Ações de Direito de Família no Novo Código de Processo Civil brasileiro

July 12, 2017 | Autor: C. Soares | Categoria: Direito, Direito Processual Civil, Direito de família
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Ações de Direito de Família no Novo Código de Processo Civil brasileiro Carlos Henrique Soares Doutor e Mestre em Direito Processual Civil – PUCMinas e Universidade Nova de Lisboa – Pt., Professor de Direito Processual Civil da PUCMinas (Barreiro)



Graduação

e

Pós-graduação,

Coordenador de Pós-graduação do IEC/Minas, Escritor, Palestrante, Advogado-sócio da Pena, Dylan,

Soares

&

Carsalade

Sociedade

de

Advogados.

Sumário: I – Introdução. II – Direitos das Famílias. III – Considerações sobre ações de família prevista pelo novo Código de Processo Civil. III.1 – Ações e pretensões de direito de família, III.2 – Separação Judicial – possibilidade jurídica, III.3 – Conciliação e mediação nas ações de direito de família. III.4 – Citação nas ações de direito de família. III.5 – Fracionamento da audiência de conciliação e mediação. III.6 – Intervenção do Ministério Público. IV – Conclusão. V – Bibliografia.

Resumo: O presente texto busca realizar um estudo crítico sobre as ações de família previstas no novo Código de Processo Civil

Abstract: This text seeks to make a critical study of the actions of families in the new Brazilian Code of Civil Procedure.

Palavras chaves: direito das famílias. Ações de famílias. Procedimento. Conciliação e mediação.

Key words: family law. Actions of families. Procedure. Conciliation and mediation.

I – Introdução Quando se trata sobre das ações de direito de família no novo Código de Processo Civil, na verdade, pretendemos informar sobre as pretensões relacionadas ao direito de família, que receberam tratamento individualizado e especial. O direito de família está previsto no Código Civil, nos artigos 1.511 a 1783, no livro IV. As ações de direito de família são as questões que envolvem o divórcio, a separação, o reconhecimento e extinção de união estável, guarda, direito de visita, filiação e alimentos. Também verificamos que as questões de partilhas de bens, são questões relacionadas ao direito de família, e portanto, devem receber, pelo novo CPC, tratamento especializado e individualizado. Atualmente, o CPC de 1973, estabelece o procedimento ordinário como regra para o desenvolvimento das ações de direito de família, e excepcionalmente, o procedimento especial é o adotado, como no caso de ação de alimentos, que se processa nos termos da Lei n. 5.478/68. No que tange ao direito de família, verificamos que o Código Processual Civil de 1973 é velho, antiquado, e só resolve as questões vinculadas ao direito de família pelo prisma jurídico, desconsiderando o aspecto psicológicos e afetivo. Muito menos, enaltece a conciliação e mediação. Assim, faremos um estudo sobre o tratamento processual dispensado ao direito das famílias no novo Código de Processo Civil, levando em consideração, as últimas alterações feitas pela Câmara dos Deputados, no Projeto de Lei n. 6.025, de 2005 e Lei n. 8.046/2010, ambos de iniciativa do Senado Federal.

II – Direitos das Famílias Para a proteção da família e para a garantia dos direitos, é indispensável entender o novo conceito, pós-moderno, de família, e assim, verificar os instrumentos processuais que temos a disposição para resguardar os direitos dos entes familiares, no que tange à guarda, filiação, alimentos, visitas, reconhecimento e extinção de sociedade conjugal e união estável.

Constitucionalmente, segundo o art. 226 da Constituição brasileira, a família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado. Isso significa que o conceito de família não ficou definido pela constituição, mas ficou definido que a mesma será protegida. Portanto, família é um locus que deve ser protegido, no sentido de garantir aos indivíduos, componentes da família, o desenvolvimento moral, psicológico e de integridade física, sendo-lhe garantido, a dignidade humana (art. 1º., CR/88). Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald é inadmissível um sistema familiar fechado, eis que, a um só tempo, atentaria contra a dignidade humana, assegurada constitucionalmente, contra a realidade social viva e presente da vida e, igualmente, contra os avanços da contemporaneidade, que restariam tolhidos, emoldurados numa ambientação previamente delimitada. Por isso, estão admitidas no Direito de Família todas as entidades fundadas no afeto, na ética e na solidariedade recíproca, mencionadas, ou não, expressamente pelo comando do art. 226 da Carta Maior1. Quando utilizamos o termo direitos das famílias queremos informar que não há apenas uma forma de constituição de família, mas sim, várias modalidades de família. De acordo com Vianna, a família não decorre somente do casamento civil e nem é concebida exclusivamente como união duradoura entre homem e mulher. Por força do disposto no parágrafo 4º do artigo 226 da CF, a família é concebida, na sua noção mínima, como a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, abrangendo, também, as outras formas de entidade familiar, como aquela decorrente do casamento civil, do casamento religioso, e da união estável entre o homem e a mulher, nos termos dos outros dispositivos contidos no artigo 226 da CR/882. Assim, podemos identificar diversas modalidades de famílias e todas gozam de proteção pela Constituição e pela legislação federal. São elas: a) família 1

Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p.37. 2 VIANNA, Roberta Carvalho. O instituto da família e a valorização do afeto como princípio norteador das novas espécies da instituição no ordenamento jurídico brasileiro. Diposnível em: . Acesso em: 04 out 2012.

matrimonial; b) família monoparental; c) União Estável; d) Família Substituta; e) Família anaparental; f) família homoafetiva. Não iremos aqui, deter a explicar cada umas das modalidades de famílias indicadas acimas, apenas ressaltaremos, que se o novo CPC quiser ser realmente novo, no aspecto de garantir os direitos dos familiares, ele não poderá deixar de tratar e resolver as questões que cada uma das modalidades de família citadas provocam e trazem de consequências ao mundo jurídico. Isso significa dizer, que o desafio do novo CPC é criar a possibilidade de um novo paradigma procedimental de proteção familiar, independentemente da modalidade de família. O importante, no conceito de família, é saber que se trata de um laço afetivo, e por tal razão, todos os conflitos que possam surgir desse laço afetivo, devem ser tratados sobre dois planos, quais sejam, o jurídico e o psicológico. Qualquer tentativa de resolver a questão, apenas por um dos pontos, será, infelizmente, fadada ao insucesso, haja vista que sempre ficará pendente de resolução, a outra face da moeda, pois a afetividade e seus problemas, não serão resolvidos apenas com decisão judicial. Ressalve-se apenas que, quando se propõe resolver problemas familiares, em dois âmbitos do conhecimento humano distintos, mas conexos, juridicamente e psicologicamente, verificamos que o Judiciário precisará ter uma nova estrutura, e isso ainda não é a realidade no Brasil. Nesse sentido, em que pese uma tendência moderna no ponto de vista normativo, infelizmente, esperamos sua deturpação do ponto de vista de aplicação, por absoluta falta de estrutura judiciária e de pessoal qualificado.

III – Considerações sobre ações de família prevista pelo novo Código de Processo Civil

III.1 – Ações e pretensões de direito de família

Como indicado, a resolução dos conflitos envolvendo o direito das famílias deve ser resolvido, buscando, a um só tempo, a pacificação jurídica e psicológica dos envolvidos. Atendo a tais questões, o novo CPC, acabou por criar o procedimento especial intitulado “ações de família”, ressaltando que tais conflitos envolvem relacionamentos interpessoais continuados, com forte conotação psicológico, bem como, priorizando a mediação como técnica a ser utilizada para a solução consensual destas controvérsias. A primeira consideração sobre as ações de direito de família, é que o art. 708 do novo CPC estabelece que o mesmo deve ser aplicado nos processos contenciosos relativos ao divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Assim, o divórcio e a separação judicial consensual, judicial ou extrajudicial, estão tratadas pelo art. 746 e seguintes do novo CPC. Ressalte-se que o divórcio consensual, atualmente previsto pelos artigos. 1.120/1.124-A do CPC, passará a ser classificado como procedimento não contencioso, que poderá ser judicial ou extrajudicial. Não é possível afirmar que o legislador pretendeu obrigar os casados ou que vivam em união estável a realizar a separação ou o divórcio por meio do procedimento extrajudicial, com a elaboração de uma escritura pública. O que a lei prevê é uma maior facilidade e agilidade da separação e do divórcio ocorrerem de forma desburocratizada e informal, quando feito com a escritura pública, em procedimento extrajudicial3. No entanto, no que tange ao procedimento extrajudicial, é importante ressaltar haverá a necessidade de participação de um advogado, assinando, junto a escritura pública, bem como, o pagamento de emolumentos, o que, pode trazer maiores

3

Cf. Carlos Henrique Soares e Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias. Manual Elementar de Processo Civil. 2ª. Edição. Del Rey: Belo Horizonte – MG, p. 848: Nos termos desse artigo, para que se proceda ao divórcio consensual é necessário observar os seguintes requisitos: 1. Prazo legal de 1 ano de casado para fins de divórcio ( a exigência desse prazo foi revogado pela Emenda Constitucional 66, que modificou o art. 226 da Constituição da República. Assim, não é mais necessário aguardar esse período para conseguir o divórcio); 2. Não possuir filhos menores ou incapazes; 3. Elaboração de uma escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento (a escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis); 4. Participação e assistência da elaboração da escritura pública por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

custos para os que pretendem se separar ou divorciar, mesmo com a previsão de que são garantidos aos necessitados, a isenção de pagamento de honorários advocatícios e emolumentos. O novo CPC, inova no que tange a separação e o divórcio, ao equiparar o procedimento extrajudicial para os que vivem em união estável, e querem se separar de forma consensual, com a partilha de bens e que não possuem filhos menores ou incapazes.

III.2 – Separação Judicial – possibilidade jurídica

Um outro ponto que merece ressaltar no novo CPC é que o mesmo não entrou na discussão de direito material sobre o fim ou não da separação judicial no direito brasileiro. Nesse sentido, para não sepultar a presente discussão, que ainda traz sérias reflexões e críticas pelos doutrinadores, optou o legislador por manter a nomenclatura “separação” no bojo do texto processual Nesse sentido, sobre a manutenção do instituto da separação no direito brasileiro, é importante levar em consideração o que releva Lidia Caldeira Lustosa Cabral, vejamos: “A preservação do instituto da separação judicial tem o escopo de manter a liberdade entre os cônjuges para decidir acerca de sua relação civil, haja vista que a proteção do Estado volta-se na nova ordem constitucional, para as pessoas, centro do ordenamento jurídico, e que seus direitos fundamentais devem, imperativamente, ser tutelados. O novo comando do art. 226, §6º. da Constituição Federal, afastou o decurso de tempo como pressuposto para o divórcio no menor espaço de tempo – se separados judicialmente (um ano). Contudo, o tempo garantidor à melhor reflexão do passo a ser dado pelos cônjuges é de razão subjetiva, e poderá ser mantido agora sem tempo determinado. O direito de contrair casamento, ou desfazê-lo, é de interesse particular das partes envolvidas, mantendo-se afastado o Estado, e acreditamos ter sido esta a razão do legislador ao eliminar a exigência da separação judicial prévia, ou de fato, por dois anos, para a obtenção do divórcio. Nesse sentido, caso seja de interesse dos cônjuges, a separação judicial poderá preceder o divórcio, resguardando-se a oportunidade de

restaurar, a qualquer tempo, o casamento, sem contudo dissolver o vincula matrimonial”4.

A nova redação do artigo 226 da Constituição da República, fornecida pela Emenda Constitucional 66, apenas afirmou que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, mas não vetou e proibiu a possibilidade de manutenção do instituto da separação judicial, em nome da autonomia da vontade das partes, para buscar apenas a suspensão dos direitos e deveres conjugais, mantendo-se o casamento, caso assim os cônjuges desejem. Assim, a melhor exegese do artigo 226 da CR/88, é no sentido de ampliação dos direitos subjetivos das partes/cônjuges acerca do fim do casamento. Portanto, nesse ponto, o novo CPC, se assim mantiver o instituto da separação, em sua previsão normativa, o faz acertadamente, acatando os limites da autonomia da vontade dos cônjuges, que podem propor, uma forma diferente de separação, que não apenas aquela que põe fim ao casamento, através do divórcio.

III.3 – Conciliação e mediação nas ações de direito de família

A outra ponto que merece nossa consideração, é sobre o art. 709 do novo CPC, que assim dispõe: “Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz contar com o auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação. Parágrafo único. O juiz, de ofício ou a requerimento, pode determinar a suspensão do processo enquanto os litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou a atendimento multidisciplinar.”(grifos nossos) Com a leitura desse artigo, verificamos que o novo CPC admite de forma expressa que as soluções que envolvem controvérsias de direito de família deverão passar por atendimento multidisciplinar, bem como, sempre que possível, pela conciliação e 4

Cf. CABRAL, Lidia Caldeira Lustosa. Separação Judicial. Um Instituto Jurídico Derrogado? Revista Emerj. Rio de Janeiro. V. 14, n. 56, p. 119-124, out-dez, 2011. Disponível em: Acesso em 12 mar. 2014, p. 121 e 122.

mediação. Isso significa que o novo CPC rompe com a tradição processual brasileira de se preocupar com as questões eminentemente jurídicas e passa a também a tratar o aspecto psicológico das relações familiares. Numa primeira leitura do supracitado artigo procedimental, percebe-se que a ideia do legislador é louvável. No entanto, do ponto de vista jurídico-processual, verificamos que tal disposição não seria eficaz, na medida em que poderá trazer, para o Judiciário, problemas que devem ser resolvidos por outros campos do conhecimento humano. Pelo que podemos extrair do presente dispositivo do art. 709 do CPC, entendemos que tal assertiva de tratar o problema do direito de família no campo multidisciplinar, pode, em via reflexa, trazer inúmeros outros problemas processuais e acarretar maiores problemas na duração razoável do processo e na celeridade processual. No entanto, se pensarmos pelo lado positivo, que tal tratamento por outros ramos do conhecimento humano é fundamental para a resolução dos problemas relacionados ao direito de família, ainda assim, teremos que resolver uma questão de infraestrutura, pois a maioria do Judiciário não possui pessoal qualificado necessário para dar cabo do que preconiza o referido artigo. Isso significa, que na maioria das vezes, estamos tratando sobre algo que na prática não será implementado, pela anacronismo Estatal e de sua inoperância. Portanto, se o tratamento multidisciplinar é defendido, na mesma via, defendemos a contratação de profissionais especializados que possam colaborar com a a devida prestação jurisdicional pensada pelo legislador processual. Lado outro, o artigo 709 do novo CPC enaltece as técnicas alternativas de resolução de conflitos, com incentivo à realização da conciliação e mediação, como forma de solução célere e com menor desgaste psicológico para as partes envolvidas nos conflitos familiares. As vantagens da conciliação e mediação para os processos de direito de família são enormes, tanto para as partes, quanto para o Judiciário e interessados, como para os familiares e a própria sociedade. A mediação e a conciliação se constituem em duas das diversas formas alternativas de solução de controvérsias capazes de evitar a judicialização desses conflitos, sendo métodos não adversariais. Essas duas técnicas partem do pressuposto de que sempre, para se ter composição, haverá a renúncia, desistência ou transação dos direitos controvertidos. A principal diferença entre conciliação e mediação é que a

primeira é forma de resolução de conflitos autocompositiva, ou seja, as partes, sem a participação de um terceiro, entabulam um acordo sobre as questões controvertidas. Já a mediação é forma heterocompositiva de solução de conflitos, no qual, com a participação de um terceiro, mediador, as partes estabelecem uma transação sobre os direitos controvertidos. Em princípio, a conciliação e mediação não precisam passar pelo Judiciário, podendo ser feita de forma extrajudicial. No entanto, se a questão for posta em juízo, como técnica para colocar fim ao conflito, é possível a utilização dos referidos meios (conciliação e mediação), para evitar o prolongamento processual e possibilitar uma resolução de forma célere e equânime. A imposição de decisão judicial pode afetar a autonomia de vontade das partes e justificar o não cumprimento da decisão. Já a transação (conciliação e mediação) corre menos riscos de não ser cumprida em razão de possibilitar às partes se identificarem como produtores da própria decisão judicial. Neste contexto, compete ao mediador estabelecer a comunicação entre as partes, ouvir no silêncio, buscar nas entrelinhas o significado interior das coisas, enfim, ter a sensibilidade de trazer a realidade do problema à tona, em um autêntico processo de tradução. Como lembra Boaventura de Sousa Santos: Diz-nos o sábio Kierkegaard: “A maioria das pessoas são subjetivas a respeito de si próprias e objectivas - algumas vezes terrivelmente objectivas - a respeito dos outros. O importante é ser-se objectivo em relação a si próprio e subjectivo em relação aos outros5”.

No entanto, é necessário informar, que a presente técnica de conciliação e mediação, agora, enaltecida e defendida pelo novo CPC, não é uma técnica inovadora. A mesma já vem sendo aplicada com bastante êxito, no Judiciário. O que é preciso evitar no procedimento conciliatório ou mediador é que os mesmos não podem interferir na autonomia da vontades das partes ou se revestir de um caráter impositivo. Qualquer SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2008. p.78. 5

tentativa de impor um pensamento ou conduta ou por meio de coação, feita pelo mediador, pode interferir drasticamente no resultado e nas vantagens da conciliação e da mediação para as partes. É preciso atentar para esse fato, pois a experiência práticoprocessual brasileira não contribui para pensar a mediação e conciliação como elemento garantidor do contraditório. Uma barreira existente à mediação é a estratégica, baseada na barganha, onde cada um dos litigantes quer maximizar seus ganhos e diminuir os benefícios do outro. Como observa a professora Fabiana Marion Spengler: “A ritualidade diferenciada entre a mediação e o processo se dá principalmente em duas linhas: a primeira diz respeito ao fato de que o processo sempre trabalha com a lógica de ganhador/perdedor. Num segundo momento, a ritualidade do processo tem por objetivo (além de dizer quem ganha e quem perde a demanda) investigar a verdade real dos fatos, enquanto que a mediação pretende restabelecer a comunicação entre os conflitantes, trabalhando com a lógica ganhador/ganhador6”.

Por fim, é importante ressaltar que a mediação deve ser feita de modo profissional e buscando sempre a imparcialidade na resolução de conflitos. Isso significa dizer, não é possível que a mediação seja feita por pessoas sem qualquer treinamento prático-profissional ou com conotação amadora. Se não encararmos o procedimento de mediação como uma atividade profissional corremos o risco de transformar o presente procedimento numa ficção, de pouca aplicação prática e com sérios riscos à efetividade processual. Nem mesmo os Juízes estão devidamente formados para aplicar a mediação. Cursos e formação especializada demandam investimento e precisam ser focados pelo Judiciário, caso queiram aplicar o que está estabelecido no art. 709 do novo CPC.

III.4 – Citação nas ações de direito de família

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SPENGLER, Fabiana Marion. O tempo do processo e o tempo da mediação. In: Revista Eletrônica de Direito Processual Civil - REDP. v. VIII. p. 321. Disponível em . Acesso em 16. mar. 2014.

A terceira consideração sobre o procedimento contencioso de direito de família que merece ser analisado é justamente sobre o artigo 7107 do novo CPC. Segundo verificamos, o parágrafo primeiro do presente artigo estabelece que o mandado de citação conterá apenas os dados necessários para a audiência de mediação e conciliação, sendo que não será acompanhado da petição inicial. Segundo o ex-Relator do novo CPC, Deputado Sérgio Barradas, a ausência de petição inicial no instrumento de mandado é para que não haja a necessidade de apresentação de contestação em audiência de conciliação. Segundo suas palavras: “A novidade é que até o momento da audiência de conciliação não será exigida a contestação da parte ré, justamente para evitar o litígio embutido nestas nessas peças compostas de raiva e restos do amor”8. Tal dispositivo, sobre o enforque da garantia do contraditório é manifestadamente inconstitucional, pois inviabiliza, o réu de saber, imediatamente, no momento da citação, os fatos e fundamentos jurídicos que a pretensão familiar contém. Mesmo que o artigo estabeleça a possibilidade de consulta dos autos a qualquer tempo pelo réu, isso não garante o contraditório, pois, o mesmo, deve ser observado no exato momento da citação e nunca em momento posterior, desnaturando o direito indisponível de publicidade que o instituto da citação reserva. Assim, caso o artigo do novo CPC venha com a referida disposição, verificamos a possibilidade de ocorrer o seguinte problema, qual seja, o réu, recebe a citação, não sabe do que se trata, comparece na audiência de conciliação ou mediação, e somente nesse momento, vem a saber, sobre eventuais fatos e fundamentos que estão sendo imputados como ilícitos, bem como, descobre eventuais antecipações de tutela deferidas, alimentos provisórios, medidas protetivas e outras questões urgentes, que não instruíram o mandado citatório e impediram os mesmos de ter conhecimento. Além de não conferir a ciência necessária para garantir o efetivo contraditório no ato processual da citação, verificamos que no art. 712 do novo CPC, o

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Art. 710. Recebida a petição inicial, após as providências referentes à tutela antecipada, se for o caso, o juiz ordenará a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, observado o disposto no art. 709. § 1º. O mandado de citação conterá apenas os dados necessários para a audiência e não deve estar acompanhado de cópia da petição inicial. § 2º. A citação ocorrerá com antecedência mínima de quinze dias da data designada para a audiência. 8 Cf. Sérgio Barradas, em entrevista publicada no jornal Direito e Justiça da Câmara dos Deputados, na data de 26.10.2011. Informação acessada no sítio < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/204639-RELATOR-DO-CPCQUER-PROCEDIMENTO-ESPECIAL-PARA-CAUSAS-DE-FAMILIA.html> acesso em 19.03.2014

prazo para oferecimento de resposta no caso de quinze dias, oferecer contestação. A intimação pode-se dar pessoalmente ao réu ou por seu advogado devidamente habilitado nos autos, pela procuração. Não há necessidade de poderes especiais para tal intimação, bastando que haja os intitulados poderes ad judicia (gerais) na procuração. No entanto, como a citação não indica a necessidade de comparecimento com advogado ou a necessidade de comparecimento pessoal, isso poderá ensejar prejuízos à amplitude de defesa, nos termos do art. 5º., inciso LV da Constituição da República. A sistemática de citação sem entrega de contrafé viola princípios básicos da mediação como a igualdade das partes e de seu poder decisório, a decisão informada, a autonomia da vontade, a autodeterminação das partes no que tange ao conteúdo do acordo ou não acordo, e a potencialização do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CR/88), condenando esta ao fracasso. Além disso, viola os direitos fundamentais à igualdade (art. 5º, caput, CR/88), à informação (art. 5º, XIV, XXXIV, "b", CR/88) e ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º., LX da CR/88). Se do ponto processual, a citação do réu sem a petição inicial é reprovável, há outro problema de maior relevo a ser considerado no art. 710 do novo CPC, uma vez que existe a possibilidade de análise do deferimento de antecipação de tutela, sem ouvir o réu, e, tal determinação, não constando no mandado citatório, impedirá o réu de recorrer e só será levado ao conhecimento quando da realização da audiência de conciliação e mediação.

III.5 – Fracionamento da audiência de conciliação e mediação

Outro ponto desfavorável, nas ações de família é justamente o que está indicado no art. 7119 do novo CPC, no qual estabelece a possibilidade de fracionamento da audiência de mediação e conciliação em várias dias diferentes, no objetivo de buscar a composição consensual. Ninguém pode negar a importância da conciliação e da mediação para o processo de resolução de demandas. Primeiro, há situações em que a justiça conciliatória

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Art. 711 do novo CPC: A audiência de mediação e conciliação poderá dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual, sem prejuízo de providências jurisdicionais para evitar o perecimento do direito.

(ou coexistencial) é capaz de produzir resultados que, longe de serem de “segunda classe” são melhores, até qualitativamente, do que os resultados do processo contencioso. A melhor ilustração é ministrada pelos casos em que o conflito não passa de um episódio em relação complexa e permanente; aí, a justiça conciliatória, ou - conforme se lhe poderia chamar a “justiça reparadora” tem a possibilidade de preservar a relação tratando o episódio litigioso antes como perturbação temporária do que como ruptura definitiva daquela10; No entanto, numa leitura mais aprofundada da presente norma, verificamos que a mesma desserve ao processo e sua celeridade, pois, podem as partes e o juízo,

protelar o feito, mediante solicitação de fracionamento da audiências de

conciliação e mediação, sabedoras que a composição restará infrutífera. O presente artigo não trata de nenhum critério ou requisito para o adiamento da audiência de conciliação e mediação, e muito menos estabelece limite para a realização das referidas audiências. Isso desserve à celeridade e pode prejudicar o andamento razoável do processo, trazendo prejuízo ao direito fundamental ao art. 5º., inciso LXXVIII da Constituição da República. O fracionamento da audiência de conciliação e mediação pode ser necessário, quando a matéria a ser discutida e debatida pelas partes, para se chegar a eventual acordo seja complexa, e não possa ser de plano, numa audiência una, ser discutida e resolvida. Lado outro, o adiamento só se justifica quando o requerimento for justificado e deferido pelo juiz, ou quando há acordo entre as partes sobre tal adiamento, com autorização expressa do juiz. Não é possível que o conciliador ou mediador possa remarcar nova audiência sem fundamento ou por que em seu sentimento interno e não em razões jurídicas, acredita que poderá, com o passar do tempo, obter uma conciliação. O novo CPC, precisa ser mais claro nos requisitos que irão autorizar o adiamento da presente audiência de mediação e conciliação, pois do contrário, verificaremos ainda mais delongas injustificadas no processo que trata de direito de família e ainda mais dramas familiares não sendo resolvidos pela inoperância do Judiciário e de sua estrutura rudimentar para tratar sobre questões multidisciplinares.

CAPPELLETI, Mauro. Os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal de Acesso à Justiça. Revista de Processo, São Paulo, v. 74. p. 82-97, abr.-jun., 1992. 10

III.6 – Intervenção do Ministério Público

Diferentemente do que ocorre hoje, com o CPC atual, nos termos do art. 82, onde o Ministério Público tem a obrigação de intervir nas causas de direito de família, obrigatoriamente, sob pena de nulidade, nos termos do art. 84 do CPC, no novo CPC, o que ocorre é que o art. 713, estabelece que a intervenção somente será feita, pelo Ministério Público nas causas que envolvam interesse de incapazes, e sempre entes da homologação do acordo. É importante salientar portanto, que a participação do Ministério Público, nas audiências de conciliação e mediação, que envolvam interesses de incapazes, deve ser efetiva, isso significa que não pode o mesmo, deixar de comparecer à audiência, ou emitir parecer, em outro momento, sem ter sua presença verificada nesse ato processual. Entendemos que a ausência da participação do Ministério Público, mesmo no momento de conciliação e mediação, quando houver interesse de incapazes não é apenas um formalismos, mas sobretudo, um ato solene e necessário para a fiscalização da lei, podendo, inclusive, oferecer outra proposta de acordo aos que estão em via de separação ou divórcio ou que estão tratando sobre os interesses do incapaz. A função do Ministério Público não é eminentemente uma função formal é uma função-garantia da observância legal e a ausência nesse ato processual conciliatório, pode, pela lei ser considerado um ato processual nulo e permitir anular todo o processo.

IV – Conclusão

Assim, diante das considerações sobre o procedimento especial sobre as ações de direito de família, concluímos com as seguintes afirmações, quais sejam:

a) Quando se propõe resolver problemas familiares, judicialmente, em dois âmbitos do conhecimento humano, conexos, juridicamente e psicologicamente,

verificamos que o Judiciário precisará ter uma nova infraestrutura e funcionamento, e isso ainda não é a realidade no Brasil.

b) O divórcio consensual, atualmente previsto pelos artigos. 1.120/1.124-A do CPC, passará a ser classificado como procedimento não contencioso, que poderá ser judicial ou extrajudicial. Não é possível afirmar que o legislador pretendeu obrigar os casados ou que vivam em união estável a realizar a separação ou o divórcio por meio do procedimento extrajudicial, com a elaboração de uma escritura pública. No entanto, no que tange ao procedimento extrajudicial, é importante ressaltar haverá a necessidade de participação de um advogado, assinando, junto a escritura pública, bem como, o pagamento de emolumentos, o que, pode trazer maiores custos para os que pretendem se separar ou divorciar, mesmo com a previsão de que são garantidos aos necessitados, a isenção de pagamento de honorários advocatícios e emolumentos.

c) O novo CPC, inova no que tange a separação e o divórcio, ao equiparar o procedimento extrajudicial para os que vivem em união estável, e querem se separar de forma consensual, com a partilha de bens e que não possuem filhos menores ou incapazes.

d) Acerta o novo CPC, em manter viva a discussão sobre o instituto da separação, acatando os limites da autonomia da vontade dos cônjuges, que podem propor, uma forma diferente de separação, que não apenas aquela que põe fim ao casamento, através do divórcio.

e) O novo CPC enaltece o instituto da conciliação e da mediação como forma de colocar fim aos conflitos de direito de família. No entanto, é importante ressaltar que a mediação e conciliação deve ser feita de modo profissional e buscando sempre a imparcialidade na resolução de conflitos. Isso significa dizer, não é possível que a mediação e conciliação sejam feitas por pessoas sem qualquer treinamento prático-profissional. Se não encararmos o procedimento de mediação e conciliação como uma atividade profissional corremos o risco de transformar o

presente procedimento numa ficção, de pouca aplicação prática e com sérios riscos à efetividade processual. Cursos e capacitação serão necessários e consequentemente, investimento em pessoa treinado.

f) A sistemática de citação sem entrega de contrafé viola princípios básicos da mediação como a igualdade das partes e de seu poder decisório, a decisão informada, a autonomia da vontade, a autodeterminação das partes no que tange ao conteúdo do acordo ou não acordo, e a potencialização do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CR/88), condenando esta ao fracasso. Além disso, viola os direitos fundamentais à igualdade (art. 5º, caput, CR/88), à informação (art. 5º, XIV, XXXIV, "b", CR/88) e ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º., LX da CR/88).

g) O fracionamento da audiência de conciliação e mediação pode ser necessário, quando a matéria a ser discutida e debatida pelas partes, para se chegar a eventual acordo seja complexa, e não possa ser de plano, numa audiência una, ser discutida e resolvida. O novo CPC, precisa ser mais claro nos requisitos que irão autorizar o adiamento da presente audiência de mediação e conciliação, pois do contrário, verificaremos ainda mais delongas injustificadas no processo que trata de direito de família e ainda mais dramas familiares não sendo resolvidos pela inoperância do Judiciário e de sua estrutura rudimentar para tratar sobre questões multidisciplinares.

h) A participação do Ministério Público, nas audiências de conciliação e mediação, que envolvam interesses de incapazes, deve ser efetiva, isso significa que não pode o mesmo, deixar de comparecer à audiência, ou emitir parecer, em outro momento, sem ter sua presença verificada nesse ato processual.

A função do

Ministério Público não é eminentemente uma função formal, e sim, uma funçãogarantia da observância legal e a ausência nesse ato processual conciliatório, pode, pela lei ser considerado um ato processual nulo e permitir anular todo o processo.

V - Bibliografia BARRADAS, Sérgio. Entrevista publicada no jornal Direito e Justiça da Câmara dos Deputados. 2011. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITO-E-JUSTICA/204639RELATOR-DO-CPC-QUER-PROCEDIMENTO-ESPECIAL-PARA-CAUSAS-DEFAMILIA.html> Acesso em 19 de mar de 2014. BRASIL. Código de Processo Civil brasileiro. BRASIL. Texto do Código de Processo Civil aprovado pela Câmara dos Deputados em 26.11.2013. CABRAL, Lidia Caldeira Lustosa. Separação Judicial. Um Instituto Jurídico Derrogado? Revista Emerj. Rio de Janeiro. V. 14, n. 56, p. 119-124, out-dez, 2011. Disponível em: Acesso em 12 mar. 2014. CAPPELLETI, Mauro. Os Métodos Alternativos de Solução de Conflitos no Quadro do Movimento Universal de Acesso à Justiça. Revista de Processo, São Paulo, v. 74. p. 8297, abr.-jun., 1992. FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2008. SOARES, Carlos Henrique Soares e DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Manual Elementar de Processo Civil. 2ª. Edição. Del Rey: Belo Horizonte – MG. SPENGLER, Fabiana Marion. O tempo do processo e o tempo da mediação. In: Revista Eletrônica de Direito Processual Civil - REDP. v. VIII. p. 321. Disponível em . Acesso em 16. mar. 2014. VIANNA, Roberta Carvalho. O instituto da família e a valorização do afeto como princípio norteador das novas espécies da instituição no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: . Acesso em: 04 out 2012.

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