível, a componente viva de um povo. Neste aspecto o “seu museu” etnográfico ou antropológico, é talvez mesmo um pouco mais do que se esperava, já que tende a ser mais interactivo com a própria comunidade. Durante décadas discutiu-se onde fazer o museu, ou se seria uma biblioteca-museu, ou um arquivomuseu, ou se deveria ser polinucleado. Uma das hipóteses seria a reabilitação das ruínas do Paço Episcopal, mas aí não só o espaço era muito vasto para o tipo de investimento possível, como entretanto se esboçou outra hipótese de uso desse imóvel, a construção de um hospital e tribunal, que acabou apenas por redundar numa destruição massiva do antigo Paço, para dar lugar a um jardim engalanado com uma bela colunata que outrora formou a quadra desse edifício majestoso (talvez esteja na hora de repensar este assunto).

Paço Episcopal de Miranda do Douro / Col. Particular / c. 1940-50 51 As já publicadas op. cit. (SANTANA, 2005) e as que agora se editam, em apêndice ao testemunho do João Neto Jacob, e que permaneciam inéditas. 52 Veja-se uma carta datada de 13 de Junho de 1944 (?). Op. cit. (SANTANA, 2005), pp. 82-83.

| 31

Outra hipótese seria a recuperação da Igreja dos Frades Trinos, mas o tipo de espaço não era seguramente o mais adequado e não havia grande exequibilidade (53). Uma outra hipótese seria a adaptação dos antigos Paços do Concelho e cadeia, edifício histórico com raiz manuelina e adaptações posteriores no decurso do século XVI e XVII. Depois de muito penar, passados os anos 50, só verdadeiramente nos anos 60 e 70 se começa a clarificar esta ideia. Portugal entra numa conjuntura estranha, turbulenta, mas favorável ao desenvolvimento de um conjunto de políticas museológicas que se tornaram frutíferas no dealbar dos anos 80, numa época em que os Museus se começaram a estruturar em termos de Serviço efectivo aos utentes e às comunidades. Em 1963, a pedido do então Director-geral dos Serviços de Urbanização (Direcção dos Serviços Museu da Terra de Miranda / Col. Particular / c. 1985 de Melhoramentos Urbanos do Ministério da Obras Públicas), já se trabalhava, com carácter urgente, num ante-projecto para adaptação dos antigos Paços do Concelho e cadeia (referida quase sempre por Domus Municipalis), havendo manifesta preocupação na manutenção das características do imóvel. Dois anos depois, em Novembro de 65, o projecto estava concluído, em duas versões quanto à reestruturação das fachadas. Contudo o assunto arrasta-se Em finais de Dezembro de 1975 a autarquia, cuja comissão administrativa era presidida por José Henrique Guerra, e a propósito de um conjunto de obras de valorização do centro histórico, solicita uma reunião aos membros competentes do Governo, reunião que teve lugar a 30 de Janeiro de 1976, deslocando-se a Miranda o então Secretário de Estado e um representante da Junta Nacional de Educação, sendo um dos pontos centrais a questão da reinstalação do Liceu (que funcionava no edifício da Domus Municipalis) e a adaptação deste imóvel a “Biblioteca e Museu”. A 26 de Julho de 1976 é emitido o despacho ministerial favorável, no seguimento do qual se encetou os procedimentos necessários às obras (54). Um outro apontamento sobre as necessidades museológicas vividas na época, surge através de uma proposta, assinada por Maria da Graça de Sousa Beça G. Sanches da Gama (datada de 8 de Janeiro de 1981), na qual se fazem algumas sugestões para um Plano de Conservação Integrada de Miranda do Douro, proposta, por sinal, bastante inovadora e que permitiria uma melhor sustentabilidade cultural futura na Cidade. A referida proposta visava a preservação de um extraordinário edifício de raiz tardo-gótica ou manuelina, designado localmente por “casão”, que a autarquia da época decidiu demolir (em decisão tomada em 1978). É apresentado, num dos seus eixos, a proposta de adaptação do imóvel a museu, atentando na “ideia de que futuramente o espaço do edifício actual, destinado a Museu, se tornará insuficiente”. Actualmente restam poucos vestígios do “casão”, e é quase desconhecido através de documentação e acervo fotográfico. Embora arruinado o edifício era recuperável e recebeu parecer desfavorável à sua demolição por parte do então Secretário de Estado da Cultura, Dr. António Reis, que visitou o local em 1978. Esta “decisão” acabou por não ser acatada e, pela segunda vez na História recente do século XX, no seguimento do crime cometido com a demolição do Paço Episcopal, se atentou contra o Património Histórico, Cultural e Arquitectónico, sob o olhar desatento das autoridades e dos cidadãos (55). Em 1982 o edificio do Museu estava pronto a abrir portas, embora faltassem alguns pormenores que se ajustaram com o tempo. Homenagem seja aqui feita aqueles excelentes profissionais que na altura também sonharam e construíram, como o Pe. Mourinho, um futuro melhor para a sociedade portuguesa. Não querendo esquecer muitos dos “sonhadores” e “fazedores” dessa realidade, não posso deixar de lembrar, até a título muito pessoal, o extraordinário trabalho realizado pela Dr.ª Natália Correia Guedes, como presidente do IPPC, e que, com a segurança e realismo que a caracterizam, viu na vontade irrefutável do Pe. Mourinho, uma oportunidade de ouro para valorizar a Cultura mirandesa e portuguesa. 53 Hoje é sede da Biblioteca Dr. António Maria Mourinho, serviço público de grande qualidade prestado pela autarquia de Miranda do Douro, inaugurado pelo executivo presidido pelo Eng. Manuel Rodrigo Martins. 54 Arquivo da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) / DSID 001/004-0002-0416/3. 55 Documentação constante no Arquivo da DGEMN.

32 |

Com parcos recursos, mas meticulosamente empregues em verdadeiros pólos de desenvolvimento cultural, o IPPC conseguiu apoiar o projecto. Embora diversas pessoas tenham colaborado em recolhas e no processo de instalação do Museu, a pedra basilar foi o Pe. Mourinho, já na altura um homem com uma envergadura cultural notável. O projecto do Museu tornou-se, então, um estandarte forte para o então Presidente da Câmara, Dr. Júlio Meirinhos e do seu vereador Dr. Gualdino Ruivo, que na altura tomaram como fundamental cumprir o designío de fundar o Museu da Terra de Miranda. É também justo recordar que esta determinação fez com que se jogasse um dos maiores trunfos da História cultural mirandesa, pelo menos desde a fundação do Movimento do “Ressurgimento Mirandês”: a criação de um museu; um museu sério, que apontasse responsabilidades do poder central para o interior (cada vez mais abandonado). A Câmara toma a decisão de entregar à confiança do Pe. Mourinho, a antiga Domus Municipalis, imóvel por si só simbólico, no coração estratégico da vida da cidade. Esta estratégia estava perfeitamente delineada e tornou-se pública num discurso proferido a 19 de Janeiro de 1979, pelo Presidente da edilidade, anunciando-se então que a Câmara tinha deliberado propor ao Governo a criação do Museu da Terra de Miranda, com o objectivo de “preservar toda a riqueza arqueológica, artesanal e histórica, orgulho de toda esta região tão rica em história e arte, e que se encontra dispersa, deficientemente protegida ou mesmo em vias de destruição” (56) e assumindo como condição que o Pe. Mourinho fosse nomeado Director desse serviço. Recorda também os signatários desse antigo pacto de 45 (“Ressurgimento Mirandês”), e a acção benéfica de um outro grande vulto, o Juiz Dr. Veiga Leitão, um dos grandes obreiros deste projecto, que merecem futura reflexão e homenagem. O Museu é criado com o Decreto-Lei 136/82, de 23 de Abril e a nomeação do director é despachada pouco tempo depois. Mas como os sonhos vivem por si mesmos, depressa se percebeu que era necessário mais espaço. Muito mais havia para recolher, para estudar, para expor, para oferecer às novas gerações… As instalações eram as melhores possíveis ao tempo, mas não davam para mais. Era necessário delinear o desenvolvimento do serviço e, nesta visão a médio e a longo prazo, lançou mais umas flechas para atingir os seus objectivos. Nos anos 80 do século passado, o país tem um tremor de crise. O poder central fecha-se sobre si mesmo, não consegue responder às necessidades, nem às dores de crescimento. Mourinho criou um museu exemplar a muitos níveis: era um espaço em que as gentes locais se reviam, colaborando nas recolhas (maioritariamente em Duas Igrejas e Sendim, mas um pouco por todo o Planalto). Foi também um museu com um programa e eixos de acção bem definidos: a Terra de Miranda, compreendida geograficamente, com as suas singularidades naturais e culturais, constituindo uma verdadeiro museu de região; foi também um espaço em que as actividade comunitárias tiveram lugar, bem como o artesanato (e recorde-se aqui a falecida D. Adília Rosa

Inauguração do Museu da Terra de Miranda, sessão solene nos Paços do Concelho (da esq. para a direita: Dr. Mourinho, Dr. Júlio Meirinhos - Presidente da Câmara Municipal, Dr. Gomes Pinho - Sec. Estado da Cultura, Dr.ª Natália Correia Guedes - Presidente do I.P.P.C. / MTM / 1982 56 Vide testemunho do Dr. Júlio Meirinhos, editado nesta obra, onde se publica o discurso então proferido.

| 33

Moreno (1925-2006), grande amiga, costureira/artesã que trabalhou mais de dez anos no Museu); foi também nesta “casa das musas” que se manteve a inspiração da língua mirandesa, dos pauliteiros, das máscaras das festividades de Inverno e solsticiais, dos ambientes de trabalho e da casa típica. No entanto Mourinho sabia que era preciso ir mais longe para manter viva a cultura. O museu não poderia ser a arca dos trapos velhos, tinha que ser o espelho de uma cultura viva, irradiando sabedoria. Nesta sua missão (e do próprio museu) de estudar, recolher, inventariar, conservar, interpretar, comunicar e devolver ao domínio colectivo, através de instrumentos e acções educativas, tornou-se um pouco espartilhado, mercê de contingências diversas. António Nabais, reconhecido museólogo, amante da Cultura e defensor do seu acesso livre e democrático, refere-se a este exemplo singular, no seu testemunho aqui editado, de uma prática essencial e por vezes negligenciada, a de “envolver a população na salvaguarda do património cultural” sendo “percursor no entendimento moderno do património cultural ao estudar e preservar tanto na perspectiva tangível como na intangível, desde o património etimológico (linguístico) e o folclore até ao arqueológico e etnográfico” (57). Aposentou-se do Museu da Terra de Miranda em 1987. A idade do seu corpo começava a obrigar a abrandar, mesmo que a sua mente, tão viva ainda, preparasse algumas das mais preciosas jóias da Cultura Mirandesa (58). Em 1991, à data da edição da Terra de Miranda…, diz na Introdução desta: “Não desejo despedir-me ainda. Desejava que Deus me concedesse vida e saúde capaz, para adiantar algo mais o programa cultural que ainda tenho na forja…” (59). Talvez a sua necessidade de se “segurar” à Cultura da sua terra, fosse um processo de superação natural da perda prematura e inesperada do seu próprio pai, o seu elo de filiação e identidade. Talvez esta necessidade, que nunca foi obsessiva, mas sempre entusiástica, fosse a certeza de uma herança cultural que quis conservar e que nos quis legar (a todos, mirandeses ou não). Talvez fosse um instrumento complementar do seu ministério sacerdotal. Talvez… tantas outras coisas que lemos nas entrelinhas dos seus poemas, da sua Oração de Última Hora… Talvez… seja um D. Quixote da Cultura mirandesa, como tão bem soube caracterizar Duarte Lima no seu testemunho de homenagem. Talvez… Não é consensual dizer-se que tudo correu bem nos últimos anos da sua vida, ou que tudo correu mal… Há diversas versões que a ninguém compete julgar nem justificar, como tantos outros pontos da sua vida que são estritamente íntimos. Contudo o poema “Flash”, que também aqui se edita, parece dar-nos um pouco a tónica de que algo no seu coração balançava, por desgosto, mágua, ou apenas algum laivo de senilidade (que ele afirma mas que não se vê em nada do que escreve). Valeu-lhe quem lhe estava mais próximo… No seu aniversário, aos 79 anos, escreveu um testamento, sereno e puro. Parecem passadas as convulsões lancinantes do seu coração. Agarrou-se à vida, mas sabia que também se vivia para lá do dia 13 de Julho de 1996, data da sua morte (60). Foi ao encontro das suas mães, a Senhora do Monte (em Duas Igrejas) e Ermelinda Rosas Pires. Esse testamento foi o poema “Anos vão e anos vêm! … – Setenta e Nove!...”. Faleceu às 8.45h no Hospital de Santa Maria e regressou à terra que o viu nascer, Sendim, onde os seus restos mortais repousam em campa rasa, junto dos seus irmãos. Deixou à Terra de Miranda e ao país um legado inestimável, inigualável, sobretudo porque sempre foi generoso, distribuiu genuíno amor e compaixão, soube fazer brotar fontes, como Moisés, para regar os campos da Cultura e soube ser Sol para a fazer crescer. Por fim basta acabar, como comecei, porque a vida é um ciclo: apenas a certeza de que António Maria Mourinho está vivo no coração de todos que escreveram e com quem falei… …e porque só deixou Amigos.

57 58 59 60

Vide testemunho de António Nabais, editado nesta obra. Note-se os subcapítulos que escreveu sobre o património e o museu na obra “Terra de Miranda …”, op. cit. (1991). Ibidem, pp. XII. Faleceu no Hospital de Santa Maria às 8.45h, no dia 13 de Julho de 1996.

34 |

Inverno 1975 / Pormenor da foto de P. Mourinho / MTM / Doação de Maria de Lurdes Mourinho (2007) / 1975

FLASH (Um dia de dor) Dói-me o coração E dói-me a alma. Até a profundeza do cérebro E das entranhas!... Extravasa a dor e a angústia… É só pensamento e dor!... …Cristo e Sua Mãe O alumiam, E diminuem o sofrer… 26/09/1991 [cópia de texto dactilografado, não assinado] (61)

61 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007.

| 35

“Setenta e Nove Anos” ou “Anos vão e anos vêm! … – Setenta e Nove!...” Encontrámos quatro versões deste poema nos seus escritos conservados pela Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho e generosamente oferecidos ao Museu da Terra de Miranda. O primeiro poema que apresentamos poderá não estar completo. Pode ser uma primeira tentativa, depois rejeitada, não se sabe. Do segundo poema há fotocópia da primeira página do original manuscrito e uma segunda página, essa sim um original autógrafo. Desconhece-se se a primeira página original manuscrita existe ou se foi destruída. Das quatro versões, duas são manuscritas e duas dactilografadas, sendo a última a mais conhecida e, eventualmente, a melhor estruturada. É deste poema que se retira o título pelo qual é mais conhecido “Anos vão e anos vêm!... Setenta e Nove!...”. Torna-se curioso que todas as versões são datadas de 13 de Fevereiro de 1996, excepto a última, datada do dia 14. Na realidade esta discrepância dá-se pelo simples facto de António Maria Mourinho ter nascido de facto a dia 13, mas diz-se que, por superstição, o seu pai registou-o na data seguinte, a 14 de Fevereiro.

79 Anos! 13 de Fevereiro de 1996 Anos? – Quem os faz Estando vivo – Sou eu deste corpo, ainda cativo. E quantos são? – Setenta e nove Oitenta menos um, De todos, não posso enjeitar nenhum, E deles, neste mundo, estou cativo. A vida está correndo, dia a dia Em senilidade consciente e saudosa, De tantas coisas feitas, e a memória Da mocidade e madurez é história Que vai gravando-se na alma sempre ansiosa. Esta alma em pedaços repartida Por córregos de aldeias e carreiros Da Terra fria que sempre me foi querida Quase sossobra ao peso das ideias [Original autógrafo] (62)

Pormenor da porta da casa paroquial de Duas Igrejas MTM / Sérgio Gorjão / 2007

62 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007.

36 |

Setenta e Nove Anos! 13 de Fevereiro de 1996 (63)

Setenta e Nove Anos – 13 de Maio de 1996

Anos quem os faz, estando vivo, E tantos!... Setenta e nove – Eu!... Oitenta menos um! Mais um! Vais, e não volta!...

Anos!... Eu os faço, ainda vivo!... E tantos já!... Setenta e nove!... - Oitenta menos um!... e não mais tornam, Na irresistível marcha que nos move

A vida e o tempo, São como o bento e dão-nos a volta, Como se fora um polvorinho à solta.

A vida e o tempo São como o vento, e dão-nos volta Como se fora um polvorinho à solta.

A vida está comendo dia a dia Em senilidade consciente e saudosa De tantas coisas feitas, dia a dia: De choro e dor e outras de alegria, Que assim a vida é feita, até acabar.

Assim eu vou correndo, sem parar, Em senilidade consciente e saudosa De tantas coisas feitas, dia a dia, Com máguas e tormentas… - e alegria, Que disto a vida é feita, até acabar.

Ai mocidade em flor! Ai plena vida De trabalhos e canseiras sem parar! A alma em pedaços repartida, Por povos, aldeãos, estradas e carreiros, Levando amor e paz sem descansar, Na Terra fria que me foi querida, Apesar de alguns não serem verdadeiros… Novos e velhos pelo mundo acompanhei E comigo viveram e estiveram, Muitos mais novos que eu Amigos bons, que já morreram! E eu, ainda vivo! Trabalhando Nos papeis enfeitiçados, Que me conquistaram e aprisionaram, E ainda aqui estão, não me deixaram…

Ai! Mocidade em flor! Ai! Plena vida De trabalhos e canseiras, sem parar!

A vida foi vivida, - Sim! Repito, Pelo mundo em pedaços repartida Pesando a alma milenar da minha Terra Na sua língua milenar e sua história Sempre serena sincera e bem segura, A golpes de vontade, e amor sem amargura … De que hei-de arrepender-me? Neste cabo de saudades e tormentas? Não é do mal que fiz, que não me lembro, Mas do bem que não obrei, sim, me arrependo!

A “Alma em pedaços repartida” Levou-me aos povos, montes e carreiros, Semeando amor e paz sem descansar, Na Terra Fria que eu quis sempre amar, Apesar de poucos serem verdadeiros. Novos e velhos pelo mundo acompanhei, E comigo viveram e estiveram, Nesse mundo por que eu sempre andei. - Muitos mais novos que eu Amigos bons, já “se” morreram!... E eu ainda aqui “stou”!... e trabalhando, Nos papeis enfeitiçados que apar’ceram, Me conquistaram e aprisionaram, E ainda aqui estão, - não me deixaram. A vida foi vivida, sim, repito: “Pelo mundo em pedaços repartida” Com a alma em flor da minha terra, Na sua língua milenar e a sua história, Sempre serena alegre e bem segura, Nesse mundo que até me rendeu glória…

… E agora?!... Sim!... que a vida não é minha! E se estou vivo, é p’rá fazer render! E Quem ma deu, e em mim a quer, Enquanto for andando, Deus quiser!...

…De que hei-de arrepender-me!?... Neste cabo de saudades e tormentas? - Não é do mal que fiz, que não me lembro, Mas do bem que não obrei, sim, me arrependo!

António Maria Mourinho Loures, 13 de Fevereiro de 1996 aniversário de 79 anos

E agora?... – Porque hei-de eu aspirar? Por mais viver?... Sim!... Que a vida não é minha, E se estou vivo, é p’rá fazer render!

[Fotocópia da primeira página manuscrita e original autógrafo da segunda página] (64)

E Quem ma deu, e em mim a quer, Enquanto for servindo e Deus quiser, Venham mais anos, sim, para viver!... Loures, 13 de Fevereiro de 1996 Aniversário de 79 anos. António Maria Mourinho [Original dactilografado] (65)

63 Na 30.ª linha optou-se pela palavra “Pesando”, embora com dúvida, atendendo à hesitação do ductus do primeiro grefema “P”, “R” ou “D”. 64 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007 65 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007.

| 37

Anos vão e anos vêm! … – Setenta e Nove!... 14/02/96 Anos!... Eu os faço, ainda vivo!... E tantos já!... Setenta e nove!... Oitenta menos um!... e não mais tornam, Na onda irreversível que nos move!

E mais!... Porque hei-de eu aspirar, Por mais viver??... A vida não é minha… E se estou vivo, é p’rá fazer render!... E Quem ma deu, e em mim a quer, Enquanto for servindo… e Deus quiser, Que venham anos mais, para viver!...

A vida e o tempo São como o vento… São como o vento e dão-nos volta Como se fora um remoinho à solta. Assim, eu vou correndo, sem parar, Em senilidade conscia e saudosa De tantas coisas gastas, dia a dia, Com máguas e tormentas… (e alegria…) Que assim a vida é feita, até findar. Ai! Mocidade em flor!... Ai! … Plena vida!... De esforços e canseiras … a sonhar, Que já lavai, mal gasta e mal perdida!

Loures, 14 de Fevereiro de 1996 (Aniversário de 79 anos). António Maria Mourinho [Fotocópia de um original dactilografado] (66)

Ai! alma em pedaços dividida Que andou comigo em montes e carreiros, Semeando amor e paz sem descansar, Deixando leais amigos verdadeiros, Na terra fria que aprendi a andar! Novos e velhos pelo mundo acompanhei, E comigo viveram e estiveram, Por mares e ares que não mais verei, Nem eles, porque muitos já morreram. E eu ainda aqui “stou”!... e trabalhando Nos papeis enfeitiçados que apar’ceram, Me conquistaram e me aprisionaram, E aqui me prendem e emparedaram. A vida assim vivida em dor e glória, “Pelo mundo em pedaços repartida”, Sobeja-me em saudades dessa terra Que mostrei com sua língua e sua história. … E agora?... Pensando, ao fim do dia, Que vai chegando a hora?!... - De que hei-de arrepender-me? Neste cabo de saudades e tormentas?!... - Não é do mal que fiz, que não me lembro, Mas do bem que não obrei, sim, me arrependo! Carteira com “Bentinhos” MTM / Doação de Maria de Lurdes Mourinho (2007)

66 Arquivo do Museu da Terra de Miranda, doação da Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho, 2007. Transcrição feita a partir do documento assinalado. Contudo conhece-se a edição do mesmo poema no periódico O Cardo – Jornal do Nordeste, ed. de 15 de Julho de 1996.

38 |

Dr. António Maria Mourinho (

67

)

Belarmino Afonso (1931-2005) Investigador, antigo Director do Arquivo Distrital de Bragança

Faleceu em Lisboa, no hospital de Santa Maria, a 13 de Julho de 1996. No dia seguinte, 14 de Julho, regressava definitivamente à sua terra Natal, Sendim de Miranda, onde foi inumado. Pisava o espaço requintado dos salões académicos com o mesmo à vontade com que assistia, em qualquer palco improvisado aos laços executados pelo Grupo de Pauliteiros de Duas Igrejas. De aparecia um tanto desleixado, mesmo no linguajar, tinha uma alma sensível e um trato distinto. Nos momentos solenes, quando precisava de transmitir a mensagem cultural das terras mirandesas, então envergava a sua capa magna, a capa mirandesa. Assim vestido, a poesia, a dança ou a música, vibravam com a vivência telúrica que lhes transmitia. A sua figura fisicamente modesta, mal deixava adivinhar a magnitude cultural com que se enriqueceu. Muito lhe deve o Pais, mais ainda o distrito de Bragança, e em especial as Terras Mirandesas. António Maria Mourinho entrou definitivamente na história. Que a poeira dos séculos não apague as letras de oiro com que escreveu as páginas da história de Miranda. De hoje em diante, entre nós e ele aumenta a dívida de gratidão que é necessário saldar. Que não falte a toponímia nem a estátua ou busto merecidos que, a partir Julho, Miranda lhe deve. Conheci o P. António Maria Mourinho num momento alto, de grande vivência regional. Miranda vibra nesse dia com a comemoração dos 400 anos de sua escolha como sede de diocese. Caminhava eufórico à frente dos seus paroquianos de Duas Igrejas. O compromisso nesta promoção cultural da terra mirandesa iniciara-o já em Nov. de 1942, quando se estreou publicamente na Sociedade de Geografia de Lisboa com a declamação de dois poemas em dialecto mirandês “ Nôssa alma i Nôssa Tiêrra” e “ Las siête Armanas”. Condecorações e agremiações que o receberam no seu seio, desejaram recompensar o seu labor e reconhecer os seus méritos. Possui um currículo recheado de factos notáveis. Cancioneirista emérito, deixou nas recolhas das suas obras o retrato fiel da região onde nasceu. Desde cedo sentiu o apoio seguro do Abade de Baçal. Tomou-o como mestre. Comungou com ele no mesmo sacerdócio eucarístico e cultural. Colaborador assíduo de Brigantia, exaramos nas suas páginas o registo da gratidão de quem muito lhe deve. A amizade expressa em atenções diversas e as confidências de certos momentos críticos nos últimos anos da sua vida, deram-nos ocasião de sentir a sensibilidade espiritual de um homem que, apesar de tudo, ficou sempre sacerdote.

67 Reedição do artigo publicado na Brigantia – Revista de Cultura, Coimbra, Arquivo Distrital de Bragança, 1996; vol. XVI, n.º 1/2 JaneiroAbril, pp. 157. Excerto a partir do exemplar oferecido pelo Dr. Belarmino Afonso à viúva do Dr. Mourinho. Texto reeditado por cortesia da Directora do Arquivo Distrital de Bragança, Dr.ª Ana Maria Afonso.

| 39

L segredo de António Maria Mourinho Amadeu Ferreira Vice-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários

Ye deficele, para mi, falar de modo oujetibo de António Maria Mourinho yá que l coinci i cun el cumbibi, nó mui amenudo, mas an partes amportantes de la mie bida. L mais de ls nuossos ancuontros dórun-se na eigreija i alredror de las cousas de l’eigreija, yá que, por esse tiempo (1961-1973), you andaba ne l seminairo. Stube solo ua beç cun el ne l sou scritório de Dues Eigreijas, ende pul meio de ls anhos sessenta, altura an que me oufreciu l lhibro de poemas Nuossa Alma i Nuossa Tierra, lhembrando-se-me bien las palabras azedas que ende dixo subre l çprézio que le era dado a la cultura. Senti cumo era grande la sue soledade naqueilha caminada, anque antoce me parecira que essa era ua scuolha feita por el mesmo. Nessa altura nun me falou na lhéngua mirandesa, el que siempre falaba cumigo an mirandés quando passaba pula mie rue i paraba un cacho a falar cun mie mai, Fiadeira no balcão da Domus Municipalis (pormenor) que era prima del. Apresentou-me ls bersos IVDP / Col. Domingos Alvão / c. 1940 daquel lhibro cumo sendo yá antigos i de la sue mocidade. Mas bundaba mirar para aquel scritório chenos de lhibros i pa la ourdenada cunfusion que puli iba para antender adonde staba la cabeça i l coraçon de António Maria Mourinho. Nunca senti de la parte del qualquiera eideia de me trasmitir algun antusiasmo pula lhéngua mirandesa ou pula nuossa cultura, nien me falou de l’amportança que todo esso tenie para todos nós. Mas nun me habie el acabado de oufrecer un lhibro adonde anunciaba que la lhéngua se iba a morrer mui poucos anhos apuis? Hoije miro al para trás i beio que talbeç l defeito haba sido todo miu, que solo cul 25 de Abril antendi l’amportança de la lhéngua i de la cultura mirandesas, mas ende yá me habie apartado de muitos modos de pensar de António Maria Mourinho, que se mantubírun por muito tiempo. Talbeç, por esso, el nun le tenga dado amportança al purmeiro quelóquio oureginal que se repersentou an mirandés, an Sendin, ne l berano de 1975. L tiempo, que quaije siempre acaba por mos meter al reilho, fui eissencial para tornar a la obra i a la figura de António Maria Mourinho, trabalho que inda tengo an manos i algun tiempo mais inda lhebará. Por agora, porqui se queda l miu teçtemunho, cul recoincimiento público de la grandíssema díbeda que la lhéngua i la cultura mirandesas ténen para cun l padre dr. António Maria Mourinho i la grandíssema amportança de ls trabalhos que mos deixou. Agora hai que cuntinar esse trabalho, i l melhor modo ye coincer bien qual fui l segredo de l sábio António Maria Mourinho, adonde buien las raízes de todo l sou saber. Ne l sou trabalho de dibulgaçon de la cultura mirandesa i de studo de la lhéngua mirandesa, António Maria Mourinho tenie raízes mui fondas que le benien de dues fuontes percipales: la sue bibéncia na nineç i na mocidade, inda que nesta altura stubira a studar an Bergáncia i solo benira a la sue tierra, Sendin, nas férias; la lharga cumbibéncia familiar i an special cun sue mai, que cun el bibiu até la fin de sue bida, tenie el yá mais de cinquenta anhos, acumpanhando-lo cumo cura an Dues Eigreijas por arrimado a 30 anhos. De sue mai diç an 1991: “E hoje, ela que era analfabeta de letras, recordo saudosamente, que apesar disso… tinha no coração uma biblioteca de saber perfeito [l eitálico ye miu], àcerca de Deus e da vida quotidiana, e quanto mais longe se me vai afastando a data da sua partida (são quase 21 anos) mais alta a vejo, nos horizontes de Deus e do Mundo” [Terra de Miranda. Coisas da Nossa Vida e da Nossa Alma Popular, p. XII]. Bei-se bien que yá nun ye l cura inda moço de ls anhos quarenta de l seclo XX que fala, mas la pessona madura que agora le sabe dar l berdadeiro balor a la cultura i a la lhéngua que mamou. António Maria Mourinho recuorre muito a la bibéncia que tubo na sue tierra de nacéncia, cumo el mesmo diç nua cunferéncia que fizo an 1987 [“O Romance cantado no Nordeste português”,

40 |

in Literatura Popular Portuguesa. Teoria da Literatura Oral/Tradicional/Popular, ed. ACARTE, Fundação Calouste Gulbenkian, 1992, pp. 359-375]: “…na escola primária, e no largo da aldeia…”, anquanto pequeinho; “…andando pelas brenhas e fraguedos das arribas do Douro, guardando e pascentando o gado, pela mesma época (1927-1930), juntamente com outros pastores cabreiros e zagalas do lado de cá e de lá, entre termos de Sendim de Miranda e do de Fermoselhe e de Pinilha (Zamora), cantávamos também em diálogo e em língua castelhana...” (p. 360); “Evidentemente que me ficaram na memória, estas como outras canções diferentes, tanto as letras como as melodias ouvidas e cantadas, desde os meus seis anos de idade, na aldeia de Sendim de Miranda e seu termo e das aldeias limtrofes da nossa.” (p. 361); “E todavia as canções ainda permanecem, mas apenas na minha memória e de alguns meus contemporâneos ainda vivos e alguma gente mais nova, que teve a sorte de conviver e comunicar com alguns mais velhos, pais, mães ou avós.” (p. 362) Mas ye siempre la mai que ye apuntada cumo la sue percipal porsora, i nessa cunfréncia, mais ua beç, la torna a lhembrar: “Minha mãe, analfabeta, falecida em Janeiro de 1971, com 88 anos, formada na sua cultura oral, popular e tradicional muito rica e no seu mirandês puro [l eitálico ye miu], chamava a estas canções narrativas simplesmente remanses.” (p. 362). Cuido que, quarenta anhos atrás, tenerie deficuldade an recoincer la fala de la mai cumo mirandés puro. De todo esto se puode cuncluir que hai un segredo que António Maria Mourinho mos deixou i que ye mui amportante para todos ls que, ne ls dies de hoije, quieren cuntinar l studo i la çcubierta de la cultura mirandesa i la prática biba de la nuossa lhéngua: l saber stá ende a la nuossa mano, hai ua fuonte d’auga pura a la nuossa puorta i que nun para de manar, bonda querer buer. La criaçon de l Museu i todo l trabalho que António Mourinho fizo assenta nessa berdade tan hounesta, que ye l respeito mui fondo pul pobo i pula sue cultura, séian quales fúren las manifestaçones dessa cultura. Nun hai que le meter nanhun cumplexo d’anferioridade a la giente nuoba de agora, stando siempre a dezir que datrás ye que era buono, datrás ye que la cultura era mais pura, datrás ye que la lhéngua era mais bien falada i que ls nuobos yá nun fálan bien, la cultura que eilhes ardórun yá nun ye la mesma cousa, cumo se todo stubira corrumpido puls tiempos d’agora. Todo esso ye un puro anganho i un modo de fazer zanimar als mais nuobos na defénsia de la nuossa cultura: tenemos de ser giente de l nuosso tiempo i dar-le balor a la cultura de la giente que bibe cun nós, a las bezes na mesma casa i a la nuossa puorta, a la cultura de ls analfabetos que inda hoije hai muito por ende, mas que, cumo la mai de António Maria Mourinho, ténen “no coração uma biblioteca de saber perfeito”, la cuonta ye que séiamos capazes de le abrir ls lhibros i lé-los i antendé-los cum debe de ser. L trabalho de António Mourinho fui un ampeço i ten de ser cuntinado i anriquecido, cumo se tem feito, mas inda stamos a santos. Muito el fizo i outros antes i apuis del, mas l mais amportante stá inda por fazer, assi apareça muita giente nuoba chena de saber i de eideias que querga fazer esse trabalho. António Maria Mourinho inda bibiu nua sociadade sclusibamente rural, camposina, i trasmitiu-mos ls balores culturales dessa sociadade; mas esta eiboluiu i ye hoije ua sociadade ourbanizada i globalizada cun outros zafios e balores culturales; hai cuntinidades que hai que mantener i hai cousas que se rumpírun, i nunca mos podemos squecer de que esta ye la nuossa era, tal i qual cumo António Mourinho biu bien qual era la sue. Nun podemos quedar cerrados ne l nuosso buraquito, mas ir pul mundo cumo António Mourinho fui. L trabalho de la lhéngua i de la cultura ye un trabalho de cidadanie i, por esso, un deber de todos nós para cun l nuosso paíç i la dibersidade de la nuossa cultura pertuesa. La cultura i las lhénguas de ls pobos son património de la houmanidade: por esso que la cultura i la lhéngua mirandesas nun son solo nuossas i ye nuosso deber mantené-las i dá-las a coincer al nuosso paíç i a la houmanidade, a la par cul clima de paç que siempre fui mantenendo culas outras lhénguas cun que cumbibiu i cun que se anriqueciu. Tanto anho apuis, ye buono mirar al para trás i poder dezir: que Dius se l pague, padre dr. António Maria Mourinho, i grácias al trabalho del hemos de cuntinar palantre. 30 de Abril de 2007

| 41

António Maria Mourinho: un teçtemunho António Bárbolo Alves Diretor de l CEAMM (68)

Bibir ye ser outro. Nien sentir ye possible s’hoije se siente cumo onte se sentiu: sentir hoije l mesmo qu’onte nun ye sentir − ye lhembrar hoije l que se sentiu onte, ser hoije l cadable bibo de l qu’onte fui la bida perdida. Fernando Pessoa Ye mui facel falar de ls muortos. Quaije siempre se fala bien. Muitas bezes até nun ye pul aprécio que tenemos por eilhes, mas pul miedo de la nuossa própria muorte. Assi i todo, estas palabras, an forma de teçtemunho, nun quieren deixar-se lhebar por essa lei. Direi l que sinto i penso. Julgar, julgue quien leia. Conhecie l Dr António Mourinho nas rues de Miranda. Dou fé de l ber, ende an ne fin de ls anhos uitenta, sentado nun de ls cafés de la cidade, acerca de l Museu, saludando la giente an mirandés. Nessa altura serie de ls poucos a tener la coraige de falar mirandés, an Miranda. Guardo essa eimaige, cumo la d’un home que sentie proua na sue cultura, na sue lhéngua. Mas cuido que tamien s’adabina nos sous uolhos ua cierta tristeza por ber que poucos éran aqueilhes qu’al sou redor le respundien an mirandés. Alguns mirában-lo até cun ua cierta pena, sien cumprender nien saber quien se scundie debaixo de tanta lhaneza i houmildade. Guardo tamien na mie lhembráncia l’alegrie de ls sous uolhos quando ampecemos a trabalhar na Cumbençon Ourtográfica de la Lhéngua Mirandesa. I l brilho que deilhes manaba quando, an 1995, saliu la purmeira Propuosta. Naide cumo el mereciu esse trabalho. Naide cumo el sentiu tanta alegrie al ber la lhéngua qu’el traie na sue alma ganhar nuobas alas qu’el feturaba capazes de la fazer de nuobo bolar. Defendiu-la, solo i sien miedo, contra todos aqueilhes que dezien qu’era ua “fala spanholada”, un “pertués antiquado”, un “misto de pertués i sapanholo” que debie d’acabar, un “dialeto atrasado”, cumo atrasada era la cidade de Miranda, onde la cebilizaçon inda nun chegara. Studou-la i falou-la, sien bergonha, contra ls que screbien que ls mirandeses éran selbaiges mediebales, atrasados siete seclos de cebilizaçon (cfr. Mensageiro de Bragança, 1 de Márcio de 1945). Mas la sue obra ye ua staia por acabar. Por isso, l Centro de Estudos António Maria Mourinho (CEAMM), criado an 2003, s’apropuoso studar i eiditar ls decumentos por el deixados i dar seguimento al sou lhabor pula lhéngua i la cultura mirandesas. Ls ambestigadores de l CEAMM ténen dado cunta dessa misson, studando i dibulgando esta hardança que ye pertença de todos ls mirandeses. Las publicaçones yá feitas dan-mos cunta de l balor d’alguns desses decumentos, cabendo eiqui anunciar que ls sous Ditos Dezideiros − la “Bíblia” de ls mirandeses, cumo el ls chamou − seran apresentados no próssimo die 10 de Julho. La Rebista Tierra de Miranda ten yá an purparaçon un nuobo númaro i ls testos de ls colóquios stan tamien a ser tratados. Un yá fui publicado i ls outros puoden ser lidos an ne sítio web de l CEAMM: http://ceamm.no.sapo.pt: Talbeç inda haba quien pense que nien siempre António Mourinho defendiu la lhéngua mirandesa cumo debie de ser, ou que nien siempre seguiu l mesmo camino, ancuntrando na sue bida, que júlgan conhecer, rezones sufercientes para isso. Pois you afirmo, contra todos ls que qu’assi pénsan, que Mourinho fui, sien dúbida, un home cuntraditório mas un home de l sou tiempo. De ls diferentes tiempos an que bibiu. Cumplexo, anquieto i anteiro, cumo ls grandes homes, para alhá de la capa de serenidade que siempre bestiu. Stou cierto que la publicaçon d’alguns de ls sous decumientos einéditos ajudaran a melhor cumprender aquilho qu’eiqui scribo. Na mesma rodeira de Fernando Pessoa i de ls personaiges de Proust, para quien nada de l bibe ye, nada ten l sou lhugar. Todo stá sujeito a las leis einelhuitables de l tiempo, a la multiplicidade anfenita de ls stados.

68 Centro de Estudos António Maria Mourinho.

42 |

António Maria Mourinho (1917-1996) - Memórias… António J. C. Maia Nabais Director do Museu Etnográfico e Arqueológico Dr. Joaquim Manso Presidente da Associação Portuguesa de Museologia Em 1984, durante uma visita de trabalho ao Museu da Terra de Miranda, tive o privilégio de conhecer a vasta obra cultural e museológica do Pe. Dr. António Maria Mourinho. Encontrei um homem apaixonado pela sua terra, pelas suas gentes e pela sua cultura, que queria criar as bases essenciais para a organização de um museu de região, ao juntar quase todos os condimentos necessários para atingir esse objectivo. Faltava-lhe apenas um: o edifício adequado. De qualquer modo, a instituição museológica tinha sido criada pela Decreto-Lei n.º 136/82, de 23 de Abril. Mas esta medida não o satisfazia totalmente. Na verdade, existiam colecções e estudos, mas faltavam instalações adequadas para as conservar e expor. Esta era a grande preocupação do seu primeiro Director, que vivia intensamente este problema, lutando afincadamente por espaços dignos de um património que estudou e recolheu. O Dr. Mourinho descia com frequência à Capital, sem complexos de interioridade, para visitar o Departamento de Museus do IPPC, onde colocava o problema dos espaços do Museu e da necessidade de encontrar uma solução para apresentar as colecções, através de uma narrativa, que representasse diacrónica e sincronicamente a região, de forma coerente, rigorosa e acessível a todos os visitantes. Mas a sua voz nunca foi ouvida nos corredores e gabinetes do Palácio da Ajuda. A surdez do “poder” nunca ouviu a voz da realidade, nua e crua, das carências materiais e físicas para valorizar os valores culturais, as heranças patrimoniais, que, sabiamente, António Maria Mourinho soube estudar e recolher com a participação activa das gentes da Terra de Miranda para alicerçar a elaboração de um programa museológico. Sabia muito bem que o Museu não era um amontoado de objectos espalhados pelas salas de um edifício, mesmo que esse fosse histórico, como a antiga casa da Câmara Municipal e da Cadeia Comarcã, instalações sem quaisquer condições para o desempenho das funções museológicas. Era necessário ir mais longe para poder transmitir os conhecimentos e saberes que tinha recolhido junto da população da região. Estamos perante mais um exemplo concreto onde havia colecções e investigação para se organizar um museu, ao contrário de outros que se criaram sem a existência destes elementos essenciais para a construção de uma instituição museológica. Realizamos, a seu pedido, um programa para o percurso expositivo, mas as condições materiais e espaciais nunca chegaram a ser uma prioridade para o poder político que não entendeu nem entende o que é um museu e o qual o seu papel cultural, social e económico para o desenvolvimento de uma região. Deixou-nos o exemplo de como envolver a população na salvaguarda do património cultural e foi percursor no entendimento moderno do património cultural ao estudar e preservar tanto na perspectiva tangível como na intangível, desde o património etimológico (linguístico) e o folclore até ao arqueológico e etnográfico. Acendeu uma luz, mas que não foi alimentada. A sua memória continua viva entre nós, porque nos ensinou a conhecer e a amar o património cultural. O seu legado cultural deixou fermento que, certamente, vai levedando, mesmo os responsáveis políticos mais empedernidos pelos valores culturais do nosso país. Abril de 2007

| 43

O Humor do Padre Dr. António Maria Mourinho António Rodrigues Mourinho Sobrinho Historiador, ex-Director do Museu da Terra de Miranda É para mim muito difícil falar do meu querido e saudosíssimo tio e padrinho, com quem convivi, uma vida de amor paternal e filial desinteressado, durante cerca de cinquenta anos, aproximadamente. Mantive esta convivência até ao fim da sua vida e conservo dele a maior saudade e todos os dias o recordo com respeito cristão, compreendendo sempre a sua parte humana, cultural e social. Depois que eu tomei conta da direcção do Museu da Terra de Miranda, houve alguém de má fé e má vontade, amigo da intriga e da maledicência, que atentou contra a amizade que sempre nos uniu, mas fui eu que, dando de conta da senilidade em que ele tinha entrado, em conversa amigável e dentro do próprio Museu, o levei a uma reflexão e tudo ficou, de novo, nas melhores relações de amizade, como sempre. Não tenho nada na minha consciência que me acuse de o ofender nem por palavras nem por escrito. Desafio quem quer que seja a provar o contrário. E, neste ponto, mais não digo. O Padre Mourinho nasceu de gente humilde do povo, viveu para o povo e com o povo e fez do povo o centro da sua cultura e da sua atracção. Como diz São Paulo: “Sou homem e nada do que humano me é alheio”. Foi da gente simples e sábia do povo a da sua filosofia “dogmática” que ele aprendeu e usou tanta coisa humorística, cheia de sabedoria e vivência real do dia adia. Aplicava como ninguém, na hora própria, sempre a propósito, os ditos e histórias que ouvia da boca do povo. Seria muito longa a lista de ditos, pensamentos, anedotas, ironias, histórias, etc., que me lembram, mas que por falta de espaço e tempo não posso reproduzir aqui. Mesmo assim, aqui ficam algumas que não serão das mais interessantes....! O carro na valeta, na estrada de Cércio – Duas Igrejas Haveria meio ano que o meu tio tinha comprado, a um brasileiro de Sendim, um carro velho, um Stwer Graff. Não tinha carta e quando necessitava fazer alguma viagem mais longa lá se valia dos paroquianos encartados. Um dia foi um senhor de Cércio, o tio Neves, que o acompanhou. Era o mês de Março de 1953, teria eu nove anos, depois de uma dessas viagens, viemos de Duas Igrejas a Cércio, já noite escura, trazer o encartado acompanhante tio Neves. No regresso a Duas Igrejas, como ele tinha ainda pouca prática de condução, ali a uns trezentos metros de Cércio, ao fazer a curva dos choupos, que já não existe, meu Padre Mourinho despistou-se e o carro foi para a valeta e ficou encostado, quase a bolçar para o lado direito. Ficámos os dois apavorados e eu lancei o grito: - ai, padrinho, que nos matámos. Aflito, perguntou-me: - Tu feriste-te?! - Não! Respondi, a chorar. - Então estamos os dois vivos. Não te atrapalhes. Passados alguns minutos chegou uma camioneta de Vimioso carregada de pipas de vinho, fomos a Cércio e trouxemos uma corda para tirar o velho carro do buraco, mas afinal ninguém morreu nem ninguém se feriu. Outra semelhante, mas mais grave aconteceu-lhe em 1977, no mês de Fevereiro, quando ia ao Governo Civil de Bragança regularizar a documentação dos elementos do Grupo Folclórico de Duas Igrejas que estava a preparar para ir à Alemanha e à Áustria. Ficou martirizado, muito ferido, e às portas da morte. Eu e a minha irmã, Maria Rosa, fomos a Bragança, logo que soubemos do acidente que teve numa das curvas da serpenteada estrada entre Pinelo e Outeiro, fomos imediatamente ao Hospital Distrital de Bragança para lhe dar sangue, tal foi o estado em que ficou. Ao outro dia, fomos de novo visitá-lo ao mesmo Hospital eu e meu falecido pai e tinha a face completamente negra do hematoma e maçaduras que tinha sofrido. Mal chegámos, perguntei-lhe: - Então, como está hoje?! A resposta foi directa: - Estou vivo, graças a Deus. Mas o que mais admirei foi a boa disposição com que ele estava, apesar de estar a ser assistido, nos cuidados intensivos. Não escrevo, por recato, uma que presenciei, no princípio de Junho de 1969, quando pisou três vértebras da região lombar, estando ele internado na Casa de Saúde da Boavista, no Porto, onde esteve quarenta e cinco dias, deitado de costas sem se poder mexer.

44 |

Apresentação dos Pauliteiros de Miranda (porm.) / Col. Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - Pauliteiros de Miranda / c. 1960

O Padre Mourinho e as Crianças Era muito amigo das crianças e as crianças tinham por ele uma atracção especial. Lembro-me de um “viva “ que lhe dedicou o Ilídio Calejo de Duas Igrejas, ainda criancinha: Viva lá, Senhor Padre António, Por cima das suas calças Quando vai para a Igreja Parece um anjo d’alças Um domingo esqueceu-se do saca-rolhas para abrir uma garrafa de vinho para a missa. Manda o Ilídio a casa a pedir à minha avó um saca-rolhas. Meu Ilídio chegou junto da minha avó e diz-lhe: - Ah tie Rosa, dixo Senhor Pdre Antonho que dirades ua saca rota! - I para que quier l cura la saca rota?! Mirai que l conho de l cura?! A minha avó vai à sacristia e pergunta ao meu padrinho: - Para quieres la saca rota?! - You nun pedi ningua saca rota. Pedi um saca-rolhas para abrir hua garrafa de bino pa la missa! - L diabro de l rapaç pediu-me ua saca rota e you beni-te a perguntar para que demonhos queries la saca rota!? Estando eu presente numa aula de catequese, em Duas Igrejas numa noite do mês de Setembro de 1964, tinha, o meu querido Padre, contado uma história de um menino que tinha feito xi-xi na cama e atribuiu a culpa ao gato. No fim da catequese perguntou aos pequenos se ainda se lembravam da história do menino mentiroso. O Fernando, hoje licenciado e professor, que tinha mais confiança com ele respondeu com todo o desaforo, em plena Igreja: - Lembro-me, eu, Senhor Pe. António. Era ua bez un rapazico que cagou na cama e pôs a culpa ao gato! Meu padre Mourinho, sem esconder o sorriso, mandou calar imediatamente o pequeno, para que não houvesse mais galhofa entre a pequenada, presente na igreja. À saída da igreja, aproveitou a ocasião para me contar a história verdadeira, passada com um miúdo de uma aldeia da Diocese de Vila Real, onde o Bispo, D. António Cunha, foi fazer a Visita pastoral. Vivia, nessa aldeia, um miúdo muito esperto, sabia muita doutrina e era protegido de umas senhoras ricas e cristãs da aldeia, em cuja casa o Bispo ia almoçar. As senhoras muito cheias com a esperteza do garoto, pediram ao Bispo para lhe perguntar a doutrina. O Bispo, que não esperava a resposta,

| 45

acedeu ao pedido das senhoras e pergunta ao miúdo: - Olha, meu menino, tu que sabes tanta doutrina, diz-me: Qual é a primeira coisa que fazes quando te levantas? Resposta directa do miúdo: - Primeiro, vou cagar à horta e depois vou ao pão à fogaça. E, comentando, dizia-me em tom de conselho: ”Aos garotos nem tudo se pode contar nem tudo se pode perguntar”. O Padre Mourinho e o Padre António Delgado de Palaçoulo Nem sei como começar nem como acabar. O Pe António Delgado foi um dos maiores monumentos criados na Terra de Miranda. Era simples, esmoler, amigo, desinteressado, mas com a naturalidade dele e, sem pensar, fazia e dizia coisas que se aproveitavam como a mais pura jocosidade e o mais alegre anedótico. Seria muito exaustivo contar tudo e o meu querido Padre Mourinho sabia lidar com ele da maneira mais cordial e fraterna, aproveitando, ao mesmo tempo, todos os ditos e feitos daquele saudoso Padre António. Lembro que numa festa das vacas ou de Nossa Senhora do Rosário, em Palaçoulo – 2 de Setembro de 1975, estávamos ao altar no princípio da missa, cinco padres. Depois das primeiras admonições litúrgicas, meu Padre António esqueceu-se de nomear as intenções das missas e começou a dizer: - O Senhor Pe. Fulano celebra por alma de Fulano. O Senhor Padre Beltrano celebra por alma de... E, de repente, sai uma voz lá do meio da multidão, em plena Igreja e diz, mal-humorado e em tom imperativo: - Hoje é missa de Nossa Senhora não tem nada que nomear mais missas. O Padre António ficou irritado e começa numa discussão com a pessoa que o tinha interpelado. Meu Padre Mourinho, que sabia como se apaziguavam estas guerras do Padre António, nem fez mais nem menos e continuou a missa imperando, calmamente e em voz alta: - Confessemos os nosso pecados! E acabou-se a guerra. Outra vez confidenciava-me: - Sabes uma coisa? O Padre de Palaçoulo, há quinze dias que anda a rezar o ofício da agonia ao tio Valverde de Palaçoulo, mas o homem não tem vontade nenhuma de se morrer! Para uma festa de Nossa Senhora, em Palaçoulo o Padre Delgado comprou um cordeiro. Telefona ao meu padrinho e dá-lhe a novidade: - VOCÊ sabe, Padre Mourinho, já comprei o cordeiro para a festa das vacas e é galhusco!!! Na minha ignorância perguntei ao meu padrinho se um cordeiro galhusco era o cordeiro que já tinha cornos. Riu-se de cadelice, à maneira dele e respondeu-me: - Não. O cordeiro galhusco, nas nossas terras, é o que só tem um testículo. Mais uma: Verão quente de 1975. Era o mês de Julho de 1975. Apareceram, em Duas igrejas três tropas daqueles da 5.ª Divisão ou da “dinamização“ e pediram ao Padre Mourinho o salão paroquial para passarem um filme sobre a agricultura em Cuba. Meu Padre Mourinho, abriu-lhes a porta e à hora marcada, depois de avisar o povo, lá estavam os tropas a passar o ditoso filme. Antes da sessão teve a delicadeza de convidar os militares para merendar na adega. Abriu umas garrafas do delicioso vinho que fazia todos os anos, um rosé adamado “achampanhado” que escorregava para o estômago, mas subia com muita facilidade ao último andar do cérebro. Depois de bem comidos e melhor bebidos, acompanhou-os ao salão. Passado pouco tempo, depois de o filme estar a correr, os três tropas levados pelo precioso néctar embelezaram-se e, debruçados, um no bombo, outro na caixa e outro na secretária entraram em extático sono como quem sobe ao quinto céu. Como o filme não interessava, as pessoas foram saindo uma a uma até que ficou só o meu padrinho e o Manuel Oliveira. Este quando se viu só, diz para o meu tio: - Bom eu tamem nun stou a fazer nada. Bou-me ambora. Os militares continuavam naquele feliz sono que aquele natural e potente sedativo vináceo lhes tinha causado. Entretanto o filme chegou ao fim, o meu Padre Mourinho olhou para os lados e só viu os militares. Vendo que não despertavam daquele sono profundo, bateu as palmas e, como quem avisa, diz para os militares: - Meus Senhores, vamos embora que já se acabou o baraço! Estremunhados e surpreendidos encontraram-se sós e meio estonteados e quase a cambalear, sem saber onde se encontravam, encartaram o estojo e foram-se embora sem dizer palavra. Esta é uma das muitas histórias verdadeiras do ridículo que foi a campanha da dinamização, no Verão quente do ano de 1975, em todo o Nordeste Transmontano.

46 |

O Baptizado na varanda Um certo dia apareceu um rapaz do povo cigano, daqui da região a pedir-lhe uma certidão de baptismo, para ir “prás Sturias”. Meu padre Mourinho, sempre lhe perguntou se tinha sido baptizado em Duas Igrejas. - A mim parece-me que sim, respondeu o moço. - Então, vou ver se consta o teu registo no livro de baptizados. Se não constar tenho que te baptizar. Passados dias, estava eu, em Duas Igrejas e lá apareceu o mesmo moço. Diz –lhe o Padre Mourinho: - Não encontro o teu assento de baptismo. - Então, baptize-me, outra vez! Meu padre trouxe uma bacia, um copo de vidro com água benta e não esteve com meias medidas: - Fulano, se não estás baptizado, eu te baptizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Depois passou-lhe a certidão de baptismo e mandou o rapaz em paz para que nas Astúrias pudesse arranjar trabalho. Os Juramentos d’Alma Como se pode ver, era muito amigo e respeitador do povo cigano, como era de todos os paroquianos. Quantas vezes mordeu a língua para não responder a muitas coisas que o ofenderam. Os juramentos d’Alma eram do que mais sagrado havia no povo cigano. Aquele que fizesse o juramento d’Alma, se não seguisse o que jurava, perdia a alma. Lembro vários, mas sei que uma vez se encheu o curral daquela nobre gente e era uma moça cujo marido ia para Angola, no tempo da Guerra Colonial, por volta de 1969-1970. Veio a moça do povo cigano pedir ao nosso Padre Mourinho que lhe aceitasse o juramento d’Alma pelo qual ela jurava que não teria outros homens enquanto o marido estivesse na “Ingola”. Passado um mês mais ou menos, a moça volta a casa do Padre Mourinho, dizendo que queria desfazer o juramento d’Alma, porque lhe tinham dito que o marido andava metido com as pretas na “Ingola”. O meu Padre que sabia o que se passava com a dita moça, não teve pejo em na repreender e feriu-lhe a consciência: - Olha, o que dizem por aí é que tu andas metida com uns e com outros. Quando a moça viu que o padre sabia de tudo, perguntou-lhe: - Atão será que perco a alma?!.. - Perdes, se não te portares bem, daqui para diante. A moça ficou de tal modo apavorada, que exigiu fazer outro juramento d’Alma, mas desta vez parece que foi mesmo a sério! António Maria Mourinho, como pároco levou a vida pastoral muito a sério. Zelou a arte com gosto. Reconstruiu capelas e Igrejas, procurou que toda a ornamentação das suas igrejas fosse feita com gosto e com estética não só nos dias de festa mas em todos os dias. Nunca explorou ninguém e por isso nunca foi homem de cabedal. Morreu pobre. Não posso deixar de dizer que tinha uma alma sensível como criança. Não posso deixar registada aqui aquela elegia tão triste, tão pungente e tão sentimental que escreveu, no dia em que o meu avô, João da Cruz Mourinho, foi vitimado pelo peso de um freixo que lhe caiu sobre o abdómen. Era o dia 6 de Setembro de 1938, tinha o jovem António Maria Mourinho a idade de 20 anos. É uma peça literária de um sentimento tão profundo, só próprio de um grande poeta em que o sofrimento só foi sublimado pela Fé. Só encontro uma expressão igual nas Confissões de Santo Agostinho quando fala da morte e funeral da mãe, Santa Mónica, em Óstia Tiberina. Por outro lado era emotivo como uma trovoada sem relâmpagos nem granizo ou chuva. O Padre Mourinho e a mãe, minha avó Ermelinda Rosa A única pessoa que o conhecia bem era a tia Rosa, sua mãe e minha avó. Dizia-lhe muitas vezes na nossa linguagem sendinesa em que comunicavam os dois a toda a hora: -Sós cume l´aire! Bás para donde te dá la gana e fazes todo l que quieres! De repente lembrava-se de ir para Madrid, para o trabalho de investigação e não estava com contemplações. De manhã ninguém pensava que ele ia sair e à noite dizia à minha avó: - Manhana bou para Madrid. - Mas por porque num me l deziste, hai mais tiempo. Num tengo roupa para te mandar. - Pus, manhana, tengo que ir. A minha avó ia às gavetas, buscava a roupa que podia e daí a minutos aparecia a dizer-lhe: - Iá puodes ir para Madrid ou para donde te dê la gana. Iá tenes la roupa pronta e dreita. Naide pega an ti.

| 47

Padre Mourinho, Albertina do Céu Rodrigues, Manuel dos Santos Mourinho / Fotografia Aurea / Col. Particular / c. 1942

Ao outro dia partiu para Madrid, mas, antes passou pelo Mosteiro de Moreruela, já em ruínas. Os cabreiros aproveitavam para encerrar as cabras no vetusto monumento. Estava tudo cheio de pulgas dos cães e das cabras. Meu Padre Mourinho atraiu a si todos os parasitas e saiu dali a coçar o pulguedo que o mordia em todo o corpo e, dizia-me, ele, que chegou a Madrid e antes de mais afogou as pulgas num banho geral. A minha avó sabia muito bem da sua prodigalidade com uns e com outros e dizia-lhe, muitas vezes: - Meira, só andas a trabalhar par Padre e ladrones. O mesmo confirmava um advogado de Bragança muito amigo dele: “O Padre Mourinho andou toda a vida a promover brutos que se puseram no poleiro e hoje passam por ele como por vinha vindimada”. Ponde-me no poleiro e depois cantarei. Ainda não há muito que apareceram no Mensageiro de Bragança duas anedotas que alguém impropriamente lhe atribuiu. Tive ocasião de desmentir quem escreveu tais afirmações. As anedotas que saíram do Padre Mourinho foram reais e ele tinha sempre o cuidado de dizer: “Já dizia minha mãe”, “já dizia o tio João Cachete” (e que tais coisas!), o tio Cândido, avô do escultor José António Nobre e muitos, muitos outros, mas nunca atribuía nada à sua pessoa. Sabia que outros falariam dele na hora própria. Já vai longa a exposição. Perdoe quem ler estas pobres linhas. Gostaria de falar mais dele, mas nem quero canonizá-lo nem quero depreciá-lo. Para mim foi homem completo. Como tio e padrinho tivemos sempre um relacionamento paternal. O que aqui deixo registado é uma gota do muito que a respeito dele que se podia dizer. Há coisas que, pela sua contundência não se devem escrever, porque “scripta manent et verba volant”. Não vou tocar no extenso trabalho literário e científico que legou a toda a Terra de Miranda nem quero nomear o que ele trabalhou para que a cultura da Terra de Miranda fosse conhecida em todos os continentes. Gastou a vida ao serviço da Cultura do seu povo que sempre amou e com o qual se identificou, mas não teve o reconhecimento que lhe era devido pela parte quer da Secretariado quer do Ministério da Cultura, principalmente do então IPPC que nem um simples louvor lhe dedicou. Disso ele se queixou muitas vezes. Mas como outro valor mais alto se levanta foi condecorado duas vezes pelo Presidente da República. A primeira vez pelo Marchal Carmona, em 1942 e a segunda vez pelo Dr Mário Soares, em 1995. A respeito destas condecorações há algumas coisas a dizer, mas não as devo escrever, aqui. SIT TIBI TERRA LEVIS

48 |

Miranda do Douro, 14 de Abril de 2007

Obreiro de gente Balbina Mendes Pintora

Tantas vezes e em tão diversas situações o tenho lembrado, meu saudoso Padre Mourinho. Foi meu professor. Orgulho. Respeito. Privilégio! Vaidade também. Essa dispensa-la-ía, decerto. Almas grandes impõem-se pela simplicidade – e assim o lembro. Não aprendi muito nas suas aulas de Geografia. Nem nas de História. Os seus saberes eram demasiado altos para descer ao elementar. Tinha disso consciência. Compensava-nos de outra forma: simulava distracção ou adormecimento – e os testes eram cábulas entre os dedos. E na avaliação era sempre generoso. Sim, porque generosidade, tolerância, compreensão, encorajamento, foram os mais sábios ensinamentos que nos passou. Grande obreiro de gente! Grande mestre! Como uma palavra de incentivo pode impulsionar ou a falta dela aniquilar... Ainda menina, cheguei da aldeia às suas aulas. Acanhada. Mãos calejadas, pele tisnada. Os vestidos eram os que a minha mãe fazia, e todas as outras tão mimosas, de roupas “à moda“, a falar fidalgo... Interessou-se pelos meus saberes, pelas minhas vivências rurais. Surpreendida, incrédula, recordo o espanto: era a minha própria voz que saía, sem entender por que magia, daquela geringonça, onde longas fitas rodavam sem parar. Rimances, orações, cantigas das segadas... Ah!, se soubesse como então isso me fez sentir gente! Não entendia eu como coisas tão simples, que pessoas igualmente simples me haviam ensinado, poderiam interessar àquela sala de aula. Contagiou-me o amor com que teimou perpetuar tão simples coisas em registos de palavras feitas poesia. E, em telas, eu deixei germinar essa semente. Abril de 2007

“Ajuntamento” de Músicos / MTM / Col. Particular / 1991(?)

| 49

O Cura Mourinho: O Cura Mirandês por excelência Carlos Ferreira Vice-presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano Manuel Bandarra Pintor (autor da aguarela reproduzida)

Desde o fundo do tempo, personificando o fio que ata Deus aos homens, gerações de pastores sacerdotes apascentaram na Terra de Miranda a libertação das almas dos seus paroquianos, alumiando-lhes o caminho que leva aos Céus. Muitos curas devotaram a sua vida ao trabalho de aperfeiçoar as almas das mulheres e homens mirandeses, e não haveria aqui espaço para nomear todos os que merecem ser mencionados, por isso ao falar daquele que encarna o cura mirandês por excelência, aquele que soube evangelizar o seu povo, interessando-se ao mesmo tempo pela língua, pelo folclore e pela cultura da terra que o gerou, fazemos justo jus a todos os padres que passaram pelas aldeias mirandesas. Ao evocarmos o cura Mourinho (1917-1996), elegemos o homem que concorreu com uma cota fundamental e basilar para a compreensão da língua, do folclore, da cultura e da “alma mirandesa”. Como a esmagadora maioria dos garoticos sendineses do seu tempo, nascido entre Jesé o mais velho e Manuel o mais novo, Antonhico era rebento de humildes camponeses. Já uma década que os soldados da Primeira Grande Guerra tinham abandonado as trincheiras da grande planície europeia. Em 1929 o desespero dos homens era agora a sementeira de falências arramadas pelo colapso da bolsa de Nova Yorque. Indiferentes aos ciclos económicos mundiais, os cerrados da Terra de Miranda festejavam o ritual do fim de Outono e ofereciam o calor guardado nos troncos gordos dos freixos despidos do seu ramão. Colhendo sol para o Inverno, dois serradores alagavam-se no suor do esforço do traçador aguçado, que entalhava vagaroso a madeira humilde. Desprevenido, o tronco mastodonte precipitou-se sobre a erva e colheu Juan, o pai do nosso cura mirandês ainda por criar. A madrugada amortalhou-se tão temporã! A urdidura da vida gerou uma tecedeira viúva. - Nun biu l frezno a caier!? Trés ninicos que cáben ambaixo dun scrinho! L pior ye l Antonhico! Assi manco!... Dos jeireiros, o preferido do então Abade de Sendim, foi sempre Juan, o pai do nosso cura. Antonhico, o garoto órfão do meio, arrastava o balançar do coxeio de um corpo franzino, mas, sentado na carteira da escola, ninguém o apanhava em correrias de letras, geografia e história. - Agora que fez a quarta classe, vai para o seminário. Eu cá trato de tudo, dizia o Abade, amainando a desgraça da viúva. O senhor Abade era um homem bom. Via porvir promitente no garoto e encaminhou-o para o seminário. Foi ali que o seminarista António Mourinho viria mais tarde a conhecer e fazer amizade com o padre Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal. Ali a filosofia ensinou-lhe que o mundo evolui puxado pela aparente contradição duma antinomia dualista: tradição e modernidade. A tradição figura a raiz, valores estáticos mas seguros, a linhagem. A modernidade é o rosto do anti-conformismo, da mudança, da evolução renovada em progressos inevitáveis. Para António, as férias grandes do seminário-maior transbordavam sempre de um reino maravilhoso esfalfado de trabalho do campo, aprendendo aí a faina e essência do saber do mundo-camponês seu contemporâneo, que havia de marcar as suas atitudes. Participava sempre nas lides do campo da mãe e desde cedo deixou de se poupar a esforços, afogando todos os dias as canseiras de moço na água corrente das Ourrietas do termo de Sendim. Recompensando a prematura morte do pai, a mãe Rosa, tecedeira enquanto as forças a deixaram, foi a mulher que mais tempo acompanhou o filho sacerdote ao longo da teia da vida. Padre noviço, cedo aprendeu que na sua terra sentinela da cobiça castelhana, planalto arejado e adusto, Nordeste levantino, mar empedernido por cantarias e piçarra, o sacerdote, homem entre homens e mulheres, precisava da Graça para lavrar o chão da fé de criaturas com superstições pagãs mais enraizadas que tesos e altivos zimbros seculares. Do nascimento até à morte, passando por um controlo social apertado, o cura de defeitos e virtudes, era o pastor de comunidades aldeãs autárcicas, onde a sobrevivência se fazia à custa de massa crítica de entreajudas. Na sua condição de acólito do Supremo, fustigavam-no os frios e canículas das caminhadas a cavalo entre as anexas

50 |

distantes. Os anos de míngua e abundância. Os dias tristes em que a desgraça batia à porta do rebanho sem avisar e também os galhofeiros dias marcados de romaria, onde a abastança e a alegria triunfavam. Em Duas Igrejas deixava animar as festas das tradições do tempo e, em fileiras intermináveis, durante as tardes soalheiras admirava a destreza dos bailes da “bicha” e dos “palos”. Não se cansava de fitar o gaiteiro a apertar o boto, e de mirar as suas mãos mestras remeterem os dedos contra os buracos da ponteira cumprindo o dever de tocar para a comunidade. Durante os anos de 1975 e 1976 foi meu professor de história. Parece que ainda lhe estou a ouvir a voz rouca repleta de sibilantes mirandesas, a passear pelos intervalos das carteiras, em deambulações históricas que por vezes eram difíceis de seguir a um rapaz que acabara de completar 14 anos. Quando passava pela casa de meus pais, a minha mãe contava-me que eram primos e aconselhavame à sua frente: - Tu nun te portes bien cun senhor padre! Mira a ber se sós capaç de te formar cumo el i fazer-te un home. Tu nun te me libres de l sacho! L bien ye solo para ti. E eu cabisbaixo e encavacado ouvia o padre, calmo, tranquilizá-la: - Todos fússen cumo ls tous Albertina i la cousa nun starie mui mala. Depois, o resto são coisas que já todos sabem: o rancho de pauliteiros de Duas Igrejas e o mundo inteiro prostrado a seus pés; os estudos; a poesia; os livros; a história; a lhéngua; o museu e todas as publicações assinadas com o seu nome. Foi o Doutor em história e em todas as coisas da sua Terra de Miranda, sempre desafiador e informador dos melhores especialistas. Dedicou uma existência inteira à sua terra, à sua cultura e suas gentes. Não admira por isso que tenha estátua levantada em Miranda e empreste o seu nome a várias realidades da sua Terra. Acredito que é tempo agora, tal como aconteceu com o Abade de Baçal em Bragança, que o seu nome dê nome ao Museu da Terra de Miranda.

| 51

António Maria Mourinho - O Quixote da Cultura Mirandesa Domingos Duarte Lima Advogado, Deputado à Assembleia da República Presidente da Assembleia Municipal de Miranda do Douro Fui aluno de António Maria Mourinho no Ciclo Preparatório e no Liceu de Miranda do Douro, nas disciplinas de História e Geografia. Além de aluno, viria depois a firmar com ele uma amizade muito sólida, que durou até ao fim da sua vida, baseada numa admiração pessoal muito grande e num convívio que se manteve depois dos estudos. São muitos os traços da sua personalidade merecedores de admiração e de uma grata lembrança mas nesta nota em sua homenagem, eu recordaria os seguintes: Em primeiro lugar o investigador incansável da história, da língua e da cultura mirandesas, em particular. Guardo dele a memória de longas conversas nas aulas, em que se saía das matérias gerais dos manuais de história e geografia, para se entrar nos relatos apaixonados das suas longas estadias nos arquivos de Simancas, de Zamora, da Biblioteca Nacional, em busca das nossas raízes e memórias mirandesas. Quixote sem Sancha Pança, a busca da sua Dulcineia, se se pode utilizar a comparação da figura de Cervantes, era precisamente a de desnudar até ao mais ínfimo pormenor a cartografia, a raiz, a identidade da sua tão amada Miranda. Quando dela assim nos falava, voando durante quase toda a aula da matéria do manual, e entrando na arqueologia mirandesa, o rosto enchia-se de um sorriso de felicidade e beatitude, e o tempo parava. Em segundo lugar, o animador cultural. A vivência da cultura mirandesa não era para o Padre Mourinho uma preocupação de índole meramente teórica, confinando-o ao estatuto de um “rato de biblioteca”, perdido na mera leitura de documentos que ele desentranhava na poeira dos arquivos. Para ele, a cultura e a identidade mirandesas eram uma realidade que se projectava do passado no futuro, e que tinham que ser vivenciadas e mantidas. Dai o seu labor em torno da recuperação da língua mirandesa, do cancioneiro mirandês, da dinamização dos diversos grupos de pauliteiros e danças mirandesas, não apenas nas aldeias, mas também nas escolas. Levou-os além fronteiras e, para utilizar uma expressão hoje em voga, globalizou o mirandês e a sua cultura antes da era da globalização. Finalmente, o homem. Aquela personagem de baixa estatura física, inconfundível ao longe pelo seu ligeiro coxear, dividido entre as aulas, a investigação, as obrigações da sua paróquia e a animação cultural, era um ser humano de uma simplicidade e bondade inigualáveis, capaz de fazer amigos em todos os lugares, sempre disponível com um gesto ou uma palavra de apoio para quem dele necessitava. Estava tão à vontade com um eminente professor universitário, com um alto dignitário político, como com o mais humilde agricultor ou guardador de ovelhas. António Maria Mourinho: os grandes vultos vêem-se às grandes distâncias. Podemos dizer, sem cair no pecado do exagero, que sem ele a identidade e a cultura mirandesa não seriam, hoje, o que são.

52 |

Evocação do Pe. Doutor António Maria Mourinho (1917-1996) Domingos Raposo Professor e Linguista mirandês

A evocação do Pe. Doutor António Maria Mourinho, nas celebrações das bodas de prata do Museu da Terra de Miranda, de que foi fundador, organizador e primeiro Director, é mais do que merecida, uma vez que sem a sua laboriosa e persistente actividade o Museu não teria existido. Parabéns, por isso, ao Dr. Sérgio Gorjão, actual Director, pela iniciativa. É com satisfação e, simultaneamente, com emoção que lembro o amigo, o vizinho, o humanista, o padre, o investigador. Ao lembrá-lo, recordo as suas palavras bondosas e sábias, os seus conselhos, as suas opiniões, as suas pegadas, o seu exemplo, o seu percurso de vida, a sua obra, importante e vasta. Obra que construiu pondo em prática a directriz do mestre, que muito estimava, Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, que um dia lhe disse por escrito: - “Quero-te bem, somos amigos. Espero que venhas a ser o meu continuador na carolice pela nossa terra”. Carolice que pôs em prática a vida inteira. Conheci-o, sendo eu uma criança, como pregador no púlpito da igreja matriz de Santa Catarina de Aldeia Nova quando, anualmente, no ofício de nove lições às benditas almas do purgatório, resultante do voto feito em 21 de Dezembro de 1710 pela população daquela aldeia, em plena Guerra de Sucessão de Espanha, para que os moradores fossem protegidos das perseguições dos espanhóis, fazia o sermão, arrebatando o coração dos fiéis com o seu carisma de doutrinador convincente e historiador nato. -“Bamos al Oufício a oubir l sermon de l senhor Cura Antonho, que a esse si bal la pena oubi-lo. Até mos fai benir las lhágrimas als uolhos” - diziam as pessoas, tal era o impacto que provocava. Mais tarde tive o privilégio de o ter como amigo e o sortilégio de o ter como vizinho, facto que nos permitiu reforçar o convívio, potenciar a amizade e a confiança, partilhar desabafos, anseios e vivências; falar de projectos e trabalhos científicos, etc. Originário de família humilde, viveu modestamente, de forma nobre e com uma doação plena ao serviço da igreja enquanto pároco e à investigação, desde os dezoito anos, ao longo de toda a sua vida. Soube crescer, adquirindo a formação necessária, o espírito de luta e de perseverança no trabalho, predicados que tornam os homens grandes. Fez os estudos primários em Sendim, sua terra natal. Depois ingressou no Seminário de S. José, em Bragança, onde concluiu o curso teológico em 1941. Na década de 1960 licenciou-se em História na Universidade do Porto. Foi professor no seminário e no ensino básico. Assumiu e desempenhou as funções de pároco, durante quarenta anos, na paróquia de Duas Igrejas e suas anexas, recebendo do bispo D. Manuel de Jesus Pereira um grande louvor: “Vossa Reverência concluiu os seus cursos com brilho, sem nunca deixar de assistir condignamente as paróquias. Foi um herói, e o seu Bispo felicita-o e está-lhe muito agradecido”. Depois da morte de sua mãe, para suprir a solidão, foi buscar a solução à união conjugal. Obtida a dispensa das obrigações sacerdotais (25-03-1993), continuou a viver a fé, a dar testemunho dela e a considerar-se padre, como sempre gostava que lhe chamassem, morrendo, assim, em paz com a Igreja. Em Novembro de 1942, surgiu a sua estreia literária, na Sociedade de Geografia, em Lisboa com a apresentação de dois poemas em mirandês: “Nôssa Alma i Nôssa Tiêrra” e “Las Siete Armanas”. Com eles começou a cruzada pela causa (fixação escrita, estudo, divulgação e defesa) da sua

| 53

língua materna, de que foi o expoente máximo no século XX. Estudos como “Variedades subdialectais do mirandês” e “O dialecto mirandês e as suas fontes históricas”; obras literárias como “Nôssa Alma i Nôssa Tiêrra” e “Scoba frolida an Agosto-Lhiênda de Nôssa Senhora de l Monte-Dues Eigreijas”, onde a poesia flúi singela, genuína, rica e pura, para além de diversos outros estudos filológicos e gramaticais, muitos deles publicados em revistas nacionais da época, são marcos documentais de promoção da língua mirandesa, de que era bom utente e profundo conhecedor. Para além disso, a sua afirmação como homem de letras está bem patente na vasta bibliografia de que é autor. Teve, também, o condão de trazer nova luz em multifacetados domínios: arqueologia, epigrafia, história, etnografia, antropologia, museologia, teatro popular... Neste campo é obrigatório referir o êxito do ensaio e representação, em 1948, do “Auto da Mui Dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”, peça do século XVI, a que assistiram mais de vinte e cinco mil pessoas e amplamente noticiada pela imprensa da época. O seu valor foi reconhecido por instituições científicas de elevado gabarito que o acolheram como sócio. Foi sócio efectivo do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia (1942); da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnografia (1947); sócio correspondente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (1956), da Associacion Española de Etnografia y Folclore e da Academia Portuguesa de História (1982). Teve uma participação activa e constante em congressos, colóquios e seminários, no país e no estrangeiro, com inúmeros estudos/comunicações de que, por falta de espaço, citamos apenas dois: “A invasão de Trás-os-Montes na Guerra dos Sete Anos -1762 - pelos Exércitos Borbónicos, através da correspondência oficial dos Comandantes-Chefes Generais Marquês de Sarriá e Conde de Aranda, existente no Arquivo geral de Simancas” (1983); “Testamentos Rurais do século XVIII: Lições de Vida e de Costumes” (1995). Em 1945 fundou o “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas” (mais conhecido por Pauliteiros de Miranda), com o qual correu os quatro cantos do mundo, difundindo o nome de Miranda e de Portugal e obtendo os mais variados prémios internacionais, com destaque para o Prémio Europeu de Arte Popular em 1981. Foi à Terra de Miranda e a Trás-os-Montes que ele dedicou a maioria dos seus estudos linguísticos e histórico-etnográficos, tendo sido à semelhança do que foi Fernão Lopes para o reino, o cronistamor desta região. Por isso, será sempre uma referência e ficará na história ao lado de Francisco Manuel Alves, José Leite de Vasconcelos, Firmino Martins, Santos Júnior, Trindade Coelho, Ferreira Deusdado, etc., etc. Arauto e embaixador das gentes e da alma mirandesa, a quem dedicou uma vida inteira de estudo e amor, aprofundou o conhecimento do povo, recolheu/captou o seu modo de ser e estar, insuflou nova vitalidade e alento à cultura que tanto amava, alicerçou o amor às raízes. Possuidor de muita sapiência, alicerçada num saber empírico que adquiriu do contacto constante com o povo e num saber científico que foi buscar aos arquivos, aos livros que tanto gostava de comprar (e que em 1995 legou ao município), à investigação. Bom observador, era, também, um bom contador de histórias e um bom humorista. Sabia interpretar facécias da vida quotidiana como ninguém e criar “lhonas” de encantar. A sua companhia predispunha, enriquecia e alegrava, principalmente, da parte de tarde, depois de dormir a sua breve mas retemperadora sesta que tanto gostava de fazer. Em 1995, no 450º aniversário da elevação de Miranda do Douro a cidade, depois de ter sido condecorado pelo Almirante Homem e Gouveia, em representação do Presidente da República Mário Soares, de capa de honras pelos ombros, segredava-me: “- Já desempenhei o meu papel. Cumpri a minha missão. Estou feliz. Já posso morrer”. Nos últimos meses de vida, acompanhei-o na doença e notei sempre que a aceitava com resignação, paciência e de forma positiva, em plena sintonia com os versos que escreveu no dia do seu 79.º aniversário (14-02-1996): …E agora?... Pensando ao fim do dia, Que vai chegando a hora?!... -De que hei-de arrepender-me? Neste cabo de saudades e tormentas?!... -Não é do mal que fiz, que não me lembro, Mas do bem que não obrei, sim, me arrependo. E mais!... Porque hei-de eu aspirar, Por mais viver??... -A vida não é minha… E se estou vivo, é p’ra fazer render!... No 25.º aniversário do Museu da Terra de Miranda e no seu 90.º aniversário natalício, hoje e sempre, merece a nossa homenagem, o nosso reconhecimento, a nossa mais profunda gratidão. Que o seu exemplo frutifique.

54 |

Pe. Doutor António Maria Mourinho Francisco Valentim Garcia Advogado

Em Duas Igrejas, há cinquenta e nove anos, com os meus pais solteiros, nos termos do Direito Canónico, não podia receber o sacramento do baptismo, mas ele fechou os olhos e fui baptizado como os demais da minha idade. Todavia não sem severas críticas doutros padres que, já na altura, estavam a anos luz do Padre António Maria Mourinho que soube compreender a situação, dando ao inocente o merecido tratamento, sem qualquer discriminação, outra coisa não seria de esperar do Homem. Não tardou em me apelidar de “um rapazinho esquivo”, fui caminhando na infância, paralelamente, com aquele adulto que amou e ajudou, na medida do possível, todos os seus Festa da Velha - Vila Chã da Ribeira / Foto de M. Firmino paroquianos, sem olhar para a cara de nenhum, MTM / Doação de M. L. Mourinho (2007) / Janeiro 1979 uns de uma maneira e outros de outra. Tinha resolução desinteressada para todos os problemas e eram muitos. Para mim, foi-se a infância e, adolescente ainda, emigrei como os outros que labutavam na freguesia. Reencontrei-o, no seu posto, dez anos volvidos, vertical como sempre, no rescaldo da Revolução dos Cravos. Quando não faltava quem lhe agradecia da pior maneira o bem que recebera. Jamais quis agradecimentos, mas o bem que recebemos não se retribui com exprobrações, ou manifestações de desprezo. Aos ingratos, não dispensava a ironia, usada com inteligente mestria, como só ele sabia, sem desrespeitar ninguém, mesmo os que não conseguiam ir além do insulto. Observei então como era magnânimo mesmo para com aqueles que, descaradamente, lhe faltavam ao respeito. Não raro, sem se respeitarem a si próprios, tendo em conta a ingratidão e o exacerbamento das já por si difíceis relações inter – gerações. Verifiquei depois, em contacto pessoal e diário, que era um homem superior e, por isso, não cabia nos acanhados e largos muros que o enclausuravam e acorrentavam. À força de pensar nos outros e de fazer bem, morreu pobre como Luís Vaz de Camões. Jamais se deixou seduzir pelos bens materiais, ou cair na ilusão das riquezas. Todos os tostões que recebeu, ao longo da vida, ou foram oferecidos directamente aos mais pobres que ele, embora não fosse fácil encontrá-los, ou foram investidos na preciosa biblioteca que acabou por ser doada à Câmara Municipal, para que “os meus sobrinhos e a juventude a possam consultar”. Assim passou por estas terras, onde nasceu, de que gostou como ninguém o homem de cultura invulgar, o homem honesto, trabalhador, simples, sincero e frontal, que mais se identificou com a nobre gente Mirandesa e verdadeiramente amou o próximo como a ele mesmo. Como prova da sua grande cultura, legou-nos a obra escrita, onde todos podemos ir beber vinho do melhor, sendo esta a maior homenagem que lhe devemos. Levou o nome da nossa terra e a cultura mirandesa a todas os cantos do Planeta, contribuindo assim para que nosso rincão natal não ficasse esquecido nas escarpas das serras que o isolam e o afastam do Mundo, pois a verdade é que não nascemos no melhor sítio. Não obstante a adversidade, viu o seu mérito reconhecido, aquém e além fronteiras, com pelo menos duas condecorações nacionais e não sei quantas internacionais. Mais alguns como ele faziam disto um verdadeiro paraíso, eles não aparecem, o concelho definha, se não vierem melhores dias, morrerá. O futuro não mora cá.

| 55

Ao Padre Dr. António Maria Mourinho Hermínio Augusto Bernardo Historiador e professor

Conheci o Padre António Maria Mourinho em 1971, no átrio da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde lhe fui apresentado; cruzámo-nos por ali algumas vezes, pois, tal como eu, frequentava naquela Instituição o curso de História. Mais tarde, a partir de 1976, já eu radicado em Miranda do Douro, como professor de História na Secção Liceal desta cidade, pude então entrar nas relações pessoais do Padre Mourinho que, generosamente, foi repartindo comigo, a par de gestos de consideração, também mostras do seu saber multifacetado e labor investigante. O Padre Dr. António Maria Mourinho já se tinha afirmado, na altura, como o referente máximo da cultura mirandesa - e não só -, aprofundando-a com os seus estudos, buscando-lhe os seus valores mais genuínos, a sua identidade e, dando-lhe, como se reconhece, foros de ecumenismo. Tinha-se encontrado o herdeiro cultural de Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal). Gente comum, alunos, professores de todos os níveis de ensino, debutantes como eu na investigação, procurávamos junto dele colmatar as carências da região, no campo bibliográfico e arquivístico. Recebia-nos em Duas Igrejas, na casa paroquial, onde compôs uma invejável biblioteca. Guardamos a imagem de ver livros por toda a parte: da cama ao soalho, da cozinha às prateleiras; só ele, nesta babilónia livresca encontrava, num ápice, o livro certo, no momento certo. Por outro lado, desde simples curiosos do saber, a especialistas em humanidades, universitários, nacionais e estrangeiros, apreciavam a sua vasta erudição. Dissertava fluentemente em várias áreas do foro humanístico, cruzando saberes que iam da História à Arqueologia, da Etnografia ao Folclore. Refira-se, também, que o apoio repetidamente solicitado ao Padre Dr. António Maria Mourinho, tinha por base uma forte motivação: o profundo conhecimento que ele tinha da Terra de Miranda e das suas gentes, no campo linguístico, sócio-cultural e económico. E foi sacerdote praticamente uma vida inteira, criando com os seus paroquianos um entramado de intensas relações humanas e espirituais. Ser Padre foi para ele um sopro interior, um apelo de alma que, mesmo entre alguma incompreensão e adversidade dos últimos anos, nunca conseguiu calar. Padre, investigador, polígrafo, Professor, viveu intensamente a vida. Fundou em 1945 o Grupo Mirandês de Duas Igrejas (Pauliteiros de Miranda), durante muitos anos bandeira do folclore da região, com a qual deu a volta ao mundo; em 1982 deu sentido a essa obra emblemática que foi a criação do Museu da Terra de Miranda, aberto ao público em 1982. E deixou uma obra de inestimável valor histórico-cultural. Com o livro NÔSSA ALMA I NÔSSA TIÊRRA, surpreende-nos com uma rara inspiração poética. Na verdade, fez-se um poeta e os mirandeses e a língua mirandesa começaram a ganhar uma literatura escrita; no CANCIONEIRO TRADICIONAL E DANÇAS POPULARES MIRANDESAS, (1.º volume,1984), recolhe ainda a tempo e estuda, exaustivamente, um património notável no campo do folclore, explorando temáticas tão variadas e tão ricas que encarnam o seu sentir mais profundo: “amor à minha Terra de Miranda, desde o fundo mais fundo das suas raízes”. Em TERRA DE MIRANDA (COISAS E FACTOS DA NOSSA VIDA E DA NOSSA ALMA POPULAR), 1991, que tive a subida honra de apresentar publicamente, ergue-se mais um marco importante na cultura Mirandesa. Por este livro plural – e tantos outros trabalhos -, desfilam tradições, crenças, ritos, aspectos da vida e da morte, enquanto reflexo de mil vivências de um povo no seu quotidiano e no seu imaginário. Na singeleza das minhas palavras fica, pois, o reconhecimento de que, pela vida e obra do Padre Mourinho, passa muita da nossa memória colectiva e, bom seria, que saibamos alargar e dignificar tão valiosos campos abertos de investigação. Sobretudo a juventude.

56 |

“Afinal o Diabo não é tão feio como o pintam” João Manuel Neto Jacob Director do Museu do Abade de Baçal

A última vez que confraternizei com o Pe. António Maria Mourinho foi no dia 17 de Março de 1995. Recordo ainda a data devido à carga histórica envolvida: foi o dia da reabertura, depois de dois anos de trabalhos e indisponibilidade pública, do então reformulado Museu do Abade de Baçal. Quase todos se recordarão, à excepção da adolescência e juventude actual, da enorme conflitualidade que rodeou esta fase de obras do MAB — prosseguida de mais duas, estas mais pacíficas — e que se transformou quase num campo de batalha entre belicosidades pretensamente regionalistas e o escarnecido centralismo do Terreiro do Paço. Na prática, era a oposição entre duas maneiras de ver e gerir a cultura: as, então, directoras do Instituto Português de Museus (Simoneta Luz Afonso) e do Museu do Abade de Baçal (Maria Alcina Santos). A ortodoxia era trasmontana e cedo, depois da cisão original surgida em proposta específica de intervenção arquitectónica e solução museográfica, se buscaram influências e pressões populistas, académicas e corporativas em apoio das visões em causa. É neste contexto que surge o nome do consagrado. O dia da inauguração foi tormentoso: talvez duas centenas de pessoas frente à entrada do Museu, das quais sobressaíam algumas carpideiras trajadas a rigor e em rodeio simbólico de caixão funerário cedido por empresa local da especialidade. Lá dentro iam decorrendo os formais discursos da inauguração reservada a convidado protocolar; lá fora assistia-se a algazarra de gritos e choros fúnebres em miscelânea igualitária com gritos e ameaças punidoras da mouraria invasora. É claro que os antagónicos públicos actores mutuamente se ignoravam e desvalorizavam. No interior do edifício, depois dos discursos ritualistas, procede-se a visita guiada da exposição permanente. Os convidados acompanham o cortejo e vão apreciando a mostra permanente e a intervenção realizada no edifício setecentista. É neste contexto que, logo no vestíbulo do 2.º piso, o Pe. Mourinho, apreciando em giro envolvente a polemizada intervenção, declara: “Afinal o Diabo não é tão feio como o pintam”. E esta afirmação, em pronúncia de vernáculo trasmontano proferida por figura tutelar da nordestinidade, esclareceu os presentes próximos — e algo atónitos perante o juízo metafórico — e desvalorizou toda uma polémica construída sobre ninharias e falsas questões em que algumas metodologias interventivas desceram a níveis miseráveis de moralidade e ética cívica. Mas a simplicidade e profundeza do juízo do Mestre tudo aquietou. Estas cartas que aqui apresentamos, nesta hora de evocação e homenagem a esta Alma Grande da cultura trasmontana, resultam da recente inventariação do acervo epistolar do Abade de Baçal (correspondência recebida) e retratam um dos movimentos pendulares das missivas trocadas entre Baçal e Duas Igrejas. Assim sendo, esta troca epistolar aqui vertida deve ser encadeada com os originais do Abade de Baçal e já publicados pela Câmara Municipal de Miranda do Douro sob a supervisão técnica e científica da Prof.ª Maria Olinda Rodrigues Santana. Toda a caracterização e contextualização efectuada por esta especialista à correspondência do Abade se adequa plenamente a este conjunto epistolar do saudoso Pe. Mourinho. Por questões de condicionalismo de tempo não procedemos a uma cuidadosa edição diplomática, antes preferimos actualizar a ortografia e corrigir um ou outro esquecimento na pontuação. Envelope de uma carta dirigida ao Abade de Baçal Museu do Abade de Baçal

| 57

Anexos Documentais:

Seminário de S. José Bragança 22-2-942 Snr. Abade Tenho presente o seu aviso, que me enviou pelo meu colega; muito obrigado. Uma vez que o Snr. Abade supõe a citada obra “rara”, peço-lhe que ma guarde aí, até eu ir por ela, ou então, mande-ma para aqui. Visto ser em 2ª mão, o Snr. Abade saberá avaliar, pelo estado da obra, o seu custo e acertar, de modo que não fique prejudicado eu nem o dono. Tendo em conta que eu sou pobre, ainda novo, que preciso adquirir mais obras, e atender as necessidades de minha mãe sozinha, para o que não tenho outros meios senão os provenientes do ministério (também os não ambiciono!). Na questão bibliográfica, tenho descoberto e encontrado na nossa biblioteca muita coisa atinente a assuntos mirandeses, quer históricos, quer geográficos, quer linguísticos. Uma pergunta: Saberá o Snr. Abade qual a fonte onde Pinho Leal se abeberou para afirmar que Miranda foi tomada pelos árabes em 716? Por lá correm tradições orais de mouras encantadas, muito interessantes, poderemos tomar daqui ponto de partida, ainda que fraco, para a pesquisa, e para afirmar que os árabes andaram pelas margens do Douro? Cá ando a vasculhar nos poucos alfarrábios que possuo, devagar e com a minha pouca habilidade. Adeus. Guarde-me o volume até qualquer dia. Seu humilde servo em C.º Pe. António Maria Mourinho P. S. Eu mando 40$00 pela obra; se vê que vale mais diga, se menos, também. [Papel timbrado do Seminário de São José, Bragança. Duas folhas manuscritas a lápis vermelho.]



Meu querido Snr. Abade Há muito que não sei se vive ou se morre e hoje acordaram-me as Novidades com a bela notícia da grande e justíssima manifestação de que foi alvo. E como eu estou para aqui no calcanhar do mundo atarefado com o serviço paroquial só agora me dei conta do seu aniversário. Por isso lhe envio hoje um grande abraço e peço a Deus que continue a dar-lhe muita saúde e força para nos dar o bom exemplo e a lição fraternal e pronta do seu saber. Estive há tempos em Bragança, a 28 de Fevereiro quis ir a Baçal, mas fui a cavalo e o animal já estava maçado e vim dormir a Milhão. O redactor do Mensageiro deu-me a Paleografia Italiana. Por cá vou andando. Agora ando em busca das idades em que se construíram mais ou menos as igrejas do concelho de Miranda e como não tenho documentos estudo-as, in loco, pela construção, estilo e reconstrução e depois por um estudo comparativo. Sabe? Descobri um modilhão em pedra na Igreja da Snr.ª do Monte que descreve uma cena indecentíssima. Os outros que lá têm ainda vestígios estão mutilados: É um fulano, nu, com as nalgas ao fresco e o orifício rectal aberto e um outro com a cabeça entre as pernas daquele, dando a impressão de que está a mamar-lhe o phalus. Este modilhão está dentro da igreja, sobre um arco a pegar numa trave.

58 |

Se o Snr. Abade tivesse alguns dados sobre as igrejas e capelas de Miranda, seria grande favor. Projecto depois uma excursão aos castros que estão ao correr do Douro. As pedras cá estão à espera que eu as envie. Como sabe já tenho um cascavel: Oficial da Ordem Militar de Cristo e sou um fedelho. Com um grande abraço sou sempre o seu dedicado discípulo muito agradecido. Pe. António Maria Mourinho. D. Igrejas, 20-4-943 [Carta manuscrita. No Remetente do envelope, a manuscrito do Abade, “Modilhão obsceno”.]



Duas Igrejas, 16-XII-43 Meu querido Abade Estimo a sua saúde, eu bem. Há muito que não sei de si, passei há dias em Bragança, mas cheguei à noite e saí de madrugada para Lisboa. Por lá andei muito bem. Vou trabalhando o mais que posso e rebuscando o que encontro. As “Loias” do Alfredo Cortez estão nas Edições Gama a imprimir. Tenho pronto um volume de poemas que publicarei dentro de meses. Tenho ainda bastante material sobre assuntos etnográficos, literatura popular, curiosidades arqueológicas e históricas. Nos arquivos paroquiais tenho encontrado muitas coisas de mistura com esterco de ratos. Ontem fiz uma comunicação para o Instituto de Arqueologia etc., a pedido do Luís Chaves, sobre as “Pinturas Murais”, ‘Frescos da Terra de Miranda’ que descobri em Duas Igrejas (Senhora do Monte) nas Arribas de Picote, em Cércio, Vila-Chã, Fonte Aldeia, etc. São preciosidades completamente inéditas que aparecem de preferência nos monumentos romano-góticos da transição, seria bem estudá-los mais de perto. Tenho moedas romanas que não sou capaz de decifrar devido a serem minúsculas. Comprei já os três volumes de “Etnografia” do Leite de Vasconcelos. Em Lisboa vi os seus bustos. Um disse-me o Ferreira Deusdado que o comprava ele para a Casa de Trás-os-Montes, e fica lá muito bem. Apreciei os trabalhos da VII Missão de Férias. Dê cumprimentos meus ao Dr. Raul quando o vir. E não se esqueça de mim logo que saia o seu XI volume das Memórias. Adeus meu bom amigo, aceite o maior dos abraços do seu pequeno mas dedicado que deseja vêlo. Pe. António Maria Mourinho [Carta manuscrita]



Duas Igrejas, 11-1-44 Meu querido Snr. Abade Estimo que passe bem, eu vou indo rijo, como um moço. Escrevi-lhe há dias, mas como sei que tem muito que fazer não estranho que demore. Agora volto a escrever-lhe porque preciso. Pedia-lhe o favor de me dizer se sabe onde vive o Ramón Menendez Pidal, espanhol, filólogo, cientista e amigo do Dr. José Leite. Precisava consultá-lo acerca das origens do Dialecto Leonês, que se relaciona com o Mirandês. E o Snr. Abade fazia favor de me dizer qual a influência dos árabes e visigodos nas nossas Terras.

| 59

Dos árabes só encontro alguns vestígios na toponímia de Picote e no vocabulário mirandês, mas em número reduzido. Dos visigodos só encontrei a lápide aparecida em S. Martinho do Peso. Se sabe mais algo era grande favor dizer-mo. Estou a fazer o prólogo e explicação do livro que tenciono enviar dentro de meses à Alta Cultura em mirandês, e nesse prólogo estudo as origens e natureza do mirandês. Precisava pois dos dados que lhe peço. Se tivesse o “Origenes del Español” do M. Pidal ou o “Dialecto Lionês” do mesmo, eu próprio iria a Baçal a consultar. Se sabe a direcção fazia favor de ma dizer. Tenho mandado ao Mensageiro artigos históricos, copiados de documentos inéditos encontrados no Arquivo paroquial de Vila Chã e não os têm publicado. — São sobre os bispos de Miranda até 1750. Pedindo-lhe encarecidamente o favor da sua resposta, subscrevo-me com um grande abraço em que amigo e dedicado se Pe. António Maria Mourinho P. S. Envio-lhe um recorte do discurso em “miranderico” que fiz em Lisboa. [Carta manuscrita. Segue a transcrição do recorte anexado do artigo inserido no Novidades, 25-121943]



O Dialecto Mirandês Na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro realizou-se, recentemente, uma sessão solene, durante a qual foram oferecidas as insígnias do Oficialato da Ordem de Cristo ao antigo Presidente da Câmara de Miranda do Douro, Dr. Duarte Figueira, e ao Pároco da Freguesia de Duas Igrejas, rev. António Mourinho. Nessa ocasião o Padre Mourinho fez o seguinte discurso de agradecimento, em puro dialecto mirandês: Senhor Presidente de la Direcçön de la Casa de Trás-dels-Montes: Senhoras i senhores todos: El que dezistes a min fabór, só pode ser caridade… porque las cousas salidas d’antre nebros i carrascos, nunca podem ser astros… I quando, nüa peinha, se pöñ üa medalha, essa nunca passará düa fraga anfeitada… Essa fraga, de que falo, naciu antre las outras de tierras de Miranda… Un die falou, na súe fala dura i “caçurra”. Bós l öubistes, i, cumo bós dezistes, bos ancantestes, porque nunca habiedes oubido falar fragas. Essa fraga söu yöu, ciega, dura i farreinha com’ las outras q’allá biben, antre las fragas mortas i las touças bibas. — Söu de las fragas cum alma, dantre zimbros i carrascos, tagalhos e bacadas, cantigas e flores… Nesta peinha biba, que bós anfeitastes, cum êstes sinales tan altos, fazistes alhebantar la honra, i, se fazistes mais höñrado l son nome, ponistes mais cargada súe pessona, pus tóla honra ye üa carga… Neste sinal d’honra, beio la Cruç de Cristo, l altar maior onde el pregou súe bitória, sön amor i sön sacrifício. Se esta Cruç ye de bitória, öubriga a que sëia d’amor i de trabalho: amor a esta casa i a mius armanos d’alhá arriba; trabalho mais öudaç, para maior glória de Dius, honra d’ la nossa tierra i del nosso Pertual. Seremos siempre nós, stramuntanos ferreinhos, anquanto guardarmos n’alma dura, mas leal i pura cum’el sol, l amor al nosso rincön… Recorte incluído numa carta dirigida ao Abade de Baçal Museu do Abade de Baçal

60 |

… Hoije inda somos els mesmos, bien sei, mas yá algo bai desmudando pur alhá… — El moderno anganha ls olhos; amborracha las almas… Senhor Presidente: Este prémio nün fui só para mi; premiada fui esta Casa i la nossa tierra; nossa alma i nossa fala sön cousas de la nossa tierra. Alhá nacen i biben al calor de Dius i de la natureza, antre nebreiras i carrascos; bós chamaste-las acá, yöu tube só l trabalho de las acompanhar. A pedido desta Casa, Pertual premiou-me a mi: se Pertual te scuita, ye purque mui bien l sirbes, Casa de Trás dels Montes!... I sirbes, que tol mundo l sabe. Hai poucos anhos, que la nossa purbíncia nun era mais q’un cacho de tierras apertadas antre el Marön, el Barroso, el Douro i la Senábria, um braçado de cabeços, preinados, fraguedos i arribas q’las agonias de mares que secorum i sacudidelas de terremotos ajeitorum assi, onde bibien nossos armanos, de todo desconhecidos del restro del mundo… Un filho eilustre d’la nossa tierra formou esta cunfrarie, pala dar a cunhecer i remediar söñs males maiores… I ultimamente tanto esta Casa ten feito pur eilha que le lhieba al coraçöñ, pur söñs montes i preinuras, el coraçöñ de Pertugal. El II Cungresso Stramuntano, fui el que nun pudie ser melhor. Lhembra esta Casa la memória dels que furun grandes pala naçöñ e pala stória, acá, i para alhá dels mares; bibien adrumecidos, acordeste-los, para eilhes i para nós. I l’anho passado, de tanta oudácia i flecidade fustes, q’ambeç de meterdes üa lhança an Africa, metistes l’Africa nüa lhança… deixai-me dezir assi – fazistes mais, arranquestes ua carrasqueira de Trás dels Montes i cun ëilha, an Lisböna, ancantastes Pertugal – Els carrascos mirandeses na súe fala i sön trajar, ancantorum Pertugal i digo mais… ressonnorum púl Brasil i pur tól mundo… Esta obra ye de todos bós, mas hai eiqui üa alma biba que bal pur muitas, no amor pula súe purbíncia e pur sons armanos. El Snr. Dr. Ferreira Diusdado ye la flor dels stramuntanos, siempre florida, que dá frutos a que tól mundo dá aprecio: I para acabar i ya que el Senhor Carmona me premiöu a mi, pula nossa tierra, a pedido bosso, todos el stamos an agradecimento, pul muito q’El mos ama. I a bós, que m öufrecistes estes sinales, que darei tóla bida öubriada, cun tóla alma i curaçöñ… Quereis-me bien ç que me conheceis, tengo que bos querer, até que la morte faga talbeç cun que bos squeça… Trabalhe cumo bós cada rincön, pur súe tierra i súe Pátria… Se todos fazirmos el nosso deber, pur nossa alma e nossa tierra, faremos siempre l mais pur Pertugal!!



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro Duas Igrejas, 20 de Maio de 1944 Meu Querido Senhor Abade Há muito que ando para lhe escrever. Como sabia que estava doente, escrevi só há dias ao Dr. Raul. Recebi ontem o seu cartão. Deus lhe dê as melhoras que bem precisa nos é ainda a sua vida. Vou dar-lhe uma notícia: Em sessão da Direcção do Instituto de Arqueologia, Etnografia e História, fui admitido como Sócio Correspondente, somos, portanto, consócios, mas eu ainda pouco ou nada valho. Saiba que tenho andado em visita pessoal aos Castros mirandeses, visitei o de Aldeia Nova, o de Picote, o da Calçada e tenciono visitá-los todos, nesta Primavera. Descobri um castro pré-romano, ainda desconhecido, em Cércio nas arribas do Douro, à beira de uns fragaredos. Está ainda bastante conservado, conhecem-se perfeitamente os muros e contra-muros, alguns ainda de mais de um metro de altura.

| 61

O castro é oval, os muros são de pedra solta sem barro, de 3 metros em média de largura, atingindo nalguns pontos, a bagatela de 5 e 7 metros de largura. Dentro, e entre os muros e contra muros, contei perto de 20 casas, quadradas e rectangulares, divididas por muros de pedra de 0,60 de largura. Estes aposentos não têm mais de 3 a 4 metros de largura. Segundo as informações do Prof. espanhol J. Mellida trata-se de um Castro pré-romano. Neste local são fáceis as escavações e poderiam conduzir a preciosos achados. Se o Senhor Abade me fizesse favor de me dar aqui um conselho muito agradeceria. Desejando-lhe as rápidas e completas melhoras, subscrevo-me afectuosamente com os mais afectuosos cumprimentos. Padre António Maria Mourinho P.S.: Estive na Senhora da Ribeira com o Snr. José Montanha e falei-lhe no caso. Este castro é o mais bem conservado dos oito ou nove castros que existem em Terra de Miranda. [Papel timbrado (Pe. António Maria Mourinho / Duas Igrejas / Miranda do Douro) e carta dactilografada, à excepção da assinatura e do último parágrafo. No Remetente do envelope, manuscrito do Abade: “Do Pe. António Maria Mourinho. Contém informações sobre o Castro de Cércio nas arribas do Douro”.]



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro Meu querido Senhor Abade Recebi ontem o seu postal que muito agradeço pelas suas palavras sempre amigas. Estimo as suas melhoras. Quanto ao que me diz do castro, de Cércio. Creio que ainda ninguém lá mexeu, pois os habitantes de Cércio não sabem o valor nem a explicação daquilo, chamam-lhe muito candidamente o Jardim dos Mouros. Creio que é o mais bem conservado da Terra de Miranda. As divisões que apresenta estão ainda conservadas, obstruídas, mas os muros são de 70 centímetros de altura nalgumas. Outras das casas são em quadrado com os cantos circulares ou redondos. Fazia o favor de me indicar onde poderei encontrar a bibliografia que me ensine a proceder às escavações. Vi o que diz L. de Vasconcelos, na “Etnografia” II vol. sobre Castros, vi o Prof. Mellida, Arqueologia Clássica e vi o IX vol. das Memórias, que foi o que encontrei com mais soma de elementos mas não me elucidaram sobre o ponto como se deve proceder às escavações que eu tenho projectadas e creio não serão difíceis. Fá-las-ei pessoalmente, ajudado por paroquianos. A questão de Garavatos, é assim que os nossos pronunciam, deve referir-se o topónimo a garavatos de lenha, maravalhas, e não gravuras. Ali no sítio há umas fragas de granito, duas ou três, mas creio que não têm nada. É na minha paróquia, e quando por ali passe, verei, pois não custa muito a examinar o pouco que há, mas como disse deve ser Garavatos. Na segunda-feira vou visitar os castros de Picote, que tem dois além do da Calçada. Em Sendim desconfio que há mais de um nas arribas, ao cimo. [Missiva em papel timbrado e dactilografada, não datada e aparentemente incompleta, comparativamente a todas as outras sem encerramento nem assinatura. Pelo assunto abordado parece datável de 1944, provavelmente a missiva que deu origem à resposta do Abade de 13/6/1944.]

62 |



Bragança 7 de Julho de 1944 Meu caro Senhor Abade Escrevo de Bragança, do Seminário, na impossibilidade de ir visitá-lo pessoalmente, isto acaba tarde, e está a chover para ir a pé. No entanto, conto voltar a Bragança dentro de meses. Muito obrigado pelos cumprimentos que me mandou pelo Sr. Reitor de Babe. Esteve o Sr. Pe. Firmino, conferenciámos sobre os nossos assuntos. Fui convidado pelo Instituto para fazer alguma comunicação para o “Congresso Luso-Espanhol” a reunir em Córdova de 3 a 10 de Outubro. Como o caso dos “castros” me parece o mais aceso, julgo será para mim o mais oportuno. Se tivesse algo aí sobre civilização ibérica relacionada com os vascos muito agradeceria. Vou visitar o Dr. Raul, agora, que o tempo não me dá para mais. Estimo as suas melhoras e peço a Deus que o conserve. Pois há dois anos que o não vejo e agora com grande mágoa não posso ir vê-lo. Vou a aprontar dentro de mês e meio o meu primeiro livro “Nossa Alma i Nossa Tierra” versos em mirandês. Com um grande abraço sou sempre o seu Humilde Pe. Mourinho [Carta manuscrita em papel timbrado do Seminário de São José, Bragança. No local do remetente, texto manuscrito do Abade: “Do Pe. Mourinho”].



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro Duas Igrejas, 22/8/44 Meu caro Senhor Abade Recebi há tempos a sua grande carta que muito gostei de receber e que muito agradeço pelos preciosos ensinamentos que me deu e pelo interesse que o Senhor Abade por mim sempre teve. Há tempos que pouco tenho estudado a não ser linguística mirandesa, pois ando em pesquisa e definição da fonética, que me dá autênticas novidades. Por outro lado tenho andado à procura de obras-mestras sem as quais não posso fazer nada. Passei ontem por a ermida da Senhora do Rosário de S. Pedro de Silva, por cima das Minas de Mármore de S. Adrião, que há muito andava com desejos de observar de perto. Pelo que vi é um templo do século XVII (1681) segundo uma lápide que está na parte de fora da capela-mor, na parte de trás. Agradou-me sobretudo o artesoado em granito da abóbada da capela-mor, o resto não tem interesse de maior. Fazia pois o favor de ver no “Santuário Mariano” se esta ermida figura lá e se obedece a alguma lenda a sua fundação. Igualmente lhe peço o favor de ver se existe algo sobre a Senhora da Luz na raia de Espanha, no termo de Constantim. Sobre o que houver ou souber, fazia o favor de me informar para completar o espólio que já tenho sobre as Senhoras mirandesas todas. Desisti de apresentar qualquer coisa por enquanto a Congressos científicos, de facto não me julgo ainda maduro para emparelhar com mestres.

| 63

Um abraço do seu sempre dedicado que pede sempre a Deus pela sua saúde. Comoveu-me imenso o seu último trecho do “Mensageiro” sobre o “Pisco”. P. António Maria Mourinho [Carta dactilografada em papel timbrado. Assinatura manuscrita. No Remetente do envelope, manuscrito do Abade: “Do Pe. Mourinho a pedir informações sobre os Santuários da Luz e de S. Pedro da Silva”.]



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro Duas Igrejas, 5 de Outubro de 1944 Meu querido Senhor Abade Só hoje, depois de um mês de barulho sem nada ter feito, lhe escrevo estas linhas já liberto do pesadelo da Visita Pastoral que acabou no dia 1 do corrente. Recebi as informações sobre as Senhoras do Rosário e da Luz. Esteve aqui o Pe. Aníbal Coelho da Congregação do Imaculado Coração de Maria que veio preparar a visita, É um padre muito culto e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, disse-me ter muito desejo de conhecer o Snr. Abade, e juntamente com o Snr. Bispo, pediram-me para fazer uma História do Culto de Nossa Senhora na região e de todo o distrito. O assunto é interessante e não deixa de haver materiais para ele, todavia eu vou reunindo tudo o que encontro debaixo de qualquer aspecto para a história da região, tanto etnográfica, como arqueológica, como religiosa. Mas o que vou tratar brevemente é um pequeno estudo sobre os quatro santuários marianos que já lhe disse. Disse-me mais o Padre Aníbal Coelho que visitou a Senhora da Luz: em volta há restos de fortificações, terra removida, ruínas, etc. Naquele lugar, não deixaria de ter o seu interesse estratégico e militar, é pois muito provável que ali tivesse havido algum castro ou castelo posterior. Logo que possa, vou ver. Na opinião do Pe. Coelho é uma antiga citânia. Se é citânia será um achado de importância para a nossa região. Quando tenha a lista completa dos castros e lugares fortificados antigos faço um relatório e comunico para os areópagos. Não seria mal que o Senhor Abade me guardasse toda a economia Mariana que tenha no seu espólio, para uma possível História do culto de Nossa Senhora na região. Por hoje fico-me por aqui. – Um abraço do sempre dedicado P. António Maria Mourinho [Carta dactilografada em papel timbrado. Assinatura manuscrita.]



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro 11/X/44 Senhor Abade Concordo com tudo quanto o Sr. Abade queira. O Snr. Abade se ainda tem a descrição que eu enviei, pode fazer por ela a notícia sumária que diz e deve ter ainda a cópia fiel da inscrição que as pinturas têm ao fundo. Eu quando tratar um dia do assunto, terei de o tratar em conjunto com todas as pinturas similares que há em toda a terra de Miranda, e são muitas.

64 |

Dessas, doutras de Vila Chã, das de Senhora do Monte de Duas Igrejas da Igreja e uma capela em Cércio, doutra capela de S. André de Cércio que está à beira do Douro em ruínas, doutras pinturas da Igreja de Fonte Aldeia, etc., falarei um dia e já fiz uma comunicação ao Instituto de Etnografia Historia e Arqueologia, a primeira pela qual fui admitido sócio correspondente. Na capela do Santo Cristo dos Carrascos de Picote há também debaixo da cal vestígios de pinturas semelhantes. Os pintores dos Santos dos Barrocos, (esta palavra não é de origem latina, deve ser de origem ibérica, ou indo-europeia, os filólogos não a classificam), deviam ter sido como digo os freires de S. Paulo, que estavam perto dali e ficava-lhes esta lapa em caminho. Muito obrigado pela franqueza que me faz para os Santuários Marianos; queria ver se arranjava tempo e ia a Bragança e falávamos pessoalmente. Escreveu-me D. Ramón Menendez Pidal e pediu-me apontamentos de mirandês para a revisão do “El Dialecto Lionês” que vai ser reeditado pelo Instituto de Filologia de Buenos Aires, enviou-me o livro dele “El Idioma Español en sus primeros tiempos”. Pode anotar que a notícia da Pintura dos Santos, foi já publicada em artigo meu pelas “Novidades” em 6/2/44. Sempre seu dedicado Pe. António Maria Mourinho [Carta dactilografada em papel timbrado. Data e assinatura manuscritas.]



Duas Igrejas, 4-2-945 Senhor Abade Recebi o seu postal. Já entreguei ao Cardoso a sua oferta que muito agradeceu. O Abade Oliveira continua bastante mal, não se tem nas pernas. Agradeceu os seus cumprimentos e retribui-os. Falei ao Sr. Bispo sobre os documentos dos mosteiros espanhóis existentes em Madrid e ficou entusiasmado com a notícia. Disse-me que logo que tenha verba, me manda um substituto à paróquia e me envia a Madrid, copia, e manda copiar o que houver acerca da nossa terra. Oxalá que a promessa não fique esquecida. Se falar com ele incite-o a que a realize. D. Ramón Menendez Pidal, com quem me tenho correspondido, sobre o mirandês, talvez me servisse lá de muito, visto ser grande historiador e ter já percorrido muitos pergaminhos, mesmo a nosso respeito. Não esqueçamos o caso. O Dr. Mendes Correia enviou-me também o opúsculo sobre os “Celtas na Beira”. Logo que possa mando-lhe o rascunho sobre as “fogueiras”. Por hoje, muito obrigado por tudo e desejo-lhe muita saúde e paz., com um abraço. P. António Mourinho [Carta manuscrita.]



Duas Igrejas, 8 de Fevereiro de 1945 Sr. Abade No dia que vinha de Bragança para Vimioso encontrei-me na camioneta com a irmã e com um sobrinho do falecido Sr. Prior de Argoselo — seu e nosso saudoso Miranda Lopes. Conversando, disse-me que tinha em casa muitos livros sobre arqueologia, etnografia e filologia. Mandei-lhe organizar um catálogo de tudo o que tivesse sobre os assuntos ditos e mo enviasse. Mandou-me hoje os 11 volumes das suas Memórias Arqueológico-Históricas sem me dizer mais nada. No caso de querer dinheiro por elas quanto poderia mandar-lhe? Alguns volumes estão muito

| 65

despregados e eu continuarei a dar-lhe o mesmo fim que o Prior lhe dava. Estão cheios de anotações à margem, sobre assuntos etnográficos, históricos, filológicos, heráldicos, etc. Tanto mais valiosos são. Já fiz um artigo sobre isso e vou mandá-lo ao Mensageiro. Como sabe todo o dinheiro que tenho ganho tem sido e está sendo para livros, por isso estou pouco sobrado, diga-me pois por favor, sem dizer nada a ninguém, o que hei-de mandar-lhe por a obra completa. Como nada me disseram ainda, nem me escreveram sequer, mandaram-ma pelo correio, sem mais nada, pode ser que me queiram oferecer, mas será esmola avultada. Com um grande abraço e desejos de que tenha saúde espero a sua resposta. P. António M. Mourinho [Carta dactilografada e assinatura manuscrita.]



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro Duas Igrejas, 11 de Julho de 1945 Meu querido Abade Recebi o seu postal e dou já andamento ao seu pedido. A que eu tenho enviou-ma directamente o Secretariado da Propaganda. Em Miranda não há. Mas eu sei onde há e dentro de dias espere recebê-la. Ontem esteve aqui o Ministro do Interior a comemorar o IV Centenário da elevação de Miranda a cidade. Foi assombroso o espectáculo. Tenho pena que o Sr. Abade não tivesse visto a grandiosidade da vida mirandesa em todos os aspectos, folclórico, cantante e laborante, e até religioso. A nossa terra está em parte por descobrir. Por informações do Dr. Tavares de Almeida sei que o Snr. Abade lhe falou em mim, o que fez com que ele me convidasse para colaborador do Secretariado. Brevemente lhe digo mais coisas. Por hoje estimo que os seus olhos vão bem e espere a monografia. Um abraço do seu dedicado P A Mourinho [Carta dactilografada em papel timbrado e assinatura manuscrita.]



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro 1/8/45 Senhor Abade Por sua interferência convidou-me o Dr. Tavares de Almeida a colaborar no Secretariado da P. Nacional, em assuntos de história, etnografia e folclore e assuntos de carácter nacional e regional. Sei que a “Monografia de Miranda” está plena de erros, é um copianço pegado de asneiras do livro do Coronel Teixeira e de outros.

66 |

Mas o Sr. Abade já devia ter advertido o Coronel Teixeira quando o fez, pois estava perto de si. Logo que a li, escrevi ao Dr. Tavares de Almeida, dando-lhe conta da série de erros e incorrecções em que enferma o texto, desde a história à língua, do comércio e indústria ao ensino. Textualmente o Director respondeu agradecendo a análise que me merecia o livro, dizendo que em futura edição corrigiriam, “de acordo com os princípios de verdade e justiça que os norteiam”. A questão do “Contium” já a resolvi, historicamente e filologicamente em nada menos de 7 páginas maciças da “Revista de Portugal”, conforme os seus estudos e os de Leite de Vasconcelos e Menendez Pidal e a verdade. Bom seria que o Sr. Abade me fizesse o favor de me apontar os principais erros que ela contém, na parte histórica, pois eu posso não ver tudo, nem admira, pois sou novo ainda e não tive tempo de rever a documentação. Eu, na “Voz”, elogiei os desenhos e as fotografias, que é o que se aproveita, do texto veja que eu nem lhe disse obrigado ao autor que já assim o pespegou no “Portugal económico monumental e artístico”. O Abade Oliveira continua mal, não celebra nem sai de casa e anda com dificuldade. O Cargueiro e Delgado têm saúde para vender. O Cardoso vai celebrando e escrevendo com dificuldade. Eu nem li os artigos que ele publicou no “Mensageiro” porque aquilo já peca por antiquado e gasto, era o mesmo copianço, por algumas coisas que apreciei, de Pinho Leal e de outro e está farto de saber-se. Quanto a “minhotices” no que se refere a mim, não sei o que o Sr. Abade quer dizer. Eu tenho uma auto-cultura, embora mínima e rasca, e quando algo digo ou escrevo é em conformidade com o que observo e com a razão e com o Evangelho, do que tomo sempre inteira responsabilidade, e sou, acima de tudo, depois de sacerdote e português, transmontano puro. Não me condene também o Sr. Abade, porque toda a cambada do meu tempo se rói e me acusa de já ter o mesmo sistema doutrinário e expansivo do Sr. Abade, tanto que ao escrever algo ou ao dizer alguma alegria inocente, me atribuem “baçalidades”. Mas eu sou da opinião que não devemos tremer, nem ligar importância a puerilidades, porque não nos faz mais falta o tempo para coisas mais úteis para eles e para nós, mas mais para eles, deixemos que os cães ladrem à lua, e nós sigamos o nosso caminho, para bem da Terra e da ciência. Estou com a exposição histórica mariana às voltas para as comemorações centenárias em Bragança. Tenho encontrado boas coisas. Mas escrevi algumas cartas a alguns colegas e nada me responderam. Esta gente é assim toda. Se tiver algo de novo sobre assuntos marianos, diga-mo. Os padres do Seminário têm lá o seu “Santuário Mariano” fechado e eu precisava dele. Se for a Bragança para as festas, lá falaremos. O Prelado está muito animado com os documentos de Madrid. Escreveu-me há dias, dizendo que a diocese me dava um subsídio para as despesas de estadia lá. No entanto, já abordei o assunto ao Sr. Governador Civil e disse que ia falar à Alta Cultura, que talvez ajudasse também com um pequeno subsídio. Falta-nos saber onde pararão os despojos documentais do Mosteiro de Moreruela, porque, a estudar os de um, bem seria rever os de ambos. Se o Sr. Abade sabe algo deles era favor dizer-mo para não ir às cegas nem em balde. Vou também escrever a D. Ramón Menendez Pidal – grande historiador, pode ser que ele saiba de algo no Arquivo Histórico Nacional. Além disso ele estudou o Dialecto Leonês, à face dos documentos medievais, o leonês relaciona-se muito com o mirandês, e perto desta região creio que nos poderá elucidar sobre o caso. Por hoje, nada mais lhe digo e peço-lhe perdão por ser tão extenso. Um abraço do seu sempre dedicado P. António Maria Mourinho [Carta dactilografada em papel timbrado e assinatura manuscrita.]

| 67



Pe. António Maria Mourinho Duas Igrejas Miranda do Douro Duas Igrejas, 16 de Outubro de 1945 Meu querido Senhor Abade Desde 1 de Agosto que lhe escrevi, não voltei mais a saber do Sr. Abade. Estive em Bragança nas festas, e não calhou a ir visitá-lo. Apareceu-me um Padre de Braga que andava em busca de documentos medievais; fragmentos de cantochão para estudar o Rito Bracarense, por bolsa da Alta Cultura, de maneira que andámos no Museu umas boas horas, outras no Arquivo do Paço e do Seminário, na colecção de documentos paroquiais que deixou o Abade Tavares, e não tive tempo de ir vê-lo. Precisava falar pessoalmente com o Sr. Abade alguns momentos, não sei quando poderá ser. Sabe que descobri aqui em Terra de Miranda cantares de Amor medievais e encontrei mais na obra do Pe. Firmino. Já mandei um artigo para a Revista “Ocidente” sobre isso. Agora precisava uma coisa: Estou resolvido, por licença e ordem do Prelado, a ir a Madrid, com bolsa de estudos do Instituto para a Alta Cultura. Tenho de fazer requerimento ainda este mês, para ser aprovado o orçamento, para o ano que vem. Mas eu gostava que fosse acompanhado de uma carta do Sr. Abade que comprovasse a importância do assunto, dos meus estudos e documentos, para a História da nossa Terra e da Cultura Nacional, encorajando-me ao mesmo temo a prosseguir nos meus estudos nesse sentido. Portanto, se o Sr. Abade não encontra dificuldade nisso, era favor escrever uma carta nesse sentido e enviar-ma para eu a enviar para Lisboa com esse fim. Faça-me pois esse favor para bem da nossa terra naquele tempo. Nos documentos eu creio que encontraria, ao mesmo tempo que factos inéditos da nossa terra, elementos para a língua, costumes e organização eclesiástica de toda a terra de Bragança, e organização talvez civil. Por aqui o Sr. Abade verá se eu mereço ou estou já capaz de ir estudar os documentos em questão. Eu entendia também fazer uma digressão por Zamora e Simancas, a ver se achava algo do Convento de Moreruela. Actualmente um dos melhores e mais rápidos processos de colher as informações necessárias é a fotografia dos documentos com máquinas especiais. Trazem-se as fotografias e estudam-se em casa. Poderiam tirar-se provas fotográficas deles e davam-se ao Arquivo do Museu. O Sr. Abade faça pois o favor de me responder logo que possa. O Abade Oliveira já não se levanta da cama. O Pe. Cangueiro está bom. Há tempos estive em casa do Prior de Argoselo, onde vi e examinei os trabalhos e apontamentos que deixou. Deixou muita coisa sobre folclore e Cancioneiro, além do que publicou. Tem lá obras de valor, entre elas o Boletim do Arquivo das Colónias e um Bulário que lhe ofereceram, em muitos volumes. Dos apontamentos deixados, nada trouxe de lá. Disse-me a sobrinha que lhe tinha pedido tudo o Pe. Amado. Eu podia fazer um estudo sobre esses apontamentos, mas uma vez que o Pe. Amado lhos pediu, já nada digo, pois dirá ele, que também é competente. Por hoje nada mais. Peço aceite o meu abraço e creia sempre na minha sincera dedicação. Pe. António Mourinho P.S. Encontrei na Senhora da Ribeira em Quintanilha um missal gótico de rito bracarense de 1512. [Carta dactilografada em papel timbrado com assinatura, último parágrafo e “naquele tempo” manuscritos.]

68 |

Exmo. Senhor Director do Museu da Terra de Miranda José Domingos Mourinho Sobrinho

Celebrando este ano, o Museu da Terra de Miranda o 25º aniversário da sua criação e, a pedido de V. Exa., cumpre-me, do muito que sei do seu fundador, o Padre Dr. António Maria Mourinho, apenas recordar o seguinte: este grande homem da cultura Mirandesa, que nenhum outro o poderá suplantar neste campo, era oriundo de família muito humilde; ficou órfão de pai, ainda muito jovem, e, muito cedo viveu as desilusões desta vida; Como sacerdote, apanhou muitas geadas e quedas no seu cavalo montado, assistindo religiosamente, de alma e coração as muitas aldeias que lhe foram confiadas. Foi sacerdote, médico, bom conselheiro, bom samaritano e nunca subjugou ninguém, por isso teve sempre imensos amigos. Foi incansável no conhecimento e na recolha da cultura popular das gentes do Planalto Mirandês, acompanhando e compreendendo as suas vivências, esquecendo-se de si, pondo em risco, muitas vezes, a sua própria sobrevivência. Sem qualquer receio, continuo com a minha convicção, que nenhum outro o poderá suplantar neste campo, principalmente na investigação despretensiosa, mas sólida e séria. Teve, contudo, o apoio da família, quer da mãe, que já com mais de oitenta anos o soube acompanhar e compreender sempre, quer dos P.e Mourinho em Capa de Honras, no páteo da sua casa em Duas sobrinhos, que, reconhecendo as dificuldades Igrejas / MTM / Doação de M. L. Mourinho (2007) / c. 1960 de vária ordem, por que passou tantas vezes, o souberam amparar, embora muitas pessoas não tenham estado nunca a par desta realidade. Morreu pobre, mas deixou uma singular riqueza, não só no campo religioso e cultural, pela dedicação e conservação dos templos das suas paróquias, vivendo, recolhendo, conservando e fomentando os usos e costumes da alma cristã das gentes mirandesas, porque entendeu que os povos de Miranda têm as suas principais raízes na cultura cristã. Levou o nome desta nossa Terra aos quatro cantos do Mundo, sem ambições nem pretenciosidades, convicto de que a cultura que levava, através das danças e cantares das gentes deste cantinho, era de ser apreciada por todas essas paragens, mas fê-lo, sem nunca se esquecer de que era servidor de Jesus Cristo. Por fim, com as suas investigações e com um esforço de leão, conseguiu criar este pequeno, mas singular museu da Terra de Miranda, onde ficará perpetuada a alma da cultura das gentes deste planalto que, desde tempos longínquos labutaram e viveram nesta nossa Terra que queremos continuar a engrandecer e à qual nos orgulhamos de pertencer. Obrigado Padre Dr. Mourinho, sabemos que os que com ele viveram e o conhecemos mais de perto, não esqueceremos nunca a sua dedicação a esta causa tão singular e tão nobre - “tenemos honra de sermos mirandeses”… Com os melhores cumprimentos (José Domingos Mourinho)

| 69

Em Homenagem a Um Notável Investigador da Cultura Regional Portuguesa José Miguel Pestana de Mello Moser Economista ex vice-presidente do Instituto Português do Património Cultural

É com grande gosto que correspondo ao convite para participar na comemoração do aniversário natalício do Dr. António Maria Mourinho, que o actual director do Museu da Terra de Miranda em boa hora promove. Conheci o Padre Mourinho durante os anos oitenta, quando estive de forma efémera no exercício de funções de responsabilidade no então Instituto Português do Património Cultural. Recordo com saudade alguns dos vários encontros que ao longo de quase uma década fui mantendo com essa grande figura mirandesa, quase sempre em Lisboa, mas também em Miranda do Douro, que foram para mim ocasião de enriquecimento pessoal, pois, por detrás de uma admirável simplicidade estava um homem muito sabedor, que tinha sempre, para lá da superficialidade das coisas, uma história para contar, um sentido a dar a tudo, que é raro encontrar nos nossos dias. E então quando se tratava da sua terra, das suas gentes, dos seus cantares, da sua língua, aliava um grande amor às suas raízes transmontanas, sem perder o rigor e a verdade devidas. De tal forma extravasava o entusiasmo nestas matérias que é mais do que justo todo o reconhecimento que se lhe faça, a que me associo, tanto mais que impediu que se perdessem provavelmente para sempre alguns elementos valiosos para a história da região. Guardo pois de modo especial algumas obras suas que me ofereceu, que simbolizam uma vida dedicada à causa mirandesa. Pena para nós que cá ficámos que a sua vida se tivesse tornado tão curta, pois tanto tinha ainda para nos legar! Estou certo de que nesta data memorável, não faltarão os muitos admiradores da sua obra multímoda. Lisboa, 26 de Abril de 2007

70 |

Vinte e cinco anos depois: homenagear é continuar Dr. Júlio Meirinhos Presidente da Região de Turismo do Nordeste Transmontano (ex Presidente da Câmara do Municipal de Miranda do Douro, Governador Civil do Distrito de Bragança e Deputado à Assembleia da República)

Mirandeses ilustres como o Padre Dr. António Maria Mourinho, não basta lembrá-los e homenageá-los depois da sua morte! É sobretudo fundamental explicar que foi preciso existir gente que caminhou incessantemente ao seu lado, apoiou pessoalmente a sua vida de todos os dias e ao mesmo tempo apadrinhou a luta pela concretização da obra que lhe enchia a cabeça. Serve ainda este testemunho para dizer que os “grandes mirandeses” do amanhã é hoje que vivem e constroem a obra que nos hão-de legar, portanto é também hoje que precisam ser reconhecidos, sobretudo apoiados e amparados condignamente. Em 10-07-1991, dia da cidade de Miranda do Douro, é prestada uma solene homenagem ao Dr. António Maria Mourinho, de que tive Dr. Júlio Meirinho e Dr. Mourinho / Bol. Municipal n. 2 / 1982 a honra de ser porta-voz, em nome da Câmara Municipal, como seu Presidente. Na presença de várias autoridades, de Portugal e de Espanha, tive então oportunidade de lembrar importantes momentos da criação do Museu das Terras de Miranda, instituição a que sempre esteve associado o Dr. António Maria Mourinho. Passados dezasseis anos, penso que vale a pena deixar aqui os principais pontos do discurso que então proferi, pois continua a traduzir o que penso em relação ao criador e primeiro director do Museu Terras de Miranda. Excelentíssimo Senhor. Dr. António Maria Mourinho: (…) Em 19 de Janeiro de 1979 a Câmara Municipal de Miranda do Douro deliberou propor ao governo a criação do Museu das Terras de Miranda, no edifício chamado de “Domus Municipalis”, que para o efeito, doaria ao Estado. Pretendia, assim, como consta da respectiva acta, “preservar toda a riqueza arqueológica, artesanal e histórica, orgulho de toda esta região tão rica em história e arte, e que se encontra dispersa, deficientemente protegida ou mesmo em vias de destruição. E no ponto 4 dessa proposta está escrito: 1- Considerando que o Dr. António Maria Mourinho há mais de 36 anos se dedica, com ilimitado interesse, ao estado das coisas desta sua terra, dando-lhe sua vida, seus trabalhos, seus conhecimentos; 2-Considerando que toda a sua vida está indelevelmente unida à das Terras de Miranda, podendo afirmar-se ser ele, por todo o enorme prestígio que goza aquém e além fronteiras, o maior e mais conceituado representante da cultura e inteligência das gentes de Miranda; 3-Considerando que se trata de um etnólogo, historiador e arqueólogo com fama que ultrapassa as fronteiras do país; 4- Considerando que se fala de Miranda ao falar dos Pauliteiros e Duas Igrejas, e que falar nos Pauliteiros é falar no Dr. Mourinho, seu fundador, seu animador, sua alma; 5- Considerando que desde a morte do Abade de Baçal é o Dr. António Maria Mourinho o homem que mais interessadamente, de forma mais profunda e continuada se tem debruçado sobre os muitos motivos de interesse artístico, folclórico e etnográfico do Nordeste Transmontano, em especial das Terras de Miranda;

| 71

6- Considerando que o seu interesse pela criação do Museu das Terras de Miranda vem já de longa data, mais concretamente desde 1945, quando com os Conselheiros António Carlos Alves ajudou a criar o “Ressurgimento Mirandês”, e mais recentemente (mas há mais de uma década) com o Juiz de Direito, Dr. Veiga Leitão e outros, reuniu quantidades apreciáveis de objectos de arqueologia, cerâmica, armas antigas, mobiliário, epigrafia e curiosidades regionais, para o Museu que sonhava; 7- Considerando que está no espírito de todos os membros desta Câmara dinamizar a criação definitiva do Museu das Terras de Miranda, pedindo, nesta mesma data, de forma oficial e muita interessada, a sua criação; 8- Considerando todos os itens atrás mencionados e o muito mais que se poderia afirmar sobre a personalidade do Dr. António Maria Mourinho, é de inteira e irrecusável justiça, é de todo o interesse para a região e para o concelho, é honra para este câmara, que este ilustre Mirandês seja nomeado Director do Museu das Terras de Miranda. Esta proposta, da autoria do então Vereador, Dr. Gualdino Ruivo, foi aprovada por unanimidade e o seu ponto 8 por unanimidade e aclamação. A Câmara que então presidi ultimou a recuperação do edifício municipal onde hoje há Museu e tivemos o privilégio de concretizar aquela deliberação e diligenciar a sua efectivação. Em nome da Câmara, tive a honra de outorgar a escritura de doação ao Estado do edifício da “Domus Municipalis” para logo a seguir vermos publicada, em Diário da República, a constituição do Museu e a nomeação do Dr. Mourinho como seu Director. Fomos anfitriões do Secretário de Estado da Cultura quando, em cerimónia no Salão Nobre da Câmara, veio dar posse do cargo para que fora nomeado o nosso homenageado de hoje. Tivemos o privilégio de concretizar a deliberação de 10 de Janeiro de 1979 e ver o Dr. Mourinho assumir as funções para que fora proposto pela Câmara Municipal, órgão colegial, representativo de todas as correntes políticas do concelho, de todos os mirandeses pois por eles, fora democraticamente eleita. E porque, 12 anos passados, recordar aqui este evento, esta deliberação, aprovada por unanimidade e aclamação, insisto, em que se exigia que o Dr. Mourinho fosse nomeado Director dum Museu que queríamos que nascesse, mas nascesse com ele? É que o Dr. Mourinho, para além de etnógrafo, historiador, arqueólogo, académico e homem de letras, poeta e prosador do nosso Mirandês é Mirandês – aqui nascido na vila de Sendim, aqui criado e aqui criando cultura e saber, dando o muito que sabe e descobrindo o tanto que se não sabia, nosso cidadão de corpo inteiro, preso e enraizado nesta terra áspera e rica, parte dela e seu símbolo! Das múltiplas facetas do seu saber e da sua obra falaram já ao longo dos tempos seus pares e seus amigos, que melhor do que nós disseram o que ele lhes merecia, nos merece e lhe reconhecemos. A mim compete, com muita amizade, muito respeito mas também com muito orgulho, homenagear o Mirandês, o Mirandês ilustre que, como já afirmei noutra altura, deixou de ser pertença só desta terra onde sempre viveu, venceu fronteiras e é reconhecidamente o primeiro cidadão da nossa terra. (…) Recordar a proposta de 1979 é recordar o momento em que, pela primeira vez, pública, solene e emotivamente, os mirandeses disseram ao Dr. Mourinho do seu orgulho em o ter connosco, de que se reviam na sua obra e no seu trabalho, de que o queriam continuar a ter aqui, no dia a dia difícil mas gratificante do seu viver e do seu trabalhar, que não o queriam perder e que, para isso, lhe davam o que, desde 1945, há tantos anos já! ele sonhava – o “seu” Museu! E ficou! (…) Miranda não o perdeu, Miranda não o expulsou, soube prende-lo e procura merecê-lo! É ao Homem Mirandês, vertical e autêntico, humilde e chão, frugal e simples, que é justa e irrecusavelmente o primeiro de todos os mirandeses, cidadão de corpo inteiro, respeitado e ouvido nas coisas do saber, que quero homenagear em nome da Câmara, em meu nome, em nome de todos os homens e mulheres desta tão querida nossa Terra de Miranda. Porque merece, porque lhe é devido, porque honrando-o estamos a honrar a nossa terra e as nossas gentes. (…) Relembro estas palavras com orgulho e com a mesma emoção com que as proferi há dezasseis anos. Há momentos em que o importante é começar, lançar raízes, fazer as coisas acontecer. Mas outros momentos há em que o essencial é continuar a obra iniciada, levando-a para diante, enriquecendoa e engrandecendo-a, mantendo-a permanentemente digna. Adoptar esta segunda atitude é a melhor homenagem que podemos prestar ao Dr. António Maria Mourinho. É tempo de levar o Museu das Terras de Miranda tão longe como ele sonhou, não deixando que definhe ou se continue a fechar sobre si próprio.

72 |

António Maria Mourinho (a modéstia do sábio) Justino Mendes de Almeida Vice-presidente da Academia Portuguesa de História Reitor da Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”

Representa para mim uma grande honra o convite para dar o testemunho do meu convívio, por largos anos, com António Maria Mourinho, o sacerdote, historiador, o etnólogo, o linguista. Foi sobretudo na Sociedade de Geografia de Lisboa, na actividade das secções, em especial, de Etnografia, de Estudos Linguísticos, da Secção Luís de Camões que a sua cultura e o seu génio fluíram em grande plano. Quem esqueceu as brilhantes exposições que lhe ouvimos, como historiador, digno continuador do Abade de Baçal, como linguista, continuador de Linlley Cintra em defesa do Mirandês, uma língua românica autónoma, como etnógrafo, fiel continuador dos trabalhos do Prof. Santos Júnior, como Camonista, continuador de Leite de Vasconcelos nas versões para mirandês de poemas de Camões, do defensor intransigente dos produtos do engenho local, como sejam as obras do Ferreiro de Ifanes, e ainda o Epigrafista, como revelador e estudioso das inscrições lusitano-romanas, área em que o acompanhei muito de perto. Quid multa? Creio ter dito o suficiente para lembrar um Homem bom, daqueles que na vida vale a pena conhecer e que ficam gravados para sempre na nossa memória. Nesta data comemorativa da criação do Museu, que a muitos títulos é seu, se pudesse falar de Museólogo, quanto não havia a dizer em seu louvor? Lisboa, 14 de Março de 2007

| 73

O Pe. António Maria Mourinho: O mais ilustre dos mirandeses Manuel Rodrigo Martins Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro

Entrega da almofada com as condecorações do Dr. Mourinho, pela Sr.ª D. Maria de Lurdes Mourinho, ao Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro, Eng. Manuel Rodrigo Martins / Col. particular / 2003

António Maria Mourinho, o ramo mais frondoso da árvore milenar mirandesa, nasceu em Sendim em 14 de Fevereiro de 1917 e concluiu, 24 anos depois, o curso teológico no Seminário Maior de Bragança, onde precocemente revelou especial paixão pelas raízes da identidade. Mas foi o regresso à sua Terra de Miranda, em 1942, como pároco de uma das freguesias mais dinâmicas do nosso concelho – Duas Igrejas – que o envolveu na maior sementeira de toda a sua vida e cuja colheita todos estamos há muito tempo a fazer: os frutos do seu trabalho, de mais de 50 anos, de investigação, promoção e divulgação da cultura mirandesa. Dotado de uma grande perspicácia e sentido de oportunidade, cedo concluiu que para realizar o seu trabalho só tinha de ser participante activo nas tradições e nas práticas da sua terra, cuja cultura, caldeada por sucessivas gerações de lavradores, pastores, artesãos, boieiros, cavadores e contrabandistas, começava a mostrar sinais de desagregação. E, se queria registar e divulgar, ainda a quente, todo este mundo buliçoso, que era o resultado de uma adição de milénios, não podia perder tempo. Foi por isso que, arregaçando imediatamente as mangas, refundou o grupo folclórico dos Pauliteiros de Miranda (Duas Igrejas), que, logo em Novembro de 1942, actuou sob a sua orientação, na Sociedade de Geografia de Lisboa, para comemorar o “Dia de Miranda do Douro”. A leitura do seu poema, La nossa Tierra, em língua mirandesa, teve enorme impacto mediático, como agora se diz, merecendo-lhe a agraciação pelo Chefe de Estado, que estava presente, com a Ordem Militar de Cristo. A sua actuação, gravada pela então Emissora Nacional, foi transmitida repetidamente. Era a primeira vez que a língua mirandesa ecoava, transmitida pelas ondas da rádio, por todo o espaço português.

74 |

O Pe. Mourinho, sagaz como era, apercebera-se intuitivamente de que o Estado Novo promovia deliberadamente os valores regionais, perspectiva em que a sua personalidade e obra se enquadravam perfeitamente. E, embora sem nunca se ter comprometido de forma directa com o regime, utilizou com grande mestria todos os seus canais para se transformar no grande embaixador dos valores da cultura mirandesa nos quatro cantos do mundo, por onde jornadeou ao serviço da nossa terra. Escalou assim todos os cumes da Cultura Mirandesa, terra que tão bem soube lavrar e semear, sempre em busca das mais pródigas colheitas. Tornou-se por isso no maior dinamizador cultural, no maior divulgador e no maior organizador de eventos, que traziam à Terra de Miranda a comunicação social e o cinema, tendo este último adaptado mesmo uma das suas obras sobre o passado da nossa cidade. Na História, na Arqueologia, na Etnografia, na Língua e na Literatura da nossa terra, áreas científicas onde apoiava as suas multifacetadas intervenções, foi também o primeiro. Até a reanimação económica do concelho colheu os frutos do seu trabalho. A projecção mediática da Terra de Miranda, chamando um turismo cultural, que então dava os primeiros passos, permitiu acrescentar valor às antigas técnicas de fabrico de instrumentos musicais, como as gaitas de foles e as flautas. Mas também a olaria, a cestaria, a cutelaria e a tecelagem voltavam, pela sua mão, que premia o botão certeiro da promoção cultural, a acender a luz de um mercado a beira do abismo mais cerrado. Sigamos, todos, o seu exemplo. Esta labuta constante pelo desenvolvimento multifacetado da nossa terra, entendida como um prolongamento da sua acção pastoral, não podia deixar de trazer as maledicências dos espíritos mais rasteiros, que não eram capazes de largar a capa do anonimato. Mas o Pe. Mourinho, usando a arma da frontalidade, continuou em frente, gozando do arrimo constante e seguro do Abade de Baçal, que, numa das suas cartas, o aconselhava a deixar falar os “das oraçõezinhas, que só mijavam água benta”… Telúrico era o seu interesse pelos testemunhos arqueológicos e etnográficos, que foi juntando, com muito carinho e labor de formiga, na antiga igreja dos frades trinos, sempre na convicção de que estava já a constituir o fundo inicial do Museu da Terra de Miranda, que viria a ser fundado finalmente em 1982. A sua nomeação para director consagrava um trabalho de quarenta anos. Jornadeara por todas as aldeias do concelho, entranhara-se nos sítios mais ignorados, sempre em cata das marcas deixadas pelas gerações que no fio do tempo tinham cerzido o complexo tecido da paisagem cultural da nossa terra. A Câmara Municipal de Miranda do Douro, que fundou o Centro de Estudos António Maria Mourinho para estudar e divulgar a sua obra, incentivando com o seu exemplo uma actividade de permanente de investigação sobre o planalto mirandês, associa-se empenhadamente às comemorações do 25 º aniversário do seu Museu, sublinhando que a vida e obra do fundador constituem as pedras mais sólidas deste edifício Busto do Dr. Mourinho, do escultor José António Nobre cultural, sempre em construção. MTM / Sérgio Gorjão / 2007

| 75

António Maria Mourinho (a modéstia do sábio) Recordando António Maria Mourinho, defensor da Lhéngua Manuela Barros Ferreira Investigadora Principal do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa Quando, em 1978, eu e dois colegas aportámos a Miranda, íamos em busca da língua que José Leite de Vasconcelos, quase cem anos antes, dera a conhecer a gerações e gerações de estudantes de Letras. Temíamos que o vaticínio desse Mestre, relativo ao seu previsível desaparecimento, já se tivesse cumprido. Por isso não esperávamos mais do que ouvir algum resquício dela em palavras soltas, ligadas à agricultura e artes tradicionais, como já nos acontecera em Campo de Víboras. Como sempre, numa primeira abordagem, não nos dirigimos nem ao pároco, nem ao professor, mas sim às pessoas idosas que encontrávamos pelas aldeias, ao acaso. Mas, ao fim de quatro dias – em que encontrámos a língua, inteira e vivíssima, entre a gente de Constantim – procurámos o Padre António Maria Mourinho, para que nos esclarecesse uma série de dúvidas que nos tinham surgido. Encontrámo-lo na rua. Na sua pressa, o Padre Mourinho apenas nos disse para aparecermos em sua casa, depois do jantar. Quando lá chegámos, andava ele num rodopio, no meio de um grupo, a ensaiar danças de paulitos. A grande sala estremecia sob os passos dos dançadores e até os vidros das janelas vibravam com a cantoria que servia de acompanhamento. E foi desta maneira, para nós insólita, que travámos conhecimento com um homem admirável. Algumas longas conversas tivemos nos anos seguintes, quando calhava de nos encontrarmos, em Miranda ou em algum congresso. Não eram bem “conversas”: nós praticamente não dizíamos nada, pois quem tinha segredos para desvendar era ele. E como os encadeava! O nosso tema preferido era a história da língua mirandesa e a polémica em torno de duas hipóteses: importação leonesa medieval ou continuação directa do latim, em conjunto com o leonês, desde a época da formação das línguas românicas. Como é sabido, António Maria Mourinho foi sempre um defensor acérrimo da segunda, apesar de haver doutíssimas opiniões a favor da primeira. (Os seus principais argumentos estão expostos no opúsculo Fundação do Castelo de Algoso, Apêndice I, 1974, pp. 20, 21) Mas falávamos também dos artigos sobre o mirandês datados dos primeiros anos do seu ministério como pároco de Duas Igrejas. Desde então até 1993, os seus estudos, conjugando a língua e a cultura mirandesas, foram guiados pela obra ímpar de José Leite de Vasconcellos, que ele quis continuar, chegando mesmo a retomar alguns dos seus temas, a que acrescentava novos dados – como acontece no seu artigo Diversidades sub-dialectais do mirandês (1960). A grande aproximação nas nossas relações de estudo aconteceu porém em 1994, após a publicação das Actas do Congresso sobre Variação Linguística realizado em Miranda em 1993. As conclusões desse congresso integravam, como prioritária, a necessidade de se estabelecer uma convenção ortográfica unificadora. Pois bem: nesse processo, o Dr. António Maria Mourinho teve um papel fundamental, não só como profundo conhecedor do mirandês central e meridional, mas também como mediador entre o Centro de Linguística da Universidade de Lisboa e a Câmara de Miranda (então presidida pelo Dr. Júlio Meirinhos), conseguindo desta todo o apoio logístico necessário para que a iniciativa pudesse chegar a bom fim... provisório. O trabalho, iniciado em Novembro de 1994, ficou concluído em Maio de 1995, podendo ser lançada no Dia da Cidade desse ano a primeira Proposta de Convenção Ortográfica Mirandesa. Encontrámo-nos, pela última vez, no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, no início de 1996. Tratava-se de lhe pedirmos que voltasse a colaborar na Convenção, que devíamos rever e melhorar para a edição definitiva. Recusou: sentia-se por demais cansado. Então, apesar de tristes, despedimo-nos com a ligeireza de quem espera voltar a ver-se em breve. Muita obrigada por todos os seus ensinamentos, querido Padre Mourinho. Bibliografia linguística de António Maria Mourinho MOURINHO, António Maria (1944-45) “Subsídios para um tratado de Dialectologia Portuguesa. Expansão Literária do mirandês”, Revista de Portugal –Série A: Língua Portuguesa, vols. I (1944): O dialecto mirandês, pp. 270-271; IV (1944): “Expansão e vitalidade do mirandês”, pp. 316-320; V (1944): “Expansão literária do Mirandês”, pp. 58-62; “Gramática mirandesa: Fonética”, pp. 278282; VI (1944-45): “Gramática mirandesa: Fonética”, pp. 91-96; “Origens do Mirandês (I)”, pp.

76 |

329-334; VII (1945) “Origens do Mirandês” (II), pp. 137-141; “Origens do Mirandês: donde provém o nome de Miranda do Douro”, pp. 246-251; IX (1946): “Origens do Mirandês (III): dominação romana”, pp. 89-93 e 254-257; X (1946): “Origens do Mirandês (IV): carácter arcaizante do Mirandês”, pp. 21-25; XI (1947): “Origens do Mirandês (V): Outros elementos pré-romanos”, pp. 97-101; Número especial ( 1979) “Origens do mirandês” (VI) [continuação dos artigos publicados entre 1945-1947], pp. 14-18. MOURINHO, António Maria (1960) “Diversidades sub-dialectais do mirandês”, in Actas do Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos (1958), vol. 3. Porto: Junta de Província do Douro Litoral, pp. 329-341. MOURINHO, António Maria (1974) “Apêndice I. Esta época, o dialecto mirandês e a gente a que nos reportamos”, Fundação do Castelo de Algoso. Bragança, pp. 20, 21. MOURINHO, António Maria (1986) “A língua mirandesa em manuscritos do sec. XVII e XVIII Testamentos de Vila Chã de Barciosa e de Paradela”, Mensageiro de Bragança de 31.10.1986. MOURINHO, António Maria (1986) “A lição dos testamentos do Nordeste transmontano”, Mensageiro de Bragança de 26.12.1986. MOURINHO, António Maria (1987) “A língua mirandesa como vector cultural do Nordeste português”, in Actas das 1.as Jornadas de Língua e Cultura Mirandesa. Miranda do Douro: Câmara Municipal, pp. 75-87. MOURINHO, António Maria (1988) “O dialecto mirandês como vector cultural no Nordeste Transmontano”, Brigantia, VIII, nr. 1/2, pp. 7-33. MOURINHO, António Maria (1993) “Breves notas sobre a língua mirandesa desde há cem anos”, in J. Leite de Vasconcellos, Estudos de Philologia Mirandesa, ed. fac-similada. Miranda do Douro: Câmara Municipal, vol. II, pp.520. MOURINHO, António Maria (1995) [co-.autor] Proposta de Convenção ortográfica mirandesa (coord. M. Barros Ferreira e D. Raposo). Miranda do Douro: Câmara Municipal. [integrada, em 1999, na Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa. Miranda do Douro: Câmara Municipal; Lisboa: Centro de Linguística da Universidade de Lisboa.] Mértola, 18 de Abril de 2007

| 77

Padre Dr. António Maria Mourinho Lembranças de sua sobrinha Margarida Margarida Celeste Mourinho da Veiga Sobrinha

Recordo com muita saudade o homem, o tio, o sábio, o sacerdote, o amigo. É de conhecimento público o seu vasto currículo de homem de letras, de folclorista, de historiador, de investigador, de poeta e de embaixador da cultura e tradições Mirandesas em diversas partes do mundo. Foi pároco em Duas Igrejas de 1942 a 1984. Criou o Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas em 1942. Quando eu nasci, em Setembro de 1948 estava ele em Angola, onde se tinha deslocado com o Grupo Folclórico às comemorações do tricentenário da restauração de Angola, por isso só me conheceu quando eu tinha um mês de idade. Recordo o meu tio como um homem muito activo e dinâmico. Fui muitas vezes em criança para Duas Igrejas fazer companhia à minha avó Rosa (sua mãe), quando ele se ausentava para longas Semanas de Estudos e Congressos, principalmente em Espanha. São para mim familiares os nomes das cidades espanholas de Simancas, Tordesilhas, Saragoça, Toledo, Madrid, Salamanca, Astorga, de entre outras, donde ele enviava notícias em postais e telegramas que eu e a minha avó Rosa íamos diariamente buscar ao correio, pois não havia carteiro. Era eu pequena (6 ou 7 anos de idade) e lembro-me de ele sair muito cedo de casa, madrugada ainda, às aldeias vizinhas celebrar missa. Quando eu me levantava, já ele voltava montado num bonito e luzidio cavalo castanho-escuro (foi o seu primeiro meio de transporte), acompanhado do fiel “Lobito” um dos cães que ao tempo guardavam a casa paroquial de Duas Igrejas. No seu livro “ Coisas e factos da nossa vida e da nossa alma popular” editado em 1991, pág. 138 escreve: “Avalie-se um caminho de duas horas, por alta madrugada em luta com o vento norte que teima em nos fazer parar, lançando-nos neve para os olhos, cortando a face, as orelhas, as mãos, os lábios como agulhas ou bisturis que a ferro frio nos estão operando…quando o cavalo nos pára, e hesita em avançar, porque a neve lhe tapa os olhos, e o vento o empurra para trás…” E apesar das agruras do caminho e do frio sentia-se feliz, pois mais adiante diz na página 139:...” Vale bem suportar todos os frios, por uma hora, um momento apenas de conforto espiritual que um só pensamento nos possa dar!” Mais tarde, no meu último ano de escola primária em Duas Igrejas, lembro-me de quando eu estava de saída para a escola já ele regressava da sua missão de pároco/pastor, mas desta vez com a vida mais facilitada, porque já se fazia transportar de automóvel. De Fé inabalável, e muito devoto de Nossa Senhora, lembro-me de em criança o acompanhar com a minha avó Rosa, quando ele ia pregar sermão às romarias da Senhora da Luz, da Senhora do Rosário, da Senhora do Nazo e da Senhora do Monte. Apesar de ter pedido dispensa do sacerdócio depois de 1984, nunca perdeu a Fé, nem o espírito sacerdotal. Afirma-o quem ler a sua célebre “ Oração de última Hora” editada em 1991. Considero admiráveis os seus dotes de poeta. Toda a sua poesia é plena de sensibilidade, religiosidade e misticismo. Os primeiros versos que terá escrito são inéditos; encontrei-os eu num velho baú na casa de meus avós, já depois de meu tio falecer. Nem ele se lembraria mais de tais escritos, pois nunca nos falou deles. São versos que datam de 1938 quando era ainda aluno de Teologia no Seminário de Bragança. Estes versos estão escritos em conjuntos de sextilhas, redondilhas e quadras, ocupam todas as folhas de um pequeno caderno de linhas com 16 páginas. O poema descreve com carregada dor e amargura a morte por acidente de seu pai, meu avô. Todos os versos exprimem com tanta intensidade o sentimento de perda e de tristeza, a desgraça da viuvez da mãe e da orfandade dele e do irmão (meu pai), bem como os presságios e o piar do mocho, que fazem lembrar a poesia ultra-romântica de Soares de Passos. Dos poemas dedicados a Nossa Senhora de quem foi muito devoto, são de destacar o primeiro poema do seu livro “Nossa Alma i Nossa Tierra” editado em 1961, “Senhora Mai de la Paç!” e muito especialmente o seu poema “Oração de última Hora – Ave Maria, Santa Maria”, editado em 1991.

78 |

Este último, é um poema cheio de misticismo e nele retrata todo o seu viver e peregrinar sobre a terra. É uma autobiografia dos bons e dos maus momentos da sua vida. Nele se confessa pecador e penitente, se reconhece como alguém com fé e esperança; nele se entrega e pede ajuda e protecção á Mãe de Deus. Escreve ele na pág. 13: …” Santa Maria … Mãe dos aflitos, E desertados, Fonte de amor! ………….. …Guarda-me sempre Guarda-me bem! Que sou teu filho, Tu minha mãe!...” O último poema que terá escrito “Anos vão e anos vêm! Setenta e nove…” em 14/02/96 porque faleceu depois a 13 de Julho do mesmo ano depois de prolongada doença. Este poema é um hino à vida, é consciência do seu envelhecimento e da sua fragilidade de ancião, é a nostalgia da vida vivida, dos amigos, do seu trabalho, da sua actividade. Nele exprime o sentimento de que está de bem com a vida, com as pessoas e com o mundo. Ao ler o poema apercebemo-nos do seu desprendimento e da sua disponibilidade perante Deus para partir para o Além quando Ele quiser. É lindo este poema; eu emociono-me sempre que o leio e sinto muitas saudades deste tio que só o conheci totalmente depois de ele ter partido, quando leio e releio este poema e outras obras suas. Meu tio foi um homem simples e humilde. Passou pela vida sem marasmos. Nunca se acomodou e viveu cada momento intensamente, pondo muito empenho em toda a sua actividade. Cultivou a alegria, a Fé, a sabedoria, amou o seu povo, a sua gente, a sua terra, a sua família. Foi solidário, depreendido, de coração bom, alma de menino ingénuo, mas rebelde; e livre como o vento e os passarinhos. Quem o conheceu não o esquecerá. Porto, 17 de Abril de 2007

Igreja de N. S. do Monte (Duas Igrejas) / MTM / Sérgio Gorjão / 2007

| 79

Lembrando-te Padre Mourinho Maria Justina Moreira Gomes (Dirigente no Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - Pauliteiros de Miranda)

Pauliteiros de Miranda / IVDP / Col. Domingos Alvão / c. 1942-45

No seio da minha família, desde a minha meninice, ouvi sempre falar do Padre Mourinho nestes termos: «L’ nuosso Padre» «Sr. Padre Antonho». Era realmente nosso e sentia-se bem sabendo-se nosso. Foi este sacerdote que casou os meus pais e lhes baptizou os rebentos, um dos quais sou eu. Conhecendo-o e convivendo com ele posso atestar sobre o respeito, a dedicação o carinho e a estima com que o povo de Duas Igrejas o distinguia. Homem de Deus e dos homens, este sacerdote foi devotíssimo do SS.º Sacramento e de Nossa Senhora, devoção essa que inculcou no coração dos seus paroquianos. O seu amor à Nossa Senhora está bem patente nos seus escritos «Escoba Florida em Agosto» e outros. Foi pároco de Duas Igrejas desde 1942 até 1984. Foi um homem de sonhos que lhe comandavam a vida e que concretizou para seu bem e das pessoas com as quais convivia. São três as obras por ele fundadas e que permanecem e permanecerão: 1º O seu Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas Pauliteiros de Miranda que criou em 1945, mais propriamente a 10 de Junho, aquando das comemorações do IV centenário da elevação de Miranda a cidade. Pela sua mão este grupo levou o nome das Terras de Miranda aos quatro cantos do mundo (Espanha, França, Alemanha, Suiça, Áustria, Angola, Estados Unidos da América, Canadá e Macau). Presentemente o grupo está bem de saúde e recomenda-se. Nomeou madrinha do grupo Nossa Senhora do Monte a quem o entregava nas viagens. Ainda hoje fazemos isso. Este grupo foi sobejamente aplaudido e galardoado. E porque os trabalhos com nível e mérito tarde ou cedo são reconhecidos, assim aconteceu com o Pe Mourinho e o seu grupo. Em 1981 é distinguido pelo instituto F.V.S. de Hamburgo – Alemanha Federal com o prémio Europeu de Arte Popular, prémio esse que lhe foi entregue solenemente

80 |

em Duas Igrejas por uma Delegação daquele Instituto! Duas Igrejas, não cabia em si de contentamento e honradez. 2º O Mirandês e o seu estudo. Quanto trabalho tantas horas roubadas ao descanso! E o Mirandês aí está, falado nas aldeias ensinado nas Escolas do Agrupamento de Miranda e Sendim, por pessoas cultas e sensíveis para que “ La Noussa lhengua” não seja uma língua morta, ou moribunda. É gratificante ver que há muita gente apaixonada pelo Mirandês. É com interesse manifesto, que nas deslocações do grupo, as pessoas ouvem- Casa Paroquial de Duas Igrejas / MTM / Sérgio Gorjão / 2007 nos falar e querem sempre mais. 3º O seu Museu – Faz agora 25 anos. Verdadeiro marco na cultura Mirandesa. Guardião do nosso passado e voltado para o futuro com pujança e alma. Parabéns! Pelo exposto (muito mais haveria a dizer, mas o espaço não o permite) podemos considerar o Padre Mourinho – Homem Mirandês de fibra do «antes quebrar que torcer». Bem hajas, por tudo Padre Mourinho! Mas, há sempre um mas. Para quem conheceu a casa que habitava, onde o grupo ensaiava e a Escola Primária funcionava com duas salas uma Masculina e outra Feminina, onde recebia os seus convidados, onde passou longos anos na companhia da mãe “Tie Rosa d’ al Padre”, em cujo largo do Toural, em frente a esta casa que tantas lembranças nos trás à memória, actuou o grupo em 12 de Julho de 1981 quando da entrega do honorifico galardão, a que atrás aludi. Sim este espaço emblemático está em ruínas que causam dó. Bom seria que as entidades responsáveis olhassem para esta degradação com olhos de ver e fizessem algo para o reconstruir. Era a sala de visitas da aldeia. Era da varanda desta casa que o Padre Mourinho falava ao povo especialmente à mocidade que o acompanhava Desenho de E. Anahory / Panorama - Rev. Port. de Arte e Turismo n.º 27 / 1946 a casa no dia de São João, 27 de Dezembro. Como sonhar não custa, que bom seria ver a casa reconstruída e voltarem para o largo do Toural todos os eventos da aldeia: Bailaricos, fogueiras do Menino Jesus, Santo Estêvão e São João, as trovas da Consoada, etc. Estas trovas ainda hoje lá se fazem. Quanto ao terminar a sua vida não como sacerdote apraz-nos dizer como Pascal “o coração tem razões que a razão desconhece” e ainda: o íntimo de cada ser humano só Deus o conhece. Padre Mourinho, Estejais onde estiveres obrigada pelo carinho, amizade, pelos conselhos e pelo bálsamo que derramavas sobre os infortúnios do teu povo e das vidas amarguradas. Bem hajas. Serás sempre lembrado!

Duas Igrejas, 1 de Maio de 2007

| 81

Testemunho sobre Dr. António Maria Mourinho e o Museu da Terra de Miranda Maria Olinda Rodrigues Santana Professora Associada da UTAD Coordenadora Científica e Técnica do Arquivo Pessoal António Maria Mourinho e do CEAMM (Centro de Estudos António Maria Mourinho)

Podemos aplicar a António Maria Mourinho e ao Museu da Terra de Miranda o verso de Fernando Pessoa: “Deus quer, o homem sonha e a obra nasce…”. António Maria Mourinho sonhou o Museu da Terra de Miranda, no âmbito do movimento cultural “Ressurgimento Mirandês”, estatuído a 1 de Agosto de 1945, juntamente com mais dois sócios fundadores: o Conselheiro Dr. António Carlos Alves e Mário Simão. Um dos fins estatutários da Associação Cultural era precisamente criar um Museu. No artigo 1.º, alínea d) é dito “fundar um museu em que se recolham e conservem objectos históricos e arqueológicos, de arte e indústrias regionais”. António Mourinho, talvez entusiasmado pelos ensinamentos do Abade de Baçal, desde os seus tempos de seminarista, intentou uma busca de materiais arqueológicos e etnográficos da Terra de Miranda, logo quando se tornou pároco de Duas Igrejas. “As pias e sepulturas cavadas na rocha que aparecem em volta da Igreja são sepulturas medievais e algumas podem ser dos romanos que aí viveram, como se colhe das lápides aparecidas junto à igreja, da telha de rebordo e mais cerâmica, das moedas e do espólio lá encontrado. Todos os santuários capelas dos montes e despovoados são a cristianização de Santuários pagãos ou povoados arcaicos de civilizações extintas. Vai anotando tudo o que aparecer guarda tudo ou põe a bom recato sobretudo lápides romanas com letras” (Carta de 9/8/42) (Santana 2005: 50). Foi o que fez o aprendiz de historiador, foi acumulando pouco a pouco no Convento dos Frades Trinos, à época abandonado, todo o património material (artístico, histórico, etnográfico, arqueológico) da Terra de Miranda que conseguiu angariar junto das populações mirandesas. Mourinho tornou-se o mentor do projecto de criação do Museu. Foi preciso esperar trinta e sete anos, muitos mais do que esperou o pastor Jacob, para ver concretizado o seu sonho. O Museu da Terra de Miranda foi oficialmente criado pelo Dec. Lei n.º 136/82 de 23 de Abril. No seu Arquivo Pessoal, António Maria Mourinho guardou muito pouca documentação relacionada com o referido Museu. Possivelmente, e como deve ser feito, deixou toda a documentação produzida no decurso da sua função de Director no próprio Museu. Por isso mesmo, no seu acervo encontramse, tão-só, algumas cópias de correspondência com algumas instituições, recortes de jornais com notícias sobre o Museu e pouco mais. Competirá ao Museu da Terra de Miranda contar a história da presença e da actividade museológica de António Maria Mourinho no referido Museu, desde a sua fundação em 1982 até à sua saída em 1995. Departamento de Letras da UTAD, 18 de Abril de 2007

82 |

Memórias de meu Tio Padre Mourinho… Maria Rosa Mourinho Martins Sobrinha

Apresentação dos Pauliteiros de Miranda / Col. Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - Pauliteiros de Miranda / c. 1960

As lembranças que tenho de meu tio são muitas e boas. São gratas todas as viagens em que o acompanhei fazendo parte integrante do Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas. Comecei com 6 anos a dançar no Grupo Infantil, cresci e depois, jovem solteira e casada, acompanhei este grupo durante muitos anos. Apoiei o meu tio ajudando nas deslocações do Grupo em actuação nas diversas partes do País e ao Estrangeiro. Era admirável verificar a alegria, a dinâmica e a formação que meu tio transmitia aos elementos do grupo. Quando saíamos para o Porto, Lisboa, Algarve, Minho ou Estrangeiro – Espanha, França, Alemanha e Áustria – ele aproveitava estas viagens para enriquecimento cultural dos elementos do Grupo. Visitávamos museus, catedrais e outros monumentos importantes que houvesse nas cidades ou lugares onde actuávamos e pernoitávamos. A minha permanência activa neste Grupo deu-me não só a oportunidade de conhecer os muitos lugares onde estive, mas conhecer também e criar laços de sincera amizade com outros elementos masculinos e femininos que ao longo dos anos passaram por este Grupo Folclórico. Recordo com muitas saudades este tio que com ele muito aprendi, que no campo cultural quer no campo religioso. Ele faz parte das minhas boas memórias, jamais o esquecerei. Sendim, 17 de Abril de 2007

| 83

Pe. Dr. António Maria Mourinho Natália Correia Guedes Professora e Museóloga ex-Subsecretária de Estado da Cultura (XI Gov. Constitucional) Directora do Instituto Português do Património Cultural (1980-1984)

Por entre papeis de uma vida, acumulados e remexidos na secretária, no silêncio do seu escritório só entrecortado pelo chiar dos carros de bois, os assobios dos pastores e o chilrear dos pássaros, o Padre Mourinho foi criando um sonho – recolher o que de antigo havia na sua aldeia, Duas Igrejas, e por toda a Região e fazer um Museu com essas memórias de séculos; podia assim mostrar aos vindouros a originalidade daquela cultura e sobretudo ressuscitar, nos das suas Terras, o orgulho da diferença cultural mirandesa. Conhecia cada objecto, de entre as centenas que reuniu, como se ele próprio falasse, contando-nos a sua história, a evolução que representava na técnica, na arte ou na sabedoria das gentes. Acompanhei de perto a sua persistência, cativou-me o seu projecto e tive o privilégio de determinar o apoio a esse novo Museu, através do Instituto Português do Património Cultural a que presidia, no início da década de 80. Pareceu-me ver nele uma reencarnação de um Abade do Baçal ou de um José Leite de Vasconcelos, personagens que surgem raramente em cada século e que aliam à inteligência e à perspicácia, uma paixão incontida pelas suas raízes que os levam a cumprir a sua visão profética porque ignoram, desprezam e reduzem a nada as habituais montanhas de torpor burocrático ou de distância da capital decisória. Se o Padre Mourinho não desanimava por entre montanhas de carências espirituais e sociais que o afligiam e a que dedicava a sua principal actividade por que se haveria de preocupar com aquelas falsas fatalidades congénitas? Se ainda permanecesse entre nós ele diria que o seu segredo foi apenas este – tecer a obra no tear certo sem nunca duvidar de que a iria terminar. Ele não aparecia no IPPC com a sua pesada e longa capa de honras, de lã pisoada, mas tudo acontecia como se usufruísse da sua imponência – a presença era discreta mas sábia, a voz forte, o olhar directo e acutilante, a passada firme. Vinha para decidir e não para esperar. Nessa época o IPPC, também ele cheio de sonhos, acabado de constituir e atento a todas as propostas que dessem sangue novo a regiões interiores de há muito esquecidas, interessou-se pela criação do Museu das Terras de Miranda e em estreita colaboração com a autarquia, dotou-o das condições necessárias ao seu funcionamento. Numa primeira fase abriu ao público integrando significativas doações que representavam gestos de generosidade não só do fundador mas de muitos moradores de aldeias distantes ou de seus familiares que embora regressados ciclicamente de uma emigração forçada nunca tinham esquecido a importância das suas raízes; este núcleo inicial seria sucessivamente ampliado nos anos decorrentes tal como evoluíram os critérios de apresentação e de divulgação. Vinte e cinco anos passados sobre a inauguração deste Museu que foi exemplar para o seu tempo, interrogamo-nos sobre o impacto que teve nas Terras que lhe dão o nome, certos de que os resultados dessa reflexão serão tidos em consideração no novo percurso de anos vindouros, agora abertos a uma Europa que quer manter as diversidades, para reforçar e dar pleno sentido à unidade. Foi afinal este o projecto do Padre Mourinho com meio século de antecedência visionária. Abril de 2007

84 |

In Memoriam…Dr. António Maria Mourinho Pe. Silvério Benigno Pires Cónego da Sé de Bragança Reitor do Seminário Maior de São José de Bragança

O Director do Museu da Terra de Miranda, a pretexto das Bodas de Prata da Fundação do Museu, pretende também evocar a memória do seu fundador, o Dr. António Maria Mourinho, na ocorrência do seu 90º aniversário natalício. A Diocese de Bragança-Miranda orgulha-se de ver, entre os seus sacerdotes, grandes vultos da cultura que, paralelamente ao ministério sagrado, exerceram também o sacerdócio da cultura. Seguindo as pegadas do Abade de Baçal, na Terra de Miranda emergiu o Padre Dr. António Maria Mourinho. Investigou muito nos velhos arquivos; bebeu profundamente o modo de viver do seu povo, confundindo-se, mesmo, com ele; reuniu para a posteridade vasto espólio arqueológico e etnográfico em museu vivo que orgulhosamente ostenta o seu nome e guarda a sua memória e escreveu, escreveu, escreveu… pois, como dizem os latinos “scripta manent”, as coisas escritas permanecem. Como mestre e pedagogo deixounos a lei fundamental da língua mirandesa: - Gramática Mirandesa – fonética - Origens do mirandês - Diversidades sub-dialectais do mirandês - Etnografia e folclore mirandês - A língua mirandesa – história e linguística - O galandum - A guerra dos sete anos ou guerra do Mirandum - Os Evangelhos de Domingos e Festas traduzidos para a língua mirandesa - A Missa em língua mirandesa - Cancioneiro tradicional e danças populares mirandesas - Oração da última hora – Ave-Maria… Santa Maria Como historiador, arqueólogo e etnólogo foram conferências, colóquios, artigos de jornais, livros… um nunca mais acabar por toda a parte. Quando ainda havia alguma timidez na expansão da cultura local e na vivência das tradições, o Dr. Mourinho com a sua acção “libertou da lei da morte” a riqueza cultural do povo mirandês. Conheci próxima e directamente o Dr. António Maria Mourinho, há já muitos anos, e tive ocasião de o conhecer no mais íntimo da sua alma, aquando do seu pedido ao Santo Padre da dispensa das obrigações sacerdotais, cujo processo me foi confiado. Foi dos processos mais rápidos na resolução e resposta de Roma. Admirei a sua grandeza de alma, a sua profunda humildade, identificando-se com o rei David a rezar o Salmo 50, “Miserere”, com o publicano do Evangelho, ajoelhado no fundo do templo, com Pedro penitente e a chorar… No final da sua vida foi um homem de consciência inquieta. Manteve sempre bem viva a luz da fé, a solidez do amor à Igreja e ao seu Senhor, cujo Evangelho tantas vezes anunciou e o amor filial a Nossa Senhora. Sobressaiu sempre na sua vida uma terna devoção à Mãe do Senhor. Quem se não lembra de ver o Padre Mourinho descalçar os sapatos e seguir descalço o itinerário da procissão da Senhora do Monte, em Duas Igrejas? Brotou-lhe da alma o poema mariano “Oração da última hora – Ave-Maria… Santa Maria”. Abandonou-se nos braços da Virgem Mãe com a mesma simplicidade e confiança com que uma criança se aconchega no regaço da mãe.

| 85

Como o salmista pendurou a harpa nos salgueiros dos rios de Babilónia e chorou com saudades de Sião: “Se de ti, Jerusalém, eu me esquecer, seja ressequida a minha língua”. Chorou lágrimas de sangue com saudades do sagrado convívio no altar do Senhor. Conservo um precioso documento que revela a sua vivência no Triduo Pascal intitulado “Endoenças 1996”. Termina assim, com as alvíssaras a Nossa Senhora: Estais vestida de Sol Estais calçada c’o a lua Sois coroada de estrelas Aleluia, Aleluia…” Bragança e Seminário de S. José, 23 de Abril de 2007

Senhora Madrinha

(Recordação das preces do povo de Duas Igrejas à sua Madrinha e Padroeira Nossa Senhora do Monte, na Estiagem do mês de Maio de 1964 e se ser favor em ouvi-la, por um seu afilhado muito humilde e devoto) (69) Mãe nossa e Madrinha, Senhora do Monte!... Secava-se o campo!... Secava-se a fonte!... Morria o rebanho… Sofríamos nós!... Senhora e Madrinha, Corremos a Vós.

Os campos e os gados Estão na agonia, Sem chuva que apague Tanta calmaria!... Volvei-nos a esp’rança, Curai-nos as dores, Perdoai, Senhora, Somos pecadores!...

Coro Vosso manto é de ouro, Senhora do Monte! De ouro é a Vossa água Que enche a nossa fonte. Tristes filhos vossos, Dai-nos Virgem Mãe, Dai-nos pão e graça, Para nosso bem!

Descestes do trono Da Vossa mansão E viestes connosco, Ao clamor da oração. …E as mãos todas puras Da S’nhora do Monte Fizeram as nuvens E encheram a fonte…

O vento assoprava, Colhia a verdura Deixava sem alma Toda a criatura… A seara morria Rasmáva-se o prado… Ardia a planura, Sob um céu parado!...

Choveu!... nossas almas Sorriram de amor, Na casa do pobre E do lavrador… Ao ver que, da altura, Se abriu Vossa mão, Com lírios e rosas E vinho e mais pão!...

Corremos às portas Da Vossa morada, De rosas silvestres E estrelas cercada. E os gritos das almas Bradavam ao céu, Que a terra madrasta De esp’ranças morreu.

Vos sois o refúgio, Na terra bravia E o porto seguro, No mar da agonia, A meiga pastora Da ovelha perdida, E todo o remédio Nos males da vida.

Em paga, Senhora, Que nos Vos daremos? - Corações abertos É o ouro que temos. E que vos poremos, Sobre as mãos Formosas? - Ramos de açucenas, Murmúrios de rosas!... Trigo limpo e loiro, Primícias do gado, Rosquilhas do forno, E ouro trabalhado!... - Viremos rezando, Cantando à porfia, À Igreja do Monte Da Nossa Madrinha. Depois, nossa vida, Será luz do Céu, Na paz e alegria De manhas sem véu… E, na hora extrema, Sereis, terna Mãe, A calma certeza Do eterno bem!... Coro Vosso manto é de ouro, Senhora do Monte! D’ ouro é Vossa Água Que enche a nossa fonte. Tristes filhos Vossos, Dai-nos, Virgem Mãe, Dai-nos pão e graça Para nosso bem!...

69 Optámos por editar, no seguimento do texto do Cónego Silvério Benigno Pires os testos Senhora Madrinha (dedicado à Senhora do Monte, a quem tinha especial devoção, texto este que nos foi comunicado por Isabel de Pêra, de Duas Igrejas, funcionária no Museu da Terra de Miranda). Também se edita o texto “Endoenças” escrito a 4 de Abril de 1996.

86 |

Endoenças / 1996

Quinta -Feira-Santa…Última Ceia – Cristo, os Apóstolos e eu… Hoje, Senhor, comemora-se a Tua Santa Ceia, com os humildes Apóstolos que escolheste, para com eles edificar a Tua Igreja, que há dois mil anos persiste, e é eterna, como o Teu Amor… Assentaste-Te á mesa do Cenáculo, naquela sala destinada, próximo de Jerusalém, e do Jardim das Oliveiras, desejando ardentemente, com eles, comer a Páscoa E com Ela em nós. Vivermos eternamente c, contigo. - Tomaste o pão! Tomaste o cálice com vinho! E dissesse simplesmente e para sempre: “ – Tomai e comei dele todos…isto é o meu corpo, Que será entregue por vós. Depois tomaste o cálice com vinho e disseste: “- Tomai e bebei dele todos: este é o cálice do meu sangue, o sangue da eterna e nova Aliança Que será derramado por vós e por muitos, Para remissão dos pecados. “ – Fazei isto em memória de mim!” - E Paulo continua ainda as tuas palavras santas, Decisivas, para sempre: “ – Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a minha morte até que eu volte”. Fazei isto sempre em minha memória” Quem deles comer e beber condignamente, Viverá eternamente.” “ Eis o mistério da Fé!” - “ Em verdade vós digo, que eu não tornarei a beber mais do germe da videira, a não ser depois, um dia, na casa do Meu Pai, no Reino de meu Pai, na sua Glória. - Senhor!, eu fui sempre Vosso filho, filho de Adão caído! Homem trabalhador, pusilânime e pecador. Não Judas! Pedro penitente e uma vez negador, Mas arrependido – Ai de mim Senhor! “ Hen! Heu! Heu, Domine!...” Eu Senhor fui sempre Vosso, disse e repito… E nunca darei o dito por não dito, e disso me livrai sempre! Aconteceu a Pedro, e arrependido, abençoado pela Vosso Ressurreição, Sobre ele constituístes a Vossa Igreja – Vosso primeiro Vigário, A confirmar os seus irmãos. E ainda hoje, a todos os cristão. Em mim, não houve negação … fuga de medo… “- Ego nunquan scandalizabor “!... disse Pedro, e caiu!... E eu fugi, fatigado do caminho, cansado, não de Ti, mas disperso, no pensamento, por medo da solidão humana, e da plebe… Eu também me escandalizei e fugi!... Não de ti mas de alguns dos teus discípulos que eu e o mundo julgamos menos dignos e menos apóstolos vazios de calor humano. Fugi para o deserto, em dor e abandono, da fragilidade e silêncio. Comigo não havia ninguém. Fragilidade, sim, mas maior o teu amor, que me deu lágrimas e dor, uma dor imensa e saudosa do Teu Altar. Mesmo no abandono e solidão, à flor do pensamento, estava o amor, A imagem presente da minha Mãe que foi na terra,

| 87

um símbolo e auréola do meu sacerdócio nacional, regional, pessoal, angélico e cultural. Surgiu-me é certo da floresta humana uma operosa Marta, bondosa, mais que ancila de Pilatos, mulher, filha de Eva, mas digna de respeito e obrigação. Fugi Senhor, para o deserto, e para o mundo, mas não descri. De longe avistava e avisto o teu altar e o meu coração chorava e chora ainda de saudade: “ Non sum dignus!.” Sacramentum magnum – diz tudo. Acreditei sempre na tua Bondade, na tua Misericórdia, porque sei e sempre cri, que Tu nunca desprezas-te um coração contrito e humilhado, como em todos os filhos de Adão, caídos como eu. Obrigado Senhor, no dia de Hoje pela tua última Ceia e pelo exemplo e ordem que nos deste, de lavarmos os pés os irmãos uns aos outros. Obrigado Senhor eu Te agradeço, Te louvo e Te adoro, neste dia e nesta noite , escondido na prisão do sacrário, por meu amor e mal compreendo, que muitos irmãos meus do povo Teu, da Tua Igreja, não te aceitem com eles, à Tua mesa, a compartilhar activamente, neste Teu pão e nesse Teu cálice. … mas basta-me tomar em desejo imenso o Teu Corpo e Sangue sacratíssimo símbolos e realidades reais da Tua mesa redentora. Aceita-me Senhor, pelo teu imenso amor e sofrimento, e por Te teres dado todo inteiro e sem reserva na Quinta –Feira -Santa a todos nós, achados e perdidos, neste mundo desértico de almas generosas, quase a abominável e sem calor humano. Obrigado Senhor, recebe-me um dia, repito, quando Te dignares chamar-me Deste mundo, e leva-me contigo, ao Teu santo e Reino, como aceitas-te a Pedro penitente e arrependido, e ao confitente e contrito Dimas, bom ladrão do lado direito da Tua Cruz. O mundo não Te conhece, nem quer conhecer-te, e é pena que não sinta nem precinta, em grande parte, o Mundo Universal de Amor – mare magnum de Misericórdia que o Teu imenso coração encerra e guarda só para nós. Parte dos Teus discípulos de hoje não se interessam pelo Teu Amor e pela Tua Misericórdia. Cura-me Senhor toda a dor espiritual e física no bálsamo da Tua esperança e confiança. Salva-me Senhor desta doença corporal e que ela seja aliviada na esperança Dorida de que os meus pecados me estão ou serão perdoados, para que possam ainda, deixar ainda mais o teu louvor escrito. Mas a Tua dor é redentora e pura. Ampara-me sempre, sempre que eu esteja sempre junto de Ti. É isto que sinto, Senhor, na Tua Quinta-Feira-Santa. E Hoje, Senhor, Fico-me por aqui perdoa-me sempre Senhor, agora e sempre e que eu saiba amar a sério, com caridade e amor, todos os meus irmãos em Adão, baptizados e não baptizados, que eu sou apenas fragilidade, - Adão de barro. Loures, 4/ 4/96 A. M. M.

88 |

Um tributo Teresa Perdigão Antropóloga

Não convivi com António Maria Mourinho, desvantagem que poderia inibir-me de aceitar o convite para testemunhar nesta publicação. Porém, faço-o com convicção e sem constrangimento, assumindo-o como um tributo de gratidão pelo património que nos legou e que tão fértil tem sido para o trabalho de etnólogos, musicólogos, historiadores e antropólogos. Digo património apenas, sem lhe acoplar o adjectivo cultural, ou construído, ou imaterial, ou seja o que for, sobretudo para o distanciar de outros trabalhos, benévolos e valiosos sem dúvida, mas orientados pelas características românticas de um povo puro, autêntico e genuíno e que, não raras vezes, levaram à estagnação, à cristalização e à ideia redutora de tudo o que vem do povo é que é bom. Contrariamente a esses princípios, António Maria Mourinho trabalhou no sentido de criar a consciência da noção de enraizamento, tendo sempre presente que a memória é algo que se transmite e transporta de gerações em gerações e que sem memória não há construção de conhecimento nem consciência de si. Na realidade, os museus e exposições de cariz etnográfico (muitas vezes mais folclóricos) que tanto se desenvolveram a partir do século XIX transportavam amiúde o estigma da doutrinação política, afirmativa de um nacionalismo balofo, ciosa de inventar identidades puristas, únicas e modelares, associando-lhes o epíteto de “o mais belo” ou “o mais português”. Não obstante o predomínio dessa corrente, a tradição popular nunca foi para António Mourinho pilar de obscurantismo nem sequer um elemento de doutrinação, mas antes, uma riqueza, parte dela, a chegar a seu termo, e que, por isso mesmo, por ser riqueza, deveria ser preservada e transmitida aos vindouros e não, note-se!, para dela fazer a bandeira da alma nacional. Ele ouviu e registou parte de um quotidiano difícil de objectivar como a tradição oral, as canções de romaria e as cantigas de trabalho, mas não desprezou a recolha de objectos, expressão de tecnologias tradicionais e modelos culturais que hoje nos permitem conhecer e estudar técnicas próprias do mundo rural, e que estariam inevitavelmente expostas ao desaparecimento. Criou, assim, as vertentes organizadoras da actividade museológica, permitindo uma abordagem interdisciplinar do conhecimento. É este tributo que se me impõe, pois embora sem ter pertencido ao seu convívio, tenho sido consumidora da sua obra, sobretudo no que diz respeito ao que hoje se denomina por cultura imaterial a que a UNESCO nos últimos anos procura dar visibilidade. Consulto as suas obras quando analiso as transformações que se deram numa festa, quando procuro compreender cultos locais, quando as lendas são essenciais para a compreensão da toponímia ou, pura e simplesmente, para usufruir dos seus escritos. E quando investigo na região de Trás-os-Montes, congratulo-me por encontrar pessoas que me transmitem a ideia de com ele terem aprendido a valorizar a sua cultura e a compreender que esse bem é transmissível. Falo de cultura, aparentemente de uma forma aligeirada, mas quero especificar que, embora não seja aqui o local para fazer uma abordagem conceptual, me refiro à noção que a antropologia moderna faz da cultura, como um conjunto de sistemas simbólicos e de saberes que organizam as práticas quotidianas de uma comunidade, como um processo de relacionamento do indivíduo com as múltiplas actividades da vida quotidiana. Por isso mesmo, António Maria Mourinho não foi apenas guardião, ele foi também um pioneiro para quem eu ousaria atribuir uma terminologia contemporânea, sugerindo que ele pretendeu manter determinadas práticas sociais imunes à mundialização e homogenização da cultura, como acontece actualmente, no dizer de Eduardo Lourenço. Talvez, dentro desta óptica, o legado mais significativo, tenha sido a preservação da língua mirandesa. Aqui fica o meu reconhecido tributo. Abril, Caldas da Rainha

| 89

Nota Final António Maria Mourinho

Por serem tão brilhantes e na vantagem de terem sido redigidas em primeira-mão pelo Dr. António Maria Mourinho (a 22 de Maio de 1995), entende-se ser preferível apresentar, sem qualquer adulteração, as palavras que este mestre nos apresenta como Nota Final na sua obra Curriculum Vitae…, editada em 1995 pela câmara Municipal de Miranda do Douro e pelo autor. Estas notas de factos culturais que duram desde há 70 anos, através de uma vida inteira e aqui ficam registados - e os muitos que haveria ainda para anotar – pois nem tudo está sempre ao correr da memória, são o fruto dos tempos livres da aldeia, nas horas de lazer paroquial e posterior e mais ainda, da recomendação, que um dia em plenos 24 ou 25 anos o saudoso mestre Padre Francisco Manuel Alves, digníssimo que foi Abade de Baçal, e está na vida eterna há 42 anos, me fez às portas do Seminário de Bragança após eu lhe ter participado na Primavera de 1942, que ia deixar uma magistério e perfeitura do Seminário e iria paroquiar as aldeias rurais. Em resposta seca e certa da sua longa experiência dos 80 anos, diz-me serenamente: - “Está bem! Agora é que começas a vida, e, pelos povos e na vida dessas almas e dos campos, há muito que fazer e estudar, é um tesouro inesgotável para explorar e nos livros tens muito que aprender; por isso, uma vez que vais para a paróquia, nas horas livres, de serviços paroquiais tu já tens o hábito dos livros, mas pensa sempre nos livros porque se não, necessariamente pensas na porcaria!”. A situação da vida paroquial de então impôs-se-me com os movimentos dinâmicos da pedagogia doutrinal dos novos e dos adultos que organizei durante anos, em estruturas actualizadas da então Acção Católica completa e eficiente, e impunha-se restauração dos tempos interior e exteriormente, assim como a das almas e olhar o futuro sem desenraizar o passado e apoiado nele, mas sempre a caminho e olhar em frente. Na década de 40 mantinha-se o “rom-rom” dos séculos passados do devocionismo tradicional, mantinha-se a incúria do equipamento litúrgico e impunha-se a renovação de tudo o que tinha as velhas “patines” do século XIX e anteriores, imutadas e plenas de tabus. A voz de alvorada do grande Papa Pio XII, anunciava a “renovação e promoção da alma funda das gerações, sem as destruir”. Alguns bispos mantinham-se renitentes e muito mais que hesitantes. Mas os meios de comunicação social e os movimentos mundiais de recolha e divulgação das culturas locais em perigo de perder-se, eram substituídas pelos modernos ritmos afro-asiáticos ou deles dimanados, já vividos nos “basfounds”, as manias jovens abandonavam as igrejas e mergulhavam de cabeça nas novas formas de diversão e de lazer fora da igreja. Na Terra de Miranda, a organização e celebração do IV centenário da criação do bispado e da cidade em 1945, levou-me a percorrer o concelho de Miranda do Douro, para a organização de uma concentração das tradições ainda vigentes nos trajos e adornos, no canto, na dança, nos instrumentos musicais legítimos de uma região intocada e de que já e apenas, se conheciam os Pauliteiros. A aglomeração de 11 grupos formados no concelho num total de mais 300 elementos nesta cidade em 10 de Julho de 1945 levou-me só a mim porque os restantes duraram pouco - a fazer um levantamento sistemático de todo este imenso espólio cultural, desde a poesia oral, romanceiro, canções de danças, coreografia diferenciadas, e várias, mas únicas no país; instrumentos musicais típicos e de tradição milenária (caixa, bombo, gaita, flauta pastoril, (“tíbia dos romanos”) monotubular só de três buracos, o pandeiro medieval dos jograis, as castanholas e as carraças (vieiras friccionadas) – e os trajos e os adornos de uma dignidade firma a altura de pessoas honestas, de uma certa fidalguia dos lavradores e boieiros bem apetrechados de panos fortes de Inverno e variantes no Verão (linho e lã), e coroados com a solene capa de honras a mais completa, aparatosa e bem confeccionada capa de burel, proveniente, na origem, de um pluvial ou capa de asperges litúrgica possivelmente das terras de Aliste, vizinhos dos mosteiros beneditinos de Távara ou do Cisterciense Santa Maria de Moreruela - a partir do Século XII ou XIII. – Hoje o mais belo e digno espécime de trajo popular português. Os movimentos mundiais de recolha e divulgação das tradições locais e nacionais levaram-me após a celebração do quarto centenário de Miranda, perante uma tão aparatosa, rica e variada riqueza folclórica e etnográfica mirandesa a manter o “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas”, que 90 |

já em 1942 tinha dado uma amostra na “Sociedade de Geografia” de Lisboa, em “Dia dedicado pela Casa de Trás-os-Montes” a Miranda do Douro, e a recolher e manter, em estado nativo, todo o cancioneiro e coreografia popular regionais, com trajos e adornos dos dois sexos, e os Pauliteiros, em um grupo completo nas suas três secções de danças masculinas, mistas com coros e acompanhamento e mistas com acompanhamento sem coro. Durante 50 anos, dirigi este Grupo que passou por 4 continentes com no texto atrás se referiu. A actualização dos conhecimentos bibliográficos e a ânsia do conhecimento das nossas origens e dos passos dos mirandeses nossos antepassados no tempo e na história, dentro e fora do País levam-me a procurar os arquivos de Portugal e Espanha – de cuja vizinhança a língua mirandesa é ainda o mais vivo e já milenário testemunho e actividades afins ou paralelas, - a estudar e divulgar a língua mirandesa, a primeira que comecei a falar pela boca de meus pais, avós e vizinhos de Sendim e povos contíguos, sem o deixar perder, na escola primária em que a aprendizagem do Português e o convívio com gente “fidalga” em nada me prejudicou. Aos 18 anos caíram-me nas mãos “Estudos da Filologia Mirandesa” de Leite de Vasconcelos o que me levou a conhecer a minha primeira língua-mãe escrita e representada em letra redonda para espanto meu. Surgiram logo em meados deste século que agora finda, as petições oficiais dos competentes serviços do Estado e particulares de toda a parte e mesmo de fora que me procuraram e me levaram a integrar os meus trabalhos de estudo e de actualização folclórica nos trabalhos congéneres e realizações de cultura popular / nacional e estrangeiro de todo o mundo, como houve de ser. 42 anos e meio positivos, sem deixar os trabalhos científicos que no dia (12/7/91) do “Prémio Europeu de Arte Popular” / 81, alguém responsável, publica e solenemente lhe chamou “fruto de serviço pastoral numa paróquia”; e eu acrescentaria, também, serviço de “diálogo construtivo e positivo de educação de homens”. Oração liberta de preconceitos plena de fé dedicada ao bem público, cultural e religioso que sempre a informou e definiu com transparência meridiana, expressa numa mensagem de alegria e cultura em riqueza mais expressiva que outra qualquer. A alma crista e alegre de uma juventude que, durante 40 anos, levamos até povos de 4 continentes: Europa, África, América do Norte e Ásia (Macau e Hong Kong). Tenho que reconhecer, nesta humildade rústica, que apenas tenho sido um instrumento útil, da Providência… (apesar de que “digam o que digam!”) … e que esta mesma Providência se encarregou de registar para a posteridade através das mais altas instituições nacionais e locais - a nossa Autarquia – que tudo tem feito por amor a esta Terra, 200 anos abandonada no cabo do mundo – esquecida entre as fragas e os zimbros, e só as barragens com sua ponte vieram tirar do olvido. – Sim! Por amor a esta terra que agora vai a caminho do futuro com mais confiança e consciência do seu ser e da sua imagem cultural, enquadrada numa Pátria que foi grande e eu sempre venerei e amei, com toda a nobreza e dignidade possíveis. Que estas notas parcas e humildes tenham ao menos o mérito de puderem ser observadas pelos que crescem para a vida, e por ela continuem a investigar e estudar a história, a cultura e a língua desta terra que é legitima e inesgotável nos seus parâmetros, e digna de amor a carinho.

“Lmundo yê un Fandango / mas hai que beilá-lo!...”

Danças Mistas no páteo da casa paroquial de Duas Igrejas / in Coreografia Popular Transmontana (1980)

| 91

92 |

Contributo para uma cronologia da vida e obra do Dr. António Maria Mourinho Sérgio Gorjão A presente cronologia, tal como foi dito na apresentação, parcialmente assenta nas informações que nos são dadas na obra Curriculum Vitae (notas curriculares) de António Maria Mourinho (19421995). A metodologia usada é, contudo, diferente da adoptada na referida obra, aqui apresentando-se numa continuidade cronológica sem diferenciações categóricas. Representa, também, uma proposta, ou um contributo, na medida em que não só inclui muitas outras informações que antes ainda não estavam registadas deste modo, como nos permitirá, no futuro proceder a aditamentos 1917 13 / Fevereiro 1917 14 / Fevereiro 1917 3 de Março 1930 Maio 1930 Outubro 1938 6 / Setembro 1938 Setembro? 1940

Nasce em Sendim, concelho de Miranda do Douro, a 13 de Fevereiro de 1917, filho de João da Cruz Mourinho e Ermelinda Rosa Pires. Registado como tendo nascido a 14 de Fevereiro (data oficial referida nos seus documentos). Baptizado na Igreja Paroquial de Sendim.

Crismado pelo Bispo D. António Bento Martins Júnior (38.º Bispo de Miranda e 13.º Bispo de Bragança, 1928-1932). Ingressa no Seminário Diocesano de Vinhais, passando a partir do 4.º ano para o Seminário Maior de São José, em Bragança. Morre seu pai, João da Cruz Mourinho, vitimado pelo peso de um freixo que lhe caiu sobre o abdómen. Redige uma elegia em memória do seu pai, poema ainda inédito, registado num caderno com 16 páginas. Sob orientação do Bispo Diocesano, dinamizou a promoção das Jornadas Catequísticas Juvenis da Zona Agrária, masculina e feminina. 1940 Auxiliou activamente a realização do I Congresso Eucarístico de Miranda do Douro. 1941 e 1942 Participa nas Jornadas Eucarísticas Regionais de Moncorvo e Mirandela. 1941 Morre em Lisboa o Doutor Leite de Vasconcelos, o primeiro filólogo a tratar 17 de Maio a componente da língua mirandesa e pedra basilar nas futuras investigações feitas por Mourinho. 1941 Conclui o curso filosófico e teológico, com distinção, no Seminário Maior de Junho Bragança. 1941 É ordenado presbítero no dia festivo dos fundadores da Igreja, São Pedro e São 29 de Junho Paulo, pelo Bispo D. Abílio Vaz das Neves (40.º Bispo de Miranda e 15.º Bispo de Bragança, 1939-1965). 1941 Celebra Missa Nova, com mais vinte condiscípulos do Seminário de Bragança, 1 de Julho em Fátima, na Capelinha das Aparições; dia da festa do Preciosíssimo Sangue de Jesus. 1941-42 Nomeado prefeito de disciplina da comunidade preparatória e professor de História de Portugal, Apologética e Liturgia no Seminário de Bragança. 1941-42 Compõe a Lenda das “Siête Hermanas”. 1942 Nomeado por D. Abílio Vaz das Neves, como vigário e ecónomo da Paróquia de Nossa Senhora do Monte de Duas Igrejas e de São Cristóvão de Vila Chã da Braceosa, com suas igrejas e capelas anexas (Concelho de Miranda do Douro). 1942 Novembro Estreou-se literariamente, na Sala Portugal da Sociedade de Geografia de Lisboa, com dois poemas em mirandês: “Nossa Alma i Nossa Tiêrra” e “Las Siête Armanas”, num evento dedicado ao Dia de Miranda do Douro, promovida pela Casa de Trás-os-Montes. Os poemas foram editados nas Actas do II Congresso Transmontano realizado em Lisboa. Também, na mesma obra, se editou o texto “Amiyos del Sou Amiyo”. Padre Mourinho discursando frente à casa P.e Francisco Manuel Alves (Abade de Baçal), no centenário do nascimento deste prelado / Museu do Abade de Baçal 1965

| 93

1942 Novembro Pela primeira vez na História, por sua iniciativa, um grupo de mirandeses (homens e mulheres) apresentaram fora do seu rincão natal, na Sociedade de Geografia de Lisboa, em presença de diversas autoridades e de cerca de 3000 pessoas, danças mistas e cantares na língua local. Foi esta a génese do futuro Grupo Folclórico Mirandês (Pauliteiros de Miranda), que à época integrava elementos de Duas Igrejas e Cércio. 1942 Nomeado sócio efectivo do Instituto Português de Arqueologia, História e 15 / Dezembro Etnografia de Lisboa. 1943 Condecorado pelo Presidente da República, General Óscar Carmona, com o grau 31 / Março de Oficial da Ordem Militar de Cristo. Na mesma sessão foi agraciado com o mesmo grau o antigo Presidente da Câmara de Miranda do Douro, Dr. Duarte Figueira. 1943 Em carta dirigida ao Abade de Baçal, a 20 de Abril de 1943, dá conta do estudo Abril que realizava sobre a origem das igrejas do concelho de Miranda (dando também notícia do achado de um “modilhão obsceno” encontrado na igreja de Nossa Senhora do Monte). 1943 Companhia de Teatro Amélia Rey Colaço – Robles Monteiro leva ao palco do Teatro Nacional D. Maria II a peça “Saias”, em mirandês, com encenação de António Montez. 1943 Discursa no Instituto Português de Arqueologia, História e Etnografia de Lisboa, a 15 / Dezembro pedido do Luís Chaves, sobre as “Pinturas Murais - Frescos da Terra de Miranda”, que tinha descoberto em Duas Igrejas (na Igreja da Senhora do Monte), nas Arribas de Picote, em Cércio, em Vila-Chã, em Fonte Aldeia e em outros locais, informação absolutamente inédita e que se relaciona com a história e história da arte de diversos edifícios de origem romano-góticos e manuelina. Disto dá conta numa carta dirigida ao Abade de Baçal datada do dia seguinte. 1943 Publica, no periódico Novidades, o discurso proferido na Casa de Trás-os-Montes 25 / Dezembro quando foi agraciado com o Grau da Ordem Militar de Cristo. 1944 Aprofunda o estudo da língua mirandesa, pedindo ao seu mentor, o Abade de Janeiro Baçal, em carta datada de 11/1/1944, que lhe indicasse o contacto do grande filólogo e historiador espanhol Ramon Menendez Pidal. 1944 Em carta dirigida ao Abade de Baçal, de 11/1/1944, diz: “Tenho mandado ao Janeiro Mensageiro artigos históricos, copiados de documentos inéditos encontrados no Arquivo paroquial de Vila Chã e não os têm publicado. — São sobre os bispos de Miranda até 1750”. 1944 Percorre o território para visitar os castros na região (Aldeia Nova, Picote e (antes de) Maio Calçada), descobre um castro pré-romano, ainda não referenciado à data, em Cércio, nas arribas do Douro, com estruturas bastante conservadas, detalhando a sua observação numa carta dirigida ao Abade de Baçal, datada de 20 de Maio. 1944 Em carta dirigida ao Abade de Baçal, de 20 de Maio, afirma ter sido admitido Maio como Sócio Correspondente do Instituto de Arqueologia, Etnografia e História. 1944 Em carta ao Abade de Baçal, de 7 de Julho de 1944, afirma que “Vou a aprontar 7 / Julho dentro de mês e meio o meu primeiro livro Nossa Alma i Nossa Tierra, versos em mirandês. 1944 Aprofunda o estudo dos templos de evocação mariana da região. Um destes Agosto estudos recaiu sobre a ermida da Senhora do Rosário, de S. Pedro de Silva, por cima das Minas de Mármore de Santo Adrião. 1944 Convidado a preparar uma comunicação para o “Congresso Luso-Espanhol” a Agosto realizar em Córdova de 3 a 10 de Outubro desse ano. Contudo, numa carta dirigida ao Abade de Baçal, de 22 de Agosto, diz: ”Desisti de apresentar qualquer coisa por enquanto a Congressos científicos, de facto não me julgo ainda maduro para emparelhar com mestres”. 1944 Recebe a Visita Pastoral, terminada no dia 1 desse mês. Este acto foi previamente Outubro preparado com o Pe. Aníbal Coelho, da Congregação do Imaculado Coração de Maria e membro da Sociedade de Geografia de Lisboa. Nessa visita foi convidado pelo Bispo D. Abílio e pelo Pe. Aníbal Coelho para fazer uma História do Culto de Nossa Senhora na região e de todo o distrito.

94 |

1944 Outubro

Detecta na Senhora da Luz (por informação do Pe. Aníbal Coelho) restos de fortificações e ruínas, eventualmente com interesse estratégico e militar (provavelmente um castro, uma citânia ou castelo). 1944 No seguimento de investigações realizadas no ano anterior, continua o estudo das Outubro pinturas murais das igrejas da região, descobrindo gradualmente muitas das que estavam cobertas por cal ou por retábulos. Além dos templos já mencionados, faz descobertas de “frescos” na capela de Santo André de Cércio, que está a beira do Douro, em ruínas; na capela do Santo Cristo dos Carrascos, em Picote, e na lapa dos Santos dos Barrocos, que atribui aos freires de São Paulo. 1944 No âmbito das suas investigações em linguística, estudava as palavras de origem árabe e visigótica no vocabulário mirandês. 1944 Publica “Subsídios para um Tratado de Dialectologia Portuguesa” – “O Dialecto Mirandês” - in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa, vol. IV 1944 “Expansão e vitalidade do mirandês”, in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa – vol. IV 1944 “Expansão Literária do Mirandês” - in Revista de Portugal – Série A Língua Portuguesa - Vol. V 1944 “Gramática Mirandesa” – “Fonética”, in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa – Vol. V 1944 “Gramática Mirandesa” – “Fonética”, in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa – Vol. VI 1945 “Antiguidade do Nordeste de Portugal - O Abade de Baçal e a Antiguidade do 18 / Fevereiro Distrito de Bragança”, in periórico Novidades, pág. Letras e Artes, n.º 5 1945 Dá conta, em carta dirigida ao Abade de Baçal, datada de 8 de Fevereiro, que Fevereiro recebeu da parte do sobrinho do Pe. Miranda Lopes, prior de Argozelo, onze volumes das suas memórias Arqueológico-Históricas (provavelmente também o inventário dos livros que este Padre estudioso dispunha na sua biblioteca). Estes volumes, segundo diz: “Estão cheios de anotações à margem, sobre assuntos etnográficos, históricos, filológicos, heráldicos, etc. Tanto mais valiosos são”. Indica ter já realizado um artigo sobre este assunto para o periódico brigantino Mensageiro. 1945 “Há Canções Encadeadas em Trás-os-Montes”, in semanário Acção, n.º 255. 7 / Março 1945 Fundação do Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - Pauliteiros de Miranda 10 / Junho (que acompanhou até 1991). 1945, Colabora na organização das comemorações do IV centenário da elevação de 10 / Julho Miranda do Douro a cidade. Integra a comitiva de recepção ao Ministro do Dia da Cidade Interior. Dá conta, em carta dirigida ao Abade de Baçal no dia seguinte, que “Foi assombroso o espectáculo. Tenho pena que o Sr. Abade não tivesse visto a grandiosidade da vida mirandesa em todos os aspectos, folclórico, cantante e laborante, e até religioso. A nossa terra está em parte por descobrir”. É convidado pelo Dr. Tavares de Almeida para colaborar no Secretariado da Propaganda Nacional. 1945 Esteve na casa do falecido Pe. Miranda Lopes, reitor de Argozelo, consultando Junho / Julho a sua biblioteca. Nela ressalvou a existência de “muita coisa sobre folclore e cancioneiro, além do que publicou”. Dá ainda conta de que os apontamentos históricos desse Padre foram entregues ao Pe. Amado. 1945, Dá conta de ter encontrado na Igreja de Nossa Senhora da Ribeira, em Junho / Julho Quintanilha, um missal gótico de rito bracarense datado de 1512. 1945 São aprovados os estatutos do Movimento Cultural do “Ressurgimento Mirandês”, 1 / Agosto tendo como co-fundadores Mário Simão e o Conselheiro Dr. António Carlos Alves. No artigo 1.º, alínea d) prevê-se a fundação de “um museu em que se recolham e conservem objectos históricos e arqueológicos, de arte e indústrias regionais”. 1945 Em carta dirigida ao Abade de Baçal, datada do dia 1 de Agosto, refere ter Agosto resolvido questão do “Contium” (um dos antigos nomes de Miranda) com a edição de um artigo que reflecte a sua componente histórica e filológica, publicado na Revista de Portugal.

| 95

1945 Agosto

1945 Agosto

1945 Setembro, Outubro 1945 4 / Outubro 1945 1945 1945 1945 1945 1945 1945 1946

1946 4 Outubro 1947 10 / Maio 1947 13 / Novembro 1947 1947 1947 1947 1947 1947-1948

96 |

Começa a preparar uma visita de estudo a Madrid, pedindo ao seu mentor, o Abade de Baçal, uma carta de recomendação para juntar ao requerimento dirigido ao Bispo de Miranda-Bragança e que seria apensa ao pedido de ajuda financeira ao Governo Civil e ao Instituto para a Alta Cultura. A digressão a Madrid contempla a passagem por Zamora e Simancas (para ver se realmente se encontrava algo do Convento de Moreruela). Continua a sua investigação no assunto das evocações marianas de Trás-osMontes, dando seguimento ao convite que lhe havia sido feito no ano anterior. Contudo parece estar com algumas dificuldades em aceder a documentação e bibliografia, revelando não conseguir a colaboração de muitos outros sacerdotes que contactou para o efeito. Regista nos seus estudos sobre a Terra de Miranda Cantigas de Amor medievais e dá conta de outras compiladas na “obra do Pe. Firmino”, tendo enviado um artigo sobre o assunto para a Revista “Ocidente”. “O Ineditismo de um Grande Cortejo Folclórico”, in Mensário das Casas do Povo. Nomeado Secretário das Conferências Arciprestais, função que desempenhou até 1954. “Origens do Mirandês”, in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa, Vol. VI “Origens do Mirandês” in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa, Vol. VII “Donde provém o nome de “Miranda do Douro?...” in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa, Vol. VII “Origens do Mirandês – Dominação Romana”, in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa, Vol. IX “Santa Maria e a Nossa Terra - Subsídios para o Culto de Nossa Senhora em Portugal” - in Revista Ocidente, n.º 100 Encontra-se redigido o corpo principal da obra Nossa Alma i Nossa Tierra, editada apenas em 1961 O Bispo D. Abílio Vaz das Neves redige uma carta (impressa) afirmando ter tido o “prazer de assistir à leitura, numa Sessão de Estudo das Festas do IV Centenário da Criação da diocese de Bragança e Miranda, da Tese” do Pe. Mourinho, sobre “Santa Maria e a Nossa Terra”, comunicação escutada por todos com muita satisfação e que esse trabalho pudesse despertar o interesse de outros. “O ineditismo de um grande cortejo folclórico” in Mensário das Casas do Povo Sócio efectivo da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, anexa à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto Morre o Pe. Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal, mentor pastoral e cultural do Pe. António Maria Mourinho. “Origens do Mirandês - Outros Elementos Pré-romanos”, in Revista de Portugal, Série A Língua Portuguesa, vol. XI “O Culto dos Mortos no Nordeste Português”, in Revista Ocidente, n.º 112 “Natal em Terras de Miranda” - “Texto Fiel da Embaixada”, Mensário das Casas do Povo, n.º 17 Participou com os Pauliteiros no Coliseu do Porto, com outros três grupos representando os distritos de Viana do Castelo, Braga, Vila Real e Bragança, onde obteve o seu primeiro primeiro prémio. Colaborou no filme de Armando Miranda “Aqui, Portugal” (célebre autor de “Capas Negras”, “Trás-os-Montes”, etc.). “Oberammergau em Portugal” - Notas sobre o Teatro Tradicional Popular Mensário das Casas do Povo, n.ºs 12, 13 e 14

1948

Ensaiou e organizou a representação do “Auto da Mui Dolorosa Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo”, pelo texto reintegrado e popularizado do Padre Francisco Vaz de Guimarães, do século XVI, a que assistiram mais de 22.000 pessoas.

1948

Foi a Angola, a assistir às comemorações do tricentenário. Palestrou em Luanda, Caxito, Malange, Benguela, Lobito, Cubal e Nova Lisboa, tendo sido classificado pela imprensa angolana do tempo como “Embaixada da Saudade”.

1949

1951 1953

1953 1953 4 / Setembro 1955 1956 17 / Janeiro 1956 14 / Agosto 1956 1956 1956 1956 1957 1957 1957 1958 1958 1958 1959 7 / Julho 1959

1959 1959 1959

A convite da FNAT foi convidado, com outros sete grupos folclóricos de Portugal, a participar no “II Concurso Internacional de Cancionesn y Danzas Populares” em Madrid. Foi distinguido com o primeiro prémio pelo Júri internacional, em danças masculinas, o terceiro prémio em danças mistas sem coros, e o quinto prémio em danças mistas com coro e acompanhamento entre 230 grupos de 19 nações. “Vida e Arte do Povo Mirandês” - Mensário das Casas do Povo, págs. 14 e 15, nº. 7 Voltou a Madrid ao VII Concurso Internacional de “Danzas y Canciones Populares”, por ocasião da “Féria Internacional del Campo” e, entre 70 grupos de 10 nações, foi galardoado com os três primeiros prémios nas três secções de danças de que é composto. Publica “O Galandum - Coreografia Popular Transmontana”, parceria com o Prof. Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior e o Maestro Afonso Valentim; in Boletim do Douro Litoral, Porto, n.º VII – VIII Publica no periódico Mensageiro de Bragança, um artigo sobre o Folclore, reeditado na edição do Cancioneiro Tradicional … (1984). “Malha do Cereal na Cardanha e Coro dos malhadores”, parceria com o Prof. Joaquim Rodrigues dos Santos Júnior e o Maestro Afonso Valentim, in Boletim do Douro Litoral, N.º VII-VIII, 6ª Série, Porto. Sócio correspondente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (Lisboa). Membro correspondente da Associacion Española da Etnologia y Folklore de Madrid, Espanha. Publica “Teatro Rural em Trás-os-Montes” - in Revista “Ocidente”, Lisboa, Vol. II “HOSSANÀPIO “ - in Revista “Ocidente”, Lisboa, Vol. LI, n.º 221 Participou Pauliteiros de Miranda no “ I Congresso Nacional de Etnologia e Folclore”, em Braga, com três comunicações: “O Teatro Rural em Trás-osMontes”, “Hossanápio!...” e “Pauliteiros de Miranda”. Pauliteiros de Miranda a Gigon, Astúrias, onde recebeu os maiores aplausos, nunca experimentados em delírio por uma multidão de mais de 100.000 pessoas. “A Dança dos Paulitos”, in Revista “Ocidente”, Vol. LIII, Lisboa. “O Pingacho”, “Coreografia Popular Transmontana” de colaboração com o Prof. J. R. Santos e Bento Bessa, in Revista do Douro Litoral, Porto Participou no Algarve, em Loulé, nas comemorações do meio século do Carnaval de Loulé. Neste mesmo ano voltou a Madrid, em Maio, às Festas de San Isidro, com grupos de Espanha, Bélgica, França e Itália. Participou no “Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos”, no Porto, onde apresentou “Variedades Subdialectais do Mirandês”. Participou em Madrid, no XIV Congresso Luso-espanhol para o progresso das Ciências, com uma comunicação sobre “Arqueologia Proto-histórica Mirandesa”. Pauliteiros de Miranda seleccionado nos festivais regional e nacional de Porto e Lisboa, ficando a fazer parte dos oito grupos representativos das províncias metropolitanas do folclore Português. Redige a introdução à obra Nossa Alma i Nossa Tierra, relembrando o aniversário de nascimento de Leite de Vasconcelos (Ucanha, 7 de Julho de 1858). S.S. o Papa Pio XII, em discurso apresentado no Congresso Internacional de Folclore de Nice, faz a apologia de que “…o folclore reflecte a alma funda das gerações…”. Esta nota torna-se importante para sublinha a importância do seu ministério pastoral e cultural em Terras de Miranda. Reposta a peça “Saias”, em mirandês, no Teatro Nacional D. Maria II (já havia sido estreada em 1943). A abertura é presidida pelo Dr. Mourinho, que proferiu, na ocasião, um discurso nesse teatro. Colabora no filme de Filipe Solms “Rapsódia Portuguesa”. “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - (Pauliteiros de Miranda)”– Revista da Faculdade de Letras de Lisboa.

| 97

1959

1959

1959 1959 1959 - 1964 1960

1960

1960 1960

Participou no “Festival Luso-Hispano-Americano de Folclore”, em Cáceres, promovido pelo Instituo de Cultura Hispânica, premiado com medalha de Bronze, entre grupos de Espanha, Brasil, Uruguai, Paraguai, Colômbia, Venezuela, Panamá e México. Pauliteuros de Miranda Participou “IX Congresso Internacional de Linguística Românica” em Lisboa, com danças e cantares de texto dialectal mirandês, português e castelhano, que a Faculdade de Letras de Lisboa então imprimiu, com o título “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas”, Lisboa. Participou em Braga no “Congresso Histórico de Portugal Medievo”, com o tema “Documentos Medievais Portugueses existentes em arqueiros de Espanha”. Em Lisboa, participou no IX Congresso Internacional de Linguística Românica, de colaboração com o Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas que executou canções e danças com letras em mirandês, português e castelhano. Colige a documentação estudada e apresentada na obra Fundação do castelo de Algoso…, editado em 1974 Participou em Lisboa “Congresso Internacional dos Descobrimentos”, com dois temas: “O Infante D. Henrique as Canárias, segundo manuscritos da biblioteca Nacional de Madrid”; e “Missões Portuguesas no Tonkim nos fins do século XVII e princípios do século XVII, conforme documentos da biblioteca Nacional de Madrid”. Encontrou documentos régios, eclesiásticos e particulares no Arquivo Histórico Nacional de Madrid, sobre relações medievais do Nordeste Português com Leão, nos séculos XII, XIII e XIV. Neste ano de 1960, teve uma Bolsa de Estudos do Consejo Superior de Investigaciones Cientificas de Espanha para prosseguir as investigações acima referidas como o prova esta carta Embaixador de Espanha em Lisboa, então D. José Ibañez- Martín. Publica no simultaneamente no Porto e Madrid “Diversidades Subdialectais do Mirandês”, nas Actas do Colóquio de Estudos Etnográficos Doutor Leite de Vasconcelos. Publica “Diversidades Sub-dialectais do Mirandês” - Colóquio de Estudos Etnográficos Dr. José Leite de Vasconcelos, in Actas Vol. III. Inauguração da Capela de santo Isidro Lavrador.

1961 21 / Novembro 1961 Na Biblioteca Nacional de Madrid, encontrou no Tombo do Mosteiro Beneditino de San Martín de Castañeda em Sanabria, várias escrituras de doações de bens de gente Portuguesa de Terras de Miranda e de Bragança àquele Mosteiro, no século XIII. 1961 Feira Regional de Amostras e Dia de Portugal, em Salamanca. 1961 Publica a obra Nossa Alma i Nossa Tierra, Lisboa, Imprensa Nacional (lançada a público no ano seguinte). 1962 Participa na inauguração do Carnaval do Estoril. 1962 Continuou as pesquisas no Arquivo Histórico Nacional de Madrid e encontrou 8 / Maio documentação sobre a explosão que causou a destruição do castelo e de parte da cidade de Miranda, o momento decisivo que contribuiu para o declínio do burgo. Encontrou também documentação sobre a campanha de Trás-os-Montes e Beiras, e a invasão pelos exércitos espanhóis de Carlos III, até a paz de 1763. 1962 No dia da inauguração da Barragem de Miranda, lança-se a público a obra Nossa 10 / Julho Alma i Nossa Tierra (Lisboa, Imprensa Nacional, 1961), “o primeiro livro escrito em língua mirandesa que no meado do século XX, fixa o idioma ortograficamente, segundo as regras de Leite de Vasconcelos”. 1962-1968 Ensinou Religião e Moral, Português e História no Externato Liceal de São José em de Miranda do Douro. 1963 Tomou parte no II Congresso Internacional de Etnografia e Folclore de Santo Tirso, com uma comunicação sobre “Musica Popular Mirandesa” e outra sobre “Conto Popular Mirandês”. 1963

98 |

Participa com os Pauliteiros de Miranda no Festival Nacional de Folclore, por ocasião II Congresso Internacional de Etnografia e Folclore de Santo Tirso, naquela Vila.

1963 1963 1963 22 / Junho 1963 -1965

1963 -1967 1963 -1967 1964 22 / Agosto 1964 31 / Maio

1964 1964 1964

1964 1965 9 / Abril 1965 15 / Setembro 1966 25 / Fevereiro 1966 1966

“Diversidades Sub-dialectais do Mirandês” - Madrid, 14 páginas. “Apontamento sobre o Conto Popular Mirandês” - in Actas do Congresso Internacional de Etnografia, de Santo Tirso, 1963, VI vol. Na inauguração da Ponte da Arrábida, no Porto, foi louvado pessoalmente pelo Chefe de Estado, Almirante Américo Tomás, na presença do Núncio Apostólico, Cardeal-Príncipe D. Maximiliano de Furstenberg. Executaram-se os ante-projectos e projectos de arquitectura para adaptação da Domus Minicipalis a Museu e Biblioteca sendo os mesmos apresentados ao Director-geral dos Serviços de Urbanização (Direcção dos Serviços de Melhoramentos Urbanos do Ministério da Obras Públicas). Participa com os Pauliteiros de Miranda no Festival Internacional de Folclore do Estoril, sempre aclamados e com referências na imprensa estrangeira. Participa com os Pauliteiros de Miranda nos Festivais Internacionais de Folclore, no Estoril nos quais, onde foram amplamente aplaudidos e obtiveram diversas referências da imprensa nacional e estrangeira. “O Distrito de Bragança nos Domínios da Etnografia e do Folclore”, publicado no periódico Mensageiro de Bragança, número especial, comemorativo do V Centenário da cidade de Bragança. Redige o poema/oração SENHORA MADRINHA (Recordação das preces do povo de Duas Igrejas à sua Madrinha e Padroeira Nossa Senhora do Monte, na Estiagem do mês de Maio de 1964 e se ser favor em ouvi-la, por um seu afilhado muito humilde e devoto), edição dactilografada, datada de Duas Igrejas 31/5/1964 [editado nesta obra]. Esteve me Bilbau, no “XXVII Congresso Luso-espanhol para o Progresso das Ciências”, com uma comunicação sobre “O Dialecto Mirandês e as suas fontes históricas”. Na Póvoa de Varzim, participou no “Colóquio de Estudos Etnográficos - Rocha Peixoto”, com texto sobre “Apodos Tópicos Transmontanos”. No Arquivo da Catedral Encontra de Leão encontra documentação relativa a Portugal, nomeadamente duas cartas de D. Afonso II para o Rei de Leão, celebrando relações de paz. No Arquivo Histórico Nacional de Madrid encontra os testamentos de S. Rosendo, sua mãe D. Aldara e seu cunhado D. Diego Ximenez (século X) onde se arrolam diversos bens que possuíam em Mogadouro, Vila Peso. Faz ainda pesquisas em Simancas, relativos à Guerra dos Sete Anos (Correspondência do Marquês de Sarriá), e no Arquivo de Compostela. Publica “Documentos Medievais existentes em alguns arquivos de Espanha”, Revista Bracara Augusta. “Os Cem Anos do Abade de Baçal”, comunicação proferida à porta da casa desse prelado, em Baçal (Bragança), por ocasião das comemorações do centenário do seu nascimento. Publica o discurso no periódico Mensageiro de Bragança, de 15/04/1965. “Carta para o Além…ao P. Firmino Martins”, in Mensageiro de Bragança.

“O P. Firmino Martins - Etnógrafo e Folclorista” in Mensário das Casas do Povo. Voltou com o Grupo de Pauliteiros a Gijon, Astúrias. “A Guerra dos Sete Anos ou Guerra do Mirandum” - Separata do vol. V, da Revista ETHNOS, Lisboa. 1967 “A Espiritualidade Cristã de um Grande Homem – o Abade de Baçal”, in 13 / Novembro Mensageiro de Bragança. 1968 Bênção da Capela de Santo Isidro Lavrador. 19 / Novembro Na sua actividade de administrador paroquial conservou e restaurou os 21 templos que lhe estavam afectos no aro das Paróquias de Duas Igrejas e Vila Chã da Braceosa. 1968

Esteve no Porto, no “Congresso Internacional de Estudos Medievais”, com uma comunicação “A personalidade de Mendo Bofino e o Couto do Porto dado por Dona Teresa ao Bispo Hugo, e, 1120”.

| 99

1968 -1971

1969 1969 1969 1969 1970 1970

1970 1970 -1975 1971 7 / Janeiro 1971

1971 -1975 1972 -1975 1972 1972 1973

Leccionou Religião e Moral, Educação Musical e Actividades Culturais na Escola Preparatória D. João III, em Miranda do Douro, tendo criado nesta escola o Grupo Folclórico Infantil Mirandês, com seus elementos completos, danças, cantares, trajos e adornos. “Perfil do Abade de Baçal”, in A Voz do Nordeste Transmontano. “Contribuição para o Rimanceiro Mirandês”, em “Boletim de Antropologia e Etnologia”, Faculdade de Ciências do Porto, Fascículos I-4, vol. XXXI. Publica “A Guerra Fantástica de 1762”. Em Évora, na Feira de São João, participou com os Pauliteiros de Miranda nos Festivais de Folclore da cidade. Participou “XXIX Congresso Luso-espanhol para o progresso das Ciências”, em Lisboa. Tema: O “escrinho” - cesto transmontano de técnica egípcia, remontante ao Fayum A – de 5 000 antes de Cristo.” Encontra no Arquivo de Simancas, diversos documentos sobre a Guerra dos Sete Anos (campanha de Trás-os-Montes e a ocupação de Chaves). Recolhe documentação sobre a tomada de Almeida e a invasão da Beira-Alta, sobre a acção das tropas Francesas e o comando do General Conde de Aranda. Estas investigações nos arquivos espanhóis Espanha, foram feitas também sob o patrocínio do Instituto da Alta Cultura. Publica “Guerra dos Sete Anos” III, “Invasão de Portugal, Campanha das Beiras, de Penamacor a Vila Velha de Ródão, na Correspondência do Conde de Aranda existente no Arquivo General de Simancas”. Frequentou a Universidade do Porto, onde se licenciou em História com 16 valores. Morre a sua mãe Ermelinda Rosa Pires, deixando um enorme vazio nas suas relações afectivas. A Guerra dos Sete Anos – IV [a) Preparação da Invasão, até a catástrofe de Miranda do Douro; b) Termo da Campanha das Beiras e suspensão das hostilidades; c) Prisioneiros de Guerra, segundo a correspondência oficial existente no Arquivo Geral de Simancas], Espanha. Leccionou Religião e Moral, Educação Musical e Actividades Culturais, no Liceu Nacional de Bragança, em Miranda do Douro, onde criou o Grupo de Danças Regionais Mirandesas. Foi vice-reitor do Liceu Nacional de Bragança, em Miranda do Douro. “O ABRIGO RUPESTRE DE SOLHAPA;EM DUAS IGREJAS, MIRANDA DO DOURO”; Separata de O Arqueólogo Português, Série III, vol. VI “Ara a Júpiter Depulsori, dedicada por um veterano da Legio VII Gemina”, Revista da Faculdade de Letras do Porto, Série História vol. III Participou com os Pauliteiros de Miranda em Múrcia no IV Festival de Folclore do Mediterrâneo em Murcia (Espanha), com grupos deste país da Áustria, Dinamarca, França, Jugoslávia e Ucrânia. Sofreu dois enfartos do miocárdio.

1973 Novembro e Dezembro 1974 Acusado (impropriamente) de “fascista”, por um pequeno grupo de instigadores Póst-Revolução de uma célula comunista da época. Este evento deixou-o profundamente marcado. 1974 Participou com os Pauliteiros de Miranda em festivais na Alemanha e participa em Outubro Dortmund, em um festival para emigrantes, no Westfallen-Hallen, com grupos congéneres da Alemanha, Coreia do Sul, Espanha, Grécia, Jugoslávia e Turquia. 1974 Em dois abrigos da serra de Mogadouro, na Fraga da Letra, detectou um importante sítio arqueológico com pinturas rupestres. 1974 Publica o opúsculo Fundação do Castelo de Algoso - Quem era D. Bofino, Testemunha e Confirmante da Doação do Burgo do Porto, por D. Teresa, em 1120”, ed. autor, Bragança. 1974 / 1975 Colaborou no filme de grande metragem de António Reis e Margarida Cordeiro “Trás-os-Montes”.

100 |

1975

1975 1975

Recebeu da Direcção Geral do Património Cultural uma bolsa de estudo para prosseguir investigações na área da arqueologia. Identificou as estações arqueológicas do o “Abrigo Rupestre da Solhapa”, com cinco painéis de insculturas (classificado como Imóvel de interesse público); a estação LusoRomana de Saldanha (Mogadouro); a estação luso-romana de Atenor (Miranda do Douro); e outra em Sanhoane (Concelho de Mogadouro). Identificou na região mais de meia centena de inscrições funerárias e votivas luso-ronanas. Preparou também a gravação de um disco LP, para a Editora Arnaldo Trindade, do Porto, com 17 danças e canções tradicionais mirandesas Participou no Seminário sobre “Conservação do Património Cultural”, no Museu Alberto Sampaio em Guimarães dirigido e orientado pelo Professor sueco Dr. Per-Uno Agren.

1975 Dezembro

José Henrique Guerra Presidente da Comissão Administrativa Municipal, solicita ao Governo uma reunião para definir questões ligadas ao centro histórico da Cidade de Miranda, sendo um dos pontos centrais a questão da reinstalação do Liceu (que funcionava no edifício da Domus Municipalis) e a adaptação deste imóvel a “Biblioteca e Museu”.

1975 -1976

Frequentou, em Bragança, na Escola Preparatória de Augusto Moreno, o Estágio para Professor Efectivo do Ensino Básico, concluindo com nota de 14,7. Este facto e o não ter descurado a assistência às suas paróquias valeu-lhe um louvor de D. Manuel de Jesus Pereira (então Bispo diocesano).

1976 30 / Janeiro

Deslocou-se a Miranda o então Secretário de Estado e o Arq. Octávio Lixa Felgueiras, da Junta nacional de Educação, para tratar da questão da instalação do Museu.

1976 26 / Julho

Emitido o despacho ministerial favorável á obra de adaptação da Domus Municipalis a museu.

1976

No Colóquio de Arqueologia no Noroeste Peninsular, organizado para comemorando o centenário da morte de F. Martins Sarmento, na Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães, proferiu a comunicação “Roma, na Terra de Miranda”.

1976

Participa no “Congresso de Línguas Pré-Latinas Peninsulares”, na Faculdade de Letras de Lisboa, com a comunicação “Nomes pré-romanos, na epigrafia latina do Nordeste peninsular”.

1976

Os Pauliteiros de Miranda são convidados a participar, com grupos de todo o mundo, nas comemorações do Bicentenário da Independência dos Estados Unidos da América, onde estiveram 28 dias. Estiveram em Washington, Filadélfia, New Bedford, New Yorque, Illinóis (Springfield e Jacksonville) e Fall River, onde encerram as comemorações da inauguração da Câmara Municipal desta cidade com um festival ao ar livre assistida por diversos milhares de pessoas. Foram saudados com relevo por toda a Imprensa Americana.

1976

Publica “Dança, na Antiguidade e na Idade Média”, in Revista de Dialectologia y Tradiciones Populares, Madrid, Tomo XXXII, quadernos 1.º, 2.º, 3.º e 4.º.

1976 -1977

Leccionou, como professor provisório com estágio equivalente a exame de Estado na Escola Preparatória de Avelar Brotero em Odivelas – Loures, desde Outubro a fim de Janeiro de 1977, altura em que regressou a Miranda, equiparado a Bolseiro do Estado, para prosseguir investigações em arqueologia, história e antropologia.

1977

Participa no I Congresso Internacional para a Investigação do Património e sua Defesa, em Alcobaça, no XVIII Centenário da Fundação do Mosteiro, com duas comunicações: “Ponte Romana, na Torre de Dona Chama” e “Património Cultural do Nordeste Transmontano, seu estado actual e alguns problemas”.

| 101

1977

A convite dos centros de Turismo português da Alemanha Federal, da Suíça e de Viena de Áustria, prepara o mesmo Grupo, para se deslocar àqueles países, que não pode acompanhar pessoalmente, por motivo de um acidente de viação, quando seguia para Bragança, buscar os passaportes dos componente, que o deixou em prego de vida.

1977

Tem recolhidas praticamente todas as danças tradicionais da região mirandesa e do Nordeste de Trás-os-Montes. Actuou para a Televisão Americana a cores, em transmissão directa, através de Telstar, para as respectivas redes de televisão dos Estados Unidos e do Canadá, desde o Castelo de S. Jorge em Lisboa. Colaborou no filme para a RTP “Festa da Primavera” rodado na Festa das Flores, em Duas Igrejas. “Árula Romana a Júpiter Conservator”, - (Lagoaça – Freixo de Espada à Cinta ) – Separata de “Trabalhos de Antropologia e Etnografia Fasc. I do Vol. XXIII, 1977, págs.179-176” Recebeu uma bolsa de estudo da Direcção Geral do Património Cultural, dedicando-se, desta feita, a investigações de natureza sócio-antropológica: “A sobrevivência de comunitarismo agro-pastoril” e “Sobrevivência de trabalhos manuais em ferro forjado”. Recebeu uma bolsa de estudo do Estado Português, continuando diversos estudos sobre o “Ferro Forjado, o Comunitarismo Agro-Pastoril, O Cancioneiro Tradicional, O Conto e a Lenda Tradicional Mirandeses, O Teatro Rural…”. Prestou colaboração à realização da grande metragem “Guerra do Mirandum”, de Fernando Matos da Silva. Prestou colaboração ao filme “Festa da Primavera - O Povo e a Música”, realizado pela RTP, secção do Porto. Prestou orientação cientifica a alunos das universidades do Porto, Coimbra e Lisboa, sobre História, Etnografia, Folclore, Música, História das Religiões, História dos Judeus, relativos ao Nordeste português. Prestou orientação sobre artesanato mirandês, a estagiários de Trabalhos Oficinais da Escola Augusto Moreno, de Bragança, e sobre a Carta Arqueológica de Miranda do Douro. “Ponte Romana sobre o rio Tuela, em Torre de Dona Chama e Restos da antiga Calçada e talvez de uma “Mansio?”, in Actas do Congresso Internacional para a Investigação e Defesa do Património - 8.º Centenário da Fundação do Mosteiro Cisterciense de Alcobaça. “Ponte Romana, sobre o rio Tuela, na Torre de Dona Chama” - Separata do Boletim de Trabalhos de Antropologia e Etnografia da Universidade do Porto. “Património Cultural e seu estado actual e alguns problemas”. In Actas do Congresso Internacional sobre Património e do VII Centenário de Alcobaça/78. Participou no filme de pequena metragem “Querida Júlia”, para a RTP do Porto, integrado num concurso Internacional a realizar na Irlanda, onde foi classificado em 3.º lugar. Participou com os Pauliteiros de Miranda no festival comemorativo da fundação XIX centenário da Fundação do Município romano de AQUAE-FLAVIAE - Chaves. Participou com os Pauliteiros de Miranda nas Festas da Rainha Santa em Coimbra. Participou com os Pauliteiros de Miranda nas Festas de S. Pedro de Zamora. Participou com os Pauliteiros de Miranda no Festival Nacional de Folclore de Gouveia. Participou com os Pauliteiros de Miranda na Semana de Trás-os-Montes do Estoril. Morrem-lhe os dois únicos irmãos num intervalo de 15 dias.

1977 1977 1977

1978 20 / Janeiro 1978 1978 1978 1978 1978

1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 1978 Setembro e Outubro 1978 Novembro

102 |

Participou com os Pauliteiros de Miranda, em Paris, num grande Festival para emigrantes portugueses, no “Teatro Impire”.

1978 Dezembro 1979 Março 1979 11 / Abril 1979 Maio 1979 Setembro 1979 Setembro 1979

Participa com os Pauliteiros de Miranda, na cidade de Leon, nas Jornadas Turísticas do Norte de Portugal. Participa com os Pauliteiros de Miranda nas Jornadas Turísticas Portugresas de Madrid. Foi condecorado pelo Secretário Nacional do Turismo do Governo Português, com a Medalha de Mérito Turístico Grau Prata. Participa com os Pauliteiros de Miranda no Festival Internacional das Festas das Cruzes em Barcelos. Participa com os Pauliteiros no Festival Internacional de Folclore de São Martinho do Campo. Participa com os Pauliteiros de Miranda no IV Festival Nacional de Folclore do Algarve. Publica Scôba Florida ã Agosto - Liênda de Nôssa Senhora del Monte de Dúes Eigreijas, Bragança 1980 Participa com os Pauliteiros de Miranda em Bembibre–Leon nas festas em honra Junho de Santo António. 1980 Participa com os Pauliteiros de Miranda na semana VINORDE/80, no Casino do Julho Estoril. 1980 Participa com os Pauliteiros de Miranda no IV Festival Nacional de Folclore do Setembro Algarve. 1980 “Coreografia Popular Transmontana”- de colaboração com o Prof. Doutor J. R. Santos Júnior – Porto – Separata extracto do fasc. IV do vol. XXIII dos Trabalhos de Antropologia e Etnologia. Capa desenhada pelo Pintor Camarinha. 1980 “Roma, na Terra de Miranda”- Separata das Actas do Seminário de Arqueologia do Nordeste Peninsular, no Centenário da morte de Martins Sarmento, Guimarães 1981 Dr.ª Maria da Graça Beça Sanches da Gama é signatária de um Plano de 8 / Janeiro Conservação Integrada de Miranda do Douro, no qual pugna pela conservação do edifico designa do por “casão” e pela sua transformação em museu, prolongando o exíguo espaço da Domus Municipalis, destinada a esse fim. 1981 Foi galardoado pela Fundação Alfred Toepfer Stiftung F.V.S. de Hamburgo, com 12 / Janeiro o PRÉMIO EUROPEU DE ARTE POPULAR / 1981 1981 Participa com os Pauliteiros de Miranda no festival promovido pelo Instituto Março Nacional de Estatística e RTP no Teatro Maria Matos. 1981 Participa com os Pauliteiros de Miranda no IX Congresso Internacional de História Abril da Educação Física e dos Desportos - Fundação Calouste Gulbenkian. 1981 “O Museu Mirandês ou Museu da Terra de Miranda - (Razões da sua existência e Janeiro / Março do seu futuro)”. in Brigantia – Reviata Cultural, Vol. III. 1981 “A poesia popular mirandesa, cantada ou falau na linguagem quotidiana”, in Abril / Junho Brigantia – Reviata Cultural, vol. I. 1981 Recebe a embaixada alemã, em Duas Igrejas, o júri europeu do concurso e 12 / Julho elementos da Fundação Alfred Toepfer Stiftung F.V.S. de Hamburgo, o PRÉMIO EUROPEU DE ARTE POPULAR / 1981. Entre a comitiva encontrava-se o Cônsul Geral Alemão na cidade do Porto, os Secretários de Estado da Cultura, Dr. Brás Teixeira e o seu Delegado no Porto, a Secretária de Estado dos Estrangeiros e das Comunidades Portuguesas, Dr.ª Manuela Aguiar, o Governador Civil de Bragança, o Bispo de Miranda e Bragança, o Presidente e Vereação da Câmara Municipal de Miranda do Douro e diversos presidentes das Câmaras Municipais do Distrito e outras autoridades militares e judiciais e muito povo. 1981 Europa-Preis Fur Volkskunst 1981, Stiftung F.V.S.; Hamburgo, 1981 1981 Foi enviado pela Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas a Toronto (Canadá), onde proferiu conferências sobre Património Tradicional e ensaiou um Grupo Folclórico de Pauliteiros de Miranda, no Clube Transmontano daquela cidade. 1982 Eleito académico correspondente da Academia Portuguesa de História 19 / Março (Lisboa).

| 103

1982 23 / Abril 1982 18 / Maio 1982 18 / Maio 1982 31 / Maio 1982 Agosto 1983 1982 1984 1983 22 / Abril 1983 10 / Junho 13 / Junho

1983 1983 1983 1983

Publicado o Decreto-Lei N.º 136/82, de 23 de Abril, a instituição do Museu da Terra de Miranda, sob a tutela da Secretaria de Estado da Cultura. Dia Internacional dos Museus – Inauguração oficial do Museu da terra de Miranda, estado presentes no acto o então Secretário de Estado da Cultura, Dr. Borges de Pinho e a Directora do IPPC, Dr.ª Natália Correia Guedes. Apresentação da Capa de Honras inaugural do Museu da Terra de Miranda, executada pelo Mestre-artesão Aureliano António Ribeiro Nomeação como Director do Museu da Terra de Miranda, por despacho da Secretaria de Estado da Cultura. “Museu da Terra de Miranda” – in Boletim Municipal n.º 2, Câmara Municipal de Miranda do Douro. Edição do opúsculo “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - PRÉMIO EUROPEU DE ARTE POPULAR/81– Duas Igrejas” A convite da Associacion dos amigos del Barro (de que é sócio fundador), participou nos Encontros de Cerâmica Popular em 1982, no Mosteiro Beneditino de Silos-Burgos. A convite da Associacion dos amigos del Barro, participou nos Encontros de Cerâmica Popular em Aranjuez. Profere a comunicação e edita o respectivo texto: “A invasão de Trás-osMontes na Guerra dos Sete Anos -1762 - pelos Exércitos Borbónicos, através da correspondência oficial dos Comandantes-Chefes Generais Marquês de Sarriá e Conde de Aranda, existente no Arquivo geral de Simancas”. Esteve em Macau, com o Grupo de pauliteiros de Miranda, convidado pelo Gabinete de Macau em Lisboa, sob a direcção do subscritor, na comemoração do “Dia de Camões de Portugal e das Comunidades Portuguesas”, onde foi recebido pelas autoridades e pela população. Proferiu comunicações no Cine Teatro de Macau, no Jardim da Gruta de Camões e no Largo da Igreja de Santo António precisamente em 13 de Junho. Viagem de avião, Lisboa – Londres - Hong Kong – Macau e regresso. A convite da Associacion dos amigos del Barro, participou nos Encontros de Cerâmica Popular, no Real Mosteiro Escurial. Edição do opúsculo “Grupo Folclórico Mirandês de Duas Igrejas - PRÉMIO EUROPEU DE ARTE POPULAR/81– Duas Igrejas” 2.º edição do opúculo Scôba Florida ã Agosto - Liênda de Nôssa Senhora del Monte de Dúes Eigreijas, Bragança (1.ª ed. em 1979) Apoia os estudos do Dr. José Gonçalo Herculano de Carvalho, do que resultou a edição do trabalho científico Fonologia Mirandesa, Imprensa da Universidade de Coimbra. Pede em casamento a Maria de Lurdes Reis (Maria de Lurdes Isabel Matias, nome de baptismo). Contrai casamento civil com Maria de Lurdes Reis.

1984 24 / Janeiro 1984 11 / Fevereiro 1984 Cancioneiro Tradicional e Danças Populares Mirandesas, 1.º vol., Bragança Março 1984 A convite da Associacion dos amigos del Barro, participou nos Encontros de Cerâmica Popular em Aranjuez. 1984 “Guerra dos Sete Anos ou Guerra do Mirandum” – 2.ª edição e fac-simile do relatório do Marquês de Sarriá, sobra a destruição da Praça de Miranda do Douro. Deste livro fez-se o Guião para o filme “A Guerra do Mirandum”. 1984 Edita o opúsculo Nossa Senhora do Naso – Rainha dos Mirandeses, Bragança, ed. Autor. 1984 Deu lições de Folclore Mirandês em Ciudad Rodrigo, na grande comemoração “Charrada”, com diversos grupos da região “Charra”. 1984 Participou em vários Festivais Nacionais de Folclore do Algarve antes e depois desta data. 1984 -1985 Frequentou um curso intensivo de Museologia, na Universidade de Valhadolid (Espanha). Fez aperfeiçoamento do conhecimento e investigação sobre Arqueologia e Cultura Romana: (epigrafia latina, terra sigillata e paleocristianismo).

104 |

1985 Julho 1985 Janeiro / Março 1985 Abril/Dezembro

“Vida e Obra do Abade de Baçal” - Separata do Boletim dos Amigos de Bragança, XXX ano, Vol. 25, VII Série, n.ºs 9-10, “Um apontamento de vida rural para a História Económica Moderna”, in Brigantia – Revista de Cultura, Separata vol. VI – n.º 1 “O Abade de Baçal o Arqueólogo – O Homem e o seu Espírito Crítico de Mestre Consumado”; in Brigantia – Revista de Cultura, vol. V n.ºs 2, 3 e 4.

“O Abade de Baçal - O Arqueólogo - O Homem e o seu espírito e crítico do mestre consumado”, in Brigantia Revista de Cultura. 1985 Com intuito de celebrar os 120 anos do nascimento do Abade de Baçal, prepara a compilação das cartas que trocou com este prelado, editadas a título póstumo em 2005 com o título: Cartas Inéditas do Abade de Baçal para o Padre António Maria Mourinho – 1941-1947 (Introdução e Notas do Destinatário). 1985 “Bio-bibliografia do Abade de Baçal, evocando os 120 anos do nascimento”; in “Trabalhos de Etnologia e Arqueologia e Antropologia da Universidade do Porto” Revista da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, fasc. 1, vol. 25. 1986 Catálogo da Exposição de Trabalhos em Madeira, de Domingos Nobre, de Sendim, Maio Comemorativo do “Dia Internacional dos Museus”. 1986 “O Grande Mestre Leite de Vasconcelos e o Mirandês”, in Mensageiro de 26 / Setembro Bragança. 1986 “O Mirandês cultivado, desde o principio do século XX”, in Mensageiro de 10 / Outubro Bragança. 1986 “A Cultura Histórica e Literária do Mirandês”, in Mensageiro de Bragança. 17 / Outubro 1986 “A Língua Mirandesa em manuscritos do Séc. XVII E XVII”, “Testamentos de Vila 31 / Outubro Chã da Barciosa e de Paradela”, in Mensageiro de Bragança. 1986 “A Lição dos Testamentos do Nordeste Transmontano, Séculos XVII, XVIII e XIX”, 26 / Dezembro in Mensageiro de Bragança. 1986 “Invasão de trás-os-Montes e das Beiras na guessa dos Sete Anos pelos Ezércitos Bourbónicos, em 1762, Através da Correspondência Oficial dos Comandantes –Chefes Masques de Sarriá e Conde de Aranda…”, Separata Anais da Academia Portuguesa de História, II série, vol. 31, Lisboa. 1986 É autorizado, por despacho ministerial, o ensino optativo da língua mirandesa nas escolas do Ensino Básico do Concelho de Miranda do Douro. 1986 Lápides Votivas e Funerárias Luso-romanas, aparecidas, no Nordeste Português, desde o falecimento do Abade de Baçal, em 1947, I parte, in Brigantia – Revista de Cultura, vol. VI, n.º 1, 2 e 3. 1987 “A Lição das 1.ºas Jornadas de Língua e Cultura Mirandesa”, in Voz do Março Planalto. 1987 “Os Evangelhos em Mirandês”, in Planalto Mirandês. Julho 1987 “Os Evangelhos em Mirandês” in Mensageiro de Bragança, 7/8/87. 7 / Agosto 1987 Homenageado pelo Instituto de Defesa Nacional. 30 / Outubro 1987 Promoveu e colaborou nas “1.ªs Jornadas de Cultura e Língua Mirandesa”, Julho patrocinadas pela Câmara de Miranda do Douro. 1987 “A Lição da 1.ºs Jornadas de Língua e Cultura Mirandesa”, in Mensageiro de 14 / Agosto Bragança. 1987 “Prólogo do Evangelho de S. João, traduzido em Língua Mirandesa precedido 19 / Dezembro de um pequeno comentário em Português - para a 3.ª Missa do Natal”, in Mensageiro de Bragança. 1987 Actas das primeiras jornadas de Língua e Cultura Mirandesa, Lisboa, ed. Câmara Municipal de Miranda do Douro. 1987 Aposentou-se do cargo de Director do Museu da Terra de Miranda. 1987 Lápides Votivas e Funerárias Luso-romanas, aparecidas, no Nordeste Português, desde o falecimento do Abade de Baçal, em 1947, in Brigantia – Revista de Cultura, cont. vol. VII. N.º 1 e 2. 1985

| 105

1987 -1988 1988 Fevereiro

Começa-se a leccionar oficialmente o mirandês nas escolas do ensino básico do Concelho de Miranda do Douro, como disciplina de opção. Lápides Votivas e Funerárias Luso-romanas, aparecidas, no Nordeste Português, desde o falecimento do Abade de Baçal, em 1947, separata da Brigantia – Revista de Cultura, vol. VI, n.º 1, 2 e 3 (1986); cont. vol. VII. N.º 1 e 2 (1987)

“Remance del Juramento” - “Malhadas ganhada yê...” poema em Mirandês, in Planalto Mirandês. Lançamento do disco LP - “Música Tradicional Mirandesa - Terra de Miranda”, in Mensageiro de Bragança. “Os Evangelhos da Páscoa em Mirandês”, com um pequeno preâmbulo em Português, in Mensageiro de Bragança. “O Romanceiro cantado na Terra de Miranda”, in Actas do Seminário sobre Literatura Oral, Fundação Calouste Gulbenkian (21 a 26 de Novembro). Colóquio sobre “Preparação de Dirigentes de Grupos Folclóricos em Trásos-Montes”, promovido pelo Instituto Nacional para os Tempos Livres dos Trabalhadores, com um trabalho sobre o “Trajo Popular Transmontano” e outro sobre “Teatro Rural em Trás-os-Montes de Origem e Afinidade Vicentina”, em Entre-os- Rios. 1988 Colóquio sobre “Literatura Oral Popular”, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, com o tema “Romanceiro Cantado em Terra de Miranda”. 1988 Deu lições de Folclore (trajos, adornos, literatura oral e cantada, e coreografia mista e masculina) em Entre-os-Rios, para os dirigentes dos grupos folclórico dos distritos de Bragança e Vila Real, em um Colóquio promovido pelo INATEL, para a preparação de Dirigentes dos Grupos Folclóricos, em Trás-os-Montes. 1988 “A Língua Mirandesa Vector Cultural no Nordeste Transmontano”, 1.º Colóquio do Instituto de Defesa Nacional, realizado em Bragança, in Brigantia – Revista de Cultura. 1988 “Cartas do abade de Baçal ao Pe. António M. Mourinho”; 200 páginas dactilografadas, com prefácio notas do destinatário, prontas para a impressão. 1988 “Auto da Ressurreição do Senhor Jesus Cristo” - Teatro sacro quinhentista, em redondilha maior, com introdução e notas sobre o seu possível autor, fontes de que este se serviu para a sua elaboração e notas locais sobre a sua representação em Terra de Miranda, a que o autor assistiu muitas vezes, notas sobre autenticidade do texto e a sua possível alteração pelos “regradores”. Pronto para impressão, 200 páginas. 1988 Edição do “Cancioneiro Tradicional Mirandês” de “Serrano Baptista”. Ed. do autor e Câmara Municipal de Miranda do Douro. 1989 Comunicação “Documentos para a história Eclesiástica do Bispado de Miranda do 24 / Outubro Douro - Códice inédito da Biblioteca Nacional de Lisboa”, Academia Portuguesa da História, integrado no Seminário do III centenário do Nascimento do Rei D. João V. 1989 Comunicação “O Sebastianismo, na época de D. João V, segundo uma carta 25 / Outubro inédita da época, a D. António Caetano de Sousa”, Academia Portuguesa da História, integrado no Seminário do III centenário do Nascimento do Rei D. João V. 1989 Comunicação “A Língua Mirandesa Vector de Cultura no Nordeste Transmontano”, Seminário sobre “Línguas Minoritárias”, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. 1990 “La Bôila de Sendôin - Poema em Sendinês”, comemorativo da elevação a Vila 19 / Setembro da aldeia de Sendim – Miranda do Douro, in A Voz do Nordeste Transmontano. 1990 Seminário sobre o “9.º Centenário sobre a Morte de S. Bernardo e a Ordem de 19 / Outubro Cister” onde participa com a comunicação: A Acção e influência dos Monges de São Bernardo no Nordeste Transmontano (Séculos XII a XVI). 1990 Comunicação: “A Promoção e Evangelização do Nordeste Transmontano pelos Outubro Monges Cistercienses de Santa Maria de Moreruela – Zamora – nos séculos XIII, XIV e XV”; Colóquio sobre a morte de São Bernardo, IX Centenário - Academia Portuguesa de História 1988 Março 1988 18 / Março 1988 31 / Março 1988 Novembro 1988

106 |

1990 Outubro 1990 1990

1991 10 / Julho

1991 10 / Julho 1991 16 / Julho

“A Língua Mirandesa – Tempo e Espaço”, Colóquio Internacional de Língua Minoritárias, na Fundação Calouste de Gulbenkian. Traduz Missa em Língua Mirandesa, incluindo os Evangelhos das quatro épocas do ano e as missas de maior assistência comunitária e das principais festas mirandesas (estando, à data, “prontas a imprimir”). Publica “Memória de Torre de Moncorvo e seu Tempo” e “Descrição da Villa de Freixo de Espada Sinta (sic) e outras cousas mais notáveis della e seu destricto”, “Notícias para a Real Academia de História Portuguesa. Milagres atribuídos a D. Frei Bartolomeu dos Mártires, no principio do S. XVIII” e “A Catedral de Braga na História e na Arte (Séculos XII-XIX)”, separata das Actas do IX Congresso da dedicação da Sé de Bragança – Congresso Internacional, vol. II/2, Braga. É proclamado pela Câmara Municipal de Miranda do Douro Cidadão Honorário desta cidade e é-lhe imposta a Medalha de Honra da Cidade – Grau de Ouro. É inaugurado o busto, da autoria do escultor José António Nobre, junto ao jardim do Paço Episcopal, voltado à Igreja dos Frades Trinos, que acolheu parte da colecção do Museu da Terra de Miranda e hoje alberga a Biblioteca Municipal Dr. António Maria Mourinho. Declara publicamente a intenção de oferecer ao Município de Miranda do Douro “toda a sua biblioteca, medalhas, condecorações e fotografias”. Objecto de uma grande artigo de fundo feito pelo periódico a Voz do Nordeste, com o título “Câmara Municipal de Miranda do Douro Homenageou o seu emblema de ouro: Dr. António Maria Mourinho” assinado por César Rodrigues. Redige o poema Flash (Um dia de Dor)

1991 26 / Setembro 1991 “A Colonização Evangelização do Nordeste Transmontano, e os Monges de Outubro Cister de Santa Maria de Moreruela”, no Congresso Internacional de Cister e o IX Centenário da morte de São Bento em Orense. 1991 Após esta data retirou-se, motivos de saúde, da direcção do Grupo Folclórico 1 / Dezembro Mirandês de Duas Igrejas (Pauliteiros de Miranda). 1991 Participou no encontro de celebração do IX Centenário da Sagração da Sé de Braga. 1991

Participa no Congresso Internacional de Folclore, promovido pelo INATEL, em Lisboa, com as comunicações: “A Dança dos Paulitos radica-se na Dança de Espadas Indo-Europeia remontando à 2.ª Idade do Ferro, nascida no centro da Europa” e “As Danças Populares Mistas com coro e sem coro do Nordeste Português, do terreiro radicam na antiguidade castreja e chegam até nós”. 1991 Participa no “Congresso Internacional para o fecho do 9.º Centenário da Morte de S. Bernardo”, em Orense, Galiza; com a comunicação sobre “A Acção dos Monges de Cister, de Santa Maria de Moreruela, no desenvolvimento agropecuário e religioso do Nordeste Transmontano em Portugal”. 1991 Terra de Miranda – Coisas e Factos da Nossa Vida e da Nossa Alma Popular, Câmara Municipal de Miranda do Douro, Palaçoulo. 1991 Oração de Última Hora – Ave Maria!... Poemas, ed. do autor. 1992 “Nota de abertura e apresentação da 2.ª Edição do Vol. I dos “Estudos de Filologia Mirandesa” 1992 Francisco de Vasconcelos, etnólogo, envia-lhe do Brasil um extenso artigo 20 / Janeiro referente ao Congresso Internacional de Folclore em Lisboa (editado no jornal Piracicaba, de 22 de Outubro de 1991, pp.5 e 6), fazendo referência a danças típicas brasileiras, possivelmente de “importação” portuguesa, como o Mineiro Pau, Maculelê e Rei do Cacete. 1992 Solicita dispensa das obrigações sacerdotais para contrair matrimónio religioso com 25 / Setembro Maria de Lurdes Reis. Foram seus testemunhas o Pe. Dr. Aníbal Augusto Varizo, Pe. Francisco Manuel Moscoso, Cónego Manuel Paulo Pires, Dr. Júlio Meirinhos e Pe. António Mário Pinto. 1992 Dá uma entrevista a Guedes de Almeida [veja-se referência cronológica a edição Agosto de 15 de Julho de 1996 do jornal O Cardo – Jornal do Nordeste] nela afirma ter saudades do Altar e que concelebrou missa na Catedral de Saragoça. Deixa entrever, também, o melindre da sua saída da estrutura clerical e da possível opinião (negativa) do Bispo Diocesado D. António Rafael.

| 107

1992 16 / Outubro

Assembleia Ordinária da Academia Portuguesa de Historio – Lisboa – Comunicação sobre “A criação da Vila de Miranda e seu termo, a sua fortificação pelo Rei D. Dinis, no final do século XIII e outros documentos medievais mirandeses de antes e depois destes factos”.

Viale Moutinho, na obra Aquém e Além Montes - Textos de Andarilho, Porto, Editorial Domingos Barreira, col. Coisas Nossas; dedica a obra (entre outros) a António Maria Mourinho. 1992 Participou nos festivais de folclore do Antigo reino de Leon, em Espanha, com grupos representativos de todas as regiões deste antigo estado medieval e nas cidades de Zamora e Salamanca e em Pamplona, na comemoração do “Dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas”, em 10 de Junho, para os portugueses emigrantes naquela zona de Navarra. 1993 “A Épico-lírica rusticidade mirandesa, na mais bela expressão poética do Pe. Janeiro / Junho Manuel José preto, em “Bersos Mirandeses”, seu livro póstumo”, in Brigantia – Revista de Cultura, vol. XIII, n.º 1 e 2. 1993 Por rescrito de Sua Santidade o Papa João Paulo II, de 25 de Março de 1993, sendo 25 / Março Bispo de Miranda-Bragança D. António José Rafael, foi dispensado das obrigações sacerdotais, sem contudo jamais esquecer ou menosprezar os votos sacramentais. 1993 Actividades do MTM: Exposição de Trajo Popular da Província de Zamora e Sua 3 a 30 / Abril Afinidade com o Trajo Popular Mirandês. 1993 Actividades do MTM: Exposição de Instrumentos Musicais Mirandeses. 3 a 22 / Maio 1993 Actividades do MTM: Dia Internacional dos Museus Exibição musical de: Gaiteiros 18 / Maio e tamborileiros, tocadores de flauta e pastoril, pandeiros e pandeiretas, castanholas, cordas e ferrinhos. 1993 Actividades do MTM: Exposição de Apetrechos tradicionais na lavoura, para Junho ceifa, acarrejo, trilha e limpa dos cedreais e recolha do feno. 1993 Contrai Matrimónio perante a Igreja, com Maria de Lurdes Reis (Mourinho), na 21 / Junho Igreja Paroquial de Loures, sendo a celebração oficiada pelos Padres Joaquim Octávio Gouveia e Manuel João Afonso. 1993 Comunicação sobre “O Resumo da Sagrada Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo” (peça do século XVI, popularizada e representada em Terra de Miranda até nossos dias) - Assembleia Ordinária da Academia de História, Lisboa. 1993 Celebra, no Cartório Notarial Privativo da Câmara Municipal de Miranda do 3 / Junho Douro, a Escritura Pública de Doação, n.º 12/93, entregando àquela instituição a sua biblioteca privada, documentação textual e de imagem (fotografia e filmes), e outros objectos de natureza pessoal. 1993 “As Festas Populares do Nordeste Transmontano como Ritos de Passagem”, comunicação no Colóquio do Instituto Superior de Educação em Bragança. 1993 Reedição do II volume da Estudos de Philologia Mirandesa, de Leite de 10 / Junho Vasconcelos, com nota introdutória do Dr. António Maria Mourinho; Câmara Municipal de Miranda do Douro. 1993 Participa, a convite da Prof. Doutora Isabel Hub Faria, na mesa redonda 10 e 11 intitulada “O Mirandês. A Questão das Línguas Minoritárias”, realizado em Setembro Miranda do Douro no âmbito do Encontro Regional da Associação Portuguesa de Linguística (sedeado na Faculdade de letras da Universidade de Lisboa) sobre o tema genérico “Variação Linguística”. 1993 Convidado pelo Leitorado Português Oxford – Inglaterra, em cuja Universidade 17 / Novembro (Faculdade de Línguas Medievais e Modernas), pronunciou duas conferencias sobre “Língua e Cultura Mirandesa” e “O Mirandês, Passado, Presente e Futuro” 1994 Profere a comunicação “Auto da sagrada Ressurreição de Nosso Senhor Jesus 26 / Janeiro Cristo”. 1994 Dia da Cidade de Miranda do Douro – Colóquio sobre “Língua, Tempo e Espaço”, 10 / Julho organizado pelo Centro Português de Linguística da Faculdade de Letras de Lisboa, comunicação sobre “O ambiente em que viveu envolvida a Linguagem Mirandesa”, desde o Século XIII até aos nossos dias - “Pessoas e Documentos”. Apresentação da Guerra do Mirandum - 3.ª Edição. 1992

108 |

1995 13 / Janeiro

Comunicação na Sociedade de Geografia de Lisboa, sobre “O Grande Sábio Orientalista e Perito Militar - Coronel Engenheiro Francisco Maria Esteves Pereira, natural de Miranda do Douro”

1995 Janeiro / Março 1995 Fevereiro Maio Junho

“Ecos da 1.ª Grande Guerra Europeia – Falam Documentos Desconhecidos – Um Poema Rural”, in Brigantia – Revista de Cultura, vol. XV, n.º 1. Participou activamente na elaboração de uma plataforma textual para a Convenção Ortográfica da Língua Mirandesa (24 e 25 de Fevereiro; 6 a 8 de Maio, e 2 e 3 de Junho) em Miranda do Douro, onde por consenso se estabeleceram as linhas gerais e especificas para a escrita e outras representações gráficas da Língua Mirandesa. Profere a comunicação e edita o respectivo texto: Testamentos Rurais do século XVIII: Lições de Vida e de Costumes. Eleito sócio efectivo da “Sociedade de Geografia de Lisboa”.

1995 31 / Maio 1995 6 / Junho 1995 10 / Julho

No 450.º aniversário da elevação de Miranda do Douro a cidade foi condecorado com o Grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo Almirante Homem e Gouveia, em representação do Presidente da República, Dr. Mário Soares [este grau foi-lhe conferido a 9 de Julho e o diploma respectivo remetido pela Chancelaria a 25 de Março de 1996]. 1995 Publica-se na rubrica “Corpo Inteiro” na Revista Expresso (n.º 174), uma fotografia 15 / Julho do Dr. Mourinho, da autoria de Sérgio Granadeiro e texto de Carlos Magno. 1995 Publica-se o artigo “O Sábio de Miranda” na Revista Notícias Magazine (n.º 24 / Setembro 1185), texto da autoria de Froufe Andrade e fotografia de Augusto Baptista. 1996 Escreve o último poema “Anos vão e anos vêm! Setenta e nove…”. 14 / Fevereiro 1996 Deixa preparada a vasta recolha a que chamou “Ditos Dezideiros”, referindo na 3 / Maio sua nota de agradecimentos final a Prof. Maria Claudina Pires, ao Dr. Domingos Raposo e ao escultor José António Nobre. 1996 Deixa preparados “cerca de 6000 adágios e provérbios mirandeses, recolhidos Julho in loco (…) assim como uma centena de textos da nossa língua, contos, diálogos e textos bíblicos já impressos no século passado [séc. XIX] (…) coligidos de jornais e revistas”. 1996 Faleceu no Hospital de Santa Maria, às 8.45h. 13 / Julho 1996 O Cardo – Jornal do Nordeste edita um extenso artigo “In Memoriam de um Vulto Dr. 15 / Julho António Maria Mourinho”. Neste integram-se contributos de: Guedes de Almeida, jornalista, e Alcina Correia (à época Directora do Museu do Abada de Baçal). 1996 Mensageiro de Bragança edita um artigo “Faleceu o Dr. António Maria Mourinho”, 15 / Julho com uma extensa relação curricular. 1996 A Câmara Municipal de Loures atribui-lhe, a título póstomo, a Medalha de Honra 26 / Julho Municipal. 1998 Desloca-se à Assembleia da República uma comitiva do Município de Miranda 29 / Abril do Douro, encabeçada pelo Vereador, prof. António Carção e elementos da Comissão da Convenção Ortográfica da língua mirandesa, a fim de reunirem com o Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura. 1998 Decreto-Lei n.º 534/VII “Reconhecimento Oficial de Direitos Linguísticos da 17 / Setembro Comunidade Mirandesa” 1998 Aprovada na generalidade o projecto de oficialização da língua mirandesa, por 23 / Setembro proposta do então deputado à Assembleia da República, Dr. Júlio Meirinhos. Nessa mesma data esteve presente na Assembleia da Republica uma comitiva municipal encabeçada pelo Presidente da Câmara, Eng. Manuel Rodrigo Martins. 1998 Projecto-Lei de Reconhecimento Oficial de Direitos Linguísticos da Comunidade 20 / Outubro Mirandesa aprovado por unanimidade, numa deslocação da Comissão de Educação, Ciência e Cultura da Assembleia da República à Cidade de Miranda do Douro. 1999 Lei 7/99 de 24 de Janeiro “Reconhecimento da Língua Mirandesa como Oficial 24 / Janeiro em território nacional” promulgada pelo Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio. | 109

1999 Comunicação de José Francisco Meirinhos, “Obra e Bibliografia de António 26 e 27 / Março Maria Mourinho (1917-1996)”; in Estudos Mirandeses: balanço e orientações. Homenagem a António Maria Mourinho, actas do Colóquio Internacional, Porto, Granito Editores e Livreiros, 2000. 2000 I Simpósio Internacional da Língua, Literatura e Cultura Mirandesas; UTAD, Vila 16 e 17 / Real. Novembro Viale Moutinho, profere nesta ocasião a comunicação: “António Maria Mourinho - uma vida pelo mirandês”. 2000 Viale Moutinho, um grande amigo e admirador, enquanto jornalista do Diário 20 / Novembro de Notícias, escreve um notável artigo “Um ramo de violetas para o padre Mourinho”. 2001 Celebra-se entre a Câmara Municipal de Miranda do Douro, representada na 27 / Março pessoa do seu Presidente Eng. Manuel Rodrigo Martins, e a Universidade de Trás os Montes e Alto Douro, na pessoa do seu Reitor Prof. Doutor José Torres Pereira, o protocolo de colaboração com vista ao estudo da documentação doada ao município por força da Escritura Pública de Doação lavrada em 1993 e após entrega efectiva do espólio em data posterior à morte do Dr. Mourinho. 2003 Inauguração da Biblioteca Municipal Dr. António Maria Mourinho, pelo Secretário 10 / Julho de Estado da Administração local, Dr. Miguel Relvas, sob o executivo presidido pelo Eng. Manuel Rodrigo Martins. 2003 Foi entregue pela Senhora D. Maria de Lurdes Mourinho ao Presidente da Câmara Municipal, Eng. Manuel Rodrigo Martins, a última parte do espólio do Dr. Mourinho, nomeadamente uma almofada com as condecorações que lhe haviam sido atribuídas. 2004 Exposição e guia “António Maria Mourinho: Retrospectiva de uma vida e de uma 10 / Julho a obra”, Biblioteca Dr. António Maria Mourinho (Miranda do Douro). 13 / Setembro 2004 António Maria Mourinho (1917-1996) – Uma Vida pela língua e cultura mirandesas; 10 / Julho coord. Maria Olinda Rodrigues Santana – UTAD; ed. Câmara Municipal de Miranda do Douro (Biblioteca Dr. António Maria Mourinho); Minerva Transmontana, Vila Real. 2005 Edição da obra póstuma do Dr. António Maria Mourinho, com sua Introdução e Notas, compilado em 1985 e publicado pela Câmara Municipal de Miranda do Douro, sob o título Cartas Inéditas do Abade de Baçal para o Padre António Maria Mourinho – 1941-1947 (do Destinatário); contextualização, edição e notas de Maria Olinda Rodrigues Santana. 2005 José Preto, de Sendim, produz, a partir da colheira vitícula de 2005, com castas Touriga Nacional, Touriga Franca e Tinta Roriz, o vinho que servirá de edição especial comemorativa dos 25 anos do Museu (2007). 2007 No âmbito dos projectos desenvolvidos com o Agrupamento Vertical de Escolas de Maio Miranda do Douro e, em particular, com a Escola EB1 desta cidade, vencem-se os prémios de 1.ª categoria “Artes Visuais” (1.º Ciclo do Ensino Básico) com dois trabalhos de “Máscaras” (coord. pela prof. Adelaide Rebordãos e com participação dos alunos: André Bernardo Martins, Artur Manuel Marcos Sousa, Érica Laura Magalhães Alves, Flávio Raposo Esteves, Frederico Raposo Esteves, João Filipe Lopes, Tiago Henrique Vieira carvalho e Tiago Manuel Pires do Vale); e único vencedor da categoria “Vídeo”, com o trabalho “Gaita de Foles” (coord. pela prof. Julieta Barreira Pedro, e com a participação dos alunos: Andreia Antão, Diogo André Pires, Diogo António Ribeiro, Érica Fernandes e Pedro José Mendes). 2007 Dia Internacional dos Museus, cujo tema é dedicado aos Patrimónios Universais 18 / Maio 25.º Aniversário do Museu da Terra de Miranda Lançamento da obra ANTÓNIO MARIA MOURINHO (1917-1996) – TESTEMUNHOS DE UMA VIDA – HOMENAGEM NOS 25 ANOS DO MUSEU DA TERRA DE MIRANDA (2007), cood. Sérgio Gorjão (Director do Museu da Terra de Miranda) Apresentação da Capa de Honras comemorativa dos 25 anos do MTM, executada pelo Mestre-artesão Aureliano António Ribeiro (no prolongamento da exposição Como se faz … uma Capa de Honras Mirandesa | Cumo se fai … Ua Capa de Honras Mirandesa) Lançamento do primeiro vinho DOC do Planalto Mirandês, por José Preto, de Sendim, em edição especial e limitada comemorativa dos 25 anos do MTM. Recepção com o Grupo dos Pauliteiros de Cércio / Col. Particular / 1958

110 |

| 111

112 |

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.