AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA: AS UNIVERSIDADES PAULISTAS E O INGRESSO DE MINORIAS NO ENSINO SUPERIOR

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE

DE

DIREITO

TESE

DO

DE

LARGO DE SÃO FRANCISCO

LÁUREA

ORIENTADOR : PROF. DOUTOR CONRADO HÜBNER MENDES

AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE PÚBLICA BRASILEIRA: AS UNIVERSIDADES PAULISTAS E O INGRESSO DE MINORIAS NO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO.

AUTOR: LUÍS JIVAGO DE ASSIS QUIRINO – Nº USP 7212980

SÃO PAULO 2014

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“OS HOMENS DE COR PRECISAM, DEVEM TER UMA CONTRAIDEOLOGIA RACIAL E UMA CONTRA-POSIÇÃO EM MATÉRIA ECONÔMICO-SOCIAL.

O BRASILEIRO DE COR TEM DE SE BATER

SIMULTANEAMENTE POR UMA DUPLA MUDANÇA: A) A MUDANÇA ECONÔMICO-SOCIAL DO PAÍS; B) A MUDANÇA NAS RELAÇÕES DE RAÇA E COR.”

ABDIAS DO NASCIMENTO

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RESUMO As ações afirmativas constituem um instrumento jurídico para a promoção de justiça social. São medidas transitórias adotadas pelo Estado ou por particulares para dispensar um tratamento juridicamente diferenciado a grupos socialmente vulneráveis, com escopo de combater a discriminação que os afeta. Essas políticas afirmativas podem ser justificadas por intermédio de argumentos de justiça compensatória, justiça distributiva ou de promoção da diversidade. Elas possuem amparo constitucional no princípio da igualdade fática, cuja estrutura de direito de proteção demanda uma ação positiva do Estado para sua realização. Ao longo da última década, presenciou-se a aplicação deste tipo de discriminação positiva no acesso ao ensino superior público brasileiro. Os programas de ações afirmativas adotados pelas universidades do país em geral adotaram dois tipos critérios para atribuir o tratamento juridicamente diferenciado no exame vestibular: socioeconômico e étnico-racial. O primeiro, ao contrário do que se acredita, não se funda em um quadro de disparidade de capacidade acadêmica, mas sim de disparidade e subordinação econômica. Já o segundo critério se faz necessário devido à discriminação racial social e culturalmente construída em relação ao fenótipo dos indivíduos. A análise das experiências de destaque no Brasil e da situação de inclusão nas universidades paulistas permite uma comparação entre os Programas de ações afirmativas adotados dentro e fora de São Paulo. Desta comparação é possível extrair como síntese uma proposta de mudanças para o rumo das medidas de inclusão nas universidades estaduais paulistas. Palavras-chave: Ação Afirmativa; Justiça distributiva; Direito de Igualdade; Universidade Pública; Sistema de cotas.

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Sumário I. Introdução...........................................................................................................................7 Primeira Parte II. Ação Afirmativa..............................................................................................................11 III. Fundamentos Jusfilosóficos das ações afirmativas........................................................17 3.1. Justiça Compensatória...................................................................................................17 3.2. Justiça Distributiva........................................................................................................18 3.3. A diversidade.................................................................................................................24 IV. Fundamento Juspositivo das ações afirmativas..............................................................26 4.1. Igualdade.......................................................................................................................26 4.2. Mérito............................................................................................................................31 4.3. Autonomia universitária................................................................................................33 V. Critérios de discrímen......................................................................................................38 5.1. Socioeconômico............................................................................................................38 5.2. Étnico-Racial.................................................................................................................40 Segunda Parte VI. O caso da UERJ.............................................................................................................46 VII. O caso da UnB..............................................................................................................54 VIII. O caso da UFBA..........................................................................................................56 IX. A adpf 186......................................................................................................................66 X. A lei federal nº 12.711/2012............................................................................................78 Terceira Parte XI. O caso da UNICAMP.....................................................................................................82 XII. O Caso da USP.............................................................................................................87 XIII. O caso da UNESP........................................................................................................98 XIV. O pimesp...................................................................................................................104 XV. Alternativas ao Pimesp...............................................................................................112 XVI. Conclusões................................................................................................................114 Bibliografia.........................................................................................................................123

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I. INTRODUÇÃO

Não é necessário recorrer a estatísticas para demonstrar as assimetrias existentes no Brasil entre brancos e negros ou entre pobres e ricos. No entanto, esse tipo de argumento, por ser dotado de alegada objetividade, é recorrente no discurso de críticos e defensores das ações afirmativas, principalmente no âmbito educacional. Render-se-á a este perfil de argumentação neste trabalho, de sorte que, para esta pesquisa, pretende-se trazer estatísticas das características socioeconômicas e étnico-raciais do corpo discente das universidades paulistas e de outras universidades brasileiras selecionadas pela relevância das medidas inclusivas por elas adotadas. Segundo o PNAD de 2009, apenas 19% dos jovens têm acesso ao ensino superior; entre os não-brancos (Pretos, Pardos e Indígenas), esse percentual cai para 11%. 1 Evidentemente, o acesso ao Ensino Superior é um bem escasso, cuja distribuição é marcada por desigualdades; há, na educação, uma projeção da discriminação e da dominação existentes nos estratos sociais. Quando se consideram somente as instituições públicas de Ensino Superior, essas desigualdades são ainda mais latentes. O perfil dos estudantes das universidades federais, traçado pela ANDIFES (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) em 2004, mostrava que 5,9% dos estudantes das universidades federais eram pretos, enquanto 28,3% eram pardos. Em 2010, esses percentuais aumentaram para 8,72% e 32,8%, respectivamente2. Neste mesmo ano, 45% do corpo discente das universidades federais era composto por estudantes egressos do Ensino Médio público. Pode não parecer, mas trata-se de um percentual sub-representativo, considerando-se que 88,2% dos concluintes do Ensino Médio o cursaram em escolas públicas3. 1

Artigo disponível em: , acessado em 11/10/2014. 2 Dados disponíveis em: , acessados em 11/10/2014. 3 Estatísticas do censo escolar de 2010, disponíveis em: , acessadas em 10/10/2014.

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Na Universidade de São Paulo, como será exposto em capítulo próprio, apenas 25,7% dos estudantes ingressantes em 2010 haviam cursado o Ensino Médio em escolas públicas e somente 12,5% se autodeclaravam Pretos, Pardos ou Indígenas. Em síntese, as desigualdades sociais e raciais incrustadas na estrutura social se refletem de forma sensível na seara educacional, principalmente quando se trata do Ensino Superior público, constituído por instituições de alta qualidade e renome. As vagas em universidades públicas são, tendo em vista os dados já apresentados, “bens relevantes” extremamente escassos e sua distribuição desigual entre grupos sociais desperta o interesse de análise e motiva a proposição de ações afirmativas que pretendam corrigir essas desigualdades. Ao longo da última década, a discussão em âmbito nacional sobre as ações afirmativas na seara educacional passou de um momento incipiente – marcado por duras críticas à sua existência e uma grande indecisão do judiciário em relação à sua constitucionalidade – para um segundo momento, em que há um grande número de instituições de ensino públicas adotando esse tipo de medidas. Isso leva a crer que o impasse inicial sobre sua possibilidade de existência foi superado. No início dos anos 2000, as primeiras universidades a adotarem políticas afirmativas sensíveis à raça e à condição socioeconômica enfrentaram grande resistência da opinião pública, do judiciário e da própria comunidade acadêmica, em certa medida. Havia grande controvérsia acerca da adequação destas medidas para a promoção da igualdade substancial e o combate à discriminação. No que diz respeito ao sistema de cotas, questionava-se se este seria o meio menos gravoso capaz de realizar estes escopos, cogitando-se alternativas viáveis para promover igualmente a inclusão dos grupos destinatários das ações afirmativas sem lhes atribuir exclusividade a uma parcela das vagas da universidade. Nessa esteira, foi elaborado o programa de ações afirmativas da Unicamp, como será visto adiante. Questionava-se também se políticas desse cunho se coadunariam com a ordem constitucional brasileira. A partir de seu surgimento em 2003, diversas decisões judiciais tanto reconheceram como negaram a constitucionalidade das ações afirmativas. Esse cenário gerou um paradoxo: estas políticas continuaram sendo implementadas, ao mesmo tempo que alguns estudantes não beneficiados ingressavam judicialmente contra elas e

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obtinham provimentos individuais que lhes permitiam ingressar na universidade, gerando insegurança em relação à continuidade da política pública.4 Neste contexto, a decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 186 e a promulgação da Lei Federal nº 12.711/2012 constituem grandes marcos no processo de amadurecimento de políticas públicas de cunho afirmativo no âmbito educacional. Como se verá adiante, é a partir deste momento que a constitucionalidade dessas políticas é cabalmente afirmada e a política de cotas passa a ser adotada em larga escala. No momento atual da discussão sobre o tema, superada a questão da viabilidade da adoção de ações afirmativas pelas universidades públicas, cabe analisá-las enquanto políticas públicas, buscando as formas mais efetivas e mais consentâneas com a ordem constitucional. Este trabalho pretende analisar as ações afirmativas empregadas no acesso às instituições públicas de ensino superior no Brasil e, mais detidamente, as políticas deste cunho empregadas nas universidades paulistas (Unicamp, Unesp e USP). Todavia, não se intenciona apenas expor o atual “estado da arte” no país, mas sim fazer uma análise comparativa dos programas de ações afirmativas adotados pelas universidades paulistas e por outras universidades públicas do Brasil. Eventualmente, poder-se-á chegar a uma conclusão sobre qual seria a forma mais aperfeiçoada dessas políticas inclusivas, forma que, potencialmente, poderia ser adotada no Estado de São Paulo. Para tanto, cabe, inicialmente, tecer breves considerações sobre as ações afirmativas, a fim de estabelecer sua base teórica e definir conceitos importantes para a discussão que virá a seguir. Faz-se necessário elaborar uma definição de ação afirmativa, fazer uma exposição acerca do fundamento destas políticas inclusivas – tanto jusfilosófico, quanto juspositivo – bem como a identificação dos critérios de discrímen mais recorrentes

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Inúmeras ações individuais e mandados de segurança foram impetrados por candidatos que se sentiram preteridos pelo sistema de reserva de vagas, pois suas notas teriam sido superiores às obtidas pelos ingressantes cotistas. A título exemplificativo, as apelações cíveis nº 2008.71.00.003346-0 e nº 2008.71.00.004104-2, julgadas pelo TRF 4ª Região, consideraram inconstitucionais os programas de ações afirmativas adotados pela UFRGS e pela UFSC, respectivamente. No TJRJ também foram impetrados ao menos 300 mandados de segurança somente em 2003. Diversas dessas ações concederam em juízo liminar o direito de seus autores a ingressarem na universidade, gerando um quadro marcado pela divergência entre decisões judiciais. Essa situação é exposta na matéria de Demétrio Weber “Cotas dividem o Judiciário. Uma guerra de liminares envolve o debate sobre a reserva de vagas nas universidades”, publicada no jornal “O Globo” de 10 de março de 2008. Disponível em , acessada em 10/10/2014.

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no Brasil – o étnico-racial e o socioeconômico. Este será o objeto da primeira parte desta monografia. Em seguida, serão abordadas experiências nacionais de destaque, seja pelo pioneirismo (UERJ e UnB), seja pela influência de seu modelo sobre o processo de aperfeiçoamento dessas políticas públicas (UFBA). Além disso, é obrigatório debruçar-se sobre a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 186, bem como sobre o modelo de ações afirmativas instituído pela Lei federal nº 12.711/2012, dada sua importância na transição para o momento atual de discussão sobre o tema. Esta contextualização do panorama nacional sobre as ações afirmativas será o objeto da segunda parte deste trabalho. Caberá, ainda, analisar os dados das universidades do Estado de São Paulo (Unicamp, Unesp e USP). A exposição do contexto de elaboração dos programas de ações afirmativas por elas adotados e a comparação dos dados de inclusão socioeconômica e étnico-racial, antes e depois do advento das medidas inclusivas, permitirá fazer um paralelo com os dados das demais universidades brasileiras, ensejando extrair uma conclusão acerca do modelo de ações afirmativas adotado em São Paulo e, eventualmente, propor a adoção de medidas que se mostrem mais adequadas para promover a inclusão e menos restritivas aos direitos fundamentais em jogo. Este será o escopo da terceira parte deste trabalho.

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II. AÇÃO AFIRMATIVA Antes de começar a incursão sobre as variadas ações afirmativas adotadas pelas universidades públicas brasileiras, é necessário esclarecer qual o conceito que se adota para elas. O assunto merece atenção porquanto há definições das mais diversas, encontradas tanto no âmbito normativo quanto nas obras doutrinárias. A Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de desigualdade racial de 21 de dezembro de 1965, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 65.810, de 8 de dezembro de 1969, traz em seu artigo 2º.2 uma definição normativa de ações afirmativas, entendidas como: “[...]medidas especiais e concretas [nos campos social, econômico, cultural e outros] para assegurar, como convier, o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais ou de indivíduos pertencentes a esses grupos, com o objetivo de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Essas medidas não deverão, em caso algum, ter a finalidade de manter direitos desiguais ou distintos para os diversos grupos raciais, depois de alcançados os objetivos, em razão dos quais foram tomadas” Note-se que essa definição apresenta alguns inconvenientes. O primeiro a ser observado é a vinculação a um critério de discrímen específico: o racial. Apesar de a gênese das ações afirmativas (tanto no ocidente como no oriente) remontar a critérios étnico-raciais5,6, seu atual estágio de evolução induz ao desprendimento desse tipo de política pública do critério exclusivamente racial. Outro inconveniente é considerar ações afirmativas somente “medidas especiais e concretas”, denotando que, ao revés, medidas gerais e abstratas não seriam enquadradas 5

SOWELL, Tomas, Affirmative Action Around the World: An Empirical Study. New Haven, Conn, Yale University Press, 2004. 6 RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, p. 158

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nesta categoria. Generalidade e abstração são características da própria lei, o que poderia levar o intérprete ao equívoco de considerar que algumas das medidas abordadas neste trabalho, por serem veiculadas em diplomas legislativos, não se enquadrariam na categoria de ações afirmativas. Essa definição, no entanto, tem a virtude de trazer consigo um elemento essencial das ações afirmativas, que, por vezes, é esquecido por aqueles que a positivam ou descrevem: o caráter transitório. Como bem observado, a ação afirmativa não pode ser perpétua, sob pena de se tornar verdadeiro privilégio: sua duração deve estar sempre adstrita à permanência das desigualdades que ensejaram sua edição. Na legislação interna, há outra definição normativa para ações afirmativas. Trata-se daquela prevista no Estatuto da Igualdade Racial, Lei federal nº 12.288/2010, em seu artigo 1º, parágrafo único, inciso VI, veja-se: “Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica. Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se: [...] VI - ações afirmativas: os programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.” Além de não abordar o caráter temporário das ações afirmativas, elemento essencial e não acidental de sua definição, o texto do art. 1º da Lei federal nº 12.288/2010 vincula a finalidade das ações afirmativas à “correção das desigualdades raciais” e à “promoção da igualdade de oportunidades”. Note-se que essa definição não deixa de incorrer na mesma limitação que a anterior, em relação ao critério de discrímen adotado. Ademais, ela limita as finalidades perseguidas pelas políticas de afirmação a uma “igualdade de oportunidades”, ao que parece ser uma “redistribuição de pontos de partida” e não de “pontos de chegada”. As ações afirmativas vão além: em um plano prospectivo, buscam resultados ideais; em vários casos, possuem 12

metas bem definidas; visam, portanto, à promoção de um quadro de igualdade substancial na distribuição dos “bens da vida” e não só no ponto de partida da competição por eles. Todavia, ao textualizar a possibilidade de adoção das ações afirmativas tanto pelo Estado como pela iniciativa privada, essa definição chama a atenção para um aspecto relevante em relação à qualidade do sujeito prestador da ação afirmativa: não há um monopólio do Estado em adotar tais ações. Os entes privados também são dotados de capacidade para estabelecer medidas deste cunho; quiçá poder-se-á afirmar que são jungidos pelo mesmo dever que o Estado, consistente na obrigação de promover a igualdade substancial por meio dessas medidas de discriminação positiva7. De outra parte, ROGER RAUPP RIOS, ao se debruçar sobre o tema, elabora a seguinte definição: “o uso deliberado de critérios raciais, étnicos ou sexuais com o propósito específico de beneficiar um grupo em situação de desvantagem prévia ou de exclusão, em virtude de sua respectiva condição racial, étnica ou sexual.”8 Novamente, limitam-se as ações afirmativas a determinados critérios de discrímen, e, por conseguinte, a um conjunto limitado de grupos beneficiários, desconsiderando, por exemplo, a viabilidade de ações afirmativas sensíveis a critérios socioeconômicos. Porém, essa definição traz à baila um outro aspecto importante quando se trata de ações afirmativas: a vulnerabilidade social. A “situação de desvantagem prévia” é uma especial característica dos grupos beneficiários das ações afirmativas. Tal desvantagem deve, ainda, ocorrer em virtude da apresentação de uma condição negativamente valorada pelo grupo social hegemônico, seja ela de ordem racial, de gênero, socioeconômica, entre outras. O conceito de minoria envolve essas características. Trata-se de um conceito qualitativo e não quantitativo, de modo que uma minoria pode ser composta pelo maior

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A questão sobre a compulsoriedade ou não das políticas privadas de caráter afirmativo perpassa pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que, a despeito de suscitar o interesse de pesquisa, extrapola os lindes deste trabalho. A título exemplificativo, diga-se somente que a legislação trabalhista (Lei federal nº8.213/91) estipula a reserva de determinado percentual vagas de empresas privadas para portadores de necessidades especiais. 8 RIOS, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, p. 158.

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número de indivíduos de um determinado universo. É o que ocorre, por exemplo, com os negros no Brasil. A minoria é composta por um grupo não hegemônico de indivíduos em condição de vulnerabilidade social, de sorte que demandem uma especial proteção do Estado.9 Segundo JOÃO FERES JÚNIOR (coord): “Ações afirmativas são políticas focais que alocam recursos em benefício de pessoas pertencentes a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente. Trata-se de medidas que têm como objetivo combater discriminações étnicas, raciais, religiosas, de gênero ou de casta, aumentando a participação de minorias no processo político, no acesso à educação, saúde, emprego, bens materiais, redes de proteção social e/ou no reconhecimento cultural.” Essa definição traz a lume outro elemento importante: a discriminação. Ela é a razão de ser das ações afirmativas: só existirá medida desse cunho para corrigir as assimetrias produzidas por um quadro de discriminação. Embora o autor e os demais pesquisadores do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas) concebam as ações afirmativas em um sentido mais amplo, chamam a atenção para o sentido estrito em que, recorrentemente, estas políticas são abordadas: “No debate público e acadêmico, a ação afirmativa com frequência assume um significado mais restrito, sendo entendida como uma política cujo objetivo é assegurar o acesso a posições sociais importantes a membros de grupos que, na ausência dessa medida, permaneceriam excluídos. Nesse sentido, seu principal objetivo seria combater desigualdades e dessegregar as elites, tornando sua composição mais representativa do perfil demográfico da sociedade.”10 9

SILVA, Nilson Tadeu Reis Campos e Siqueira, Dirceu Pereira (coord), Minorias & Grupos Vulneráveis Reflexões Para Uma Tutela Inclusiva, São Paulo, Boreal, 2013, p. 49. Apesar de haver certa dificuldade em conceituar “minoria”, vocábulo plurívoco, a definição ligada ao fator de vulnerabilidade social pareceu ser a mais adequada. 10 Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa - GEMAA. (2011) "Ações afirmativas". Disponível em: , acessado em

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Nessa esteira, está a definição de JOAQUIM BARBOSA, segundo a qual: “(...) as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.”11 A abordagem em comento, além de suscitar a controvérsia acerca da compulsoriedade ou não das políticas privadas de cunho afirmativo, bem como limitar sua ocorrência a determinados grupos discriminados, restringe a amplitude do conceito, como apontado acima. A perspectiva de Joaquim Barbosa sobre as ações afirmativas pressupõe como finalidade destas medidas “igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego”. Conforme será visto adiante, o direito a redistribuição, alicerce das ações afirmativas, vai além da redistribuição de “bens fundamentais”: abarca, também, a de reconhecimento e a de representação. Ademais, essa concepção se prende à ideia de ascensão social e consequente diversificação das elites. Todavia, as políticas afirmativas podem simplesmente visar à superação da condição de miserabilidade, garantindo um substrato mínimo essencial, prérequisito para a obtenção do status de cidadania plena. Os programas de distribuição de renda ou mesmo algumas medidas sensíveis a critérios socioeconômicos adotadas nas universidades públicas seriam preteridos por este último critério estrito. Por todo o exposto, conclui-se que medidas de caráter afirmativo podem ser adotadas tanto por entes públicos como privados; sua finalidade é combater uma situação de discriminação, promovendo a igualdade concreta e possibilitando o pleno gozo dos 10/10/2014. 11 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação afirmativa e princípio constitucional da igualdade: o direito como instrumento de transformação social: a experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 35-38

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direitos pelo grupo discriminado; e os destinatários dessas políticas são grupos não hegemônicos, marcados pela vulnerabilidade social, de modo que demandem uma especial proteção do Estado. Tais medidas consistem, resumidamente, em dispensar um tratamento juridicamente diferenciado aos beneficiários já citados. Merece relevo, ainda, o fator de duração das ações afirmativas. Estas devem perdurar somente enquanto se verificar o quadro de desigualdades que deu ensejo à sua adoção. Logo, ações afirmativas podem ser entendidas como as medidas transitórias adotadas pelo Estado ou por particulares para dispensar um tratamento juridicamente diferenciado a grupos socialmente vulneráveis, com escopo de combater a discriminação que os afeta.

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III. FUNDAMENTOS JUSFILOSÓFICOS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS Os principais argumentos que servem de fundamento às ações afirmativas são três: o argumento de justiça compensatória; o de justiça distributiva; e o de diversidade. Esses argumentos serão abordados a seguir, cada um a seu tempo.

3.1. JUSTIÇA COMPENSATÓRIA Segundo este argumento, as ações afirmativas seriam devidas em função de um dano causado a determinada minoria no passado; apresentam, portanto, caráter compensatório em razão de uma discriminação sofrida. Tal argumento é recorrente na opinião pública para justificar medidas compensatórias sensíveis à raça, aduzindo que seriam devidas por conta do histórico escravocrata do Brasil. Foi, inclusive, abordado por alguns ministros do STF na leitura de seus votos para fundamentarem a constitucionalidade do Programa de ações afirmativas da UnB no julgamento da ADPF 186. No Brasil, tal qual nos Estados Unidos, os defensores das ações afirmativas tecem essa argumentação ao justificar a adoção de políticas afirmativas para negros com base no período histórico escravocrata, pelo qual ambos os países passaram. Os negros, pois, fariam jus a uma compensação, com vistas a reparar os danos que eles sofreram, causados pelos brancos no período em que eram considerados semoventes, meros bens de produção. Todavia, esse argumento sofre severas críticas, porquanto não seria possível identificar quem são as “vítimas” do flagelo histórico, aptas a serem beneficiárias das ações afirmativas. Na realidade, mais de 120 anos após a abolição da escravidão, sequer os indivíduos que sofreram diretamente este flagelo estão vivos. Tampouco seria justo exigir a prestação compensatória de gerações que nada tiveram a ver com o dano causado a determinada minoria no passado.

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Essas dificuldades são recrudescidas em nossa sociedade miscigenada, na qual possíveis algozes e beneficiários se imiscuem, tornando praticamente impossível a tarefa de distinguir esses grupos. À parte essas dificuldades de ordem prática (que também são atribuíveis a qualquer outro argumento fundamentador das ações afirmativas), a objeção ao argumento de justiça compensatória pressupõe uma moral individual, centrada no sujeito, considerado racional e autônomo. Desse modo, estabelece-se uma ordem de responsabilidade moral individual, na qual cada um responde somente por seus atos.12 Por outro lado, se se admite uma responsabilidade moral coletiva, há bases para que se exija da geração atual uma compensação aos negros em virtude da discriminação passada, mormente a escravidão, que os colocou em posição de inferioridade em relação aos brancos. Ou seja, a procedência desse argumento depende da concepção de ordem moral que a sociedade adota, coletiva ou centrada no indivíduo.

3.2. JUSTIÇA DISTRIBUTIVA Daniela Ikawa se debruça sobre a questão da adoção de políticas afirmativas para negros em universidades brasileiras sob dois marcos: um marco jurídico-moral e um marco jurídico-político, ambos estabelecidos pela Constituição.13 O estudo em comento tem por pressuposto um conceito específico de ser humano, concebido como o ser autônomo cujas potencialidades são desenvolvidas pela articulação em relação a hierarquias morais convencionais preestabelecidas. Ao mesmo tempo em que esses seres são dotados de iguais potenciais morais (de onde deflui o direito ao igual respeito), haveria uma diferença identitária que conferiria o caráter único a cada ser humano. A definição de ser humano é, portanto, marcada por um equilíbrio entre igualdade e diferença14. A autora identifica como princípio fundamental estrutural da questão a dignidade humana, ulteriormente densificada por outros princípios constitucionais. Do princípio da 12

SANDEL, Michael J., Justiça: o que é fazer a coisa certa, 6ª ed., Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2012, p. 212. 13 IKAWA, Daniela, Ações Afirmativas em Universidades, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 1. 14 Tal conceito é delineado a partir da obra de Charles Taylor, conforme a autora expressamente admite. IKAWA, Daniela, Ações Afirmativas em Universidades, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p.21.

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dignidade humana decorreriam outros dois princípios fundamentais: o da igualdade de respeito e o da expansão igualitária da autonomia.15 A igualdade de respeito decorreria do igual valor intrínseco que cada ser humano tem, a igualdade de potencial moral. Essa igualdade de respeito, segundo a autora, serve de parâmetro de julgamento para a diferença e parâmetro regente do direito à redistribuição. Destarte, a autora identifica um direito subjetivo à ação afirmativa com base nesse princípio de igual respeito.16 A expansão igualitária da autonomia seria decorrência da necessidade de o indivíduo ter liberdade para fazer o que julga ser bom, mesmo que seja o diferente. Dessa maneira, seria assegurada a identidade dos seres humanos, permitindo a eles a construção de hierarquias morais, segundo as quais poderiam atribuir valores diferentes às coisas, garantindo sua diferenciação identitária. O princípio da igualdade de respeito seria o limite do princípio da expansão igualitária da autonomia. A partir do momento em que fossem construídas hierarquias morais convencionais que inferiorizassem os indivíduos por conta de sua raça, gênero ou origem, haveria o dever de superação dessas diferenças nocivas, em nome da igualdade de respeito. Surge um espaço de intervenção do Direito para garantir substratos para o pleno exercício das potencialidades humanas. Assim, não basta conferir a todos os indivíduos direitos iguais em abstrato: requer-se uma prestação positiva, que leve em consideração indivíduos historicamente desfavorecidos, no sentido de materializar os valores de universalidade e imparcialidade. Surge, assim, o direito à redistribuição. Nesse passo, a autora faz uma diferenciação entre a redistribuição econômica e a redistribuição de reconhecimento.17 Ela aponta que essas categorias se diferenciariam, sobretudo em seus objetivos e nos bens a serem redistribuídos, ao mesmo tempo em que seriam complementares e indissociáveis. Redistribuição econômica engloba a redistribuição de bens que não são necessariamente recursos financeiros – como, por exemplo a educação, mais especificamente o acesso ao Ensino Superior em uma universidade pública, como afirmado anteriormente. Tal redistribuição se prestaria a combater tanto a desigualdade acentuada de 15

IKAWA, Daniela, Ações Afirmativas em Universidades, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, pp. 40-45. Nesse sentido também Ronald Dworkin em A virtude soberana, p. 405. 17 A exposição de Daniela Ikawa sobre redistribuição é amplamente influenciada pela obra de Nancy Fraser e Axel Honneth. Redistribution or Recognition? A political filosophical exchange. 16

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classe – compreendida como aquela oriunda de uma hierarquia moral convencional que identifica indivíduos portadores de determinadas características, que gozariam de maior grau de respeito em detrimento dos outros – quanto a pobreza – compreendida como a insuficiência de um substrato mínimo existencial. Já a redistribuição de reconhecimento abarca a necessidade de redistribuição de outro tipo de bens (participação midiática, por exemplo), sem necessariamente ter conteúdo econômico, sob outros fundamentos: combater a desigualdade de reconhecimento e a ausência de reconhecimento. No primeiro caso, haveria uma hierarquia moral convencional que conferiria mais respeito (na acepção de reconhecimento) aos mais abastados em detrimento dos outros. Já o segundo aspecto seria a absoluta negativa de respeito aos menos abastados. A complementaridade entre as duas redistribuições residiria no fato de que a reafirmação da dignidade humana e a consequente viabilização de que o indivíduo possa desenvolver plenamente suas potencialidades intrínsecas só seria alcançada com as duas distribuições. Além disso, a autora destaca que, no Brasil, as hierarquias econômicas e as de reconhecimento estão interconectadas no caso da discriminação racial e da discriminação econômica. Ressalta também que pode ocorrer uma coincidência entre os bens a serem redistribuídos, entre os processos de redistribuição e os beneficiários destas políticas, além de um intercâmbio entre os objetivos colimados pela redistribuição. Este argumento de redistribuição repousa sobre uma teoria tridimensional da justiça social.18 Além da redistribuição (em sentido estrito) e do reconhecimento, há a dimensão da representação. Nancy Fraser traça uma linha evolutiva do feminismo da segunda metade do século XX à atualidade, a chamada segunda onda feminista. Nesse período, a autora identifica três fases marcadas por diferentes demandas feministas. A primeira fase19 é contextualizada no Estado de bem-estar-social dos Estados Unidos e nas Sociais-democracias da Europa, do pós segunda guerra mundial. Havia um acordo de solidariedade social entre as classes, que, todavia, repousava sobre exclusões de gênero, de etnia ou raça e sobre um sistema de exploração neocolonial. 18

Fraser, Nancy. “Mapping the Feminist Imagination: From Redistribution to Recognition to Representation” in The future of gender, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 17-34 19 Fraser, Nancy. “Mapping the Feminist Imagination: From Redistribution to Recognition to Representation” in The future of gender, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 19-20.

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As demandas feministas estavam centradas na luta pela “politização do aspecto pessoal pessoal” (Politicizing the personal), uma luta para que fossem admitidos problemas sociais além daqueles referentes à divisão da sociedade em classes: as questões de gênero. Era uma tentativa de desdobramento do “ethos” igualitário das questões de classe para as questões de gênero. Neste período, define-se a dimensão da redistribuição (Redistribution), que visa aplacar a concentração de renda e recursos. Esta dimensão representa o aspecto econômico da justiça social. A segunda fase20 tem como palco o período após a queda do regime socialista e da ascensão do neoliberalismo nas democracias ocidentais. O cerne da luta feminista passa a ser a valorização das diferenças e não a promoção da igualdade. A luta pelo reconhecimento de elementos identitários toma a dianteira das demandas dos movimentos sociais de grupos minoritários. A subordinação é dissociada das questões de economia política, de um quadro de luta de classes, e passa a ser compreendida exclusivamente como um problema cultural. Ocorre uma autonomização do projeto cultural, que deixa de ser acompanhado das reivindicações de justiça distributiva de outrora. Neste período, é concebida a dimensão do reconhecimento (Recognition), que visa valorizar as diferenças entre os indivíduos e afirmar uma identidade de gênero. Esta dimensão representa o aspecto cultural da justiça social. A autora destaca que a transição das demandas de redistribuição para as demandas de reconhecimento está inserida em um contexto maior, marcado por fatores como a globalização, o neoliberalismo que transcende fronteiras nacionais, a “guerra ao terror” e o “evangelicalismo”. Nesse sentido, identifica o fracasso do movimento feminista nesse período, por abandonar as demandas de redistribuição e por não acompanhar a evolução transnacional do livre mercado e, por conseguinte, do chauvinismo.21 Fraser afirma a necessidade de reintegração das demandas de redistribuição e reconhecimento e de reenquadramento destas postulações em meio a uma ordem cada vez mais transnacional. 20

Fraser, Nancy. “Mapping the Feminist Imagination: From Redistribution to Recognition to Representation” in The future of gender, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 20-21. 21 Fraser, Nancy. “Mapping the Feminist Imagination: From Redistribution to Recognition to Representation” in The future of gender, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 21-25.

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Surge, então, na terceira fase22 da segunda onda feminista, uma necessidade de transnacionalização das demandas feministas. O contexto da globalização é marcado por fontes transnacionais de injustiça social. A globalização acarreta a crescente internacionalização dos processos decisórios, como ocorre sistemas interestatais como a União Europeia. Sem embargo, mesmo as medidas tomadas pelo Estado territorial passam a ter repercussão cada vez mais extensas e intensas no plano internacional. O desaparecimento das fronteiras entre os mercados fortalece progressivamente os poderes privados transnacionais, a exemplo das grandes corporações multinacionais. Além disso, a globalização dos meios de comunicação fortalece uma “opinião pública global”. A despeito das fontes de injustiça serem cada vez mais transnacionais, as estruturas opostas a elas para dirimir conflitos permanecem no plano do Estado territorial, o que caracteriza o problema do mau enquadramento. Principalmente aos pobres e aos grupos minoritários, é negado o acesso às demandas transnacionais. Neste período, consolida-se a dimensão da representação (Representation), que visa não só assegurar às mulheres igualdade de participação em comunidades políticas já constituídas, mas também permitir o reenquadramento de demandas que não podem ser contidas no regime constituído do Estado territorial. Esta dimensão representa o aspecto político da justiça social. È imperioso notar que a teoria tridimensional de justiça social desenvolvida pela autora com base nas questões de gênero também se aplica às questões socioeconômicas e de raça/etnia. DO mesmo modo que as ações afirmativas surgiram em função de questões raciais e foram estendidas a questões de gênero, é possível afirmar que os três componentes da justiça social - redistribuição, reconhecimento e representação – também são aplicáveis às questões raciais e socioeconômicas, pois em todas elas há o elemento central comum: a discriminação subordinando uma minoria. Nesse passo, os programas de ações afirmativas para estudantes de escolas públicas e Pretos, Pardos e Indígenas (PPIs) beneficiam duas minorias relacionadas, já que há uma interseção entre hierarquia econômica e hierarquia racial no Brasil.

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Fraser, Nancy. “Mapping the Feminist Imagination: From Redistribution to Recognition to Representation” in The future of gender, Cambridge, Cambridge University Press, 2007, pp. 25-28.

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O presente trabalho, ao versar sobre medidas de fomento ao acesso ao Ensino Superior público por parte de jovens não brancos e egressos de escolas públicas, engloba as três dimensões da justiça social. Isto porque, além de se buscar a diminuição das diferenças de classe, procura-se o maior reconhecimento das categorias discriminadas e, futuramente, a maior participação política para defender adequadamente suas demandas. A redistribuição de educação não apresenta somente reflexos econômicos como também implicações para o prestígio social e para a participação nos processos decisórios por parte das minorias beneficiadas. As atuação das medidas inclusivas adotadas pelas universidades brasileiras nestes três aspectos deve ser compreendida de modo integrado, pois há simultaneidade, complementaridade e interdependência entre eles. Nesse passo, os sistemas de cotas para estudantes de escolas públicas e não-brancos beneficiam duas minorias relacionadas, já que há uma interseção entre hierarquia econômica e hierarquia racial no Brasil.

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3.3. A DIVERSIDADE Ronald Dworkin23 defende as ações afirmativas sob outro viés. Elas seriam um meio eficaz de promover a diversidade e, dessa forma, atingir o bem comum. As preferências a jovens de minorias étnicas na admissão de estudantes nas universidades estariam inseridas em um esforço maior de pluralizar o ambiente acadêmico, trazendo diferentes visões de mundo para o seio da universidade, provenientes das mais diversas origens étnicas, geográficas, sociais e econômicas. A diversidade é compreendida como um valor consentâneo com a missão institucional das universidades. Nesse passo, no que diz respeito à discriminação, o autor defende que a admissão de estudantes negros beneficiaria não só o ambiente acadêmico. Para além de franquear o acesso dos negros a uma instituição social à qual eles não tinham acesso, as políticas afirmativas aplicadas à educação teriam o condão de promover os negros por elas beneficiados a posições de destaque na sociedade, nos meios empresarial, político e cultural, por exemplo. Nota-se que o argumento da diversidade é, em certa medida, um desenvolvimento do argumento de justiça distributiva, podendo ser associado aos conceitos de redistribuição, reconhecimento e representação. Paulatinamente, a consciência da sociedade acerca das diferenças raciais, bem como a valoração negativa atribuída a essas diferenças (preconceito, substrato da discriminação racial), esvair-se-iam, dando lugar a uma sociedade mais justa, igualitária, livre e plural. As críticas mais comuns a este argumento são de duas ordens: uma prática e a outra ideológica.24 A primeira consiste em afirmar que as ações afirmativas não seriam eficazes em produzir a diversidade a que se propõem. Ao contrário, aumentariam a consciência que se tem das diferenças raciais. O estudo de Derek Bok e William Bowen desmistifica esse argumento, assentando em um minucioso trabalho estatístico a conclusão de que as ações afirmativas aplicadas 23

DWORKIN, Ronald, A virtude soberana, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 599-605 SANDEL, Michael J., Justiça: o que é fazer a coisa certa, 6ª ed., Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2012, pp. 213-214. 24

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aos critérios de admissão das universidades estadunidenses efetivamente promoveram a diversidade e a igualdade substancial entre negros e brancos.25 A segunda ordem de críticas consiste em afirmar que a utilização de critérios raciais na seleção de candidatos a uma vaga na universidade, por si mesma, violaria direitos subjetivos fundamentais. Ao conferir um tratamento diferenciado para os candidatos negros, justificado pelo telos de promover a diversidade em prol do bem comum, as universidades excluiriam a meritocracia dos critérios de admissão e desrespeitariam o direito a um tratamento igual perante a lei. Estes dois aspectos – meritocracia e isonomia – serão desenvolvidos mais detidamente em capítulo próprio. Como se verá adiante, os dois tipos de críticas foram aventados pelo arguente na ADPF 186, com um maior destaque para o primeiro. Note-se que os argumentos elencados nessa seção são mais ou menos aceitáveis de acordo com a ordem moral que se adote. Não há como excluir aquele ou adotar exclusivamente este fundamento. Há, de certa maneira, uma simultaneidade da pertinência destes argumentos, de sorte que, a depender da situação, um ou mais de um serão utilizados para justificar as ações afirmativas. Todavia, pela pertinência a uma ordem moral centrada no sujeito, que influencia largamente o direito positivo, os argumentos da justiça distributiva e da diversidade terão preferência sobre o argumento de justiça compensatória neste trabalho.

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BOWEN, Willian G. e BOK, Derek. O curso do rio: um estudo sobre a ação afirmativa no acesso à universidade, Rio de Janeiro, Graramond, 2004, pp. 410-411.

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IV. FUNDAMENTO JUSPOSITIVO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS Há um verdadeiro paradoxo no que concerne ao embasamento constitucional das ações afirmativas. Como observado pela ministra Rosa Weber em seu voto no julgamento da ADPF 186, os preceitos fundamentais alegadamente descumpridos pela ação afirmativa impugnada são, na realidade, os mesmos que lhe dão suporte constitucional. Esse paradoxo é proveniente da possibilidade de uma pluralidade de interpretações das normas de direitos fundamentais de acordo com a Filosofia do Direito e do Estado que se defende e, no limite, de acordo com a ideologia e a visão de mundo que se adote.26 Além da dignidade humana, alguns outros princípios constitucionais dão suporte às ações afirmativas. Nesta seção, dar-se-á enfoque especial para o princípio da igualdade e dois princípios atinentes ao caso específico das universidades, igualmente positivados na Constituição: a meritocracia e a autonomia universitária.

4.1. IGUALDADE Há duas ordens de direitos de igualdade: o direito geral de igualdade e direitos de igualdade específicos. A cláusula constitucional que positiva o direito de igualdade geral, através do processo de interpretação do seu texto, dá origem a um complexo feixe de direitos de igualdade.27 Em nossa constituição, a redação de tal cláusula é muito semelhante à Constituição alemã: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” 26

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, pp. 420421. Malgrado o autor reconheça a controvérsia acerca da definição do conteúdo destas normas e a sua relação com a ideologia, propõe uma análise dogmática, baseada em uma teoria de normas, em vez de uma análise iniciada em questões teórico-jurídicas, políticas e epistemológicas. 27 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, p 393.

26

Alguns intérpretes atribuem ao enunciado geral de igualdade somente um “status negativo”, de abstenção de determinadas condutas lesivas à isonomia. Mas, como será demonstrado, do enunciado geral de igualdade, também se extraem direitos de status positivos. Segundo Alexy, há três tipos de direitos que emanam do enunciado geral de igualdade: os direitos de igualdade definitivos abstratos, os direitos de igualdade definitivos concretos e os direitos de igualdade prima facie abstratos.28 Enquadram-se na primeira categoria tanto o direito de ser tratado igualmente, caso não haja razão suficiente a justificar um tratamento desigual, quanto o direito de ser tratado desigualmente se houver razão suficiente a justificar este tratamento desigual. Ambas as formulações do direito definitivo abstrato à igualdade possuem status negativo. Porém, os desdobramentos concretos destas duas formulações podem ter um sinal diferente na teoria do status. Se alguém é afetado por uma proibição que viole o direito a um tratamento igual, possui um direito concreto à cessação da proibição, de status negativo. Caso o desrespeito ao direito a um tratamento igual consista na não inclusão em determinado benefício, pode haver um direito concreto ao benefício, de status positivo. Da mesma maneira, e esta é a parte que mais interessa a este trabalho, os direitos de igualdade prima facie abstratos ocorrem em duas categorias. O direito prima facie à igualdade jurídica é um direito à não-realização de um tratamento desigual. Já o direito prima facie à igualdade fática consiste em um direito a uma ação positiva do Estado. O autor conclui que: “[...] é insuficiente interpretar o art. 3º, §1º, da Constituição alemã [“todos são iguais perante a lei”] no sentido de um direito do status negativo; na verdade, a esse dispositivo de direito fundamental deve ser atribuído um feixe de direitos subjetivos com as estruturas mais variadas. Somente esse feixe é que define o direito fundamental do art. 3º, § 1º, como um direito completo.”29

28

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, pp. 429-432 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, p. 432

29

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É importante observar que as duas categorias de direitos de igualdade prima facie abstratos, apesar de decorrentes da interpretação do mesmo dispositivo constitucional, são normas distintas, dotadas de estruturas de princípios. Portanto, é perfeitamente cabível que ambas incidam simultaneamente em um caso concreto. Trata-se da oposição entre direito de igualdade fática e direito de igualdade jurídica. Há três aspectos marcantes na história da evolução dos direitos fundamentais a partir da segunda metade do século XX, tanto na Alemanha, quanto em boa parte dos países de tradição jurídica romano-germânica: a ubiquidade ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais; a sua definição enquanto mandamentos de otimização e, consequentemente, o uso da máxima da proporcionalidade; e o surgimento dos direitos de prestação, direitos a uma ação positiva do Estado.30 A igualdade fática, por ser um direito a uma ação positiva do Estado, mais especificamente, por consubstanciar-se em um direito de proteção, possui uma estrutura normativa um pouco diferente da igualdade jurídica, de status negativo, caracterizada como um direito de defesa. Em se tratando de direitos de proteção, a proteção de um aspecto significa a interferência em outro, normalmente encampado por uma norma de direito de defesa e só há uma solução ideal.31 Não se sucede de modo diferente com o princípio da igualdade, pois o fomento da igualdade fática implica uma restrição à realização do princípio da igualdade jurídica.32 Essa estrutura dialética da colisão entre direitos de proteção e direitos de defesa fomenta as críticas de excesso de constitucionalização, que questionam a própria existência dos direitos de proteção. Ao passo que os direitos de defesa são proibições ao cometimento de atos de efeitos negativos, que englobam todos os atos contrários à norma, os direitos de proteção são

30

Alexy, Robert. “Sobre los derechos constitucionales a la protección” in Robert Alexy. “Derechos sociales y ponderación, Madrid, Fundación Coloquio Jurídico Europeo. Disponível em: http://www.fcje.org.es/wp-content/uploads/file/jornada1/1_Alexy.pdf#2, acessado em 13/06/2012. 31 Alexy, Robert. “Sobre los derechos constitucionales a la protección” in Robert Alexy. “Derechos sociales y ponderación, Madrid, Fundación Coloquio Jurídico Europeo. Disponível em: http://www.fcje.org.es/wp-content/uploads/file/jornada1/1_Alexy.pdf#2, acessado em 13/06/2012 32 Alexy, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2ª ed., São Paulo, Malheiros, 2011, p. 423

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imperativos para proteger, apoiar, dar suporte. Tais condutas não demandam o cometimento de todos os atos que realizem o direito. Enquanto os direitos de defesa possuem uma estrutura conjuntiva, os direitos de proteção possuem uma estrutura disjuntiva ou alternativa. De um lado os direitos de defesa exigem a omissão de todas as ações contrárias à sua realização, de outro, não há um equivalente definitivo para os direitos de proteção, há, na verdade, um conjunto de possibilidades. É a alternatividade que distingue a estrutura normativa de direitos de defesa e direitos de proteção. A relação entre proporcionalidade e alternatividade se relaciona com a estrutura dialética das colisões entre eles e conduz a duas perguntas: viola-se um direito de defesa? Viola-se um direito de proteção? A investigação acerca da violação de um direito de defesa implica o uso da máxima da proporcionalidade e a perquirição acerca de seus três desdobramentos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Já a violação de um direito de proteção se dará quando for negada proteção ao princípio ou quando esta proteção for insuficiente. Ao revés, quando a proteção oferecida por determinado ato for desproporcional face à intensidade de interferência no direito de defesa, este ato será inconstitucional por violar o direito de defesa. A colisão entre um direito de proteção e um direito de defesa, além do uso dos três aspectos da proporcionalidade, demanda a consideração de duas decorrências da combinação da máxima da proporcionalidade com a alternatividade característica da estrutura dos direitos de proteção: a proibição de proteção insuficiente (Untermaßverbot ) e a proibição de excesso (Übermaßverbot).33 A proibição de excesso é infringida quando a proporcionalidade é violada por meio de uma interferência em um direito de defesa. De outra senda, a proibição de proibição insuficiente é infringida quando há uma omissão total ou de um certo grau de proteção. Nesse sentido, Alexy esboça a “regra de negociação concatenada”, exercício através do qual se analisará a constitucionalidade de medidas que impliquem a colisão de direitos de defesa e direitos de proteção. Esse exercício deverá levar em conta a intensidade da omissão de proteção, caso a medida analisada não fosse adotada e, caso a 33

Alexy, Robert. “Sobre los derechos constitucionales a la protección” in Robert Alexy. “Derechos sociales y ponderación, Madrid, Fundación Coloquio Jurídico Europeo, p. 11.

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medida fosse adotada, o grau de realização do direito de proteção bem como o respectivo grau de interferência com o direito de defesa. Dentre o conjunto de medidas proporcionais, haveria espaço para que o legislador exercesse sua discricionariedade. Ela se divide em duas categorias: substancial e epistemológica. Somente a substancial, que consiste em facultar ao legislador tudo o que não é obrigado ou proibido no texto constitucional, é analisada por Alexy. Esta última se subdivide em discricionariedade de seleção de meios, decorrente da estrutura alternativa dos direitos de proteção, e discricionariedade de fixação de fins. Esta última vertente da discricionariedade substancial consiste na autorização para que o legislador restrinja um direito de defesa com base em metas políticas, subjacentes a um direito de proteção. Esta discricionariedade lhe permite definir o grau em que esses objetivos serão perseguidos, bem como faculta uma maior restrição do direito de defesa do que poderia se dar somente em virtude da realização do direito de proteção. Todavia, insta destacar que a decisão de conferir proteção ou negar proteção não está encampada pela discricionariedade. As ações afirmativas enquadram-se nesse contexto de realização de um direito de proteção (igualdade fática), que colide com um direito de defesa (igualdade jurídica). É necessário analisar quais as medidas existentes e, dentre elas, estabelecer o espectro daquelas que seriam consentâneas com a proporcionalidade, delimitado pela proibição de proteção insuficiente e pela proibição de excesso. Dentro deste espectro, deve atuar a discricionariedade do legislador (ou do gestor de política pública). O duplo aspecto do princípio da igualdade pode ser relacionado às teorias do tratamento díspar (disparate treatment) e do impacto desproporcional (disparate impact)34, oriundas do direito estadunidense, e as correspectivas abordagens da anti-diferenciação e da anti-subordinação.35 Tratamento díspar é a modalidade de discriminação direta, em que é necessária a intenção ou propósito discriminatórios. Por outro lado, o impacto desproporcional consiste na modalidade de discriminação indireta, em que não há, deliberadamente, a intenção

34 35

Rios, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, pp. 91 e 127. Rios, Roger Raupp. Direito da Antidiscriminação, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2008, pp. 33 e 36.

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discriminatória, mas a subordinação se perpetua e se reproduz por intermédio de medidas aparentemente neutras, mas efetivamente discriminatórias. Nesse contexto, a perspectiva da anti-diferenciação é voltada primordialmente ao combate da discriminação direta, intencional. É uma manifestação radical da igualdade formal, porquanto veda qualquer tratamento desigual, seja benéfico, seja prejudicial, fundado nos critérios proibidos, de discriminação. Esta perspectiva é, pois, avessa a ideia de ações afirmativas. Ela adota a perspectiva do agente da discriminação, coibindo suas ações discriminatórias. Por sua vez, a perspectiva da anti-subordinação leva em consideração os efeitos sofridos por grupos subordinados em virtude de práticas recorrentes, mesmo que não sejam intencionais (discriminação indireta). Segundo essa perspectiva, são condenáveis tratamentos neutros que reforcem a subordinação de um grupo frente o outro, bem como considera admissíveis tratamentos diferenciados que visem à superação de uma situação de discriminação. Logo, admite ações afirmativas, quando demonstrarem ser eficazes no combate à subordinação. Nesse sentido, a anti-subordinação adota a perspectiva do discriminado, considerando as peculiaridades do contexto em que vive. A abordagem da discriminação passa de um modelo estático, no qual o indivíduo é considerado isoladamente, para um contexto dinâmico, em que o indivíduo não é dissociado do contexto social. Representa uma realização da igualdade substancial.

4.2. MÉRITO O princípio meritocrático é depreendido do disposto no artigo 208, inciso V, da Constituição Federal: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;”

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Os críticos das ações afirmativas alegam que estudantes com melhor desempenho nas provas de vestibular seriam preteridos por estudantes beneficiários dessas políticas, em flagrante desrespeito ao princípio meritocrático. Em primeiro lugar, insta consignar que o fato de um estudante obter uma nota maior que outro estudante nos exames vestibulares significa somente que seu desempenho acadêmico é melhor. Tal fato não induz a considerar aquele estudante mais virtuoso ou mais apto a prosseguir os estudos em nível superior. O desempenho acadêmico deve ser interpretado contextualizadamente com os antecedentes familiares, sociais, culturais, étnicos e educacionais do estudante36. A avaliação do mérito acadêmico é sensivelmente prejudicada quando não há igualdade nos pontos de partida. As regras do vestibular produzem um impacto desproporcional que é imperceptível quando não se leva em consideração os fatores componentes do contexto em que o desenvolvimento acadêmico do indivíduo está inserido. O modelo de exames admissionais no Brasil padece do defeito de inviabilizar a consideração de critérios diversos do desempenho acadêmico. As ações afirmativas, de certo modo, ao trazerem critérios sensíveis à condição socioeconômica e às características étnico-raciais, procuram corrigir a limitação cognitiva dos exames vestibulares. Outrossim, cabe destacar que o conteúdo do princípio meritocrático, tal qual do princípio da igualdade, é altamente subjetivo. A definição desse conteúdo é permeada por ordens morais convencionais, que atribuem valores diversos a determinadas características dos indivíduos. Nas sociedades capitalistas de tradição liberal, o mérito moral possui um cunho individualista e é frequentemente relacionado à competição. Desse modo, o mérito moral constitui um obstáculo à solidariedade social. Devido a essa subjetividade, Ronald Dworkin procura afastar o mérito acadêmico dos critérios de admissão de estudantes às universidades. Para o autor, não haveria um direito subjetivo do candidato com melhor desempenho acadêmico a uma vaga na universidade, pois a seleção dos candidatos se basearia no maior ou no menor enquadramento daqueles que pleiteiam o ingresso à missão institucional da universidade, relacionada à sua finalidade social. 36

SANDEL, Michael J., Justiça: o que é fazer a coisa certa, 6ª ed., Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2012, p. 211

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Sandel, ao discorrer sobre os argumentos de Dworkin, utiliza dois exemplos para criticar a não consideração do mérito moral no processo seletivo das universidades: uma carta de admissão que não congratula o candidato aceito, ao revés, diminui suas qualidades subjetivas e justifica sua admissão pela apresentação de um perfil interessante para a instituição; e a situação hipotética de leiloar-se parte das vagas de uma universidade.37 O autor conclui que a dissociação das questões de justiça e de direitos das concepções de virtude, honra, e do que seria uma “vida boa”, marcadas pela subjetividade, é tentadora.38 Dissociar o fundamento da justiça de questões subjetivas é um subterfúgio que diversos autores utilizam para alcançar uma construção racional e universalista de uma teoria da justiça. Todavia, essa crítica não atenta para o fato de que não há uma desconsideração do mérito no processo seletivo de estudantes ingressantes nas universidades. Seja no sistema de cotas brasileiro, seja no modelo de admissão estadunidense, a diversidade é um dos princípios incidentes no caso concreto. O mérito não deixa de ser aplicado, mas, em face de outros princípios que incidem no caso concreto (a diversidade, a igualdade substancial, etc.), ele é precedido por esses outros princípios no exercício de sopesamento de valores que está por trás da adoção de políticas afirmativas. Não se olvide que, mesmo no sistema de reserva de vagas, somente são admitidos aqueles candidatos que alcançam um desempenho acadêmico mínimo para lograr aprovação no vestibular. Dentre os beneficiários desse sistema, somente ingressam na universidade aqueles que obtiveram o melhor desempenho acadêmico. O princípio meritocrático não deixa de incidir no caso concreto, seu núcleo essencial é certamente conservado, malgrado haja uma precedência da igualdade substancial e da promoção da diversidade.

4.3. AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA O argumento da autonomia universitária ora é utilizado para criticar as ações afirmativas adotadas por ato administrativo dos Conselhos Superiores das universidades, 37

SANDEL, Michael J., Justiça: o que é fazer a coisa certa, 6ª ed., Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2012, p. 223-226 38 SANDEL, Michael J., Justiça: o que é fazer a coisa certa, 6ª ed., Rio de Janeiro, Civilização brasileira, 2012, p. 226

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pois não estaria no âmbito de sua autonomia estabelecer tais critérios para a seleção de candidatos; ora é contraposta às ações afirmativas instrumentalizadas por lei, pois a imposição de critérios étnico-raciais ou socioeconômicos pelo legislador feriria a autonomia destas universidades de estabelecer regras para seus processos seletivos. A questão é intrincada, pois envolve a delimitação desse princípio constitucional. A autonomia universitária está positivada no artigo 207 da Constituição Federal: “Art. 207. As universidades gozam de autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.” Primeiro, cabe destacar que a estrutura normativa da Autonomia Universitária evidencia que se trata de um princípio constitucional e não de uma regra.39 Observa-se que este princípio tem um caráter tridimensional: desdobra-se em autonomia didático-científica, autonomia administrativa e autonomia de gestão financeira e patrimonial. Nina Ranieri aborda o tema concedendo um significado amplo ao princípio, relacionando-o ao poder de autodeterminação, capacidade destas instituições definirem seus próprios rumos: “Autonomia indica a competência de autodeterminação, ou seja, a possibilidade de dar-se um ordenamento jurídico, o que consiste em poder funcional derivado, circunscrito ao peculiar interesse da entidade que o detém, e limitado pelo

39

LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia Universitária no direito educacional brasileiro. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Orientador: prof. Ari Marcelo Solon, São Paulo, 2005, p. 138.

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ordenamento geral em que se insere, sem o qual, ou fora do qual, não existiria”40 No que tange especificamente à definição do processo seletivo para ingresso nos cursos de graduação das universidades, o artigo 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei federal nº 9394/96, é elucidativo: “Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: [...] II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; [...] Parágrafo único. Os resultados do processo seletivo referido no inciso II do caput deste artigo serão tornados públicos pelas instituições de ensino superior, sendo obrigatória a divulgação da relação nominal dos classificados, a respectiva ordem de classificação, bem como do cronograma das chamadas para matrícula, de acordo com os critérios para preenchimento das vagas constantes do respectivo edital.” Das disposições legais sobre o processo seletivo de ingresso nos cursos de graduação das universidades e da definição do princípio apresentada, é possível concluir que a definição dos critérios de seleção de estudantes para ingresso nas universidades é englobada

pelo

campo

de

autonomia

que

é

franqueado

às

universidades.

Consequentemente, as universidades têm a liberdade para adotar políticas afirmativas em seus processos seletivos, estabelecendo, inclusive, o sistema de reserva de vagas.41,42 40

RANIERI, Nina Beatriz Stocco. “Aspectos jurídicos da Autonomia Universitária no Brasil” in Revista CEJ, v. 31, Brasília, 2005, pp. 19-30, p. 20. 41 MAGALHÃES, Camila; MENEZES, Fernanda, Montenegro e RIGHETTI, Sabrina. “Ações Afirmativas e Cotas no Ensino Superior: uma reflexão sobre o debate recente” in Ranieri, Nina Beatriz Stocco (coord.)., Direito à educação: aspectos constitucionais, EDUSP, 2008, pp. 270-271.

35

De outra senda, a adoção heterônoma de ações afirmativas possui tratamento diverso, face ao princípio da autonomia universitária. Segundo o artigo 53 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação: “Art. 53. No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: [...] Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa

decidir,

dentro

dos

recursos

orçamentários

disponíveis, sobre: I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II - ampliação e diminuição de vagas;[...]” Monica Mansur43, analisando a questão da autonomia universitária face à adoção de ações afirmativas, conclui que essa discussão deve se dar no âmbito dos Conselhos Universitários, de modo a reforçar o princípio constitucional em tela. Somente as universidades, atentas às peculiaridades da realidade local, poderiam definir os critérios e o percentual de vagas reservado para os grupos beneficiários, de maneira a respeitar as diversidades sociais, políticas e culturais da região em que se localiza a instituição de ensino, em atenção também ao princípio federativo. Esses argumentos levam a crer na impossibilidade de instrumentalização das ações afirmativas por meio de lei, pois o seu caráter heterônomo contrastaria com a autonomia universitária, ignorando as peculiaridades de cada região. No entanto, o atual estágio de desenvolvimento desse nicho de políticas públicas demandou, no que diz respeito às universidades federais, uma uniformização de seus parâmetros, consubstanciada na Lei federal nº 11.711/12. 42

LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia Universitária no direito educacional brasileiro. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Orientador: prof. Ari Marcelo Solon, São Paulo, 2005, p. 169. 43 LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Autonomia Universitária no direito educacional brasileiro. Dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Orientador: prof. Ari Marcelo Solon, São Paulo, 2005, pp. 169-170.

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Vale ressaltar que a autonomia universitária é um princípio constitucional; portanto, sua aplicação ao caso concreto demanda um sopesamento com os demais princípios constitucionais que fundamentam as ações afirmativas. Logo, nada obsta que o legislador, o gestor de políticas públicas ou o operador do direito que faça o controle jurisdicional dessas medidas dê precedência à igualdade substancial ou à diversidade face à autonomia universitária. Essa possibilidade, contudo, não exclui a vedação ao caráter heterônomo das ações afirmativas. Em prol de sua legitimidade e máxima eficácia, a discussão sobre a adoção desse tipo de políticas deve incluir não só os Conselhos Universitários, mas também as entidades de representação estudantil, os movimentos sociais, e a sociedade civil em geral, além dos Poderes Legislativo e Executivo. Destarte, não há óbice à adoção de ações afirmativas por intermédio de lei, desde que sua discussão, elaboração e implementação envolvam os diversos setores do Estado e da sociedade civil citados anteriormente.

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V. CRITÉRIOS DE DISCRÍMEN Todos os programas de ações afirmativas analisados neste estudo adotaram, em algum momento, dois tipos de critérios de discrímen para identificar seus beneficiários: o socioeconômico e o étnico-racial. Nada impede que outras características dos indivíduos venham a definir grupos socialmente vulneráveis, que mereçam uma especial proteção do Estado, em virtude de serem incapazes de assegurarem e exercerem seus direitos sozinhos. Exemplo notório de outro critério de discrímen considerado para a adoção de ações afirmativas é o gênero. No entanto, as características peculiares da educação brasileira e a forma como os programas de ações afirmativas surgiram nas universidades conduziram à adoção somente desses dois tipos de critérios de discrímen, que serão analisados em seguida.

5.1. SOCIOECONÔMICO A consideração da origem escolar dos candidatos para atribuir-lhes preferências no processo seletivo das universidades públicas pode parecer, em um primeiro momento, uma forma de promover a igualdade de oportunidades entre os estudantes da rede pública – que, notoriamente, apresentam deficiências em sua formação básica devidas à má qualidade do ensino público em geral no Brasil – e os estudantes da rede particular. Existem, porém, escolas públicas com notas altas no índice da educação básica e que logram considerável número de aprovações nos vestibulares das universidades públicas (a exemplo dos Institutos Federais, das Escolas Técnicas do Estado de São Paulo e do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro). Por outro lado, nem todos os alunos de escolas particulares estão em igualdades de condições para concorrer com seus pares por uma vaga em uma universidade pública. Existem diversos estudantes de escolas particulares de baixa qualidade que possuem deficiências na formação básica, comparáveis àquelas apresentadas por estudantes de escolas públicas. Há diversos estudantes carentes que são beneficiados com bolsas de estudo por escolas particulares e, malgrado receberem ensino de qualidade, devido à sua condição socioeconômica, estão em posição assimétrica para concorrer ao vestibular.

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Levando-se esse argumento a termo, a concessão de um tratamento preferencial aos estudantes de escolas públicas serviria para remediar a incompetência do Estado, consubstanciada na má qualidade da prestação da educação, um serviço público essencial. Corrigir-se-ia a deficiência do serviço público prestado no ensino básico, concedendo preferências no acesso ao ensino superior. Contudo, o fato de o Ensino Público possuir baixa qualidade, por si só, não justifica as preferências atribuídas àqueles que dele são egressos no processo seletivo para ingresso na universidade pública. Em verdade, a origem escolar é adotada como critério socioeconômico objetivo. A maciça maioria dos estudantes de escolas públicas pertence às classes menos abastadas da sociedade. Em lugar de estabelecer um patamar mínimo de renda, a fim de atestar a condição de vulnerabilidade social dos estudantes pertencentes às classes mais baixas, as ações afirmativas no Brasil têm preferido a origem escolar, evitando os infortúnios de comprovação de renda em um país onde grande parcela da economia é relegada à informalidade. Logo, o fato de um estudante ter cursado o Ensino Médio em uma escola pública não é denotativo de uma assimetria acadêmica, que por vezes ocorre, mas nem sempre é observada. A origem de escola pública é denotativa de uma acentuada assimetria econômica, uma vulnerabilidade social calcada em uma subordinação de classe, que dá ensejo a um direito de redistribuição econômica. Diversos programas de ações afirmativas adotaram, além do critério de escolas públicas, uma exigência quantitativa de renda máxima. Todavia, a exemplo da UERJ, as universidades têm enfrentado problemas relacionados à árdua tarefa de comprovar renda em uma economia marcadamente informal, principalmente nos substratos mais pobres da população. Esses infortúnios incluem diversos casos de fraudes de documentos de comprovação de renda e inúmeros questionamentos judiciais de indeferimento de pedidos de inclusão nos programas de ações afirmativas.44

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A título ilustrativo, podem ser apontados os seguintes casos de judicialização de demandas relacionadas à dificuldade de os candidatos ao vestibular da UERJ comprovarem um quantitativo de renda: APL 007899743.2010.8.19.0001; AI 0001351-52.2012.8.19.9000 e APL 0021361-90.2008.8.19.0001, todos julgados pelo TJ-RJ.

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5.2. ÉTNICO-RACIAL É necessário delimitar alguns conceitos antes de prosseguir na discussão sobre a consideração de raça e etnia nas políticas afirmativas. Os conceitos de preconceito, discriminação e segregação são plurívocos, portanto, sua descrição feita a seguir é suscetível ao questionamento de suas premissas epistemológicas. Todavia, adotar-se-ão as definições dadas por João Baptista Borges Pereira, em razão da sintonia do pensamento do autor com os dos demais autores analisados nesta seção, bem como por uma necessidade de definição dos pontos de partida para a discussão acerca do critério étnico-racial para beneficiar minorias via ações afirmativas. Para esse autor, preconceito seria a supervalorização das expressões de vida de um indivíduo e a consequente subvalorização das expressões de vida do outro. Consiste em uma expressão do pensamento etnocêntrico. Por sua vez, discriminação seria o processo de marginalização social e cultural imposta ao homem ou grupo diferente. Em terceiro lugar, segregação seria o isolamento (até mesmo geográfico) do grupo preconceituado ou discriminado.45 Observe-se que preconceito é um fenômeno de ordem subjetiva, enquanto discriminação e segregação se objetivam no âmbito das relações sociais. Desde o final do século XIX, diversos autores defendiam que no Brasil não havia discriminação racial, ao menos não nos moldes daquela observada nos Estados Unidos. As obras de autores como Gilberto Freyre46 demonstravam que por aqui havia, mesmo nos tempos de escravidão, mecanismos de ascensão social do negro e de assimilação dos mestiços, levando a crer que a escravidão, por aqui, não teria desdobramentos tão nefastos quanto nos Estados Unidos. Alguns intérpretes destas obras, dentre eles Donald Pierson47, aduziram que a sociedade brasileira seria miscigenada e marcada pela tolerância racial. Não haveria por aqui tensões abertas e conflitos permanentes de caráter racial. Tais premissas levaram ao 45

FERNANDES, Florestan; NOGUEIRA, Oracy e PEREIRA, João Baptista Borges. “A questão racial brasileira vista por três professores” in revista USP, São Paulo, n. 68, pp. 168-179, dez./fev. 2005-2006, pp. 175-178 46 FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala, 52ª ed., São Paulo, Global, 2013. 47 PIERSON, Donald. Brancos e Pretos na Bahia, São Paulo, Cia. Das Letras, 1945. Apud FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos, 2ª ed., São Paulo, Global, 2007, p. 39.

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sofisma de que haveria uma igualdade racial no país de tradição escravocrata mais longa nos períodos moderno e contemporâneo da História. Surge o célebre “mito da democracia racial”. Florestan Fernandes48 destaca que, na década de 60, havia um interesse da UNESCO em utilizar o Brasil como propaganda internacional da viabilidade de um regime de tolerância racial. Dessa maneira, havia um engajamento político de muitos desses autores em esboçar caricaturalmente as relações raciais no Brasil, para que estas servissem de espelho para o resto do mundo no que diz respeito à convivência democrática entre brancos e negros. Desconstruindo a ideia de “democracia racial”, o autor demonstra que, durante o período escravocrata, a miscigenação e a mobilidade social vertical mais preservavam a estratificação racial e a hegemonia da raça dominante do que denotavam uma aproximação entre brancos e negros. A miscigenação foi importante para aumentar o quantitativo da mão de obra escrava e de dependentes intermediários (trabalhadores que, a despeito de possuírem sua liberdade, eram relegados a funções subordinadas de trabalho livre). Em relação à mobilidade social vertical, não se observava diferença. Os poucos casos de infiltração de mestiços nos patamares mais elevados do estrato social eram atribuídos ao “negro de alma branca”. A identificação com os valores da raça hegemônica era condição essencial para a ascensão social do negro. A universalização do trabalho livre não foi suficiente para modificar o paradigma de relações raciais vigente até então, pois não houve efetiva democratização da renda, do prestígio social e do poder em termos raciais. Ao revés, o conceito de “democracia racial”, que se sucedeu após a abolição, serviu para justificar a indiferença e a falta de solidariedade para com o negro, após ele ter ganhado formalmente o status de “sujeito de direitos”, formalmente livre, igual e proprietário, do mesmo modo que o branco. Formalmente equiparado com o branco, suas dificuldades para ascender socialmente passaram a ser atribuídas à falta de mérito, ignorando-se a total desigualdade de condições de competição do negro em um ambiente de estratificação racial herdado do período colonial e no qual ele estava expropriado dos meios de produção e não teve nenhum direito a indenização. 48

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos, 2ª ed., São Paulo, Global, 2007, p. 39

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De fato, há diferenças entre o fenômeno do preconceito no Brasil e em outras localidades de igual tradição escravocrata, principalmente em relação aos Estados Unidos. Mesmo assim, como foi acima exposto, é forçoso depreender dessas diferenças a existência de uma “igualdade racial”. Devido ao fato de os Estados Unidos apresentarem a mais madura experiência de ações afirmativas da tradição ocidental, é inevitável tecer comparações entre o modo como incide o fenômeno do preconceito lá e suas peculiaridades no Brasil. O sociólogo Oracy Nogueira, predecessor de Florestan Fernandes no debate sobre o racismo no Brasil, discorre sobre essas diferenças em sua obra “Preconceito de Marca e Preconceito de Origem”49. Em contraste com o fenômeno nos Estados Unidos, o racismo no Brasil não está atrelado à origem étnica do indivíduo, mas sim às suas características físicas aparentes. Segundo esse autor, aqui, o estigma do preconceito racial, em vez de ser passado de ascendentes para descendentes, como ocorre nos Estados Unidos, é calcado na aparência física do indivíduo. Observa-se que o preconceito estaria ligado ao fenótipo do indivíduo e não a seu genótipo. O conceito de raça é, pois, de caráter cultural, construído no âmbito das relações sociais, e não médico ou biológico. Diversamente do preconceito racial de origem, o preconceito racial de marca é caracterizado pela existência de um grau maior de assimilação dos indivíduos com o estigma racial negativo. No Brasil, se observa uma precedência dos brancos em relação aos negros, discriminação de menor intensidade do que o distanciamento observado nos Estados Unidos, onde há uma total segregação entre os grupos de origens étnicas diferentes. No preconceito de origem há uma exclusão dos negros da competição; já no preconceito de marca, há uma preterição dos negros em relação aos brancos.50 Devido à miscigenação, peculiaridade do contexto brasileiro, os caracteres fenotípicos associados ao preconceito seriam apresentados em diferentes intensidades pelos indivíduos. Por este motivo, afirma o autor, haveria diferentes gradientes de preconceito racial. 49

NOGUEIRA, Oracy. “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: Sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil” in Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v.19, n. 1, pp. 287-308, nov. 2006. 50 FERNANDES, Florestan; NOGUEIRA, Oracy e PEREIRA, João Baptista Borges. “A questão racial brasileira vista por três professores” in revista USP, São Paulo, n. 68, pp. 168-179, dez./fev. 2005-2006, pp. 178-179.

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No contexto do preconceito de marca, haveria núcleos mais ou menos rígidos da discriminação racial, proporcionalmente à assimetria das relações sociais observadas no meio. Relações simétricas com entre os dois sexos e entre pessoas de idades variadas seriam as situações discriminatórias de núcleo mais rígido. O autor apresenta como exemplo a convivência entre negros e brancos em clubes.51 Ao revés, em relações sociais mais assimétricas, os núcleos de discriminação tenderiam a ser menos rígidos. Pode-se citar como exemplos as relações de trabalho assalariado e os relacionamentos amorosos inter-raciais. A posição subalterna do empregado negro frente ao empregador branco e da mulher negra, subordinada por questões de raça e gênero, frente ao homem branco evidenciam a assimetria destas relações sociais. Em virtude dessas disparidades, as relações raciais assimétricas são mais recorrentes do que as simétricas: são mais comuns relações de trabalho assalariado e relacionamentos amorosos entre negros e brancos do que situações em que brancos e negros dividem os mesmos espaços públicos em posições de paridade, sejam eles clubes ou universidades públicas. A comparação entre o preconceito racial de origem e o preconceito racial de marca pode induzir à falsa percepção de que, no segundo caso, devido à miscigenação, à assimilação e à possibilidade de ascensão social vertical, não há discriminação em virtude da cor e, portanto, não há estrutura de dominação racial. Essa falsa percepção conduz a outro problema: em um quadro de segregação, em que as diferenças identitárias entre brancos e negros são bem marcadas, é fácil construir uma consciência coletiva acerca das diferenças e de suas implicações para o grupo étnico; já em uma realidade em que estas diferenças não são tão bem marcadas, há dificuldade de reconhecimento dos negros de uma identidade racial. Essa obstaculização de uma identidade racial, por sua vez, demove a aglutinação das vítimas da discriminação racial em torno de reivindicações comuns. Esses fatores explicam o caráter tardio do movimento negro no Brasil, em comparação com o de outros países.

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FERNANDES, Florestan; NOGUEIRA, Oracy e PEREIRA, João Baptista Borges. “A questão racial brasileira vista por três professores” in revista USP, São Paulo, n. 68, pp. 168-179, dez./fev. 2005-2006, pp. 178-179.

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Esse é o campo fértil para que o “mito da democracia racial” legitime e reproduza a estratificação racial de outrora. A falta de elementos identitários que liguem os indivíduos que apresentam o fenótipo alvo de discriminação facilita a reiteração da discriminação e da segregação veladas, indiretas. A quase ausência de manifestações diretas e deliberadas de discriminação racial e de uma consciência coletiva dos indivíduos discriminados por causa de caracteres étnicos e raciais dão ensejo à permanência desse argumento da “democracia racial”, em um ciclo de retroalimentação que traduz o que Florestan Fernandes chamou de “preconceito de ter preconceito”. No Brasil, encara-se o problema da discriminação racial com vergonha: em vez de combatê-la, nega-se sua existência. O rompimento com esse ciclo demanda uma intervenção positiva do Estado, a fim de corrigir as acentuadas assimetrias entre o grupo hegemônico e o outro grupo subordinado, no contexto das relações raciais. A solução desse impasse envolve a adoção de medidas redistributivas. Outrossim, apesar da peculiaridade da miscigenação e do fato de haver diferentes gradientes de intensidade da discriminação racial no Brasil, as relações raciais locais são marcadas pela existência de duas classes: uma hegemônica e outra subordinada. Sem temor de incorrer em reducionismo da realidade racial brasileira, é possível afirmar que a discriminação deste tipo se dá entre brancos e não-brancos. Por este motivo, os Pretos, os Pardos e os Indígenas (PPIs) são incluídos na delimitação da minoria étnico-racial beneficiada pelas ações afirmativas. Historicamente, essas categorias foram igualmente espoliadas da participação na distribuição de renda, de prestígio social e de poder no país. Igualmente, as três categorias apresentam fenótipos que divergem do padrão euro-asiático dominante e, por esse motivo, sofrem com a injustificável subordinação nas relações raciais. Da análise dos elementos da questão racial no Brasil expostos nessa seção, é possível perceber que o caminho para a igualdade racial perpassa pela democratização da renda, do prestígio social e do poder no âmbito das relações raciais. As ações afirmativas sensíveis à raça procuram atuar justamente nesse ensejo, promovendo a redistribuição econômica, de reconhecimento e de representação em favor das minorias subjugadas em um esquema de estratificação das relações raciais.

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VI. O CASO DA UERJ Em nosso país, a política de reserva de vagas foi implementada pela primeira vez no vestibular da UERJ, através das Leis Estaduais nº 3.524 de 28 de dezembro de 2000, nº 3.708 de 9 de novembro de 2001 e nº 4.061 de 02 de janeiro de 2003, que instituíram, respectivamente, reserva de no mínimo 50% das vagas da Universidade para estudantes egressos de escolas públicas (arts. 1º e 2º da Lei nº 3.524/2000), reserva de pelo menos 40% das vagas do vestibular para a população negra e parda (art. 1º da Lei nº 3.708/2001) e reserva de 10% das vagas do vestibular para portadores de deficiências físicas (art. 1º da Lei nº 4.061/2003). Diante da profusão de legislação estabelecendo cotas para as mais diversas minorias, a mídia começou a apresentar duras críticas ao projeto de ações afirmativas, alegando ser absurda a reserva de 100% das vagas do vestibular estadual (50+40+10). 52 Houve outra crítica em relação ao oportunismo dos projetos de lei que deram origem aos diplomas citados, mormente em relação à lei n º 3.708/2001. Alegou-se que o deputado estadual José Amorim (PPR), autor do projeto, orientava seus assessores a fazerem pesquisas na mídia de assuntos que estivessem em voga, para, então, apresentar projetos de leis atinentes às matérias, de maneira a ganhar projeção na mídia e popularidade junto ao eleitorado. Consta que um dos assessores do deputado à época era um engajado militante dos movimentos sociais ligados aos direitos das minorias étnicas, de cujas mãos surgiu o projeto de lei que culminou na promulgação da Lei n º 3.708/2001. A Lei nº 3.524/2000 instituía um programa de avaliação seriada (SADE), alternativo ao vestibular, através do qual estudantes que tivessem cursado o ensino médio e o ensino fundamental nas redes de escolas públicas municipais e estaduais ocupariam 50% das vagas disponíveis nas universidades estaduais. O decreto estadual nº 30.766/2002, por sua vez, veio regulamentar a forma de preenchimento das vagas reservadas pelas Leis nº 3.524/2000 e 3708/2001. Segundo este normativo, as vagas destinadas a pretos e pardos seriam preenchidas primeiro no âmbito do SADE, ou seja, dentre os estudantes de escolas públicas que se autodeclarassem negros.

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FERES JÚNIOR, JOÃO E ZONINSEIN, JONAS org., Ação afirmativa e Universidade, Brasília, ed. Unb, 2006, p. 114.

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Em seguida, o percentual faltante para completar os 40% (caso houvesse) seria preenchido pelos autodeclarados negros no vestibular de ampla concorrência. Já a Lei nº 4.061/2003, definia, em seu art. 1º, § único, que os 10% de vagas reservadas aos deficientes físicos no vestibular estadual seriam preenchidos dentre aqueles 50% destinados aos candidatos egressos de escolas púbicas, participantes do SADE. Todo este conjunto normativo, que inaugura os programas de ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras, teve sua constitucionalidade questionada através da ADIN nº 2858/RJ de Relatoria do Min. Carlos Velloso. Na ação proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (CONFENEM), questiona-se a compatibilidade do programa de ações afirmativas do vestibular estadual carioca face à isonomia, ao “princípio democrático e republicano do mérito” e à proporcionalidade. Além disso, alega-se a usurpação de competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação. A requerente argumentou que os critérios de discrímen adotados pelo legislador estadual (origem da rede pública de ensino, origem étnica e presença de deficiência física) consistiam em critérios arbitrários de distinção. Não obstante, somente a constituição poderia estabelecer exceções ao princípio da isonomia. De outro giro, aduziu que existiriam meios menos gravosos para se obter o resultado colimado pelo legislador ao instituir a medida, de sorte que ela seria desproporcional. Em 23 de setembro de 2003, o Rel. Min. Carlos Velloso julgou a ADI prejudicada, por perda superveniente de seu objeto, porquanto o art. 7º da Lei Estadual nº 4.151, de 05 de setembro de 2003, revogara as leis estaduais impugnadas pela CONFENEM.53 53

DECISÃO: - Vistos. A CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO CONFENEN, com fundamento nos arts. 102, I, a, e 103, IX, da Constituição Federal, e na Lei 9.868/99, propõe ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão cautelar, do art. 2º, I, a e b, da Lei estadual 3.524, de 28 de dezembro de 2000, que dispõe sobre os critérios de seleção e admissão de estudantes da rede pública estadual de ensino em universidades públicas estaduais; do art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei estadual 3.708, de 09 de novembro de 2001, que institui cota de até 40% (quarenta por cento) para as populações negra e parda no acesso à Universidade do Rio de Janeiro e à Universidade Estadual do Norte Fluminense; e do art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei 4.061, de 02 de janeiro de 2003, que dispõe sobre a reserva de 10% das vagas em todos os cursos das universidades públicas estaduais a alunos portadores de deficiência. Solicitadas informações (fl. 161), na forma do art. 12 da Lei 9.868/99, o Presidente da Assembléia Legislativa e a Governadora do Estado do Rio de Janeiro as prestaram, respectivamente, às fls. 184/196 e 222/233. O ilustre Advogado-Geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, sustentou, em síntese, a inexistência de quaisquer vícios de inconstitucionalidade formal ou material (fls. 202/217). O então Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pela procedência do pedido (fls. 240/250). O Estado do Rio de Janeiro, em razão da revogação das Leis estaduais 3.524/2000, 3.708/2001 e 4.061/2003

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O deputado Flávio Bolsonaro apresentou as representações de inconstitucionalidade nº 2003.007.00020 e nº 2003.007.00021 questionando a compatibilidade dos mesmos dispositivos face à Constituição do Estado do Rio de Janeiro. O TJRJ, pelos mesmos motivos, julgou-as prejudicadas, por perda superveniente do objeto, por ter sobrevindo a Lei estadual nº 4.151, de 05 de setembro de 2003, que as revogou. Fruto de uma articulação entre a direção da universidade, o governo do estado e setores do movimento negro em torno da unificação do sistema de ações afirmativas, a Lei Estadual nº 4.151/2003 dispunha nos incisos de seu art. 1º que as cotas beneficiariam estudantes carentes de escolas públicas, negros, que portassem alguma deficiência física e de minorias étnicas (posteriormente foi acrescentada a categoria de filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço, através da Lei Estadual nº 5074/2007). Em seu art. 5º, a lei dispunha sobre os percentuais a serem reservados para cada grupo beneficiado: 20% para os estudantes oriundos de escolas públicas; 20% para os estudantes negros e 5% para os portadores de deficiência física e integrantes de minorias (posteriormente foram incluídos nesta cota os filhos de policiais civis e militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em razão do serviço, através da Lei Estadual nº 5074/2007).

pelo art. 7º da Lei estadual 4.151, de 05 de setembro de 2003, requer, com fundamento no art. 267, IV, do C.P.C., a extinção do processo (fls. 273/279). Em 18.09.2003, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino informou que "a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro aprovou e a Srª Governadora ROSINHA GAROTINHO promulgou, no último dia 4 do mês em curso, a Lei nº 4.151", a qual institui nova disciplina sobre o sistema de cotas para ingresso nas universidades públicas estaduais (fls. 281/283). Autos conclusos em 19.09.2003. Decido. O presente pedido não tem viabilidade, dado que o art. 7º da Lei estadual 4.151, de 05 de setembro de 2003, revogou as Leis estaduais 3.524/2000, 3.708/2001 e 4.061/2003, aqui impugnadas. Na ADI 709, Relator o Ministro Paulo Brossard, o Supremo Tribunal Federal assentou que, "revogada a lei argüida de inconstitucionalidade, é de se reconhecer, sempre, a perda de objeto de ação direta, revelando-se indiferente, para esse efeito, a constatação, ainda casuística, de efeitos residuais concretos gerados pelo ato normativo impugnado." Nas ADI's 221/DF, 539/DF e 737/DF, inter plures, o Supremo Tribunal reiterou o entendimento. Assim decidi, também, na ADI 971/GO. Do exposto, sem objeto a presente ação, julgo-a prejudicada. Publique-se. Brasília, 23 de setembro de 2003. Ministro CARLOS VELLOSO - Relator (ADI 2858, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, julgado em 23/09/2003, publicado em DJ 01/10/2003 PP-00024)

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Em primeiro lugar, cabe reparar que a ação afirmativa passou a ser dirigida somente para estudantes de baixa renda. O § 1º do art. 1º da Lei estadual nº 4.151/2003 dispôs que cabe à Universidade a definição do que seja “estudante carente” e os critérios apropriados para se fazer prova disso. Até 2012, eram considerados estudantes carentes e, portanto, aptos a participar do programa de ações afirmativas os estudantes cuja renda bruta familiar per capita não excedesse R$960,00 (novecentos e sessenta reais)54 A lei também pôs fim à sobreposição dos sistemas de reserva de vagas, separando as concorrências de cada grupo beneficiado. Assim, além de se limitar o percentual de cada grupo (20% para negros, 20% para estudantes de escolas públicas e 5% para portadores de deficiência e representantes de minorias étnicas), os candidatos passaram a poder concorrer somente por uma das modalidades de reserva de vagas.55 Outra modificação foi o conceito de “negro”. Unificaram-se as categorias de negros e pardos, fazendo-se menção somente a “negros”. Desse modo, esperava-se que se pudesse coibir as fraudes nas inscrições. Pensou-se que os brancos que se declaravam pardos não se declarariam negros. Somente os negros e pardos, cujo fenótipo, por estar relacionado à discriminação, justificaria o benefício, se declarariam “negros”.56 A Lei Estadual nº 4151/2003 também teve sua constitucionalidade questionada através da ADI 3197/RJ, também proposta pela CONFENEM. Diante da revogação do diploma legislativo, a ação também foi julgada prejudicada, por perda superveniente de seu objeto.57 54

Anexo IV do Edital de abertura das inscrições para o exame de qualificação de 2012 disponível em http://www.vestibular.uerj.br/portal_vestibular_uerj/arquivos/arquivos2012/ed/edital/2012_anexo3_sistema_ cotas.pdf. 55 FERES JÚNIOR, JOÃO E ZONINSEIN, JONAS org., Ação afirmativa e Universidade, Brasília, ed. Unb, 2006, p. 120. 56 FERES JÚNIOR, JOÃO E ZONINSEIN, JONAS org., Ação afirmativa e Universidade, Brasília, ed. Unb, 2006, p. 12. 57 DECISÃO: Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - CONFENEN, objetiva impugnar a validade jurídico-constitucional da “(...) Lei estadual nº 4.151, de 4 de setembro de 2003, editada pelo Estado do Rio de Janeiro (doc. nº 3), legislação que instituiu naquele Estado da Federação o 'sistema de cotas' ou de 'reserva de vagas' para o ingresso de candidatos ao ensino superior ministrado pelas universidades públicas estaduais fluminenses” (fls. 02 grifei). O Ministério Público Federal, em pronunciamento subscrito pela ilustre Subprocuradora-Geral da República Dra. DEBORAH MACEDO DUPRAT DE BRITTO PEREIRA, aprovado pelo eminente Chefe do Ministério Público da União, Dr. ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS, ao opinar pela extinção deste processo de controle normativo abstrato, formulou parecer assim ementado (fls. 740): “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Superveniência de nova lei, revogando expressamente o ato normativo impugnado. Parecer pela extinção da ação, sem resolução de mérito, por perda de objeto superveniente.” (grifei) Estes autos, inicialmente distribuídos ao eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE e, posteriormente, ao saudoso Ministro MENEZES DIREITO, vieram ser a mim redistribuídos em 22/02/2011. Em consulta à

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Novamente

o

deputado

Flávio

Bolsonaro

apresentou

Reclamação

de

Inconstitucionalidade perante o TJRJ (autos nº 2003.0070.0117), a qual restou prejudicada, pelos mesmos motivos da ADIN supracitada. Atualmente, as reservas de vagas na UERJ são reguladas pela Lei Estadual nº 5346 de 11 de dezembro de 2008. Este diploma basicamente reproduz as disposições da lei anterior, com a adição de um prazo de dez anos para as ações afirmativas e a inclusão dos indígenas na cota racial. página oficial que o Governo do Estado do Rio de Janeiro mantém na “Internet”, constatei que sobreveio, em 11/12/2008 - ou seja, antes mesmo da redistribuição destes autos ao meu Gabinete -, a edição da Lei nº 5.346/2008, que revogou, expressamente, em seu art. 7º, o diploma legislativo ora impugnado na presente sede de fiscalização normativa abstrata. Sendo esse o contexto, entendo aplicável, à espécie, o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, cujas reiteradas decisões, no tema, têm reconhecido a ocorrência de prejudicialidade da ação direta, quando, após o seu ajuizamento, sobrevém a cessação de eficácia das normas questionadas em referido processo objetivo, como sucedeu no caso. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a propósito de tal situação, tem enfatizado que a superveniente cessação de eficácia dos atos estatais impugnados em ação direta de inconstitucionalidade provoca a extinção anômala do processo de controle normativo abstrato, independentemente da existência de efeitos residuais concretos que possam ter derivado da aplicação dos diplomas questionados (RTJ 153/13 - RTJ 154/396-397 - RTJ 154/401 - RTJ 156/29 - RTJ 160/145 - RTJ 174/80-81, v.g.): “- A cessação superveniente da eficácia da lei argüída de inconstitucional inibe o prosseguimento da ação direta de inconstitucionalidade (...). - A extinção anômala do processo de controle normativo abstrato, motivada pela perda superveniente de seu objeto, tanto pode decorrer da revogação pura e simples do ato estatal impugnado, como do exaurimento de sua eficácia, tal como sucede nas hipóteses de normas legais destinadas à vigência temporária.” (RTJ 152/731-732, Rel. Min. CELSO DE MELLO) “A revogação superveniente do ato estatal impugnado faz instaurar situação de prejudicialidade que provoca a extinção anômala do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, eis que a abrogação do diploma normativo questionado opera, quanto a ele, a sua exclusão do sistema de direito positivo, causando, desse modo, a perda ulterior de objeto da própria ação direta, independentemente da ocorrência, ou não, de efeitos residuais concretos.” (RTJ 195/752-754, 754, Rel. Min. CELSO DE MELLO) Cumpre ressaltar, de outro lado, que o pedido de aditamento formalmente deduzido a fls. 1.196/1.199 revela-se insuscetível de deferimento, considerada a jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria. Com efeito, esta Suprema Corte somente tem admitido a possibilidade de aditamento se ainda não requisitadas informações ao órgão estatal de que emanou o ato normativo impugnado: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - QUESTÃO DE ORDEM - PETIÇÃO INICIAL - ADITAMENTO REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES JÁ ORDENADA - IMPOSSIBILIDADE - PEDIDO INDEFERIDO. . Com a requisição de informações ao Órgão de que emanou a lei ou ato normativo argüido de inconstitucional, opera-se a preclusão do direito, reconhecido ao autor da ação direta de inconstitucionalidade, de aditar a petição inicial.” (RTJ 144/416, Rel. Min. CELSO DE MELLO) No caso, a requisição de informações foi determinada em 08/06/2007 (fls. 639), sendo certo que a autora protocolou pedido de aditamento somente em 30/06/2011 (fls. 1.196/1.199). A seqüência cronológica que venho de mencionar faz incidir, na espécie (aditamento posterior à requisição), a diretriz jurisprudencial que tem prevalecido nesta Corte, que apenas possibilita o aditamento, quando postulado em momento anterior ao da requisição de informações: “INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Petição inicial. Ilegitimidade ativa para a causa. Correção. Aditamento anterior à requisição das informações. Admissibilidade. Precedentes. É lícito, em ação direta de inconstitucionalidade, aditamento à petição inicial anterior à requisição das informações. (...)” (ADI 3.103/PI, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei) É por essa razão que o eminente Ministro GILMAR MENDES (“Jurisdição Constitucional”, p. 141, item n. 1.3, 4ª ed., 2004, Saraiva), ao versar o tema do aditamento da petição inicial em sede de fiscalização abstrata, reconhece que “(...) o Supremo Tribunal Federal tem inadmitido o pedido de aditamento após a requisição das informações ao órgão de que emanou o ato ou a medida impugnada” (grifei). Os fundamentos que venho de referir levamme, portanto, a não acolher o pedido de aditamento formulado a fls. 1.196/1.199. Nem se diga, ainda, que a impossibilidade de aditamento frustraria o exame, por esta Corte, de controvérsia impregnada de altíssimo

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A inclusão dos indígenas nos 20% de vagas reservados também aos negros acompanha a tendência dos demais programas de ações afirmativas recentes. Os mesmos argumentos apresentados pelo movimento negro que fundamentaram as ações afirmativas em sua gênese também se aplicam aos indígenas, sendo, portanto, imperativo de igualdade sua inclusão no rol de beneficiados. Não obstante, o art. 1º da Lei dispõe que o sistema de cotas para ingresso nas universidades estaduais fica instituído pelo prazo de 10 anos. Esta disposição é consentânea com a própria natureza temporária das ações afirmativas, demandando constantes acompanhamentos dos seus resultados e reavaliação de sua existência, porquanto a erradicação da discriminação significaria o exaurimento de seu objeto. Mais uma vez o Deputado Flávio Bolsonaro propôs Reclamação de Inconstitucionalidade contra o sistema de cotas perante o TJRJ (2009.007.00009). O pedido liminar chegou a ser deferido, suspendendo-se a eficácia da lei e, portanto, o

relevo constitucional. Tal não ocorrerá, pois já se acham em curso, neste Tribunal, com julgamento iminente (ADPF 186/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, e RE 597.285/RS, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI) ou com julgamento já iniciado (ADI 3.330/DF, Rel. Min. AYRES BRITTO), processos nos quais se discute a constitucionalidade de programas de quotas étnicas ou do sistema de reserva de vagas como instrumento concretizador de políticas públicas de ação afirmativa. A inviabilidade da presente ação direta, em decorrência das razões mencionadas, impõe uma observação final: no desempenho dos poderes processuais de que dispõe, assiste, ao Ministro Relator, competência plena para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, legitimando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar. Cabe acentuar, neste ponto, que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a inteira validade constitucional da norma legal que inclui, na esfera de atribuições do Relator, a competência para negar trânsito, em decisão monocrática, a recursos, pedidos ou ações, quando incabíveis, inviáveis, intempestivos, sem objeto ou que veiculem pretensão incompatível com a jurisprudência predominante do Tribunal (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175). Impõe-se enfatizar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial é também aplicável aos processos de ação direta de inconstitucionalidade (ADI 563/DF, Rel. Min. PAULO BROSSARD - ADI 593/GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - ADI 2.060/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.207/AL, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 2.215/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), eis que, tal como já assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal, o ordenamento positivo brasileiro “não subtrai, ao Relator da causa, o poder de efetuar - enquanto responsável pela ordenação e direção do processo (RISTF, art. 21, I) - o controle prévio dos requisitos formais da fiscalização normativa abstrata, o que inclui, dentre outras atribuições, o exame dos pressupostos processuais e das condições da própria ação direta” (RTJ 139/67, Rel. Min. CELSO DE MELLO). Sendo assim, em face das razões expostas, julgo prejudicada a presente ação direta, por perda superveniente de seu objeto. Arquivem-se os presentes autos. Publique-se. Brasília, 19 de março de 2012. (ADI 3197, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 19/03/2012, publicado em DJe-059 DIVULG 21/03/2012 PUBLIC 22/03/2012)

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sistema de ações afirmativas da UERJ58. Contudo, em seguida, a representação foi julgada improcedente.59 No que tange à efetividade das medidas, não há dados socioeconômicos disponíveis anteriores à implantação das ações afirmativas, contudo, percebe-se a diferença entre a composição étnica da Universidade entre 2003 e 2010. No início da implantação das medidas, 56,7% dos ingressantes se declararam negros ou pardos, já no vestibular de 2010, apenas 16,9% se declararam negros e 26,1% se declararam pardos. Esta diferença pode ser atribuída à mudança do conceito de negro para as ações afirmativas, que passou a ser mais conciso a partir da Lei Estadual nº 4151/2003.

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REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCINALIDADE DA LEI 5346/2008 — APRECIAÇÃO DE LIMINAR NO SENTIDO DE SUSPENDER A EFICÁCIA DESTE DIPLOMA LEGAL QUE ESTABELECE NOVO SISTEMA DE COTAS PARA INGRESSO NAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS — PRESENÇA DO FUMUS BONI IURIS ANTE AOS ARTIGOS 9º, § 1º DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E ARTIGOS 3º, IV E 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL — IGUALMENTE PRESENTE O PERCICULUM IN MORA ANTE A PROXIMIDADE DO VESTIBULAR E ANTERIORES REVOGAÇÕES DAS LEIS ESTADUAIS Nº 3.534/2000 E Nº 3.708/2001 — PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL NESTE TRIBUNAL ESTADUAL E NO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL — LIMINAR QUE SE CONCEDE PARA SUSPENDER ATÉ A DECISÃO FINAL DE MÉRITO A EFICÁCIA DA LEI ESTADUAL Nº 5.346/2008 ORA IMPUGNADA. (Liminar na Reclamação pela inconstitucionalidade 9/2009, Rel. Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, 25/05/2009) 59 LEI DE COTAS PARA INGRESSO NAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS. Discriminação Positiva. Ações Afirmativas. Igualdade Formal e Material. Constitucionalidade. “Os direitos são os mesmos para todos, mas como nem todos se acham em igualdade de condições para os exercer, é preciso que estas condições sejam criadas ou recriadas através da transformação da vida e das estruturas dentro das quais aspessoas se movem (...) mesmo quando a igualdade social se traduz na concessão de certos direitos ou até cer tas vantagens especificamente a determinadas pessoas – as que se encontram em situações de inferioridade, de carência, de menor proteção – a diferenciação ou a discriminação positiva tem em vista alcançar a igualdade e tais direitos ou vantagens configuram-se como instrumentais no rumo para esses fins” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, 3ª ed, tomo IV, Coimbra Editora, p. 225). A igualdade somente pode ser veri ficada entre pessoas que se encontram em situação equivalente, sendo levados em consideração os fatores di tados pela realidade econômica, social e cultural. O princípio da isonomia garante que as normas não devem ser simplesmente elaboradas e aplicadas a todos os indivíduos; vai além na medida em que considera a exis tência de grupos minoritários e hipossuficientes, que necessitam de uma proteção especial para que alcancem a igualdade real, esta sim uma exigência do princípio maior da dignidade da pessoa humana. Portanto, a igualdade prevista na Constituição Federal e repetida na Constituição do Estado do Rio de Janeiro é a igualdade substancial. Se assim não fosse, ainda estaríamos na época do Império, cuja Carta consagrava o princípio da igualdade, mas permitia a convivência do indigitado princípio com a vergonha do regime escravocrata. A ação afirmativa ligase por um vínculo inquebrantável ao princípio da isonomia. Ela é o instrumento eficaz a garantir sua concretização no seio da sociedade que, a exemplo da nossa, já nascem marcadas pela desigualdade e pelo preconceito. Neste contexto, a Lei de Cotas (Lei Estadual nº 5.346/08) surge não como um diploma concessivo de direitos, vez que estes já são assegurados na Constituição e em outros diplomas. A Lei de Cotas, em verdade, é diploma concretizador de direitos, de constitucionalidade induvidosa. Improcedência da representação. (Reclamação pela inconstitucionalidade 9/2009, Rel. Des. Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, 18/11/2009)

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Em relação aos indígenas, observa-se que de 2,1% do universo de matriculados em 2003 houve uma diminuição para cerca de 1% em 2010, a despeito de sua inclusão como público alvo das ações afirmativas.60 No que concerne ao desempenho dos cotistas, levantamento da UERJ apontou que os estudantes beneficiados com a medida tiveram desempenho igual ou superior ao dos não beneficiados, além de terem apresentado menores taxas de evasão em relação a estes.61

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Estatísticas disponíveis em: http://www.vestibular.uerj.br/portal_vestibular_uerj/arquivos/arquivos2004/sc2004_25.pdf e http://www.vestibular.uerj.br/portal_vestibular_uerj/arquivos/arquivos2009/dados_socioculturais_2009/2009 _uerj_carreira_mat_por_curso.pdf 61 Notícia disponível em http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=7

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VII. O CASO DA UNB62 Após a Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, realizada em Durban, na África do Sul, a questão das ações afirmativas veio a lume com força no âmbito das Universidades brasileiras. Em junho de 2003, anos depois da conferência, a Unb assumiu o compromisso de promover a inclusão de negros e indígenas e de apoiar o sistema de escolas públicas local, através do denominado Plano de Metas para a Integração Étnica, Racial e Social. No vestibular do meio do ano de 2004, foi implantada a reserva de 20% das vagas para candidatos negros e pardos, conforme os critérios especificados pelo IBGE na escala de auto-classificação. O programa de ações afirmativas foi fruto de deliberação do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE UnB). No primeiro ano das cotas, 15,3% dos candidatos optaram pelas ações afirmativas. Os candidatos que optavam por concorrer pelo sistema de reserva de vagas deveriam apontar sua cor e o quanto se consideravam negros. Além disso, o requerimento de inscrição deveria vir instruído com uma fotografia padronizada. Diante dos problemas apresentados em outras experiências de ações afirmativas (vide o caso da UERJ) com o critério de autoidentificação dos candidatos, a Unb adotou um critério de hetero-identificação. As fotografias que instruíam os pedidos de inscrição dos cotistas serviam para fazer um controle dos candidatos que se enquadravam nos critérios de seleção, em sede de uma triagem inicial. Neste processo de controle, as candidaturas eram avaliadas por uma comissão composta por corpo docente, funcionários, membros externos e estudantes. No vestibular de 2004, somente 4,7% dos candidatos que optaram pela reserva de vagas não preenchiam os requisitos estabelecidos, segundo a comissão fiscalizadora. As notas mínimas exigidas em cada exame e na nota final para que o candidato fosse aprovado no vestibular eliminaram 40% dos candidatos não cotistas e 57% dos cotistas. Preenchidos os 20% de vagas reservadas, o restante dos candidatos aprovados que haviam optado pelas cotas concorriam também às vagas do sistema universal, ou seja, a 62

FERES JÚNIOR, JOÃO 2006, p. 183-185.

E

ZONINSEIN, JONAS org., Ação afirmativa e Universidade, Brasília, ed. Unb,

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reserva de vagas era de no mínimo 20% e não limitava a participação dos negros a esse percentual. Ao final do vestibular, percebeu-se que cerca de 40% dos cotistas passariam para seus respectivos cursos prescindindo da reserva de vagas. O programa de ações afirmativas da Unb foi impugnado pelo partido Democratas (antigo PFL), via ADPF 186/DF, de Relatoria do Min. Ricardo Lewandowski. Ocorre que em 26/04/2012, o Tribunal Pleno do STF julgou, por unanimidade, totalmente improcedente a ação 63, assentando o precedente que afirma de maneira categórica a compatibilidade das ações afirmativas com a Constituição Federal.

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Decisão: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou totalmente improcedente a argüição. Votou o Presidente, Ministro Ayres Britto. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 26.04.2012.

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VIII. O CASO DA UFBA A discussão acerca da adoção de ações afirmativas na Universidade Federal da Bahia (UFBA) remonta ao ano de 1998, quando o CEAFRO, programa do Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) da UFBA, apresentou uma proposta de programa de ações afirmativas englobando um sistema de reserva de vagas específico para cada curso, segundo critérios étnico-raciais e socioeconômicos, e um programa de apoio à permanência estudantil. 64 Em 2001, durante reunião do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE), sobre mudanças para o vestibular de 2003, o Diretório Central dos Estudantes propôs a adoção de cotas étnico-raciais. Formou-se um Grupo de Trabalho composto por membros do Conselho e de Entidades da sociedade civil, mas, não foi dado seguimento à iniciativa. Somente em 21 de outubro de 2002, a reitoria da UFBA levou ao CONSEPE proposta de um programa de ações afirmativas elaborada pela frente pró-cotas na UFBA, apresentada por intermédio do CEAO. Novamente constituiu-se um Grupo de Trabalho, composto por professores, servidores e estudantes, sob coordenação da Pró-Reitoria de Graduação. No começo de 2003, a equipe técnica da Pró-Reitoria de Graduação e o Serviço de Seleção da universidade elaboraram uma série de estudos e avaliações, que ensejaram a atualização da proposta do CEAFRO/CEAO de 1998, constituindo uma proposta preliminar. Este trabalho culminou com na primeira apresentação pública do anteprojeto de Programa de Ações Afirmativas da UFBA, realizada na Câmara Municipal de Salvador, em 17 de maio de 2003. Na oportunidade foram apresentadas as diretrizes e princípios do Programa, bem como seus quatro eixos principais: preparação, ingresso, permanência e pós-permanência. Em agosto de 2003 o prédio da reitoria da universidade foi ocupado por estudantes ligados aos movimentos sociais. Eles reivindicavam o aumento da participação de 64

Silva Filho, Penildon, Políticas de Ação Afirmativa na Educação Brasileira: Estudo de caso do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da Bahia, Jundiaí, Paco Editorial, 2014, pp. 67-70.

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estudantes no Grupo de Trabalho designado para elaborar uma proposta de Programa de Ações Afirmativas, bem como sua abertura para integrantes do movimento pró-cotas na UFBA.65 Após um dia de ocupação, tiveram seus pleitos atendidos pela reitoria da Universidade. Inserida em um grande debate que envolveu não só a reitoria, estudantes, servidores e professores da UFBA, mas setores do governo, movimentos sociais e o poder legislativo, o anteprojeto de Programa de Ações Afirmativas na UFBA foi aprovado em 13 de abril de 2004, por intermédio da resolução CONSEPE 01/0466, e em 17 de maio de 2004, referida resolução foi referendada pelo Conselho Universitário. Por esta medida, a Universidade Federal da Bahia implantou o sistema de reserva de 45% das vagas de todos os seus cursos para alunos que houvessem cursado o Ensino Médio e, no mínimo, um ano do Ensino Fundamental em escolas públicas. Dentro deste percentual de 45% de vagas destinados a alunos de escolas públicas, 36,55% se destinavam a candidatos autodeclarados negros ou pardos, 2% a candidatos autodeclarados indígenas e 6,45% a candidatos das demais etnias. 67. A distribuição étnico-racial da parcela reservada a estudantes de escolas públicas seguia a composição étnica da população do Estado da Bahia apontada pelo censo do IBGE (aproximadamente composta por 80% de negros e pardos68). Este modelo de sistema de cotas serviu de parâmetro para a Lei Federal nº 12.711/201269, como se verá adiante. Além de instituir a reserva de vagas, o Programa de Ações Afirmativas contemplava de projetos com o escopo de melhoria da qualidade do Ensino Fundamental e do Ensino Médio e previa medidas de apoio à preparação de estudantes egressos de escolas públicas e afrodescendentes para o vestibular. Previa também a adoção de várias medidas de suporte à permanência dos estudantes nos diversos cursos da universidade, bem como

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Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, “Vestibular com cotas: análise de uma instituição pública federal”, In REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 58-75, dezembro/fevereiro 2005-2006, pp. 61-63 66 Resolução disponível em: http://www.vestibular.ufba.br/docs/resolucao0104.pdf, acessada em 01/10/2014 67 Relatório da Pró-reitoria de graduação da UFBA sobre o vestibular de 2005, disponível em http://www.vestibular.ufba.br/docs/vest2005cotas.pdf, acessado em 01/10/2014 68 Dados disponíveis em: http://www.sei.ba.gov.br/images/bahia_sintese/xls/ pnad_2011/tabela_1.1.5.xls. Acesso em 04/10/2014. 69 Silva Filho, Penildon, Políticas de Ação Afirmativa na Educação Brasileira: Estudo de caso do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da Bahia, Jundiaí, Paco Editorial, 2014, p.8

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atividades de qualificação e orientação de formandos, com vistas a favorecer seu acesso à pós-graduação e seu ingresso no mercado de trabalho.70 Segundo o estudo de Jocélio Telles dos Santos e Delcele Mascarenhas Queiroz 71, antes da adoção do sistema de reserva de vagas, a universidade como um todo e, principalmente, os cursos de alto prestígio da UFBA eram ocupados majoritariamente por alunos egressos de escolas privadas da Bahia. Em cursos de maior prestígio, antes do advento da reserva de vagas, a participação dos alunos advindos do ensino público variava entre 10 e 25%: 13,7% em Direito, 15,2% em Engenharia Elétrica, 16,7% em Engenharia Mecânica, 21,4% em Engenharia Química, 24, 3% em Engenharia Civil e 15,3% em Medicina. Dentro do universo de inscritos no vestibular, o índice de representação dos estudantes de escolas particulares chegou a 60,5% no final da década de 1990. Somente no vestibular de 2004 o índice de alunos da rede pública de ensino superou o índice de alunos da rede particular (51% daqueles contra 49% destes), a partir de então há uma estabilização entre estes percentuais. Entre os alunos matriculados, em 2004, apenas 33,8% deles possuíam formação básica em escolas públicas72. A despeito do funcionamento da política afirmativa por 8 anos, remanesce no período de 2005-2012 a predominância de candidatos oriundos das escolas particulares, com uma tendência à estabilização dos percentuais de sua representação no corpo discente da UFBA. Conforme tabela abaixo73:

70

Silva Filho, Penildon, Políticas de Ação Afirmativa na Educação Brasileira: Estudo de caso do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da Bahia, Jundiaí, Paco Editorial, 2014, p.8, p 70. 71 Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, O impacto das cotas nas Universidades Brasileiras (2004-2012), Salvador, CEAO, 2013, p. 32. 72 Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, O impacto das cotas nas Universidades Brasileiras (2004-2012), Salvador, CEAO, 2013, p. 45. 73 Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, O impacto das cotas nas Universidades Brasileiras (2004-2012), Salvador, CEAO, 2013, p. 43.

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No que diz respeito ao perfil étnico-racial dos candidatos ao vestibular da UFBA, de 2002 a 2004 presenciou-se um sensível crescimento do percentual dos candidatos que se autodeclaravam negros (pretos e pardos), passando de 52,5% em 2002 para 63,2% em 2004. Após o advento do sistema de reserva de vagas o percentual de negros (pretos e pardos) passa a se situar acima dos 70% em todos os anos. Em relação aos indiodescendentes, quilombolas e índios aldeados, somente os primeiros passaram de 1%, dos inscritos (período entre 2005 e 2009) enquanto os outros dois se mantiveram abaixo dos 0,5% dos inscritos conforme demonstrado em tabela74:

74

Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, O impacto das cotas nas Universidades Brasileiras (2004-2012), Salvador, CEAO, 2013, p. 41.

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Um padrão muito parecido é verificado entre os alunos matriculados após o vestibular. Em 1997, os alunos brancos chegaram a representar 50,2% dos ingressantes na universidade75. Em 2004, os estudantes negros (pretos e pardos) compunham 61,1% do corpo discente da universidade. Já em 2005, no primeiro ano após a adoção da reserva de vagas no vestibular da UFBA, pretos e pardos representavam 75,2% dos estudantes ingressantes. Outrossim, os autores chamam atenção para o fato de ocorrer um progressivo aumento do percentual de pretos entre os matriculados, com uma diminuição, quase proporcional, do percentual de pardos. Eles atribuem este fenômeno a uma mudança na autopercepção deste grupo, à construção progressiva de uma identidade étnico-racial, pois haveria uma autoclassificação cada vez maior nos níveis mais escuros da raça. Conforme tabela abaixo:76

Nos ditos cursos de maior prestígio há uma modificação sensível em relação à composição étnica das turmas ingressantes. De 2004 para 2005 os pardos saltam de 46,7% de participação para 59% de participação, enquanto os negros saltam de 8,1% naquele ano 75

Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, “Vestibular com cotas: análise de uma instituição pública federal”, In REVISTA USP, São Paulo, n.68, p. 58-75, dezembro/fevereiro 2005-2006, pp. 67. 76 Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, O impacto das cotas nas Universidades Brasileiras (2004-2012), Salvador, CEAO, 2013, p. 43.

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para 13%, um ano após a adoção do sistema de reserva de vagas. Conforme tabela abaixo77:

Todavia, considerando os números de toda a universidade e tendo em conta que 78% da população do Estado da Bahia é composta por pretos e pardos, em 2012, há, ainda, uma subrepresentação deste grupo étnico, mais pungente nos cursos de maior prestígio. Em relação ao desempenho dos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas, em outra oportunidade, os mesmos autores já haviam esclarecido que, no ano de 2005, em 56% dos cursos da universidade, um percentual maior de estudantes beneficiados pelo programa de ações afirmativas obteve Coeficiente de Rendimento (CR) no intervalo de 5,1 a 10,0 em relação ao percentual de estudantes não beneficiados pelas políticas afirmativas que obteve um CR na mesma faixa. Conforme a tabela78:

77

Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas, O impacto das cotas nas Universidades Brasileiras (2004-2012), Salvador, CEAO, 2013, p. 44. 78 Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas “Sistema de cotas e desempenho de estudantes nos cursos da UFBA”, in Brandão , André (org.). Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação, Rio de Janeiro, DP&A, 2007, pp.135-137

60

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Se considerados somente os 18 cursos mais disputados do vestibular, o percentual de cursos em que os cotistas possuem desempenho igual ou melhor do que os não cotistas sobe para 61%. Levando-se em consideração o intervalo de Coeficiente de Rendimento de 7,6 a 10,0, em 17 dos 30 cursos mais concorridos do vestibular de 2005, um percentual maior de cotistas obteve os CRs excepcionais em relação ao percentual de não cotistas, conforme tabelas abaixo79:

79

Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas “Sistema de cotas e desempenho de estudantes nos cursos da UFBA”, in Brandão , André (org.). Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação, Rio de Janeiro, DP&A, 2007, pp.137-138

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Os autores concluem que, ao contrário das críticas veiculadas pela opinião pública na época da adoção destas políticas, o desempenho dos cotistas não deixa nada a desejar em relação ao desempenho dos não cotistas. Desse modo, mostram-se desarrazoadas as preocupações esboçadas com uma possível queda na qualidade das universidades públicas, devido ao ingresso de alunos beneficiados pelas ações afirmativas, que trouxessem as deficiências da formação básica em escolas públicas. Além disso, as pesquisas de Penildon Silva Filho80 e Nadja Ferreira Pinheiro81, utilizando o método de estudo de caso, com entrevistas realizadas a partir de questionários estruturados com diversos componentes dos corpos discente e docente da UFBA (estudantes cotistas e não-cotistas, de diversos cursos, classes sociais e etnias, além de professores com igual diversidade), concluíram que houve um aumento da percepção da comunidade acadêmica em relação ao racismo e à necessidade de seu enfrentamento. Não 80

Silva Filho, Penildon, Políticas de Ação Afirmativa na Educação Brasileira: Estudo de caso do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da Bahia, Jundiaí, Paco Editorial, 2014. Originalmente apresentada à faculdade de Educação da UFBA, em 2008, como tese de doutorado. 81 Pinheiro, Nadja Ferreira, Cotas na UFBA: percepções sobre racismo, antirracismo, identidade e fronteiras. Dissertação de mestrado apresentada à faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA em 2010.

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só a comunidade acadêmica apoiou a adoção de ações afirmativas como também não foi observada segregação entre cotistas e não cotistas, desbancando o argumento de que haveria uma “racialização” da universidade. Não obstante, a própria comunidade acadêmica se beneficiou com a mudança na composição de seu corpo discente, que se tornou mais heterogêneo e diversificado em termos étnico-racial e socioeconômico. Estas transformações acarretaram uma mudança na cultura política da comunidade interna da UFBA e da sociedade baiana, abrindo os horizontes para a assunção do racismo como um problema e da necessidade de promoção de justiça social por meio de ações positivas do Estado. Por derradeiro, estes estudos perceberam crescente reivindicação dos indivíduos beneficiados pelo Programa de Ações Afirmativas por espaços de cidadania e por participação nas instituições, mormente nos processos de tomada de decisão.82

82

Silva Filho, Penildon, Políticas de Ação Afirmativa na Educação Brasileira: Estudo de caso do programa de reserva de vagas para ingresso na Universidade Federal da Bahia, Jundiaí, Paco Editorial, 2014, p. 96.

64

IX. A ADPF 18683 Em 20 de julho de 2009, o Partido Democratas (DEM), com representação no Congresso Nacional, ajuizou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental visando a declaração de inconstitucionalidade de atos do poder público que instituiram o programa de cotas raciais na Universidade de Brasília – UnB, mais especificamente, os seguintes atos: (i) Ata da Reunião Extraordinária do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília – CEPE; (ii) A resolução 38, de 18 de julho de 2003, do Conselho de Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília; (iii) Plano de Metas para a Integração Social Étnica e Racial da UnB84; (iv) O item 2, subitens 2.2, 2.3, o item 3, subitem 3.9.8 e o item 7, todos do edital 2, de 20 de abril de 2009, do 2º vestibular de 2009 da UnB. A inicial aduzia que estes atos ofendiam os preceitos fundamentais contidos nos arts. 1º, caput, III, 3º, IV, 4º, VIII, 5º, I, II, XXXIII, XLI, LIV, 37, caput, 205, 206, caput, 207, caput e 208, V, todos da Constituição Federal.

83

Até a presente data, 22/09/2014, não houve publicação do acórdão do julgado. Assim, as informações citadas nesta passagem sobre o relatório e os votos dos ministros do STF foram obtidas por intermédio do áudio das seções de julgamento, transmitidas pela TV Justiça e disponíveis em: https://www.youtube.com/user/STF/videos. Já as informações sobre a inicial, os atos impugnados, e os votos dos Ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello foram obtidos no sítio do próprio stf, no acesso às peças eletrônicas do processo e em notícias divulgadas sobre o julgamento da ADPF 186, respectivamente, disponíveis em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=400108#1%20-%20Peticao%20inicial http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF186RL.pdf; http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf186mma.pdf. 84 A irresignação do arguente destacava as seguintes disposições do Plano de Metas para a Integração Étnica e Racial na UnB: “1- Disponibilizar durante 10 anos, 20% das vagas do vestibular para estudantes negros, em todos os cursos oferecidos pela universidade; 2- Disponibilizar, por um período de 10 anos, um pequeno número de vagas para índios de todos os Estados brasileiros; 3- Alocará bolsas para negros e indígenas em situação de carência, segundo só critérios usados pela Secretaria de Assistência da UnB 4- Propiciará moradia para estudantes indígenas e concederá preferência nos critérios de moradia para estudantes negros carentes.”

65

Dentre os argumentos da inicial, cabe destacar que o arguente se opunha à institucionalização de um “Estado racializado”, afirmando que a adoção de políticas afirmativas racialistas para o país seria inadequada e desnecessária, provocando a “discriminação reversa em relação aos brancos pobres” e “favorecendo a classe média negra”. A inicial questiona, ainda, o fundamento da política afirmativa da UnB, alegando que ela é amparada por uma “Teoria da Justiça Compensatória”, que justifica a política afirmativa como meio de resgate de uma dívida histórica dos brancos para com os negros. Acrescenta que esta teoria é inválida porquanto, no presente, não é possível responsabilizar esta geração pela causação do dano, tampouco seria possível identificar os legítimos beneficiários das ações afirmativas. Em sua sustentação oral no plenário do Supremo, a advogada do arguente corroborou este raciocínio, argumentando que a miscigenação, marcante na composição da população brasileira, inviabilizaria a definição de uma minoria racial para ser beneficiária da política afirmativa, partindo de um critério genotípico de heteroidentificação racial. O próprio conceito de raça é alegado inexistente pela advogada do arguente, ressaltando a ínfima diferença genética entre negros e brancos. Segundo ela, os negros não seriam excluídos pelo simples fato de ser negro, as desigualdades entre brancos e negros teriam outro fundamento, que não a cor. Especificamente em relação à instituição de uma comissão que entrevistaria os candidatos cotistas, o arguente questiona o critério de heteroidentificação dos beneficiários do programa de ações afirmativas, alegando que a UnB instituiu um “tribunal racial”, para apontar quem é negro e quem não é. Em seguida, a UnB, o Cespe e o Cepe, apresentaram informações, alegando, em suma, que o programa de ações afirmativas instituído pela Universidade de Brasília se propunha a democratizar o ensino superior, eliminando as restrições ao acesso de certas categorias à universidade. Afirmaram que o fato de inexistirem leis racistas no país e de, ao revés, esta prática ser proibida por lei, não basta para que não haja discriminação. No intuito de combater este fenômeno, não bastaria a atuação repressivo punitiva do Estado, haveria necessidade de também se adotar medidas de caráter promocional para promover a igualdade.

66

Ademais, contrariaram o argumento de que a miscigenação – portanto o carér genotípico da raça – atrapalhariam a identificação dos reais beneficiários da política afirmativa. Ao revés, a discriminação estaria ligada à aparência e à cor do indivíduo e não à sua compleição genética. A Procuradoria Geral da República, por sua vez, também se manifestou pela improcedência da ADPF. Além de corroborar os argumentos trazidos pelas autoridades prolatoras dos atos impugnados, a Vice Procuradora Geral da República destacou que o argumento de Justiça Compensatória não é o único, nem o principal argumento a embasar as ações afirmativas para negros no acesso ao ensino superior. Haveria também a fundamentação na Justiça Distributiva, na promoção da pluralidade nas instituições de ensino e a superação de esteriótipos negativos dos afrodescendentes. A Advocacia Geral da União, igualmente pugnou pelo desprovimento da ADPF, corroborando a argumentação já esposada nas informações das autoridades da UnB, do Cespe e do Cepe e no parecer da Procuradoria Geral da República. Diversas entidades públicas e privadas ingressaram no processo na condição de amici curiae (DPU, IARA, AFROBRAS, ICCAB, IDDH, MPMB, FUNAI, CONECTAS, MNU e EDUCAFRO). Nos dias 3, 4 e 5 de março de 2010 foi realizada audiência pública. O julgamento da Ação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal se deu nos dias 25 e 26 de abril de 2012. A questão fundamental abordada pelo voto do Relator Ministro Ricardo Lewandowski foi analisar se os programas de ações afirmativas que estabelecem um sistema de reservas de vagas, com base no critério étnico-racial, para acesso ao ensino superior, estão ou não em consonância com a Constituição Federal. O voto do ministro analisa o princípio da igualdade em seu duplo aspecto: igualdade formal e igualdade material. Considera que, para se alcançar a máxima otimização do princípio da igualdade, é preciso assegurar a igualdade material ou substancial. A concretização da igualdade material pode se dar por intermédio de políticas universalistas materiais, ações de natureza estrutural, ou de ações afirmativas, restritas a determinados grupos de indivíduos. Ambos os tipos de políticas são calcadas no princípio da igualdade, mas as do segundo tipo, diversamente das do primeiro, levam em consideração a posição relativa dos grupos sociais entre si. 67

A argumentação do ministro apresenta o princípio da igualdade como critério distributivo85. Somente a partir desta concepção, o princípio jurídico contemplaria a apta a igualdade de potenciais morais dos indivíduos e suas diferenças identitárias, tal qual exposto no argumento de justiça distributiva apresentado por Daniela Ikawa86. Defende a concretização desta igualdade substancial por meio da aplicação da justiça distributiva. Seria este o argumento fundamentador das ações afirmativas. Essa lógica considera a posição relativa dos grupos sociais entre si (estratificação social), sem, contudo, se restringir ao critério étnico-racial. Objetiva promover a inclusão de quaisquer grupos excluídos ou marginalizados. A despeito de fazer menção expressa à justiça distributiva como fundamento das ações afirmativas, o voto não se restringe a este argumento para embasar as políticas afirmativas. Em diversos momentos, observa-se que o ministro Lewandowski transita entre os três principais fundamentos jusfilosóficos das ações afirmativas, expostos na primeira parte deste trabalho.87 Veja-se os seguintes trechos: “É bem de ver, contudo, que esse desiderato, qual seja, a transformação do direito à isonomia em igualdade de possibilidades, sobretudo no tocante a uma participação equitativa nos bens sociais, apenas é alcançado, segundo John Rawls, por meio da aplicação da denominada 'justiça distributiva'. Só ela permite superar as desigualdades que ocorrem na realidade

fática,

mediante

uma

intervenção

estatal

determinada e consistente para corrigi-las, realocando-se os bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício da coletividade como um todo.” “O modelo constitucional brasileiro não se mostrou alheio ao princípio da justiça distributiva ou compensatória, porquanto, como 85

Ikawa, Daniela, pp. 150-152 Capítulo III, seção 3.2. 87 Capítulo III 86

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lembrou a PGR em seu parecer, incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade.” “No que interessa ao presente debate, a aplicação do princípio da igualdade, sob a ótica justiça distributiva, considera a posição relativa dos grupos sociais entre si. Mas, convém registrar, ao levar em conta a inelutável realidade da estratificação social, não se restringe a focar a categoria dos brancos, negros e pardos. Ela consiste em uma técnica de distribuição de justiça, que, em última análise, objetiva promover a inclusão social de grupos excluídos ou marginalizados, especialmente daqueles que, historicamente, foram compelidos a viver na periferia da sociedade.” “Essa

metodologia

de

seleção

diferenciada

pode

perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição.” Tais excertos do voto do ministro relator demonstram que ora as discriminações positivas

são lastreadas na concretização do princípio da igualdade como critério

distributivo, ora são atribuídas à compensação de desigualdades construídas no passado e, por vezes, são amparadas pela justificativa teleológica de produção da diversidade, tanto no âmbito da universidade, como na sociedade me geral.

69

Mesmo reconhecendo que as ações afirmativas não se restringem ao critério étnicoracial, o voto do Min. Lewandowski se filia à definição de ação afirmativa contida no artigo 2º, II, da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que restringe o conceito à proteção de grupos raciais. Segundo a Convenção, ações afirmativas são: “(...) medidas especiais e concretas para assegurar como convier o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos raciais de indivíduos pertencentes a estes grupos com o objetivo de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais ” Esta acepção é problemática por restringir o âmbito de incidência de políticas deste viés a determinados grupos socialmente vulneráveis, filiando-se a um único critério de discrímen. Mas, a discriminação não se restringe a caracteres ligados à raça, ao gênero, à origem geográfica ou à condição socioeconômica. Tendo em vista a infinidade de possibilidades de diferenças que possam ser negativamente valoradas em uma ordem moral convencional, não é salutar vincular as ações afirmativas a determinado rol de características. Prosseguindo, o voto discorre sobre os princípios constitucionais que norteiam o acesso ao ensino superior, notadamente, a igualdade de condições para acesso e permanência na escola, pluralismo de ideias e gestão democrática do ensino público (art. 206, I, III e IV, da CF) e, em oposição a eles, o princípio meritocrático (art. 208, V, da CF). A igualdade de condições para acesso e permanência na escola, pluralismo de ideias e gestão democrática do ensino público são desdobramentos do princípio da igualdade substancial e colidem com o princípio de acesso aos níveis superiores de ensino de acordo com o mérito acadêmico de cada um. Não se pode olvidar que o mérito dos concorrentes que se encontram em situação de desvantagem com relação a outros, em virtude de suas condições sociais, não pode ser aferido por uma perspectiva de igualdade formal. 70

Nessa esteira, o ministro se filia à posição de Dworkin 88, alegando que a ação afirmativa não compromete a equidade pois não haveria direitos automáticos a quaisquer benefícios em decorrência do mérito moral dos indivíduos. A aplicação linear de critérios pretensamente objetivos e isonômicos na seleção de candidatos para ingresso na universidade pública gera distorções quando incide em uma sociedade marcada por desigualdades interpessoais acentuadas. Tal fenômeno acaba por perpetuar e até acirrar a marginalização destes grupos socialmente vulneráveis. Devido a este impacto desproporcional gerado pela aplicação das normas do vestibular, o voto considera válida a utilização de critérios socioeconômicos e étnicoraciais na seleção dos candidatos ingressantes nas universidades públicas. Esta seleção deve conjugar o conhecimento técnico (mérito acadêmico) e a capacidade destes candidatos em intervir nos problemas sociais. Quanto à consideração do critério racial para a adjudicação de tratamento juridicamente diferenciado a grupos minoritários, o ministro Lewandowski ressalta que, apesar de o conceito biológico de raça estar superado pela ciência moderna, há um conceito de raça historicamente e socialmente construído, é ele que embasa o fenômeno da discriminação racial e, portanto, pode ser considerado na formulação das políticas de discriminação positiva. A ação afirmativa pode considerar o critério racial em virtude da consciência que a sociedade tem em relação à raça e da inferiorização atribuída a certos indivíduos por pertencerem a determinada raça. O objetivo da ação afirmativa é acabar com essa mesma consciência étnico-racial que lhe dá ensejo. Nesse sentido, o voto destaca que a adoção destas políticas acarreta o surgimento de lideranças entre os grupos discriminados, que potencializam a luta pelos direitos da minoria e servem de paradigma de integração e ascensão social para os demais indivíduos pertencentes a esta minoria. O ministro se alinha à concepção de justiça social elaborada por Nancy Fraser, utiliza, portanto, os critérios de redistribuição e reconhecimento. Além de operar a 88

Conforme exposto nas seções 3.3 e 4.2, segundo Dworkin as ações afirmativas se justificam pelos seu próprio fim, qual seja a promoção da diversidade no ambiente acadêmico e na sociedade em geral, que seria promotora do “bem comum”. Segundo a crítica de Sandel, esta justificativa, ao ignorar o mérito moral enquanto valor a ser considerado na seleção de candidatos,violaria direitos subjetivos incidentes no caso concreto.

71

redistribuição da riqueza e de recursos, a justiça social implica que a sociedade reconheça e incorpore valores culturais diversificados. Surge então a necessidade de adoção de critérios de ordem étnica e racial para promover a efetiva integração de grupos socialmente excluídos ou marginalizados, comprovando a insuficiência da utilização exclusiva dos critérios socioeconômicos. A universidade desempenha um papel fundamental na formação da elite brasileira. O treinamento acadêmico tem grande influência sobre a composição das lideranças do país, principalmente, no âmbito político. Assim, a inclusão das minorias étnico-raciais e socioeconômicas nestes espaços públicos contribuiria para a dessegregação das elites do país. Sem embargo, a universidade e toda a sociedade se beneficiam da ação afirmativa, pois o ambiente acadêmico é ideal para a construção de uma consciência coletiva plural e culturalmente heterogênea. Diversidade é um componente essencial da formação universitária e um valor caro a toda a sociedade. Após discorrer sobre a tradição estadunidense de ações afirmativas, o relator da ADPF 186 se debruça sobre os critérios de identificação do componente étnico-racial utilizados pelas universidades, a saber, de dois tipos: a autoidentificação e a heteroidentificação. O ministro lança mão dos argumentos de Daniela Ikawa 89 para parametrizar a identificação do componente étnico racial: “A identificação deve ocorrer primariamente pelo próprio indivíduo, no intuito de evitar identificações externas voltadas à discriminação negativa e de fortalecer o reconhecimento da diferença. Contudo, tendo em vista o grau mediano de mestiçagem (por fenótipo) e as incertezas por ela geradas

– há (...) um

grau de consistência

entre

autoidentificação e identificação por terceiros no patamar de 79% -, essa identificação não precisa ser feita exclusivamente pelo próprio indivíduo. Para se coibir possíveis fraudes na 89

IKAWA, Daniela. Ações Afirmativas em Universidades, cit. pp. 129-130, citada pelo Ministro Relator Ricardo Lewandowski em seu voto na ADPF 186.

72

identificação no que se refere à obtenção de benefícios e no intuito de delinear o direito à redistribuição da forma mais estreita possível (...), alguns mecanismos adicionais podem ser utilizados como: (1) a elaboração de formulários com múltiplas questões sobre a raça (para se averiguar a coerência da autoclassificação); (2) o requerimento de declarações assinadas; (3) o uso de entrevistas (...); (4) a exigência de fotos; e (5) a formação de comitês posteriores à autoidentificação pelo candidato. A possibilidade de seleção por comitês é a alternativa mais controversa das apresentadas (...). Essa classificação pode ser aceita respeitadas as seguintes condições: (a) a classificação pelo comitê deve ser feita posteriormente à autoidentificação do candidato como negro (preto ou pardo), para se coibir a predominância de uma classificação por terceiros; (b) o julgamento deve ser realizado por fenótipo e não por ascendência; (c) o grupo de candidatos a concorrer por vagas separadas deve ser composto por todos os que se tiverem classificado por uma banca também (por foto ou entrevista) como pardos ou pretos, nas combinações: pardo-pardo, pardo-preto ou preto-preto; (d) o comitê deve ser composto tomando-se em consideração a diversidade de raça, de classe econômica, de orientação sexual e de gênero e deve ter mandatos curtos”. Conclui que tanto faz a heteroidentificação ou a autoidentificação, desde que sejam respeitados os critérios elencados acima e “jamais deixem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos”. O vestibular da UnB, apesar de alegar utilizar a autoidentificação, submetia os candidatos cotistas à chamada “Comissão de Verificação da Condição de Negro”, que submetia os candidatos cotistas a entrevistas e, com base no critério fenotípico, reafirmava ou infirmava a declaração da cor feita pelo candidato. Já que a palavra da comissão era a 73

última a ser dada em relação à cor do candidato, na realidade o critério adotado era de heteroidentificação. Sem desconsiderar a consistência dos argumentos aduzidos no voto do relator, a heteroidentificação é contrária aos próprios valores perseguidos pela ação afirmativa. Quando identificado por terceiros, tolhe-se o fomento ao reconhecimento 90 da minoria étnica ou racial. Nada obstante, a atribuição desta tarefa a terceiros imerge a tarefa de identificação nos preconceitos de ordem étnico-racial, os quais a ação afirmativa pretende combater. Mesmo que haja transparência e democratização dos processos decisórios da Comissão, não haverá respeito à identidade do candidato, valor que se visa fomentar pelas próprias ações afirmativas. Com razão, os ministros Gilmar Mendes e Cezar Pelluzo se manifestaram contra este método de identificação do componente étnico-racial, alertando para as discrepâncias que podem ser geradas pela adoção de um verdadeiro “Tribunal Racial”. Faz-se necessário coibir abusos, porém as fraudes podem ser controladas pelo próprio grupo de beneficiários da ação afirmativa. O importante é que o candidato se autodeclare “negro” e se apresente dessa maneira perante a sociedade. Nesse sentido, seria eficiente exigir fotos no formulário de inscrição, efetuar entrevistas individuais, mas em ambientes coletivos (um auditório, por exemplo), com os candidatos cotistas, bem como entrevistar seus familiares, professores e amigos. A dificuldade de efetuar este controle permite que ele seja realizado após o certame vestibular, somente entre os aprovados pelo sistema de reserva de vagas. O cruzamento de critérios de discrímen também pode diminuir o mal-estar gerado pela suscetibilidade do método de autoidentificação a fraudes. Adotando-se a reserva de vagas para candidatos que preencham simultaneamente os requisitos socioeconômico e étnico-racial, objetiva-se a entrada no sistema de cotas (a verificação do histórico escolar é muito mais simples do que a do fenótipo e enquadramento racial). Este foi outro ponto de divergência no julgamento da ação. Os ministros Gilmar Mendes, que teve a adesão do ministro Cezar Pelluzo, apontou que a consideração somente do

critério

étnico-racial,

despido

do

critério

socioeconômico,

conduziria

à

inconstitucionalidade superveniente do programa de ações afirmativas da UnB.

90

“Recognition” no sentido aplicado por Nancy Fraser

74

As medidas inclusivas adotadas pela universidade foram consideradas “ainda constitucionais” pelo ministro, que reconheceu que sua declaração de inconstitucionalidade e respectivo cancelamento acarretariam uma inconstitucionalidade maior do que sua permanência. Assim, refletindo sobre a evolução das políticas públicas, deixou de considerar o programa de ações afirmativas inconstitucional, ponderando que o amadurecimento das medidas poderia afastar este vício. Em relação à adoção do sistema de reserva de vagas, o relator destaca que a Constituição consagrou esta modalidade de ação afirmativa, conforme o artigo 37, VIII. Além do mais, destaca que no RMS 26.071, a corte firmou o entendimento que as políticas de ação afirmativa não se limitam àquelas previstas no texto constitucional. Desse modo, a adoção do sistema de reserva de vagas seria perfeitamente compatível com a ordem constitucional vigente. Por derradeiro, o ministro Lewandowski destaca a transitoriedade das ações afirmativas, que devem ter sua duração limitada à persistência da situação de exclusão social que lhe deu ensejo; bem como a necessidade de haver proporcionalidade enter meios e fins, ambos requisitos respeitados pelo Programa de Ações Afirmativas da UnB. Apesar da amplitude política com a qual o precedente foi recebido, a fundamentação do julgamento permite concluir que a questão da ação afirmativa no ensino superior não foi abordada com a mesma amplitude no campo jurídico, talvez pela limitação do próprio objeto da ação. Malgrado a importância do precedente na “pacificação” da questão, alguns importantes tópicos das políticas afirmativas desenvolvidas pelas universidades do país na última década não foram abordados no julgamento da ADPF 186. Outros, apesar de abordados, não foram suficientemente fundamentados. Alguns aspectos da questão remanesceram no campo das dúvidas, tais como a questão do índio, a associação de critérios socioeconômicos e étnico-raciais, a heteroidentificação ou a autoidentificação da cor do candidato e a questão da autonomia universitária. É provável que algum ou alguns desses aspectos sejam levados à apreciação do STF no futuro. A discussão acerca da possibilidade abstrata de ações afirmativas perdeu um pouco da utilidade após o precedente consubstanciado no julgado da ADPF 186. Cabe agora fazer avançar o debate para a gama das possibilidades de ação estatal no sentido de demonstrar 75

de que maneira estas medidas seriam mais eficientes na promoção da inclusão social e no combate à discriminação racial, ao mesmo tempo que causassem a menor restrição possível aos direitos em jogo.

76

X. A LEI FEDERAL Nº 12.711/2012 Após o julgamento do Supremo, a discussão sobre as ações afirmativas no Brasil evoluiu para outro patamar. A opinião pública deixou de lado as críticas mais comuns relativas a inadequação das medidas para promover a inclusão social bem como a de violação ao princípio da isonomia. Ganhou vulto na cena política a discussão acerca das possibilidades em torno das ações afirmativas. Nesse passo, diversos Projetos de Lei atinentes à matéria, outrora engavetados, foram levados à deliberação no Congresso. Um deles foi o PL 73/1999, de autoria de Nice Lobão, ironicamente, deputada do então PFL/MA à época. Aprovado pelo Congresso e sancionado pela Presidência da República, o projeto converteu-se na atual Lei federal nº 12.711 de 29 de agosto de 2012. No contexto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), as Universidades Federais gradativamente aumentaram a adoção de programas de ações afirmativas. Ocorre que o repasse de verbas do programa era condicionado pelo Governo Federal à adoção de medidas de inclusão social e de combate à segregação racial. Dessa maneira, 40 das 58 Universidades Federais já haviam adotado alguma modalidade de ação afirmativa até 2012. A partir da vigência dessa lei, todas as Universidades Federais são obrigadas a adotar o sistema de reserva de vagas nela previsto, no qual são reservadas 50% das vagas do vestibular para candidatos que tenham cursado todo o ensino médio em escolas públicas. A lei assegura que metade desse percentual seja destinada aos alunos que tenham renda familiar bruta per capita inferior ou igual a 1,5 salário-mínimo (em outros termos, 25% do total de vagas são reservados a estudantes egressos de escolas públicas e de baixa renda) (art. 1º, caput, e parágrafo único, da Lei nº 12.711/2012). Outrossim, a Lei define que será destinado aos Pretos, Pardos e Indígenas (PPIs) percentual das vagas reservadas igual ao percentual de representatividade destas etnias na população da unidade federativa segundo o Censo do IBGE (art. 3º da Lei nº 12.711/2012). Esquematicamente:

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A lei não foi recebida sem críticas. Alguns reitores alardearam que o sistema exposto era menos inclusivo do que os programas adotados por algumas Universidades Federais. De fato, o percentual médio de vagas reservadas para estudantes da rede pública de ensino sofreu leve redução em relação ao quadro anterior à Lei, enquanto o percentual de vagas reservadas segundo critérios étnicos cresceu substancialmente91:

91

Feres Júnior, João; Daflon, Verônica; Ramos, Pedro; Miguel; Lorena. O impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais. Levantamento das políticas de ação afirmativa (GEMAA), IESP-UERJ, setembro, 2013, pp. 15-16.

78

Além disso, ocorreu a homogeneização das diversas modalidades de ações afirmativas outrora empregadas pelas diferentes Universidades Federais. Dessa forma, garantiu-se que seria adotada em todo país a modalidade de reserva de vagas, em lugar de outras possíveis como bônus na nota final e acréscimo de vagas, comprovadamente menos inclusivas. Não obstante, a lei não veda que a Universidade venha a reservar mais vagas do que a previsão legal, tampouco que estenda as ações afirmativas a outros grupos minoritários, tais como deficientes físicos e quilombolas. A lei determina a revisão do sistema de reserva de vagas dentro de 10 anos. (art. 7º da Lei nº 12.711/2012). Esta disposição é consentânea com a temporariedade imanente às ações afirmativas, que implica a necessidade de constante avaliação de seus resultados e sua revisão periódica. No entanto, nem ela, nem sua regulamentação, dispõem como será realizada a revisão. Nessa esteira, o decreto federal nº 7824/2012 institui em seu art. 6º o Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio. Nos parece que incumbiria a este órgão não só o acompanhamento e avaliação do funcionamento do programa, como

79

também, no prazo de 10 anos sua revisão, para que o Congresso decida pela manutenção ou não das ações afirmativas. Em relação ao modo como a ação afirmativa é adotada, depreende-se que há duas vertentes: através de lei (norma exógena) e através de deliberação do Conselho Universitário (norma endógena). A tendência atual, esboçada tanto pela lei federal nº 12.711/2012, quanto pelas medidas adotadas pela maioria das Universidades Estaduais, é de introdução de Programas de Ações Afirmativas através de lei. Demais disso, outra questão que merece destaque é a escolha entre cotas raciais e cotas sociais. Trata-se de ponto crítico da matéria e que revela grande indecisão por parte do legislador. A maioria dos atuais programas de medidas afirmativas cruza os critérios, ou simplesmente tende a optar pela vertente social, sem se dar conta das discrepâncias que daí decorrem ou da insuficiência de medidas orientadas somente pela classe social para se combater a discriminação que tem por motivo o fenótipo dos indivíduos.92

92

Feres Júnior, João; Daflon, Verônica; Ramos, Pedro; Miguel; Lorena. O impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais. Levantamento das políticas de ação afirmativa (GEMAA), IESP-UERJ, setembro, 2013, pp. 17.

80

XI. O CASO DA UNICAMP

O Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social (PAAIS) foi aprovado pelo Conselho Universitário da Unicamp e instituído através da deliberação A12-04 em 25 de maio de 2004.93 Trata-se do primeiro programa de ações afirmativas no ensino superior brasileiro sem cotas.94 O Programa prevê um acréscimo de 30 pontos na nota final para os candidatos que optassem pela inclusão no PAAIS no ato da inscrição e houvessem cursado todo o ensino médio em escolas públicas. Além disso, há previsão de mais um adicional de 10 pontos para aqueles que, além de se enquadrarem no primeiro grupo, se autodeclarassem Pretos, Pardos ou Indígenas (hoje os acréscimos são de 60 e 20 pontos, respectivamente). Além da bonificação na nota final, o Programa previa, quando de sua criação, a extensão das isenções da taxa de inscrição (a meta era dobrar a quantidade de candidatos isentos) e acrescentar uma nova modalidade de isenção para os candidatos egressos de escolas públicas que optassem por concorrer a licenciaturas noturnas na Universidade. A Comissão de Vestibular da Unicamp percebeu que, apesar de cerca de 80% dos estudantes do Estado de São Paulo concluírem o ensino médio em escolas públicas, somente cerca de 30% dos candidatos inscritos no vestibular da Unicamp eram oriundos de escolas públicas, evidenciando claramente um descompasso entre o universo de estudantes do ensino médio e aqueles que se dispunham a concorrer a uma vaga na Universidade Pública. Talvez a autodiscriminação seja fenômeno hábil a explicar o curioso fato exposto.95 De fato, no vestibular da Unicamp, desde que se desmembrou da Fuvest em 1987, há uma estabilização entre a demanda e o efetivo ingresso de estudantes de escolas públicas, conforme se observa dos gráficos abaixo:

93

Ata da 87ª sessão ordinária do Conselho Universitário, que aprovou o PAAIS, disponível em: http://www.sg.unicamp.br/pautas/ata87consu.pdf 94 Tessler, Leandro, Ação afirmativa sem cotas: o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social da Unicamp, p. 11-12, disponível em http://www.comvest.unicamp.br/paais/artigo1.pdf 95 Tessler, Leandro, Ação afirmativa sem cotas: o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social da Unicamp, p.12-13, disponível em http://www.comvest.unicamp.br/paais/artigo1.pdf

81

Já entre Pretos, Pardos e Indígenas, a partir do advento do Programa, houve um relativo aumento tanto no percentual de inscritos, quanto no de matriculados, seguido de uma estabilização destes percentuais:

82

Apesar do leve aumento do número de PPIs na graduação, o percentual ainda é muito distante daquele considerado aprazível, segundo a Lei Federal nº 12.711/2012: 27,4% da população que se autodeclara preta, parda ou indígena no Censo do IBGE. Da análise das estatísticas, percebe-se que o PAAIS não modificou sensivelmente o perfil socioeconômico dos alunos ingressantes na Unicamp, de maneira que, salvo leves alterações pontuais (alguns cursos como o de medicina tiveram um sensível aumento do número de estudantes de escolas públicas, chegando mais que dobrar 96), as características da comunidade acadêmica de graduação permaneceram as mesmas. Tais números induzem às críticas de que o PAAIS, de perfil mais conservador em relação aos programas de reservas de vagas, teria baixo potencial inclusivo 97. Argumentase que, se de um lado, o critério de bonificação implica manter constante a diferença de nota entre os beneficiários e os não-beneficiários, de outro, permite que o percentual de estudantes beneficiários e não-beneficiários seja variável. Em contraste, o sistema de reserva de vagas, ao mesmo tempo que mantém constantes os percentuais de beneficiários e não beneficiários, teria o condão de ensejar a diminuição da defasagem entre beneficiários e não beneficiários no vestibular. Por outro lado, o PAAIS da Unicamp tem peculiar importância ao se avaliar a adequação das ações afirmativas, no sentido de enriquecer o ambiente acadêmico, através 96

Tessler, Leandro, Ação afirmativa sem cotas: o Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social da Unicamp, p.15, disponível em http://www.comvest.unicamp.br/paais/artigo1.pdf 97 Feres Júnior, João; Daflon, Verônica; Ramos, Pedro; Miguel; Lorena. O impacto da Lei nº 12.711 sobre as universidades federais. Levantamento das políticas de ação afirmativa (GEMAA), IESP-UERJ, setembro, 2013, pp. 13-14.

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da disseminação da pluralidade, contribuindo para o desenvolvimento institucional da Universidade. Em relação às ações afirmativas no âmbito das universidades, é muito comum a crítica de que a reserva de vagas ou qualquer outro favorecimento de acesso a indivíduos de grupos minoritários, cujo mérito aferido pelo vestibular seja menor do que o de outros candidatos não beneficiados, acarretaria uma depreciação dos padrões de excelência das universidades públicas. Segundo este argumento, sobretudo os estudantes egressos da rede pública de ensino trariam as deficiências de sua formação para o ensino superior, não conseguindo acompanhar os cursos, obtendo notas baixas e prejudicando institucionalmente a Universidade. Desta feita, ser-lhes-ia tarefa árdua concluir o curso, além do que os altos índices de evasão daí decorrentes deporiam contra a efetividade das medidas inclusivas, tanto para fortalecer o ambiente acadêmico, quanto para combater a segregação social. Em estudo divulgado em maio de 2004, a Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (COMVEST) demonstrou que, em igualdade de condições, estudantes da graduação advindos de escolas públicas tinham melhor desempenho que seus pares egressos de escolas particulares.98 O estudo avaliou o Coeficiente de Rendimento (CR) de estudantes que ingressaram na Unicamp entre 1994 e 1997, ou seja, anteriormente ao PAAIS, concluindo que, em todas as variáveis socioeconômicas, o grupo de estudantes considerado desfavorecidos obtinha melhor desempenho do que os demais. Tal sobrepujança dos estudantes considerados socialmente vulneráveis foi atribuída a um potencial superior para o desenvolvimento acadêmico, adquirido no processo de superação das adversidades para passar no vestibular em igualdade de condições com os outros candidatos. Em 2007 foi realizado outro estudo similar no intuito de demonstrar que os beneficiários do PAAIS tinham uma melhora no rendimento acadêmico em relação ao seu desempenho no vestibular. Constatou-se que em 44 cursos dos 55 da universidade os alunos do PAAIS subiram de posição ao término do primeiro semestre letivo em relação à classificação no vestibular. 98

Pedrosa, Renato H. L., “Em igualdade de condições, alunos de graduação da rede pública têm desempenho acadêmico superior”, http://www.comvest.unicamp.br/vest2004/desempenho_publica.pdf

Unicamp que estudaram na disponível em

84

Em 29 cursos os alunos do PAAIS detinham rendimento acadêmico médio maior do que os demais, o que, segundo o artigo, desfaz o mito de que os alunos de escolas públicas não conseguiriam acompanhar os demais nos cursos de graduação.99 Apesar de haver críticas ao método estatístico empregado nos estudos, os resultados são contundentes em afirmar a qualidade dos ingressantes advindos de escolas públicas, demonstrando que eles possuem a mesma capacidade acadêmica que os demais estudantes. De outra parte, o argumento aduzido pela Universidade para explicar o fenômeno procura defender o vestibular da Unicamp enquanto método de seleção. A justificativa meritocrática implica continuar restringindo o espaço acadêmico a poucos representantes das minorias segregadas, perpetuando a situação de sub-representação dentro da Universidade e, em última instância, a discriminação fora dela.

99

Notícia disponível em http://www.comvest.unicamp.br/vest2007/rend_academico.html

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XII. O CASO DA USP Em 23 de maio de 2006, o Conselho Universitário aprovou a criação do Inclusp (Programa de Inclusão Social da Universidade de São Paulo), que tem por fundamento promover uma “maior democratização do acesso dos segmentos menos favorecidos da sociedade a seus cursos, sem comprometimento do critério de mérito como legitimador desse acesso”.100 Assumindo que a Universidade de São Paulo apresentava um ambiente notadamente desigual, o programa apresentou uma série de medidas com vistas a diminuir estas disparidades. Em 2005, cerca de 85% dos estudantes que concluíam o ensino médio no Estado de São Paulo eram oriundos de escolas públicas. Esta maciça maioria de concluintes do Ensino Médio correspondia a apenas cerca de 25% do corpo discente da USP. Tal disparidade se agravava quando eram considerados os cursos de maior prestígio, como Medicina, Direito e Engenharia101. Foi proposta a adoção de uma série de medidas para promover a diversidade no ambiente universitário, tanto medidas que impactassem a composição da Universidade antes e depois do ingresso dos estudantes. Na primeira categoria se inseriam as seguintes medidas: a criação de um Programa de Avaliação Seriada (futuramente denominado de PASUSP), medidas de aproximação da USP com a rede pública de ensino (incluindo oferecimento de bolsas de pós graduação e de cursos de qualificação continuada para seus professores), o apoio a cursinhos prévestibulares comunitários, aumento da oferta de vagas nos cursos noturnos e a criação de um portal do Inclusp. A segunda categoria era composta pelas medidas a seguir: a aplicação experimental de um acréscimo na nota da 1ª e da 2ª fases dos estudantes que tivessem cursado o Ensino Médio integralmente em escolas públicas, a diminuição do número de questões da 1ª fase, a consideração dos conteúdos dos Programas Curriculares das escolas públicas para elaborar as questões da Fuvest e a inserção do Programa de Avaliação Seriada na composição da nota final do vestibular. 100

Relatório de gestão da Pró-reitoria de graduação da USP do período de 2006 a 2009, p. 79-97. Disponível em: http://www.prg.usp.br/wp-content/uploads/rel_selma.pdf, acesso em 14/09/2014. 101 Relatório de gestão da Pró-reitoria de graduação da USP do período de 2006 a 2009, p. 83. Disponível em: http://www.prg.usp.br/wp-content/uploads/rel_selma.pdf, acesso em 14/09/2014.

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Além disso, a proposta inicial previa a realização de pesquisas sobre a implementação, o desenvolvimento e a avaliação dos resultados do Programa de Inclusão Social da USP e a criação de um fundo específico para o seu financiamento. Conforme já mencionado, o programa previa a aplicação, a partir do vestibular de 2007, de um acréscimo de até 3% na nota da 1ª e da 2ª fases da Fuvest para os estudantes que tivessem cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas. Acreditava-se, à época, que este acréscimo na nota dos beneficiados aumentaria para 30% o percentual de estudantes egressos de escolas públicas ingressantes nos cursos superiores da USP. Em seu primeiro ano de vigência, esta medida foi criticada por beneficiar somente 12% dos ingressantes oriundos de escolas públicas, de sorte que os outros 88% ingressariam na Universidade independentemente do bônus na nota que lhes fora concedido.102 Considerando os estudantes matriculados após a última chamada, 27,1% dos ingressantes

na

USP

cursaram

integralmente

o

ensino

médio

em

escolas

públicas.103Conforme gráfico abaixo:

Certamente, o resultado obtido no vestibular de 2007 representa um avanço em relação aos 24,8% verificados em 2006.104Conforme gráfico abaixo:

102

“Inclusp ajudou só 12% da rede pública”, notícia de 08/07/2007, disponível em: http://vidaestilo.estadao.com.br/noticias/geral,inclusp-ajudou-so-12-da-rede-publica,30640, acessado em 14/09/2014 103 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2007, p. 451, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2007/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014 104 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2006, p. 443, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2006/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014

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Contudo, um avanço bastante tímido, levando-se em conta que uma parcela superior a 70% dos alunos matriculados ainda era oriunda do grupo de 15% dos estudantes secundaristas que se formam em escolas particulares do Estado de São Paulo. No ano seguinte, os avanços em termos de inclusão social operada pelo programa de ações afirmativas da USP se mostraram irregulares. Na Fuvest de 2008, o percentual de estudantes que cursaram o Ensino Médio integralmente em escolas públicas, matriculados após a última chamada do vestibular, caiu para 26,4%.105Conforme gráfico abaixo:

Em seguida, no vestibular de 2009, o percentual de bonificação concedido a estudantes egressos de escolas públicas subiu para até 12%. Além dos 3% dos anos anteriores, seriam concedidos até mais 3% para os participantes do Programa de Avaliação Seriada da Universidade de São Paulo (PASUSP), proporcional ao seu desempenho na avaliação seriada. Ainda, proporcionalmente à nota obtida pelo candidato no ENEM, ele poderia ser beneficiado com mais um acréscimo de até 6% na nota final do vestibular106. Como resultado da elevação do bônus na nota final concedido aos beneficiários do programa, o percentual de estudantes que cursaram o Ensino Médio integralmente na Rede Pública de ensino subiu para 30,2% entre os matriculados após a última chamada.107Conforme gráfico abaixo: 105

Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2008, p. 459, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2008/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014 106 Manual do candidato da Fuvest de 2009, p. 34. Disponível em: http://www.fuvest.br/vest2009/manual/man2009.pdf 107 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2009, p. 455, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2009/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014

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Esta fração, apesar de alcançar a estimativa de inclusão feita quando da adoção do programa, ainda estava bastante distante da meta de inclusão de 50% de estudantes oriundos de escolas públicas entre os matriculados na USP108. Logo em seguida, no vestibular de 2010, mesmo sendo repetido o mesmo percentual de bonificação aos estudantes que tivessem concluído o Ensino Médio integralmente em escolas públicas,109verificou-se uma interrupção no quadro de evolução dos índices de inclusão social na universidade. Levando-se em conta somente os estudantes matriculados após a última chamada, a fração de representação daqueles que cursaram integralmente o Ensino Médio em escolas públicas caiu para 25,7%.110Conforme gráfico abaixo:

A Fuvest de 2011 previa o Inclusp nos mesmos moldes dos 2 anos anteriores, com percentual de até 12% de bonificação na nota concedido aos estudantes egressos de escolas públicas.111

108

Entrevista da Reitora da USP à época de criação do Inclusp, Suely Vilela, ao jornal Folha de São Paulo em 12/12/2005. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1212200518.htm, acessado em 14/09/2014. A reitora, afirmara, à época, que pretendia adotar medidas socioinclusivas para aumentar o percentual de alunos da USP egressos do ensino público para 50%. 109 Manual do candidato da Fuvest de 2010, p. 35-36. Disponível em: http://www.fuvest.br/vest2010/manual/manual_fuvest_2010.pdf, acessado em 14/09/2014 110 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2010, p. 459, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2009/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014 111 Manual do candidato da Fuvest de 2011, p. 35. Disponível em: http://www.fuvest.br/vest2011/manual/fuv2011.manual.pdf, acessado em 14/09/2014

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Ao término do certame daquele ano, apenas 26,2% dos alunos matriculados após a última chamada (desprezando-se os chamados “treineiros”) haviam cursado o Ensino Médio integralmente em escolas públicas. 112Conforme gráfico abaixo:

Em reação à diminuição do percentual de estudantes egressos de escolas públicas matriculados em cursos da USP, o vestibular de 2012 ampliou o percentual de bonificação na nota dos candidatos que optassem pelo Inclusp. Para aqueles que houvessem cursado o Ensino Médio integralmente em escolas públicas, mas que não participassem do Programa de Avaliação Seriada da Universidade de São Paulo (PASUSP), o bônus na nota da 1ª fase e na nota final seria de até 8%, proporcionalmente ao desempenho do candidato na 1ª fase da Fuvest. Já para os estudantes que tivessem cursado os Ensinos Fundamental e Médio integralmente em escolas públicas e que participassem do Programa de Avaliação Seriada da Universidade de São Paulo (PASUSP), o bônus na nota da 1ª fase e na nota final seria de até 15%, proporcionalmente ao desempenho na 1ª fase da Fuvest.113 Após a última chamada daquele ano, somente 28,4% dos estudantes matriculados havia cursado o Ensino Médio integralmente na rede pública de ensino.114 Conforme o gráfico abaixo:

112

Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2011, p. 467, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2011/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014 113 Manual do candidato da Fuvest de 2012, p. 35-36. Disponível em: http://www.fuvest.br/vest2012/manual/fuv2012.manual.pdf, acessado em 14/09/2014 114 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2012, p. 479, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2012/download/qase_umatr_car.pdf acessado em 14/09/2014

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Houve um pequeno avanço em relação aos resultados ruins, em termos de inclusão social, obtidos nos dois anos anteriores, mas a média de inclusão de alunos egressos da rede pública permaneceu abaixo do patamar de 30%, bem distante da meta idealizada de 50% do corpo discente da USP. Para o vestibular de 2013, foi previsto um bônus de até 8% nas notas da 1ª fase e de classificação final para os candidatos que tivessem cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas e não estivessem inscritos no Pasusp. Este acréscimo seria proporcional ao desempenho do candidato na 1ª fase da Fuvest. Os candidatos que tivessem participado do Pasusp em 2012 fariam jus a um outro bônus, de até 10% nas notas da 1ª fase e de classificação final, proporcional ao seu desempenho na 1ª fase da Fuvest de 2013. Não obstante, os candidatos que tivessem participado do Pasusp em 2011 e em 2012 fariam jus, além dos dois bônus citados, a um bônus de até 5% nas notas da 1ª fase e de classificação final, proporcional ao seu desempenho na 1ª fase da Fuvest de 2012.115 O percentual de representantes do grupo beneficiado pela ação afirmativa caiu para 27,8% entre os estudantes matriculados em cursos superiores da USP após a última chamada.116 Conforme gráfico abaixo:

A Fuvest de 2014 trouxe significativas novidades em relação ao Inclusp. A primeira a ser notada é a ampliação do percentual de bonificação para os estudantes egressos do 115

Manual do candidato da Fuvest de 2013, p. 35-36. Disponível em: http://www.fuvest.br/vest2013/manual/fuv2013.manual.pdf, acessado em 14/09/2014 116 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2013, p. 483, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2013/download/qase_umatr_car.pdf acessado em 14/09/2014

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Ensino Público que não tenham participado do PASUSP, que aumentou para até 12%, calculado com base na nota obtida na 1ª fase da Fuvest. Para os candidatos que tivessem cursado integralmente os Ensinos Fundamental e Médio em escolas públicas, este percentual de bonificação sobe para até 15%, também calculado, com base na nota obtida na 1ª fase da Fuvest. Há, ainda, a eleição de um novo critério de discrímen para identificar um grupo beneficiado pelo programa de ações afirmativas. Os candidatos que, além de terem cursado os Ensinos Médio e Fundamental integralmente em escolas públicas, se autodeclararem Pretos, Pardos ou Indígenas farão jus a um bônus de até 5% nas notas da 1ª fase e de classificação final, proporcional a seu desempenho na 1ª fase da Fuvest.117 Neste ano, 30,3% dos matriculados após a última chamada do vestibular eram estudantes que cursaram integralmente o Ensino Médio em escolas públicas.118 Conforme gráfico abaixo:

Em relação à recente preocupação com a inclusão de Pretos, Pardos e Indígenas, é necessário notar que a Universidade de São Paulo só adotou alguma medida no sentido de combater a discriminação racial, via ação afirmativa, após mais de uma década de experiências nacionais nesse sentido. Antes do Inclusp, em 2006, do total de estudantes matriculados após a última chamada, apenas 1,7% se autodeclarava Preta, 10,8% se autodeclarava Parda e 0,4% Indígena119, somando 12,9% de PPIs. Conforme o gráfico abaixo:

117

Manual do candidato da Fuvest de 2014, p. 37-38. Disponível em: http://www.fuvest.br/vest2014/manual/fuv2014.manual.pdf, acessado em 14/09/2014 118 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2014, p. 483, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2014/download/FUVEST_2014_qase_umatr_car_fuvest_2014.pdf acessado em 14/09/2014 119 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2006, p. 444, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2006/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014

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Este percentual se manteve praticamente estável nos anos seguintes, com pequenas variações entre os 12% e os 15%. Em 2013, um ano antes da implantação do bônus para estudantes de escolas públicas que se autodeclarassem Pretos, Pardos ou Indígenas, o percentual do grupo discriminado era de 13,9% entre os matriculados após a última chamada, sendo 2,4% de autodeclarados Pretos, 11,3% de autodeclarados Pardos e 0,2% de autodeclarados Indígenas,120conforme gráfico abaixo:

Após o primeiro vestibular com bonificação de 5% para estudantes de escolas públicas que se autodeclarassem Pretos, Pardos e Indígenas, o percentual de representação deste grupo apresentou leve crescimento, atingindo, pela primeira vez desde o advento do Inclusp, um percentual superior a 15%.121 Conforme o gráfico abaixo:

Segundo dados do IBGE, cerca de 35% da população do Estado de São Paulo é constituída por Pretos, Pardos ou Indígenas.122 Basta observar a diferença entre o 120

Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2013, p. 483, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2013/download/qase_umatr_car.pdf acessado em 14/09/2014 121 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2014, p. 483, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2014/download/FUVEST_2014_qase_umatr_car_fuvest_2014.pdf, acessado em 14/09/2014 122 Características étnico raciais da população, censo IBGEE de 2008. Publicação disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/caracteristicas_raciais/PCERP2008.pdf, acessada em 14/09/2014. Cabe observar que o levantamento realizado pelo IBGE mescla critérios de autoidentificação e heterorreferenciação, além disso, há uma certa complexidade ligada ao número de categorias classificatórias que apareceram nas respostas dadas pelos entrevistados (14 classificações, segundo o IBGE, foram as mais

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percentual de representação de Pretos, Pardos e Indígenas na população do estado de São Paulo e dentro da Universidade de São Paulo, para notar que há um ambiente excludente na Universidade. Poder-se-ia argumentar que a Universidade de São Paulo, passou a adotar políticas sensíveis à raça somente há um ano, de sorte que seria muito prematuro tecer considerações sobre seus resultados. Malgrado o caráter recente da política de inclusão racial, os resultados pífios em termos de inclusão de Pretos Pardos e Indígenas (um aumento de somente 2,5% da representação do grupo discriminado entre os alunos matriculados) são indícios de que a política adotada pela USP não é a mais adequada, pois se mostrou ineficaz em promover a efetiva inclusão dos grupos étnico-raciais selecionados como beneficiados. No que tange à inclusão dos alunos egresso de escolas públicas, os 8 anos de Inclusp não foram capazes sequer de aumentar em 10% o índice de representação desta minoria no corpo discente da USP (de 24,6% em 2006 para 30,3% em 2014). Para este grupo, o programa de inclusão também mostrou não ser a alternativa mais adequada, posto que os resultados obtidos em seu período de vigência foram contingentes e pouco expressivos. Os números gerais (todas as estatísticas até agora consideraram o total de estudantes matriculados em todas as carreiras cujo acesso se dá pela Fuvest, exluídos os “treineiros”) são elucidativos do quadro de exclusão étnico-racial e socioeconômica da Universidade. Todavia, esta discriminação de esfera institucional é mais pungente quando são analisados os cursos de maior prestígio na Universidade de São Paulo. Tomando-se como exemplo a carreira de Direito, verifica-se que o vestibular é mais excludente em relação a cursos para os quais há maior concorrência no ingresso. Em 2006, antes da adoção de qualquer medida afirmativa pela USP, o percentual de ingressantes na carreira de Direito que cursaram o Ensino Médio integralmente em escolas públicas era de 9,4%, conforme o gráfico abaixo123: recorrentes). Estas circunstâncias peculiares do levantamento realizado pelo IBGE dificultam uma categorização clara, como ocorre no caso das ações afirmativas, em que é selecionada a categoria de PPIs (Pretos Pardos e Indígenas) como beneficiários da prestação positiva do Estado. 123 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2006, p. 71, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2006/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014

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Em 2014, mesmo após 8 anos de funcionamento do Inclusp, apenas 18,2% dos matriculados nesta carreira havia cursado o Ensino Médio integralmente em escolas públicas. Conforme o gráfico abaixo124:

Em 2006, somente 12,2% dos estudantes ingressantes na carreira de Direito se autodeclararam PPIs, conforme gráfico abaixo125:

Na mesma carreira, em 2014, apenas 10,2% dos matriculados se autodeclararam PPIs, sendo que, nesta fração, havia apenas 5 estudantes que se autodeclararam pretos e nenhum que se autodeclarou indígena. Conforme gráfico abaixo126:

124

Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2014, p. 55, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2014/download/FUVEST_2014_qase_umatr_car_fuvest_2014.pdf, acessado em 14/09/2014. 125 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2006, p. 72, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2006/download/qase_umatr_car.pdf, acessado em 14/09/2014 126 Relatório de dados do questionário de avaliação socioeconômica da Fuvest de 2014, p. 55, disponível em: http://www.fuvest.br/vest2014/download/FUVEST_2014_qase_umatr_car_fuvest_2014.pdf, acessado em 14/09/2014

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Enquanto se observou um pequeno avanço em relação à inclusão socioeconômica, houve um retrocesso em relação à inclusão étnico-racial. De qualquer sorte, os percentuais apresentados de egressos do Ensino Público e de PPIs, matriculados na carreira de Direito, encontram-se bem abaixo da média da Universidade de São Paulo e, mais distantes ainda das metas de inclusão de 50% de estudantes da rede pública de ensino e 35% de PPIs.

96

XIII. O CASO DA UNESP Em 17 de abril de 2011, o prédio da reitoria da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), no centro de São Paulo, foi invadido por representantes da União de Núcleos de Educação Popular para Negros(as) e a Classe Trabalhadora (UNEafro)127, movimento social atuante no combate à discriminação, principalmente na seara educacional. Os representantes do UNEafro reivindicavam, com respaldo de instituições como o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, a adoção de ações afirmativas pela universidade, que até aquele momento, não adotava políticas de inclusão (considerando-se somente aquelas que atuem diretamente sobre o certame vestibular, como reserva de vagas ou bônus nas notas). A Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), na mesma linha das outras universidades paulistas, durante a última década, passou a adotar políticas de inclusão de alunos egressos de escolas públicas, que, no entanto, não envolviam reserva de vagas, tampouco bonificação de notas128. Não se olvide que, a despeito da pressão dos movimentos sociais, não foram adotadas políticas afirmativas de cunho étnico-racial. Nesse passo, se insere o Programa Para Inclusão dos Melhores Alunos da Escola Pública na Universidade129, que, dentre outras medidas, concede isenções de taxas de inscrição para candidatos socioeconomicamente hipossuficientes, reduções de até 75% da taxa de inscrição para candidatos oriundos de escolas públicas estaduais ou de cursinhos comunitários, apoio e oferecimento de cursinhos pré-vestibulares comunitários em seus campi, concessão de bolsas de auxílio à permanência na graduação e consideração da estrutura curricular do Ensino Médio Público para elaboração das provas de vestibular. 127

Notícia disponível em http://www.uneafrobrasil.org/nucleos.php?pg=noticia&id=14, acessada em 219/09/2014 128 A partir dos dados divulgados pela Comissão de Vestibular da Unesp, não foi possível precisar o momento em que houve o advento de um programa de ações afirmativas. As medidas foram paulatinamente sendo implantadas, inclusive, antes da invasão da reitoria a Unesp já adotava a maior parte das práticas constantes do Programa Para Inclusão dos Melhores Alunos da Escola Pública na Universidade. Todavia, a partir do vestibular do ano de 2011, houve um recrudescimento na adoção de medidas de cunho inclusivo, acarretando um aumento sensível no número de alunos de escolas públicas na composição do corpo discente da universidade. 129 Apresentação do programa disponível em: http://blogunesp.vunesp.com.br/wpcontent/uploads/2012/08/apresvideoconferencia_2013.pdf, acessada em 29/019/2014

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No ano em que a reitoria da universidade foi invadida pelos movimentos sociais, os estudantes egressos de escolas públicas representavam 37% dos matriculados nos cursos superiores da Unesp, conforme a tabela abaixo130:

Já os estudantes que se autodeclaravam Pretos, Pardos e Indígenas representavam cerca de 16% do corpo discente da universidade, conforme a tabela abaixo 131:

Após o vestibular de 2012, cerca de a parcela de 38% dos ingressantes da universidade era composta por alunos que cursaram o Ensino Médio integralmente em escolas públicas. Deste universo de calouros, somente os mesmos 16% do ano anterior se autodeclaravam Pretos, Pardos ou Indígenas. Conforme tabelas abaixo132133:

130Disponível em http://www.vunesp.com.br/questionariounesp/index.php, acessado em 01/10/2014 131

Disponível em http://www.vunesp.com.br/questionariounesp/index.php, acessado em 01/10/2014 Disponível em http://www.vunesp.com.br/questionariounesp/index.php, acessado em 01/10/2014

132

133 Disponível em http://www.vunesp.com.br/questionariounesp/index.php, acessado em 01/10/2014

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Após o certame de 2013, observou-se o mesmo padrão na composição dos estudantes da universidade. A fração de 39% representava o Ensino Médio Público dentro da Unesp, conforme tabela abaixo:

Não obstante, observou-se um ligeiro aumento em relação ao percentual de ingressantes que se autodeclaravam Pretos, Pardos ou Indígenas. Eles somavam cerca de 18% dos bancos da universidade no 1º semestre de 2013, conforme tabela abaixo:

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De todo modo, a insuficiência do programa de ações afirmativas até então adotado, levou a reitoria da Unesp a formular a resolução Unesp nº 43 de 27 de agosto de 2013 134, que, ao estabelecer as normas para o certame vestibular de 2014, estabeleceu em seu art. 6º, caput, a reserva de no mínimo 15% das vagas oferecidas para alunos egressos de escolas públicas. Desse percentual de vagas reservadas, 35% seriam destinadas a candidatos autodeclarados Pretos, Pardos ou Indígenas, nos termos do § 2º, do mesmo artigo. O percentual de reserva de vagas será progressivamente aumentado: 15% em 2014, 25% em 2015, 35% em 2016 e 45% em 2017. A meta da universidade é atingir os 50% de reserva de vagas em 2018.135 Há também a previsão de uma avaliação anual pelo Conselho Universitário das metas e das estratégias estabelecidas para seu alcance. Em relação aos estudantes de escolas públicas, a reserva de somente 15% de vagas não surtiu muito efeito no primeiro ano de sua aplicação. Neste ano, a despeito da política inclusiva adotada, apenas 39% dos matriculados nos cursos da universidade após a última chamada do vestibular eram oriundos de escolas públicas, conforme tabela abaixo:

134

Ìntegra disponível em: http://vestibular.unesp.br/pdf/2014/resolucao_UNESP_43-2013.pdf, acessada em 29/09/2014. 135 Notícia disponível em: http://www.unesp.br/portal#!/noticia/11739/vestibular-2014-reserva-15-de-vagaspara-alunos-da-rede-publica/, acessada em 30/09/2014.

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Em relação ao critério étnico-racial também contemplado pelo sistema de reserva de vagas da Unesp, foram verificados resultados mais sensíveis em termos de inclusão do grupo beneficiado. Houve uma confirmação da tendência de aumento no percentual de representantes de etnias discriminadas. Pretos, Pardos e Indígenas somaram 20% entre os ingressantes do ano de 2014, conforme tabela abaixo:

Da exposição das estatísticas do questionário socioeconômico dos vestibulares da Unesp de 2011 a 2014, nota-se que, em comparação com USP e Unicamp, ela seria a menos segregadora, posto que seu corpo discente possui o maior percentual de estudantes egressos do Ensino Médio público e que se autodeclaram Pretos, Pardos e Indígenas. Alguns fatores permitem compreender o quadro de desigualdades menos acentuadas na Unesp do que nas demais universidades paulistas. O fato de a Unesp possuir seus campi localizados, em sua maciça maioria, dispersos por diversas cidades no interior, torna a concorrência pelas vagas dos cursos superiores oferecidos pela instituição mais localizadas. Não se nega, aqui, o caráter nacional da concorrência do vestibular de todas as universidades públicas de excelência do país. Todavia, devido à descentralização e à interiorização dos campi da Unesp, esse fenômeno se observa em menor escala. Em alguma medida, o fato de a Unesp não estar ranqueada entre as 5 melhores universidades do Brasil, ao contrário da USP e da Unicamp. Novamente, cabe destacar que, por intermédio destes argumentos, não se contesta a excelência da Unesp como instituição de ensino, que possui diversos cursos entre os melhores do Brasil. Contudo, o fato de não possuir a mesma projeção que USP e Unicamp, leva a uma menor supremacia da elite socioeconômica na concorrência pelas vagas de seu vestibular. A evolução da composição socioeconômica e étnico-racial do alunado da Unesp demonstra que há uma tendência à estabilidade do percentual de membros dos grupos minoritários analisados neste trabalho. A adoção das “medidas inclusivas” alheias ao 101

certame vestibular não foram capazes de tirar da inércia a composição socioeconômica e étnico-racial da universidade. Mesmo sendo a universidade paulista mais inclusiva, a Unesp entre as três analisadas neste trabalho a adotar um modelo mais arrojado de ações afirmativas, instituindo um programa de reserva de vagas para candidatos que cursaram o Ensino Médio integralmente em escolas públicas e que se autodeclaram Pretos, Pardos ou Indígenas. Depreende-se também que mesmo a adoção da reserva de tímidos 15% das vagas disponibilizadas para Estudantes de escolas públicas não foi suficiente para transformar o perfil socioeconômico dos ingressantes na universidade. Ao revés, a destinação de 5,25% (35% dos 15% destinados a estudantes de escolas públicas) de vagas a candidatos que se autodeclarem Pretos, Pardos ou Indígenas se mostrou uma medida eficaz em termos de promoção de inclusão étnico-racial, a despeito do percentual reduzido de vagas destinadas a esta minoria. Assim, a Unesp, que já era a mais inclusiva entre as três grandes universidades paulistas, largou na frente das demais ao adotar um programa de reserva de vagas com metas robustas de inclusão social, a fim de promover um ambiente acadêmico mais plural e igualitário, combatendo a discriminação contra as minorias beneficiadas.

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XIV. O PIMESP O Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (PIMESP) surge em um contexto de grandes pressões de grupos de interesse da sociedade civil. Após a decisão do STF na ADPF 186 e da Lei Federal nº 12.711/2012, restou incontroversa a viabilidade da política de cotas como modalidade de ação afirmativa para fomentar o acesso de grupos minoritários ao ensino superior. Organizações não governamentais, associações de classe e a opinião pública no geral (Frente Pró-cotas do estado de São Paulo, dentre outras entidades) passaram a pressionar o governo paulista para que adotasse um modelo mais inclusivo de ações afirmativas em suas universidades. Assim, em dezembro de 2012, surge o PIMESP, graças a uma parceria entre o Governo do Estado de São Paulo e o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP), os quais expuseram a proposta para a implantação de um sistema de cotas nas universidades públicas de São Paulo. O programa estabelecia como metas a reserva de 50% das vagas do vestibular das Universidades Estaduais Paulistas para alunos que tivessem cursado integralmente o Ensino Médio em escolas Públicas. Inserida nesta meta de vagas reservadas a alunos oriundos da rede pública, reservar-se-ia outro percentual para alunos pretos, pardos e indígenas, compatível com o percentual de representantes destas minorias na população do Estado de São Paulo, verificado pelo último censo do IBGE (35% segundo o senso de 2010). Além disso, estipulava o prazo de 4 anos para o cumprimento destas metas, a partir do vestibular de 2014.136 Para atingir estas metas, seria necessário quintuplicar o número de Pretos, Pardos e Indígenas na Universidade de São Paulo, por exemplo137. 136

Texto integral do PIMESP, disponível em http://www.iri.usp.br/documentos/acoes_afirmativas_pimesp_programa2.pdf, acessado em 09/08/2014 137 “Usp terá de quintuplicar número de negros”, notícia publicada pela revista veja em 21/12/2012, disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/usp-tera-de-quintuplicar-numero-de-negros, acessada em 11/08/2014

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Segundo dados da proposta do programa:

Observa-se que nas FATECs há uma alta taxa de representatividade de estudantes egressos de escolas públicas e uma porcentagem significativa (ainda não a meta ideal) de indivíduos Pretos, Pardos e Indígenas. Os dados apontam para uma maior segregação nas instituições que integram o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (CRUESP), responsável pela elaboração da proposta do PIMESP. Nesse sentido, foram estabelecidas metas de inclusão, a serem cumpridas em 3 anos, conforme tabela abaixo:

Cumpre notar que as metas já levaram em conta o número de estudantes egressos de escolas públicas e o número de Pretos Pardos e Indígenas matriculados no ano de 2012 nas universidades paulistas, de modo que representariam somente um acréscimo ao contingente de representantes destas minorias que já ingressariam normalmente pelo vestibular nos moldes atuais. A fim de alcançar os objetivos estipulados, a proposta prevê a criação de um “curso superior sequencial”, com duração de dois anos, que intermediaria a saída do Ensino Médio e o ingresso nas universidades paulistas, para os beneficiários do programa. 104

O Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), que seria implantado em parceria do governo do Estado de São Paulo com a UNIVESP (Universidade Virtual do Estado de São Paulo), consistiria em uma etapa intermediária de acesso às universidades paulistas, aproximando-se do modelo de College dos Estados Unidos. O ingresso no referido curso superior sequencial teria como critério a nota do estudante no ENEM. Os estudantes que completassem o curso, logrando aproveitamento superior a 70%, teriam o ingresso nas universidades paulistas garantido. Este instituto, a partir do terceiro ano de funcionamento do PIMESP (quando se formariam as primeiras turmas do ICES) forneceria 40% do número de beneficiários previstos na meta do programa. Os outros 60% da meta a partir do terceiro ano de funcionamento do programa e a totalidade da meta nos dois primeiros anos seriam preenchidos segundo “Plano Institucional de Recrutamento de estudantes capacitados e participantes dos grupos sociais no regime de metas”, a ser definido por cada universidade, provavelmente nos moldes do vestibular tradicional (como o são hoje o INCLUSP e o PAAIS). Por fim, a proposta do PIMESP ainda previa o “Fundo Especial para Apoio à Inclusão Social”, por meio do qual seriam destinadas bolsas assistenciais aos beneficiários do programa, com o intuito de financiar a permanência dos estudantes no ICES e nas universidades paulistas. Este auxílio de custo teria o valor de meio salário-mínimo e seria destinado aos estudantes beneficiários do programa que contassem com renda familiar inferior a 1,5 salários-mínimos. Em primeiro lugar, cabe notar que a proposta do PIMESP partiu de um acordo entre os reitores da USP, Unicamp e Unesp e o Governo do Estado de São Paulo. Tanto os movimentos sociais, quanto a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo foram preteridos na discussão para elaboração do projeto. Não se olvide, ainda, que o fato de a proposta ser de autoria dos reitores não implica que sua discussão tenha sido estendida às Universidades em sua totalidade, pois, não houve nenhuma participação dos conselhos universitários, diretórios centrais de estudantes, ou de outros órgãos representativos de professores e estudantes destas instituições de ensino.

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A discussão acerca do projeto só foi aberta à sociedade civil em geral após sua elaboração.138 A forma como o PIMESP foi concebido permite compreender a insatisfação geral e a resistência à proposta, principalmente por parte dos partidários das ações afirmativas. Até o presente momento, somente a Unesp aprovou o programa e há diversas faculdades da USP (incluindo a Faculdade de Direito) que rechaçaram a proposta139. Em segundo lugar, o Instituto Comunitário de Ensino Superior recebeu duras críticas seja pelo conceito da proposta em si, seja pelos seus desdobramentos práticos.140 A criação de um curso semipresencial com duração de dois anos como etapa antecedente ao ingresso na universidade não foi bem recebida, principalmente, pelos movimentos sociais defensores das ações afirmativas. Sua existência pressupõe uma deficiência atribuída somente aos alunos egressos do sistema público de ensino. É fato notório que há problemas na Educação Básica e no Ensino Médio públicos no Brasil, contudo, não nos parece isonômico que se atribua tais deficiências a todos os estudantes egressos do ensino público, tampouco que se exclua do grupo de ingressantes com defasagem na aprendizagem todos os estudantes de escolas particulares. Não obstante a grade curricular do “curso superior sequencial” oferecido pelo ICES denota que as disciplinas não são condizentes com as de um curso superior, estão muito mais ligadas às disciplinas ofertadas no Ensino Médio e a uma formação profissionalizante do que àquelas disponíveis em cursos de bacharelado. Veja-se a grade curricular proposta no PIMESP:

138

“Comissão de Educação da Assembléia Legislativa de S. Paulo convoca audiência pública sobre cotas para o dia 13 de março”. Notícia disponível em: http://www.revistaforum.com.br/quilombo/2013/03/01/comissaode-educacao-da-assembleia-legislativa-de-s-paulo-convoca-audiencia-publica-sobre-cotas-para-o-dia-13-demarco/, acessado em 12/09/2014 139 “Direito, Medicina e Poli da USP aceitam cotas, mas rejeitam Pimesp”. Notícia disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/direito-medicina-e-poli-aceitam-cota-mas-sem-pimesp, acessado em 12/09/2014. 140 “Projetos de Ações Afirmativas para o Ensino Superior Público Paulista: A ALESP e o PIMESP”, Santos, Marina Jacob Lopes da Silva. Artigo disponível em:http://www.publicadireito.com.br/artigos/? cod=c8720c9e82b81879, acessado em 06/09/2014

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Ao que parece, a finalidade de tal grade curricular, e, por conseguinte do próprio curso, é tentar obstar a entrada de estudantes egressos de escolas públicas que tragam deficiências em sua formação básica, resguardando a universidade pública de estudantes mal preparados e, supostamente em decorrência disso, conservando a qualidade daquelas instituições de ensino. Dessa maneira, há um distanciamento em relação à finalidade precípua das ações afirmativas, pois se privilegia a conservação de um status quo em detrimento da inclusão. Não obstante, esta preocupação implícita com eventual queda na qualidade das universidades públicas com o ingresso de candidatos “cotistas” carece de comprovação. Ao contrário, como acima exposto, há estudos que contradizem esta afirmação, comprovando que, em média, na maioria dos cursos, os beneficiados pela reserva de vagas possuem desempenho acadêmico no mesmo patamar, quando não superior ao dos não beneficiados141142. Nessa esteira, a proposta do PIMESP também desconsiderou alternativas ao curso superior sequencial que seriam igualmente aptas a corrigir eventuais defasagens dos estudantes cotistas, tais como a disponibilização de tutorias (cursos de apoio), concomitantemente à graduação. Cumpre salientar, ainda, a necessidade de certificação do curso superior pelo MEC (Ministério da Educação). Como a proposta ainda não foi posta em prática, remanesce o questionamento acerca da possibilidade daquele Ministério reconhecer o curso que seria oferecido pelo ICES como “curso superior sequencial”, nos termos do art. 44, inc. I, da Lei federal nº 9394/96 e da Resolução do Conselho Nacional de Educação n.º 1, de 27 de janeiro de 1999. Apesar de os requisitos para esta modalidade de curso superior serem bastante indeterminados (fora a exigência de conclusão do ensino médio, os candidatos devem atender aos “requisitos estabelecidos pela instituição de ensino”), há ainda a necessidade de autorização e certificação do curso pelo Ministério da Educação. Sem embargo, há uma grande incógnita em relação ao modo como o mercado e a administração pública tratariam os currículos daqueles que concluíssem tal curso 141

Notícia disponível em: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/06/desempenho-do-cotista-esuperior-ao-do-nao-cotista.html, acesso em 10/09/2014 142 Notícia disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2013-05-19/na-unifesp-cotistas-e-naocotistas-tem-media-de-desempenho-igual.html, acesso em 10/09/2014

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sequencial. Seria possível prestar concursos públicos? Seria possível almejar cargos na iniciativa privada para os quais fosse exigido o grau de bacharel em algum curso de ensino superior? De fato, o curso sequencial é uma modalidade de curso de ensino superior inspirada nas Community Colleges estadunidenses, foi inserida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação por Darcy Ribeiro e integravam um projeto muito maior de “Universidade Aberta do Brasil”, com o escopo de universalização do ensino superior143. Contudo, em primeiro plano cabe ressaltar que não há, comprovadamente, um nexo de causalidade entre a adoção de políticas de reserva de vagas e a queda na qualidade das instituições de ensino superior. Além disso, a adoção de um curso sequencial acrescentaria no mínimo dois anos à formação do estudante egresso de uma escola pública paulista que almejasse ingressar em uma das três grandes universidades do Estado, sem qualquer segurança em relação ao valor que o mercado daria ao certificado de conclusão do curso sequencial. Outro aspecto que merece notabilidade é a ideia de mérito, arraigada no programa, como o próprio nome denota (Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista). A despeito de a Constituição Federal garantir o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (CF, art. 208, V), o chamado “princípio meritocrático” (que alguns defendem estar positivado neste dispositivo legal) possui conteúdo subjetivo e contingente. Para os críticos da política de reserva de vagas nas universidades públicas, o vestibular nos moldes tradicionais, antes da adoção de ações afirmativas, seria a melhor forma de aferir este mérito e, por conseguinte, separar os melhores candidatos para ingressar no ensino superior público. Em consequência, a universidade seria frequentada somente por aqueles que fossem os mais capazes para compor seu corpo discente. Todavia, os termos empregados, tais como “mérito”, “capacidade”, “melhores candidatos” são termos cuja acepção é bastante subjetiva. A delimitação de seu conteúdo no processo de interpretação da norma que positiva o suposto princípio em comento é imprecisa.

É certo que a textura aberta da linguagem, que afeta o processo de

interpretação das normas jurídicas, é um fenômeno geral, que não se restringe a este ou 143

Parecer exarado pelo Presidente da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de educação, Hésio Albuquerque Cordeiro, em 17/12/1998, disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/1998/pces968_98.pdf

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àquele termo. Mas, o termo “mérito” tem notadamente um conteúdo marcado por alta carga valorativa, contingente conforme condições cronológicas, econômicas, sociais, etc. Outrossim, a aferição deste mérito (cujo conteúdo é impreciso) fica prejudicada em um contexto de desigualdade material que demande a ação positiva do Estado para corrigir estas disparidades. É forçoso concluir que o princípio meritocrático sucumbe aos imperativos de igualdade substancial, quando o contexto fático apresenta disparidades entre os indivíduos, tais quais as apresentadas pelos estudantes beneficiados por programas de ações afirmativas. Destarte, a proposta de programa elaborada pelo Estado de São Paulo não parece ser a solução menos gravosa aos direitos fundamentais em jogo no conflito entre o suposto princípio meritocrático e o interesse de manutenção da qualidade das universidades públicas em contraposição à necessidade de inserção de estudantes de minorias, via ações afirmativas, nestas instituições de ensino notadamente excludentes.

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XV. ALTERNATIVAS AO PIMESP

XV. ALTERNATIVAS AO PIMESP Há mais de 200 textos, entre projetos de lei, emendas e pareceres, em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que versam sobre o tema da reserva de vagas no acesso às universidades públicas do Estado. Há, dentre eles, desde alguns que erigem como critério de discrímen o recorrente requisito de ter cursado o Ensino Médio integralmente em escola pública, até outros que contemplam com reserva de vagas os mais diversos grupos, como policiais militares em atividade, filhos de policiais e bombeiros militares mortos em atividade e maiores de 60 anos144. Dentre eles, merece destaque o Projeto de Lei estadual nº 0530/04 de 17 de agosto de 2004, por ser o projeto que versa sobre reserva de vagas nas universidades estaduais com tramitação mais avançada. O texto original da proposta previa reserva de 50% das vagas para estudantes oriundos da rede pública de ensino, dos quais 30% são destinados a estudantes autodeclarados afrodescendentes. 15% das demais vagas seriam reservadas a estudantes autodeclarados afrodescendentes ou indígenas com renda per capita de até 2 salários mínimos. O total da reserva seria de 65%, o que denota a dificuldade em colocar a proposta em prática. O projeto de lei nº 860/05 previa a reserva de 75% das vagas das Universidades e Faculdades públicas do Estado de São Paulo para estudantes que tivessem cursado o Ensino Fundamental e o Ensino Médio integralmente em escolas públicas. O projeto de lei nº 148/06 propunha a reserva de 35% das vagas das Universidades Estaduais para estudantes que tenham cursado o Ensino Médio integralmente em escola pública. Já o projeto de Lei nº 208/09, inspirado no texto que culminou na Lei federal nº 12.711/2012, propõe a reserva de 50% das vagas das Universidades Estaduais para alunos 144

“Projetos de Ações Afirmativas para o Ensino Superior Público Paulista: A ALESP e o PIMESP”, Santos, Marina Jacob Lopes da Silva, p. 6-10. Artigo disponível em:http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=c8720c9e82b81879, acessado em 06/09/2014

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que tenham cursado o Ensino Fundamental e o Ensino Médio integralmente em escolas públicas. Dentre este percentual, reservar-se-ia um percentual para os estudantes autodeclarados Pretos, Pardos e Indígenas, igual à proporção de representação deste grupo na população do Estado de São Paulo, segundo o último censo do IBGE. Ressalte-se que estes projetos de lei estão anexados àquele primeiro (530/04), com o qual tramitam junto, sem, contudo, substituí-lo ou serem analisados em conjunto. Não obstante, há ainda uma proposta de anteprojeto de lei que seria apresentada pela frente pró-cotas do Estado de São Paulo, como alternativa ao PIMESP e em substituição ao PL nº 530/04. Segundo esta proposta, seriam reservadas 25% das vagas das Instituições de Ensino Superior Públicas do Estado de São Paulo negros e indígenas que assim se autodeclarassem Segundo este anteprojeto, seriam reservadas 25% das vagas das instituições supramencionadas para estudantes que tivessem cursado o Ensino Médio integralmente na rede pública de ensino, sendo que destes, 12,5% para estudantes cuja renda familiar per capita seja igual ou inferior a 1,5 salário mínimo. Uma terceira reserva seria de 5% das vagas para pessoas portadoras de deficiência, nos termos da legislação em vigor. A proposta prevê, ainda, um prazo de validade do sistema de cotas de 10 anos, prorrogáveis por mais 10 anos, caso as desigualdades étnico sociais, econômicas e de acessibilidade que ensejaram a criação do PL ainda persistam.145

145

Texto do anteprojeto disponível em: http://www.uneafrobrasil.org/images/conteudos/Proposta%20PL %20revis%C3%A3o%20final%20revisada.pdf, acesso em 06/09/2014.

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XVI. CONCLUSÕES A exposição esboçada neste estudo procurou demonstrar que as ações afirmativas aplicadas no acesso ao Ensino Superior nas universidades públicas representa um instrumento jurídico de promoção de justiça social. A inclusão das minorias étnico-raciais e socioeconômicas no ambiente acadêmico pode ser fundada em um direito de reparação da discriminação passada de efeitos presentes, em um direito de redistribuição ou na promoção da diversidade, considerada como um valor em si mesma. De qualquer sorte, o acesso destas minorias às instituições de ensino superior enseja avanços nos três aspectos da justiça social, conforme a teoria tridimensional de Nancy Fraser. A educação de qualidade em si é um recurso escasso e seu potencial de geração de renda é inegável. Assim os avanços em termos de distribuição de renda são facilmente perceptíveis. Por outro lado, a adoção de critérios socioeconômicos e étnico-raciais para adjudicar o tratamento juridicamente diferenciado no acesso ao ensino superior fomenta a construção de elementos identitários entre os indivíduos dos grupos minoritários. Dessa forma, permite-se a construção de uma consciência coletiva enquanto classe, valorizando as diferenças imanentes aos indivíduos. Nesse aspecto, são sensíveis os avanços no campo cultural. Não obstante, a qualificação acadêmica também é de grande relevância para a formação da elite política do país. Aliada aos ganhos em termos econômicos e culturais das outras duas dimensões, a promoção da inclusão das minorias no ensino superior público de excelência fortalecerá os quadros de representação política das mesmas, permitindo que, progressivamente, suas reivindicações por redistribuição e reconhecimento sejam melhor enquadradas. Também no aspecto político, são notáveis os benefícios. Como um todo, este processo está diminuindo consideravelmente a consciência que a sociedade tem das diferenças e a valoração negativa a elas atribuídas, que dá ensejo à discriminação e segregação destas minorias. Quiçá, um dia, este preconceito e a

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discriminação dele decorrente sejam reduzidos a zero e as ações afirmativas não precisem mais existir. Contudo, na atual realidade de marginalização e segregação racial, estas políticas se mostraram adequadas a promover a igualdade fática e combater a discriminação. Além do mais, a exposição empírica dos seis modelos de programas de ações afirmativas permitiu demonstrar que os sistemas de reserva de vagas são mais eficientes em termos de realização da igualdade fática e de combate à discriminação. Eles passam pelo teste da necessidade e, a depender da discricionariedade do legislador ou do gestor de políticas públicas em assumir o comprometimento político de promoção da justiça social, podem ser adotadas, pois através delas é possível alcançar a máxima otimização do princípio da igualdade fática. Em um juízo de ponderação, os programas de ações afirmativas também logram êxito. Desde que respeitados os limites da proibição do excesso e da proibição de proteção insuficiente, as medidas afirmativas são plenamente proporcionais em termos de promoção da igualdade fática, da diversidade e do direito à educação dos beneficiados e de restrição à igualdade jurídica e ao mérito acadêmico dos não beneficiados. A exposição das medidas inclusivas adotadas pelas três maiores universidades do São Paulo permite traçar um perfil das ações afirmativas em educação no Estado e compará-lo com o do restante do Brasil. A adoção do sistema de reserva de vagas foi amplamente adotada em outros estados, seja nas universidades estaduais (a exemplo da UERJ), seja nas universidades federais (onde o sistema foi universalizado devido à Lei federal nº 12.711/2012). Porém, em São Paulo, há uma séria resistência a adotar-se este tipo de medida, sob o argumento de que violaria o princípio meritocrático e diminuiria a qualidade da universidade. Até 2014, quando a Unesp adotou este sistema, nenhuma das universidades paulistas fazia uso de reserva de vagas. A centralidade do mérito, aliás, foi algo marcante nas medidas inclusivas adotadas pelas universidades do Estado de São Paulo. A palavra “mérito”, por vezes integrava os próprios nomes dos programas e a ideia de seleção dos “melhores” alunos das escolas públicas norteou as ações das três universidades. Conforme já analisado, além do definição de mérito moral ser extremamente subjetiva, não é possível aferir com precisão o “mérito” entre estudantes que se encontrem 114

em uma situação de extrema desigualdade substancial - seja de subordinação econômica, seja de subordinação étnico-racial - que comprometa a paridade do exame vestibular, como ocorre no contexto discriminatório que afeta estudantes egressos de escolas públicas e Pretos, Pardos e Indígenas. Ora, o mérito não pode ser o único valor a ser considerado no ingresso nas universidades públicas. Há uma série de princípios colidentes que, em um contexto de discriminação, se sobrepujam ao simples e puro mérito acadêmico. Não se olvide que, ao contrário do quanto afirmado em algumas críticas, as ações afirmativas aplicadas no acesso ao Ensino Superior não negam vigência ao mérito, o que ocorreria somente caso fosse abolido o exame vestibular. Ele é levado em consideração, porém, face às circunstâncias concretas, ele cede a precedência a outros princípios tais quais a dignidade humana, a igualdade substancial e a diversidade. A preocupação com o comprometimento da excelência das universidades paulistas também restou pungente da análise do quadro de políticas afirmativas adotadas em São Paulo. Principalmente na proposta do PIMESP, ficou transparente a preocupação dos gestores de políticas públicas em resguardar as universidades de estudantes com deficiências em sua formação acadêmica. Em realidade, a promoção da igualdade substancial e o combate à discriminação foram precedidos por estas preocupações institucionais, no caso do PIMESP. Esta crítica é infundada. Como observado em outras experiências, seja no caso estadunidense146, seja no Brasil, através das ações adotadas por UERJ 147, UFBA148 e UniCamp149, os beneficiados pelas ações afirmativas, no geral, em nada deixam a desejar em relação aos não beneficiados, no que diz respeito ao desempenho acadêmico.

146

Bowen, Willian G. e Bok, Derek. O curso do rio: um estudo sobre a ação afirmativa no acesso à universidade, Rio de Janeiro, Graramond, 2004, pp. 410-411. 147 Estudo publicado pela UERJ em 01/06/2010, disponível em: http://g1.globo.com/jornalnacional/noticia/2010/06/uerjdivulga-estudo-com-resultado-positivo-sobre-o-sistema-de-cotas.html, consultado em 07/03/2011. 148 Santos, Jocélio Telles dos e Queiroz, Delcele Mascarenhas “Sistema de cotas e desempenho de estudantes nos cursos da UFBA”, in Brandão , André (org.). Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação, Rio de Janeiro, DP&A, 2007, pp.135-138. 149 Pedrosa, Renato H. L., “Em igualdade de condições, alunos de graduação da Unicamp que estudaram na rede pública têm desempenho acadêmico superior”, disponível em http://www.comvest.unicamp.br/vest2004/desempenho_publica.pdf.

115

Evidentemente, é necessário que se adotem medidas de correção das deficiências herdadas de uma educação básica ruim, tais como tutorias em disciplinas básicas (Português, Inglês,

Matemática,

Informática,

etc.), que

podem ser oferecidas

concomitantemente com as disciplinas do curso superior, estas práticas foram bem sucedidas na UFBA e na UERJ. Outro aspecto que merece ser ressaltado em relação à proposta do PIMESP, foi a heteronomia com que o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista foi elaborado e tentou ser implantado. O alijamento da comunidade acadêmica, dos movimentos sociais e até do Legislativo na elaboração da política pública torna mais difícil a tarefa de implantá-lo e obter bons resultados. Outro aspecto que salta aos olhos é a resistência das universidades paulistas, principalmente da USP, em considerar critérios étnico-raciais em seus processos seletivos. A USP e a Unesp somente adotaram o critério étnico-racial em seus programas de ações afirmativas em 2014. Estes fatores contribuíram para o descompasso entre as universidades paulistas e as do restante do país em termos de inclusão social. Em resumo, os resultados obtidos em uma década de PAAIS, oito anos de INCLUSP e cerca de três anos de Programa Para Inclusão dos Melhores Alunos da Escola Pública na Universidade pode ser assim resumido:

116

117

118

Observa-se um esgotamento do modelo de ações afirmativas adotado pelas universidades paulistas, prescindindo do sistema de reserva de vagas. Os programas de inclusão que concedem bonificações nas notas dos candidatos integrantes de grupos socialmente vulneráveis funcionaram por quase 10 anos e o que se observa dos dados socioeconômicos dos ingressantes na UniCamp e na USP é uma tendência à estabilização dos percentuais de integrantes destes grupos. Mesmo uma década depois do funcionamento destas medidas, estudantes de escolas públicas e Pretos, Pardos e Indígenas continuam subrepresentados nas universidades públicas de São Paulo. Os fatores de resistência expostos acima impediram que o gestor de políticas públicas adotasse medidas mais eficazes na promoção da inclusão social, de sorte que a insuficiência dos programas de ações afirmativas adotados até então é patente. As mudanças no vestibular de 2014, com a adoção de cotas pela Unesp e o recrudescimento das bonificações concedidas por USP e UniCamp denotam uma reação a este quadro. Contudo, ainda é cedo para tecer considerações sobre a efetividade ou não desta reação. A adoção do sistema de reserva de vagas seria uma saída para este quadro de estagnação das políticas de inclusão social no ensino superior público paulista. Porém, como já foi ressaltado em sede de capítulo próprio, a alternativa a ser escolhida encontra-se 119

no campo de discricionariedade do legislador ou gestor de política pública. Contudo, urge a tomada de medidas mais arrojadas na promoção de inclusão das minorias, pois o quadro atual evidencia pungente omissão parcial da norma protetiva. Independentemente da adoção ou não do sistema de reserva de vagas, é necessário que os programas de ações afirmativas sejam elaborados e implantados em processos democráticos. Como visto anteriormente, nada impede que as ações afirmativas sejam instrumentadas por meio de lei. Todavia é necessário respeitar a autonomia universitária, consultando os órgãos deliberativos das universidades (normalmente os conselhos universitários) na elaboração da politica pública. Nada obstante, a norma endógena, ao contrário da norma exógena, tem uma probabilidade de eficácia elevada. Desse modo, incluir a representação estudantil, servidores, professores e a comunidade acadêmica no geral, na discussão em torno da adoção de ações afirmativas será benéfico para a própria política pública. Não é diferente com os movimentos sociais. A possibilidade de participação dos movimentos sociais na elaboração das políticas afirmativas a serem adotadas pelas instituições de ensino superior é importante para a aproximação entre universidade e sociedade civil e democratização do ambiente acadêmico. Do mesmo modo, é importante englobar o Legislativo na tomada de decisão acerca do tipo de ação afirmativa a ser adotado. Não se pode olvidar que, malgrado o inchaço das competências do poder Executivo em nossa ordem constitucional, é de competência do legislativo deliberar sobre a proteção de direitos constitucionalmente assegurados. Em suma, faz-se necessário adotar o procedimento mais democrático possível para adotar medidas de discriminação positiva. Tendo em vista as restrições de direitos fundamentais envolvidas por estas medidas transitórias, a consulta a todos os setores do Estado e da sociedade envolvidos na questão contribui para legitimar a decisão tomada. Nesse sentido, cabe destacar a proposta do movimento pró-cotas do estado de São Paulo, concebida no seio dos movimentos sociais, com consultas aos diversos setores das universidades, a proposta seria um bom caminho a ser discutido junto aos poderes Legislativo e Executivo e aos Conselhos Universitários. Cumpre observar, por fim, que, apesar de este estudo ter por objeto as medidas afirmativas empregadas no acesso às universidades públicas, não basta atuar de maneira 120

inclusiva somente no vestibular. Para assegurar a eficácia das ações afirmativas na educação é preciso considerar os quatro eixos de inclusão social consagrados no programa de ações afirmativas da UFBA: preparação, ingresso, permanência e pós-permanência. Assim, além de facilitar o ingresso de estudantes pertencentes a minorias, é preciso fomentar e apoiar os pré-vestibulares comunitários, aproximar os exames vestibulares do currículo do Ensino Médio público, conceder auxílios financeiros e acadêmicos à permanência dos estudantes beneficiados por ações afirmativas, além de acompanhar e auxiliar seu ingresso no mercado de trabalho ou na pós-graduação. É importante ressaltar que a adoção de políticas afirmativas não elide a necessidade premente de políticas universais de investimento na educação básica, única maneira de melhorar o sistema educacional público como um todo. Tendo em mente estes parâmetros há de ser garantida a máxima realização do direito à igualdade substancial na educação superior, de modo que, em um futuro próximo, não haja mais razão para a existência de ações afirmativas e possam ser adotadas somente políticas públicas de cunho universalista.

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