Antony Gormley - Análise da obra

June 2, 2017 | Autor: Carolina Jorge | Categoria: Contemporary Art, Antony Gormley
Share Embed


Descrição do Produto

Antony Gormley Introdução Antony Gormley é aclamado pelas suas esculturas, instalações e obras de arte públicas que investigam a relação do corpo humano para com o espaço. O seu trabalho tem desenvolvido o potencial aberto pela escultura desde a década de 1960 através de um envolvimento crítico tanto com o seu próprio corpo como dos outros, de uma forma que confronta questões fundamentais de onde os seres humanos estão em relação á natureza e o cosmos. Tenta identificar continuamente o espaço da arte como um lugar de becoming (onde nos tornamos), no qual novos comportamentos, pensamentos e sentimentos podem surgir. Usando a sua própria existência como campo de teste, o trabalho de Gormley transforma um local de experiência subjectiva num de projeção colectiva. Cada vez mais, o artista tem vindo a levar a sua prática além da galeria, envolvendo o público numa participação ativa. Muitos dos seus trabalhos são baseados em moldes tirados do seu próprio corpo ou "a experiência mais próxima de matéria que alguma vez terei e a única parte do mundo material dentro do qual habito", afirma o próprio. A sua obra tenta tratar o corpo não como um objecto mas um lugar, e ao realizar obras que encerram o espaço de um corpo em particular, tenta identificar uma condição comum a todos os humanos. O seu trabalho não é simbólico mas indicial – Um vestígio de um evento real de um corpo real no tempo.

Contexto histórico Modernismo e pós-modernismo O termo modernismo refere-se ao movimento que engloba o final do século XIX e o século XX. Este rejeitou o passado e as suas tradições como modelo para a arte da sua actualidade, num espírito de experimentação e utilização de formas inovadoras de expressão do artista, caracterizando-se pela inovação constante e pela oposição a valores conservadores como a simples representação realista. Dentro deste deu-se o uso expressivo da cor, de materiais nãotradicionais, novas técnicas e media, a expressão de sentimentos e ideias, a criação de abstracções e fantasias, e, por fim, a valorização das qualidades formais dentro das obras de arte e processos. A palavra ‘autónoma’ é usada por historiadores para descrever a arte moderna, sendo o seu ideal a arte pela arte (esta não tem de existir para qualquer tipo de valor utilitário tirando a sua razão existencial de ser). A arte moderna tem sido também muitas vezes impulsionada por múltiplas agendas sociais e políticas. Estas eram frequentemente utópicas, sendo o modernismo em geral, associado a visões idealizadas da vida humana/sociedade e a uma crença no progresso. Os termos, modernismo e arte moderna, são geralmente usados para descrever a sucessão de movimentos de arte que os críticos e historiadores identificaram desde o realismo de Gustav Courbet, culminando na arte abstrata e os seus vários desdobramentos até a década de 1960. Por essa altura, o modernismo já se tinha tornado a ideia dominante de arte. A reação a este movimento foi rapidamente identificada como pós-modernismo. Após a Segunda Guerra Mundial, as ideias que impulsionavam a arte começaram novamente a mudar. O pós-modernismo distancia-se do foco moderno na originalidade e expressão, tornando a obra deliberadamente impessoal. Vêem-se muitos trabalhos que recorrem a meios mecânicos ou quase-mecânicos. O pós-modernismo está igualmente associado á desconstrução da ideia de que ‘Eu sou o génio artístico, e vocês precisam de mim’. Artistas como Sol LeWitt e Lawrence Weiner, com obras no Hirshhorn, fogem ainda mais á ‘autoria’ que individualiza as obras. Weiner considerava que o seu papel de artista assentava mais sobre a concepção do que a produção. Da mesma forma, alguns dos desenhos de LeWitt do final dos anos 60 são basicamente desenhos de instrução. Ele fornece as instruções, mas em teoria, qualquer um pode executá-los. Nesta geração do pós-guerra, há de certa forma uma tendência, para a democratização da arte, estando patente a ideia de que qualquer um pode fazer arte. O pós-modernismo rejeita as grandiosas noções de ‘elitísmo’ artística do modernismo, erradicando as fronteiras entre as belas artes e as formas mais ‘baixas ou kitsch’ da arte, quebrando as convenções dos tipos com recurso ao Pluralismo, diversidade, colagem, e fragmentação. Embora este conceito de 'desfocar' ou 'fundir' arte elevada com arte baixa já tivesse sido experimentado durante o modernismo (dadaísmo e ready-made), este só ganhou aprovação após a chegada da era pós-modernista.

Não é no entanto de admirar que tenham surgido novas questões sobre a natureza da arte que não foram tão facilmente respondidas. Privada da estrutura da tradição e técnica, a arte estava em perigo de colapsar na disformidade. Alguns viam este colapso como bem-vindo, os dadaístas e outras variedades de anti-artistas. Mas os anti-artistas funcionavam apenas enquanto houvesse uma arte contra a qual se revoltar, razões pelas quais esta situação feliz dificilmente poderia durar após este colapso. Indiferentemente das formas adoptadas pela arte, esta não pode seguir uma linha de resistência. Se a busca pela criatividade, como tal, se prova fácil ao ponto da trivialidade, então há a necessidade de novas dificuldades, novas restrições. Seria igualmente possível escrever a história da arte do século XX não em termos de revoluções e do destronar de regras e tradição, mas sim como a continuidade de uma busca por problemas dignos da natureza do artista.

Visão de Gormley da arte sua contemporânea Gormley concorda que a reação não é já uma fonte viável de energia para a arte hoje em dia, pois segundo o artista, subjacente ao seu regresso ao corpo humano está um ideal de reconectar a arte com a sobrevivência humana, não sendo apenas uma questão sobre o que podemos fazer a seguir em termos de arte. Afirma que de certa forma, houve um sentido no qual a arte (pelo menos na parte anterior ao século XX) usou uma certa visão da história a fim de validar a sua própria visão, sendo da opinião que é mais difícil fazer isso neste presentemente. “Todos nós estamos conscientes de que a história ocidental é apenas uma entre muitas histórias, sendo que de alguma forma tem de haver uma reavaliação de onde parte o valor artístico (A experiência subjetiva passou a existir dentro de um quadro mais amplo de referência). Quando se pensa sobre o que acontecerá a seguir na arte, é muito difícil não se perguntar: o que acontece a seguir no desenvolvimento da civilização global?” Para Gormley, a ideia de que de alguma forma o valor só pode vir de julgá-lo a partir da sua própria tradição, da qual este pode ter escapado ou nunca ter pertencido de todo em primeiro lugar, vai ser menos útil que olhar para o desenvolvimento orgânico de uma linguagem individual, esperando encontrar nesta um significado universal. Hoje em dia as pessoas são bombardeadas com todos os tipos de estímulos visuais graças a anúncios e afins, em contraste com a escultura (algo parado e silencioso, e, de certa forma “proibitivo” pois não é como uma imagem em movimento num ecrã), algo que tem uma relação diferente com vida. E isso é para Gormley, o desafio da escultura de agora. Que esta possa conter em si os resíduos de 5.000 anos do corpo na arte, sendo ainda assim acessível para alguém cujo hábito de comunicação visual se centre nos estímulos visuais acima mencionados. Hoje, avançouse de símbolos que têm um significado atribuído e uma iconografia que sabemos como julgar, a uma noção de símbolos que se libertaram. Isto tem um certo factor irritante para o observador, mas também convida a um envolvimento que nunca foi possível anteriormente. O problema para todos os artistas que trabalham hoje é estabelecer algum tipo de estrutura através da qual a resposta do observador, fruto desse envolvimento, se possa desenvolver.

É necessário encontrar uma nova relação entre arte e vida. A tarefa da arte agora é tirar-nos da ilusão, segundo Gormely. “Como se poderá impedir a arte de cair na disformidade? Como se encontrará um desafio digno do esforço do artista? de alguma forma, temos de reconhecer a liberdade de criatividade do nosso próprio tempo e abandonar a tradição como um princípio de validação, abandonar a história mainstream da arte ocidental e abrir-se: qualquer trabalho do final do século XX tem de falar a todo o mundo”, afirma. Gormley argumenta que não podemos ser vinculados pelo sentido tradicional, mas que, ao mesmo tempo, é importante não rejeitar algo simplesmente por não ser original, pois acredita que temos de lidar com tudo, advindo daí o seu interesse em colocar trabalhos tanto em contextos históricos (no final de uma coluna ou numa uma igreja) como em galerias. Defende que tudo deve de ser aceite como parte do território e isso significa aceitar o que foi necessário no passado para os seres humanos, encontrando uma forma de essas necessidades serem expressas de uma forma contemporânea, não divisionista ou pré-escritiva na sua função interpretativa. Este afirma também que a nossa atitude para com a história mudou, a noção de estratificação na arte que também sugere uma estrutura de apoio, foi substituída por uma coexistência de temporalidade, havendo uma sensação de que o seu trabalho existe dentro da compreensão de precedentes históricos, mas também dentro de uma matriz de contemporaneidade. Criou-se a necessidade de substituir as certezas do simbolismo e mitologia clássica por algo de interpretação mais imediata e que confronte o indivíduo com a sua própria vida. “De alguma forma a verdade foi removida de uma representação pura para uma experiência subjectiva, em que o valor se transfere de um sistema externo que pode ser ilustrado, para um em que a experiência individual é realizada e à qual é atribuída intensidade. A ideia de estilo como algo que é hereditário e com um tipo de desenvolvimento histórico tem agora de ser substituída por uma ideia de um artista responsável para consigo mesmo, para um idioma que pode ou não estar consciente do precedente histórico”. O artista sente que a arte é um dos últimos reinos do esforço humano não contaminado por ideologias constritivas. A arte tem o potencial para ser um foco para a vida, livre das restrições do imperativo moral, não obstante, convidando as pessoas a reflectir sobre suas ações. A arte tem os seus próprios imperativos morais, e baseado nesta afirmação o artista opina que, é complicado transferir para as obras em si esse grau de comprometimento moral, havendo no entanto noções mais gerais/incontornáveis que fazem parte deste imperativo moral, como a necessidade do artista assumir a responsabilidade pelas suas acções, e a autocrítica (a partir do momento em que se supõe poder fazer melhor, o artista deve procurar fazê-lo, mesmo que isso signifique começar de novo). “Não podemos continuar a assumir que por a temática ou os meios corretos serem usados há valor no projeto de um artista. Eu acho que a autoridade passou de uma validação externa para uma interna e eu consideraria isso como a grande alegria de ser um artista. A liberação da arte hoje é tentar encontrar, de certa forma, as formas de expressão que existem quase antes de linguagem e para torná-las mais aparentes. Eu acho que na era da informação, em certo sentido, temos bastante linguagem, mas o que precisamos é um reforço da experiência directa.” Stephen Bann diz que seu trabalho está longe de confortável num contexto modernista, sendo talvez mais apropriado relacioná-lo com a escultura indiana ou a escultura escultura ocidental icónica. Bann propõe

que o seu trabalho não seja lido com base em termos modernistas ou formalistas, já que este nos impele a procurar comparações fora das áreas convencionais de discussão. Isto também significa que as suas esculturas requerem que se olhe além dos objectos em si, para os sistemas de crenças que estão na base da representação. O projecto de Gormley é tido por alguns como central para a revitalização da tradição figurativa, maioritariamente devido á relação dinâmica que este estabelece entre o trabalho e o seu contexto espacial. A sua premissa fundamental, especificada pelo próprio e na qual baseou o seu projecto, passa pela participação activa do observador; o seu trabalho tenta permitir aos objectos e materiais que já existiam tornarem-se eloquentes, em oposição a gerar formas expressivas por si mesmas; e era uma reapresentação das estruturas no mundo. Gormley menciona que a sua aproximação combina o intelectual e o físico, e que é predominantemente acerca de cutting open (abrir, expôr) e tornar vulnerável. O sacrifício, afirma, parece ser necessário para que as coisas renasçam e sejam vistas sob uma nova perspectiva. Gormley afirma querer confrontar a existência. O óptico e o conceptual dominaram a arte do séc. XX, este procura tornar o corpo numa tentativa de encontrar uma linguagem que transcenda as limitações de raça, crença e linguagem, mas que se mantenha enraizada na identidade. Não é apenas uma tentativa de encontrar um idioma que possa ser universal, da forma que o modernismo falhou em obter, é um convite para reconhecer um lugar e uma base de consciência. O corpo é para este um sensor em movimento, um mecanismo que procura que a resposta do observador não tenha de ser pré-informada nem encorajar necessariamente um discurso. Somos ensinados a usar a visão como método de identificação que aliada á inteligência discriminatória interpreta. Richard Deacon por exemplo desconstruiu o mundo físico ao sugerir várias leituras, renunciando a qualquer uma em particular. Esta é uma estratégia possível, no entanto, a crença do artista em assuntos obriga-o a adoptar uma estratégia diferente. Se o assunto é o ser, então este tem de encontrar uma forma de envolver todo o ser do observador. Finalmente, para este, a arte trata-se de reafirmar a nossa experiência em primeira mão no tempo presente. Gormley, citando John Cage, afirma "Nós não nos movemos em direcção a algum tipo de objetivo. Estamos no objetivo, e este muda connosco. Se a arte tem qualquer propósito, é abrir-nos os olhos para esse facto."

Análise do percurso artístico Em pequeno Gormley relata ter sido várias vezes forçado a dormir a sesta numa varanda incrivelmente quente e pequena. Ficar ali era algo que este não gostava no começo, mas gradualmente começou a apreciar. Deitado num espaço minúsculo, quente, escuro, claustrofóbico, e do tamanho de uma caixa de fósforos, de olhos fechados; Estranhamente, depois de dias, semanas, meses, o espaço tornou-se maior, mais escuro e frio até que Gormley começou a ansiar pela meia hora de imobilidade forçada e descanso. Esta foi a sua primeira experiência do corpo interior que procura retratar em algumas das suas obras. Este espaço subjetivo / coletivo da escuridão do corpo revelou-se para ele um lugar de imaginação e potencial. As suas qualidades passam por ser um espaço sem objectos, sem dimensão, sem limite e interminável. O espaço ao qual acredita que a escultura nos pode ligar,

algo um pouco paradoxal tendo em conta que a escultura se baseia na criação proposições materiais na sua definição menos abrangente. Ainda em pequeno, ficou bastante impressionado ao ver uma exposição de William Blake, devido á pressão interna que observava nos seus trabalhos, pressão esta que o artista crê ter uma relação com a atmosfera que nós sentimos com os nossos corpos através da ‘pele’ das obras. Mais tarde, jovem e acabado de sair da escola de arte, Gormley mostrava vontade de criar obras nas quais trabalhasse diretamente com o mundo, com um lugar. Desse desejo nasceu a obra “Rearanged desert”- Acção de um corpo humano sobre outros corpos geológicos que tinham sido, pelo menos na sua mente, intocados. Um lugar que este gostaria que encarássemos de forma diferente depois deste evento humano. “Este é um registo indexical de um momento vivido por um corpo no tempo e um lugar que este gostaria que o expectador visionasse de forma diferente devido a este evento, um acontecimento humano e, em geral, só nos pede para olhar novamente para este mundo elementar, tão diferente do mundo tecnológico. Depois desta experiência propôs-se começar de novo com o ambiente do espaço subjetivo íntimo que cada um de nós habita, mas de outra perspectiva”. Trabalhou posteriormente o espaço como uma membrana exclusiva, recorrendo a ‘recipientes em forma de corpo’ de chumbo, feitos em torno do espaço que o seu corpo ocupa, e que é agora vazio. Uma outra versão de um espaço humano no espaço em geral, que mostra a conexão com a escuridão do corpo que Gormley vê como um espaço de potencial. De outra forma, usando a linguagem de partículas em torno de um núcleo mostrou o corpo como um centro de energia, libertando-se da figuração de modo a permitir que o corpo seja um campo de energia, “um espaço no espaço que fala sobre a vida humana, entre tornar-se uma entropia como uma espécie de concentração de atenção, um lugar humano da possibilidades no espaço em geral”. De novo reformula, colocando a matéria contra o horizonte. Seguindo uma lógica de caixas dentro de caixas - se as mentes vivem em corpos, os corpos vivem na roupa, e, em seguida, nos quartos, contidos em edifícios, contidos nas cidades. Será de supor também estas terão uma ‘pele’ final, o horizonte. Podemos usar um corpo como um catalisador vazio para um tipo de empatia com a experiência do espaço-tempo como é vivida. Podemos usar a memória de um corpo, de um espaço humano no espaço para catalisar uma experiência em primeira mão de tempo elementar. Tempo humano e tempo industrial, posto contra o tempo das marés, em que essas memórias de um corpo particular, que poderiam ser qualquer organismo, multiplicado várias vezes, sendo as cópias colocadas ao longo de três milhas quadradas, desaparecendo da vista. As peças aparecem e desaparecem, mas talvez o mais importante seja a forma como estas criam um campo que envolve a vida e os corpos substitutos numa espécie de relação, uma relação um com o outro e uma relação com o referido limite, o horizonte. Seguindo em frente (e levando essa ideia de mente, corpo, relação corpo/edifício) para suplantar o primeiro corpo, o corpo biológico, com o segundo, o corpo da arquitetura e do ambiente

construído. Visível na obra “Room for the great Australian desert”. Este é um objeto para a mente. Mais uma vez, a escuridão do corpo, agora enclausurada dentro desta construção tipo bunker na forma do mínimo de espaço que um corpo agachado ocupa, em betão e completamente vazio no interior. Há um buraco no ânus, uma ranhura para a boca e ao nível do pénis, assim como buracos ao nível dos ouvidos. Não há buracos para os olhos. Encontra-se um local de chão completamente plano e vazio tanto quanto os olhos conseguem ver, tal como “Rearanged desert”. Esta obra questiona novamente, qual a relação do projeto humano para com o tempo e espaço. De seguida transferiu a escuridão do corpo para a arquitetura. Usou o espaço arquitetónico não como habitação, mas como metáfora, e usar os seus espaços maiores e menores de modo a fornecer uma narrativa somática em primeira mão para uma viagem através do espaço, a luz e a escuridão. Este é um trabalho de alguma proporção e peso que torna o corpo uma cidade, um agregado de células interligadas. Um bom exemplo desta premissa é a obra “Vessel”. Em "Blind Light" entramos numa caixa cheia de pressão atmosférica, com uma nuvem e uma luz muito brilhante. Ao caminhar em direção ao limiar impossível de discernir, a figura do observador desaparece, tanto para si mesmo como para os outros. Se este olhar para baixo, não conseguirá ver os pés tal é a neblina. Torna-se assim consciência sem um objeto, livre da dimensão física com que a vida nos liga ao obrigatório. Este é no entanto um espaço cheio de pessoas, vozes sem corpo, onde apenas quando as pessoas se aproximam o suficiente umas das outras se vêem, mas mesmo assim apenas como representações. Quando aparecem perto da borda, são também representações nas quais os observadores se tornaram alvo de observação pelos que estão de fora.

Características da estética do artista Características mais salientes das obras: 

Tentativa de envolvimento do espectador através da escala;



Ligação religiosa – é possível estabelecer um paralelo entre o místico cristão Eckhart, a estética indiana e algumas das crenças de Gormley, com base na semelhança de pensamento: ambos partilham a crença de que a realidade se torna perceptível quando o inteligível e o sensível se encontram na unidade do ser, sendo este contínuo e tocando a transcendência. Esta união é comparável aquela atingida pelo yoga ou certas práticas místicas;



Trabalha com “tipos”, universais enraizando no entanto o seu trabalho na experiência subjectiva. Semelhantemente a obras de arte indianas, as suas esculturas têm uma ‘essência’ identificável, com a qual por sua vez o observador se deve identificar. Relação

entre o “eu” e o “não eu”- Apesar de tudo, as suas esculturas em chumbo não transmitem a impressão de peso ou solidez, parecendo-se mais com registos momentâneos de um corpo/eu em constante mutação. A energia do seu trabalho nasce na relação entre o “eu” e o “não eu”. Esta temática é visível na sua concepção relativamente impessoal de identidade, presente nas obras conseguidas a partir do seu próprio corpo, mas que posteriormente se tornam figuras anónimas; 

Gormley assume que o seu trabalho parte da mesma fonte que a necessidade pela religião: o querer enfrentar a existência e descobrir-lhe significado. Os seus trabalhos procuram através do uso de um corpo real num tempo real enfrentar o espaço e a eternidade. O corpo/espaço ocupado pelo corpo é visto como um catalisador sobre o qual essas forças agem;

 

Tentativa de isolar alguns pontos de contacto entre a consciência e a matéria; Dispersão do eu através da consciencialização – noção muito próxima do pensamento budista;



A preocupação de Gormley com o mover-se além da barreira da aparência, e colocar questões sobre o nosso lugar no mundo criado;



As suas esculturas agem, pelo menos em parte como receptáculos neutros para os sentimentos e projecções do observador;



As suas observações sobre a pele – uma das características mais duradouras, pelo menos em termos de desenvolvimento de trabalho subsequente, que este descreve como sendo um recipiente do ‘espaço pessoal’. Stuart Morgan afirma, relativamente a esta questão, que na estética de Gormley nada reside “dentro” de nada. Dá o exemplo da obra “Full Bowl” onde o interior é descrito através dos mesmos meios que o exterior; não existe margem. A pele num corpo ou a orla na água são manifestações físicas do que o artista tenta representar: a margem entre definições; o local onde a superfície acaba ou começa;



dialética constante entre materiais orgânicos que este emprega e as suas estratégias formais , influenciadas pela Arte Povera e Minimalismo. Algumas obras iniciais, como “sleeping Places” e “bed” têm ligações formais a Robert Morris e Carl Andre;

Temáticas: 

A morte - vê todas as coisas como terra acima do chão. Citando o próprio “o homem particularmente foi tornado consciente pelo espaço, estando por sua vez cheio de espaço. O espaço existe em nós como imaginação, pensamento e sensação e fora de nós em termos de distância. A morte é uma porta. “Para mim, é a afirmação do mistério da vida



e liga-se de certa forma á nossa natureza como espaço. Eu vejo espaço na luz e na escuridão: um tem que ver com a imaginação e o outro com o pensamento”; O homem sozinho com o seu destino;



Abandono do ‘eu’ familiar, reflectido na obra “Subject” e intrínseco em “Field”;



A vontade do eu de viver, objectificada em obras como “Rise”, “Earth”e “Offering”. Nestas e na mais recente “Testing a world view” está patente um certo humanismo no sentido em que o ser humano é embodied (corporizado) e consciente, tudo o resto é incerto. Essa luta para aceitar a ansiedade e a incerteza do que reside para lá da vida, proporciona ao seu trabalho um sustentáculo; Espaço - as suas esculturas lidam com o que ele vê como o “espaço profundo” do interior do corpo, no entanto, também o preocupam as temáticas do “toque como gravidade” e da “gravidade como atracção que nos vincula á terra”;





O corpo como o espelho da alma – os seus “recipientes em forma de corpo”/figuras de chumbo não são seres humanos substitutos; mas sim uma espécie de recipientes, a diferença sendo enfatizada pelas juntas e soldas visíveis á superfície. As imagens de Gormley, sugere Lynne Cooke, devem ser comtempladas e não interpretadas, e, crucialmente, deve ser-lhes dada vida através da interação do observador com estas;



‘Quietude’ - uma qualidade observada também na maioria das suas figuras de chumbo. Nesta mesma linha de pensamento, Gormley chama a atenção para as forças gémeas da vontade e da contenção que ‘criam’ esse sentimento de quietude. Este explica que para manter uma posição o tempo suficiente para a artista Vickens Parsons o cobrir de celofane, seguido de sisal e gesso, é necessário um acto concentrado de atenção; depois gradualmente o gesso seca, tornando-se forte o suficiente para o manter na posição;

Materiais usados e a sua significância: 

Trabalhos em chumbo - os “recipientes em forma de corpo” de Gormley são frequentemente feitos de chumbo. Este deu várias razões para o uso do material: O chumbo ser habitualmente maleável, denso, imperecível e permanente. Também tem a propriedade mercurial que lhe permite a criação de superfícies que reflectem subtilmente a luz enquanto a absorve, uma qualidade que ele mantém cuidadosamente, ao não o permitir oxidar. Importantes também são as suas qualidades protectoras: O chumbo é um escudo, impenetrável visualmente e radioactivamente. É também pesado, venenoso e quimicamente (irreductível) – qualidades relevantes para o seu uso na alquimia. Outra associação passível de ser feita é a sua identificação na alquimia e na Cabala Judaíca, com

a matéria primordial. De algumas perspectivas os “recipientes em forma de corpo” feitos a partir de chumbo podem ser percebidos como leves e optimistas, no entanto podem também ser interpretadas como câmaras de isolamento que sugerem o retiro, para o ventre ou para a campa, e parecem ter fundações num desejo de preservar, intocado, um frágil estado de ser. A noção do ‘sepultar’ não é no entanto negativa como pode inicialmente parecer se se fizer o paralelo com a crença cristã na qual a ressurreição se segue á morte. Se por um lado estas obras reflectem a determinação do artista em descobrir as suas próprias respostas mais fundamentais ao mundo, livres da ocupação do pensamento, esta remoção do movimento da mente também sinaliza um certo isolamento. A sua quietude contemplativa, semelhante àquela presente na concentração profunda da meditação, mantida distante do caos do mundo, como que para preservar um ser frágil e vulnerável num estado de serenidade. A maioria destes recipientes de chumbo estão selados, tornando a energia contida nestes inacessível. Outros têm buracos que correspondem a orifícios do corpo que sugerem interação entre a presença contida nas peles de chumbo e o mundo exterior; 

Trabalhos em betão – uma manifestação de um desejo crescente de se envolver com o mundo. O próprio explicou que “ os blocos descrevem o espaço entre o corpo e uma noção comprimida de arquitectura. Aquilo que penso tornar estes trabalhos bastante delicados é o princípio do toque nestes trabalhos, o toque. O betão tornou-se tornou-se um condicionalismo necessário. O meu trabalho sempre identificou o mínimo de espaço necessário para a ocupação do homem, mas parece-me que as peças em betão o fazem duma forma mais íntima, aberta e directa. Existe um ponto de contacto real com as particularidades do meu corpo – passado da vida para a arte, com cada ruga dos punhos marcada no betão.”



Trabalhos em ferro – uma mudança de ênfase, reflectida nas suas obras de ‘expansão’. O ferro está mais próximo da terra que o chumbo, além de responder, ao contrário deste, a mudanças atmosféricas (enferruja, e corrói até se desintegrar, eventualmente). Ao mesmo tempo o ferro é sólido e relativamente impenetrável;



Trabalhos em barro/terra – Gormley associa este material a um sentimento de liberdade, indicado em trabalhos como “Man Asleep” onde o chão em si age como uma fonte de energia indiferenciada;

Pensamento artístico: 

Interesse pela ideia de criar espaço - Espaço Que Existe em nós e sem nós



Dinâmica entre o corpo como “coisa” e como “um espaço”



Crença de que o corpo físico é inseparável da consciência: às vezes descrevendo-o como uma prisão, com os seus vários orifícios como ligação entre o ser interior e o mundo exterior e, ocasionalmente, como um “templo” do ser;



O desejo de Gormley de fazer escultura que seja um “veículo para a sensação” reflecte a sua rejeição da convenção da ideia tradicional de representação, e a sua proximidade com a tradição da criação de imagens, onde a principal consideração não é que a escultura deva representar o corpo e as suas partes, mas sim indicar a presença do corpo ao tornar o observador consciente do seu próprio corpo.



Atraído pela ideia de correspondência entre o visível e o invisível, referiu também que o seu interesse pelo corpo foi suscitado porque o “estar-no-mundo” lhe proporcionava uma forma de escapar à dualidade da dialéctica. Por outras palavras, para Gormley, o corpo é a articulação do significado; é aquilo no qual o sentido é dado e do qual o sentido emerge;

Há semelhanças com pensamento de Maurice Merleaux-Ponty (cuja filosofia de fenomenologia influenciou profundamente muita da arte do da década de 70; escreveu acerca da “imaginação dialéctica” marcada pelo impulso Hegeliano em direcção á síntese e á sinergia. Este acreditava que a imaginação, consegue acesso privilegiado ás dimensões ocultas do ser, o qual apelida em textos posteriores de “invisível”. Algo que pode ser imaginado mas não visto, não é não-existente mas pré-existe no visível. Cada dimensão “visível” do ser, para Merleaux – Ponty, está conectado correlativamente a uma dimensão imaginária; procurou estabelecer o real e o imaginário como dois reinos separados, mas correspondentes: separados ao nível ente comum, mas correspondentes ao nível do ser fundamental. Esta correspondência aplicada mesmo ao corpo humano – não é o utilizável, o funcional, corpo prosaico que explica o homem; pelo contrário, o corpo é precisamente humano na medida em que descobre a sua carga simbólica e poética). 

A cultura e os nossos corpos- “eu acredito em salientar o aspecto físico da consciência, pois acredito que é isso que nos liga como seres humanos. Para mim existem dois tipos de cultura, uma que é a expressão da ligação do homem com o mundo físico que o rodeia e o outro é-nos familiar a todos como a racionalização ocidental que nos separa do mundo físico. O paradoxo disto é que um leva-nos ao materialismo e racionalização e o outro á magia e á liberdade. O meu trabalho num mundo “destruído” mas consciente de si mesmo é reafirmar a conexão. O mundo e o meu corpo que tenho de identificar como um só”;



Afinidade com a escultura Indiana e os seus ideais - Gormley mencionou já a sua admiração pela escultura Jain do século VI, e os bronzes do sul da India, salientando a admiração pela sua “quietude” (uma qualidade observada também na maioria das suas figuras de chumbo).



Apesar da relação próxima com as práticas e ideais Indianos, a prática do yoga e os seus preceitos não é central no projecto de Gormley. O que é de facto vital é o sentido de compostura e auto-consciência que o budismo ensina, este sim frequentemente manifestado no trabalho de Gormley.



Pode-se dizer que a busca inicial de Gormley era pelo conhecimento intelectual e compreensão do mundo á sua volta. Trabalhou com objectos que haviam sido cut open (aberto) ou esfolados – as peles foram subtraídas. De início nada estava escondido; subsequentemente à medida que os objectos foram sendo cobertos – peles adicionadas – nada era revelado. E apesar disto ser apenas um pequeno passo, em termos formais, do involucro de objectos em de chumbo para o encasing (fechar em) de corpos nesse mesmo material. Este foco de atenção na figura coincidiu com a sua mudança radical de prioridades: reflectia um crescente desejo de incorporarar a experiência em vez do conhecimento. Gormley decidiu explorar na escultura, o que se sente ao ser humano; criar imagens que reflectem estados de ‘ser’.



Muitos dos desenhos do artista proporcionam-nos uma percepção especialmente aguçada do sentido de interioridade de Gormley: Eles sugerem que o homem pode ser visto tão claramente com o olho interior como com o exterior, e que no interior do recipiente que é a pele reside um mundo de polaridades, oposições e uma panóplia de sensações e sentimentos. Nos seus desenhos, os corpos flutuam livremente, como se estivessem no útero ou no espaço sideral; interagem uns com os outros mas estão fundamentalmente sozinhos. Parecem também ter superado a divisão entre corpo e espírito.



Gormley vê o espaço interior como sendo mais fluído e expansivo que a realidade exterior. Esta visão é corroborada por várias obras em chumbo realizadas a meio dos anos 80. “Tree” é um exemplo de uma peça traduzida directamente de desenhos. Ao comentar as características elongadas dos membros e pescoços dessas peças, o artista afirmou que “para tornar concreta a vida que se passa no interior da cabeça, não é possível mantermonos dentro das proporções clássicas.



O artista foi sempre também fortemente atraído para o mundo exterior. Habitualmente como parte da sua busca por encontrar correspondências com a sua experiência de espaço interior. Exemplo disto é “rearranged desert”. Desde então que a sua busca por

correlativos para com a expansividade do espaço interior o levou á colocação das suas peças em várias conjugações arquitecturais incomuns, assim como em paisagens. Com estas obras, à vista de todos, Gormley parece convidar toda a comunidade e não só o indivíduo, a habitar o seu espaço interior. 

Convicção de que, se queremos sobreviver, devemos equilibrar a acção exterior com a experiência interior da matéria. Exemplo disto será a obra “Field for the Art Gallery of New South Wales” onde este consegue com sucesso eliminar o limite entre o espaço interior e exterior. O centro desta obra foi pensada de forma a parecer muito mais grandiosa que as frágeis figuras, todas a olhar para cima, como que em súplica. Tidas em conjunto, reflectem um novo espírito de abertura, humildade e complacência para aceitar a responsabilidade de ser um humano falível num mundo material.



Gormley acredita que “A natureza está em nós; que estamos doentes quando não a sentimos. A doença de nos sentirmos separados do mundo é o que o está a matar. Nós somos terra acima do chão, cobertos por espaço, vistos pela luz. A distância inerente à visão fez com que tratássemos o ‘exterior’ como sendo diferente. A dominância da razão depende da externalização contínua do mundo. A luz da razão é equilibrada pela escuridão do corpo. O desconhecimento acerca da mente é a mesma que o desconhecimento do universo. Se quisermos sobreviver, temos de equilibrar a acção exterior com uma experiência interna da matéria. Esta é a grande subjectividade e a grande união. Esta união é expressa por aqueles que vivem perto da terra nas suas formas de viver. Nós temos de integrar a nossa percepção da interpenetração dinâmica dos elementos com o funcionamento da mente, e realizá-las no funcionamento do corpo. Temos de nos tornar conscientemente inconscientes e inconscientemente conscientes. Nós somos o mundo, nós somos os envenenadores do mundo, nós somos a consciência do mundo.”

Obras de destaque “Places with a past”, exibição site-specific realizada numa antiga prisão da cidade de Charlston, South Carolina. Neste espaço conjugou os trabalhos: “Host, Field, Three bodies, Learning to think, Fruit e Cord”, de forma a explorer a relação entre estes. A profundidade desta obra pode ser atribuída á sua recusa em excluir seja o particular ou o universal: engloba tanto a especificidade histórica como um sentido de experiência humana partilhada. Em termos formais isto é conseguido através do debilitamento da noção modernista do objecto auto-referêncial. Apesar de cada um dos elementos da instalação poderem ser comtemplados isoladamente, eles ganham mais significado quando percebidos como partes de um todo maior, e nesse sentido são como partes de um corpo.

“Learning to see” uma escultura figurativa cujo título combinado com os olhos fechados da obra sugerem que a visão em questão é dirigida para o interior, não o exterior. A sua composição em chumbo que sela e protege (simbolismo também associado ao material) não permite qualquer interacção entre o espaço interior e exterior. O artista afirma que a escultura é tão igualmente constituída de ar como de chumbo e fibra de vidro, de certa forma salientando que mesmo o que não conseguimos discernir com o olhar é um aspecto tão relevante da sua constituição como os outros dois. “Ver” neste contexto pode também ser definido como introspecção. Esta palavra é usada como tradução de Vipassana, que em conjunto com Bhâvanâ se torna o nome do tipo de meditação que Gormley estudou na India. Esta forma de meditação é baseado na consciência e na atenção, fugindo a qualquer especulação metafísica, e encoraja o desenvolvimento de mindfulness (o tornar-se consciente de algo) um tipo de consciência inconsciente do momento presente. A meditação Vipassana chama a atenção á forma como as ideias e as sensações desaparecem, reivindicando que assim se criam o desapego e a liberdade, na “consciência” do corpo. Esta noção está bastante presente na sua forma de pensar, ao contrário da noção budista de “impermanência”. “Field” – Baseado numa ideia simples: um grupo de pessoas são reunidas para trabalhar com a terra e criar um corpo colectivo. Os parâmetros para a realização das peças são precisos mas não restritivos. Estes são uma celebração de comunidade e humanidade comum; E quando reunidas, com os seus olhos virados em direção aos limiares dos espaços onde são exibidas, trazem o observador para a configuração. Esta obra procura, como todos os seus trabalhos, tornar o observador auto-consciente – mas neste caso, consciente do eu como como um ente imensamente importante, e simultaneamente, apenas uma pequena parte do corpo colectivo da humanidade. Por representar algo perto da realização de muitas das suas aspirações artísticas e éticas, é sem dúvida um trabalho cuja relevãncia não pode ser sobrestimada, pois rejeita o foco individual do criador e do objecto de arte singular. A tensão entre o ‘eu’ e o ‘não eu’ que caracteriza os recipieste de corpo em chumbo é também resolvida de forma inesperada por esta obra. O artista descreve-a como sendo ‘placeness’ (local) a ultrapassar ‘objectness’ (objectualidade). Alude á fragilidade da pele da matéria viva e para interconecção da vida. Talvez o motivo porque este trabalho afecte tanto seja porque “field” é uma paisagem de olhares, que olham para nós de forma a encontrar o seu lugar. Estas são dotadas de olhos como a expressão exteriorizada de insight (discernimento). “Lost Subject” – o observador é capaz de estabelecer uma relação directa e não mediada com esta obra pois esta ultrapassa a linha entre a realidade e a representação: as figuras são “recipientes em forma de corpo”, moldados a partir do próprio artista. Isto é também uma questão semiótica: a figura é uma indicação, e não um símbolo. Apesar do título da peça ser parcialmente referente á técnica do molde perdido, o seu principal objectivo é alertar o observador para a importância de preencher a perda ele mesmo. Também nos recorda que a peça não nos mostra um corpo ideal, seja na tradição clássica ou na expressividade modernista. É então um corpo concebido para ser um mediador entre a interioridade e a exterioridade, trabalhando através do efeito indicial da superfície.

Análise da obra a ser tratada no trabalho

CAPACITOR, 2001 Mild steel tubes: 12 mm (o/d), 5.5 mm (i/d). Mild steel rod: 5 mm x various lengths, Body-form: 190 x 48 x 35 cm. Fully extended work: 271 x 242 x 229 cm Photograph by Stephen White, London

Inicialmente, e sem um entendimento prévio da estética de Gormley, esta escultura interessoume mais pelas suas soluções formais e aspecto não usual. Analisando a obra, ocorreram-me várias hipóteses: As varas que partem do centro do corpo sugeriram-me uma tentativa de extensão além do seu núcleo; outra hipótese que me ocorreu foi que esta figura cravada de varas se estaria a defender do mundo exterior, um pouco á semelhança de um porco-espinho; fez-me pensar igualmente que poderia simplesmente ser uma forma diferente de representar um corpo,

neste caso através da sobreposição das varas no centro (isto antes de saber como o artista costuma realizar este tipo de obras). Depois destas primeiras considerações, procurei o significado do nome da obra. Um Capacitor, em português condensador, é um pequeno componente electrónico de dois terminais usado para armazenar energia electrostaticamente num campo eléctrico. Depois de reunir informação sobre o artista, e sabendo o significado do nome percebi que apesar da ignorância, as minhas primeiras impressões não estavam assim tão longe da verdade, mesmo que sendo um pouco superficiais. Para começar, o facto de a figura ser indistinta e negra faz com que seja impossível identifica-la além da sua forma humana, isto está relacionado com a vontade de Gormley de criar obras que possam ser percebidas universalmente, pelo menos quando estas são figurativas, e com as quais o expectador se possa identificar. Penso estar também presente um tema comum seu, que é a tentativa de dispersão da consciência de modo a abranger também a percepção do espaço exterior, ilustrada pelas varas de aço, talvez numa tentativa de compreendê-lo, ou até assimilálo. Está igualmente patente uma interação com o espaço e o expectador, que quando confrontado com a obra procura visionar o centro, mas sem se poder aproximar demais pois as mesmas varas que parece que se esticam para lhe tocar, também o impedem de se aproximar para uma inspecção mais próxima; adicionalmente, este cuidado redobrado que o observador tem de exercer para não tocar na escultura durante esta interação acaba por o tornar consciente do seu próprio corpo, isso e a semelhança entre o corpo da escultura e o seu. Esta dualidade é igualmente uma temática comum nalgumas das suas obras, pois se por um lado a sua posição estática nos sugere talvez concentração, ou ‘quietude’ como este já referiu, uma qualidade que quase isola o objecto (conhecendo o artista, posso também afirmar que a falta de indicações de orifícios no corpo é uma forma de realçar este isolamento). Nessa concentração quase meditativa a sua consciência efectivamente estende-se a partir do espaço interior. Por outro a sua semelhança com o observador é um ponto de contacto com este, que torna a obra de certa forma aberta. Por último o material usado, aço, associado às suas obras de ‘expansão’ (categoria em que penso que esta se pode encaixar). O ferro é um material mais próximo do natural por reagir às condições atmosféricas e elementos, provavelmente foi um material escolhido por esta proximidade ao ‘elemental’, algo já é também um tema recorrente.

Conclusão Penso que a obra está bem conseguida dentro do que o artista pretendia que acontecesse entre o observador e o objecto, especialmente tendo em conta que mesmo sem conhecimento de causa eu fui capaz de chegar a algumas leituras que se aplicam, mesmo que não a 100% da forma devida. O artista diz não gostar de análises superficiais das obras, no entanto estas têm tanta significância que é impossível chegar mais fundo sem conhecimento prévio. Pode no entanto ser apontado como uma contradição pois se este pretende atingir não só o intelectual mas o sensorial, então estas interpretações intuitivas acabam por ser tão válidas como as mais informadas. No geral, penso que os seus trabalhos mais recentes acabam por ter mais impacto, apesar de serem também de leitura mais complexa, e que as suas temáticas são interessantes, se bem que por vezes um pouco exaustivas, é um artista que se digere melhor quando observado através de uma selecção de obras, motivo pelo qual exposições de síntese como “Places with a past” têm talvez mais sucesso. Concordo com algumas coisas que este pensa, mais especificamente o pequeno texto em que descreve a ligação esquecida entre humanos e terra, apesar de mesmo dentro deste não concordar com tudo. Na minha opinião, um artista interessante, e que vale a pena conhecer, e que apesar de manter quase sempre no mesmo registo, (algo que se pode tornar um pouco cansativo, mas apesar de tudo louvável ser capaz de explorar ideias de forma tão extensiva), me surpreendeu com a quantidade de soluções e propostas variadas que conseguiu para esse mesmo tema.

Anexos

““Re-arranged desert”, 1979

“Blind Light”, Hayward Gallery

“ROOM FOR THE GREAT AUSTRALIAN DESERT”,1898

“Vessel”, 2012

“Subject”, 2012

“Field” for the art gallery of New South Wales

“Testing a world view”, 1993

“Offering”, 1992

“Lost Subject”, 1994

“Man Asleep”,

“Sleeping Places”

“Bed”, 1980 – 1981

“Full Bowl”, 1977

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.