APOCALIPSE 21.1: uma análise introdutória sobre a natureza do termo \'\'novo\'\' na expressão \'\'novo céu e nova terra\'\'

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SEMINÁRIO PRESBITERIANO REV. JOSÉ MANOEL DA CONCEIÇÃO

ANDERSON J. F. DE ABREU

APOCALIPSE 21.1: uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”. Versão revisada: 17/05/2015

SÃO PAULO NOVEMBRO DE 2012

ANDERSON J. F. DE ABREU

APOCALIPSE 21.1: uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”. Artigo apresentado originalmente para atendender às exigências da disciplina Exegese do Novo Testamento 4, do curso de Bacharel em Teologia. Aulas ministradas pelo professor Rev. João Paulo Tomás de Aquino. Versão revisada: 12/05/2015

SÃO PAULO NOVEMBRO DE 2012

“Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas.” – Salmo 104.24

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

APOCALIPSE 21.1: uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

RESUMO A intensão deste artigo é apresentar introdutoriamente a interpretação corrente entre muitos teólogos reformados sobre o significado da expressão “novo céu e nova terra” em Apocalipse 21.1, mais especificamente sobre o significado e as implicações do termo “novo” presente no texto. Esse estudo será realizado a partir do ponto de vista Reformado à luz do senso pleno das Escrituras. Ao final, pretende-se demonstrar, à luz do ensino de outros textos das Escrituras, que a atual criação será renovada e restaurada.

PALAVRAS-CHAVE nova terra, novo céu, universo, criação, recriação, aniquilação, restauração.

INTRODUÇÃO O tema que iremos tratar é geralmente esquecido ou desconhecido de muitos cristãos. Se conversarmos com alguns cristãos das nossas igrejas perceberemos que muitos têm uma visão de que a criação física tem um lugar apenas temporário nos planos de Deus. Para muitos, depois que Cristo voltar, nós subiremos para os céus e a terra ficará apenas como memória de um passado distante, pois será destruída. Existe até mesmo a visão popular de que a terra se tornará o inferno onde os ímpios impenitentes serão castigados eternamente, enquanto a igreja desfrutará dos céus espirituais por toda a eternidade. Contudo, embora esse seja um assunto frequentemente ignorado, ele nos oferece um bom campo de estudo e reflexão bíblica sobre o plano eterno de Deus para com a humanidade, pois, por meio dele, podemos perceber a ligação entre criação e consumação nos planos de Deus, e podemos entendermos melhor “todo o desígnio de Deus” (At 20.27). Apocalipse é, provavelmente, o último livro bíblico a ser escrito. Se outros livros anteriores a Apocalipse são tão dependentes das ideias e conceitos presentes em outros textos das Escrituras, quanto mais o Apocalipse de João. Por causa disso,

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precisamos da luz que o restante das Escrituras nos oferece para entendermos qual é o lugar que toda a criação material, mais especificamente o planeta Terra, tem nos planos eternos de Deus para a humanidade redimida. A ideia sucinta de Apocalipse 21.1 está carregada de todo o conceito bíblico-teológico da revelação bíblica a respeito do lugar da criação nos propósitos de Deus para a humanidade. Nosso objetivo é trazer isso à tona. Obviamente, o nosso trabalho não é simples, mas, certamente, é facilitado pelos inúmeros estudiosos, especialmente os de linha reformada,1 que já laboraram sobre o assunto antes de nós. Nesse artigo não temos a intenção de discutirmos os detalhes da vida futura no novo céu e nova terra, isto é, de como será a vida daqueles que lá habitarão ou qual será a relação do homem com a criação, o chamado mandato cultural. Também não discutiremos nesse artigo a relação entre céu e terra, isto é, se quando aparecem juntos se referem a todo o universo físico (céu/espaço e terra) ou ao domínio espiritual (céu) e material (terra). Dentro desse último ponto, também não trataremos da questão da união entre os domínios espiritual e físico ou morada de Deus e morada do homem, que muitos estudiosos apontam nesse texto. Todos esses assuntos relacionados são interessantes e importantes, mas fogem do objetivo específico desta pesquisa. Nosso objetivo se limitará a examinar, à luz da teologia e de textos bíblicos paralelos, se o termo “novo” em Apocalipse 21.1 significa uma nova criação a partir do nada ou uma restauração da criação caída; e quais serão os possíveis elementos de continuidade e descontinuidade.

1. DUAS POSIÇÕES EXTREMADAS SOBRE O SIGNIFICADO DE “NOVO” EM AP. 21.1 Uma pergunta importante que sempre vem à tona quando esse tema é abordado é: O novo céu e a nova terra serão um universo totalmente novo, criado do nada como no princípio? (Que implica que todo o atual cosmo será aniquilado) Ou, colocada de outra forma: A criação atualmente corrompida será restaurada para se tornar o novo céu e a nova terra?2 Nas palavras de Berkouwer: A questão é se existe uma ruptura radical e uma descontinuidade completa entre a terra velha e a nova, de modo que a criação da nova terra, na verdade, poderia ser chamado de um novo creatio ex nihilo; ou se existe uma Veja por exemplo a recente declaração de fé conjunta: “Após a volta de Cristo, Deus recriará o universo físico, e seu povo ressurreto, investido de imortalidade e perfeição, viverá sob o governo de Cristo neste novo céu e nova terra para sempre.” (THE WORLD Reformed Fellowship Statement of Faith. Maryland, 2011. Disponível em: . Acessado em: 12 Nov. 2012) 1

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KOEHLER, Edward Wilhelm August. A Summary of Christian Doctrine: A Popular Presentation of the Teachings of the Bible. 2nd Revised Edition. St. Louis: Concordia Publishing House, 1952, p. 309ss. Cf. tb.: FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 1055-56.

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continuidade entre a velha e nova, tornando-se assim uma questão de mudança ou renovação, uma ideia que Althaus chama de “enfraquecimento filosófico da destruição do mundo.”3

Uma decisão entre uma ou outra dependerá de duas coisas: primeiro, do grau de corrupção causado pelo pecado;4 segundo, da magnitude do juízo de Deus que será derramado sobre a humanidade impenitente e, consequentemente, sobre a criação. Para as Testemunhas de Jeová não há nenhum problema essencial com a criação atual, pois esta continua essencialmente como foi criada. Para esse grupo religioso os males que encontramos atualmente na criação são superficiais, muitos deles decorrentes da própria ação do homem. Portanto, não há necessidade de uma intervenção sobrenatural de Deus para restaurar ou recriar o universo. Até mesmo a ideia de um juízo de Deus que traga algum dano físico a criação é descartada. Toda a linguagem de juízo e criação de um novo céu e uma nova terra é reinterpretada simbolicamente. Quanto ao céu, as Testemunhas de Jeová dizem que a Bíblia “não menciona nenhum motivo para Deus destruir os céus físicos”.5 Elas creem que “passar ‘o céu anterior’ indica o fim dos governos políticos, junto com Satanás e seus demônios.”6 Ou seja, nada disso deve ser entendido em sentido literal. Por crerem dessa forma, as Testemunhas de Jeová interpretam os textos que falam de Deus ‘criando’ um novo céu e uma nova terra como se referindo não à criação inanimada e física (céu e terra), mas como um simbolismo significando “um novo governo sobre a terra” (céu) e “um novo grupo ou sociedade de pessoas” ou súditos (terra).7 Elas citam o Salmo 104.5,30, em favor de sua ideia, mas se esquecem de Isaías 24.19,20. Desta forma as Testemunhas de Jeová enfatizam a continuidade radical deste mundo por toda a eternidade.8 Em decorrência desse entendimento, a restauração de nosso planeta na interpretação das Testemunhas de Jeová é esvaziada de qualquer elemento sobrenatural, isto é, que Deus irá sobrenaturalmente restaurar a terra assim como sobrenaturalmente a criou no princípio. Embora afirmem que Deus irá retirar a

3

BERKOUWER, G. C.. The Return of Christ. In: Studies in Dogmatics. Grand Rapids: Eerdmans, 1972, p. 220.

4

HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro. São Paulo: Cultura Cristã, 2001. p. 331.

5

ESTUDO Perspicaz das Escrituras. Cesário Lange: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1990, volume 1 (Aará - Escrita), p. 490.

6

Ibidem. Vol. 1, p. 490.

7

PODERÁ Viver para Sempre no Paraíso na Terra. Cesário Lange: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1986. P. 160. Cf. tb.: REVELAÇÃO: Seu Grandioso Clímax está Próximo! Cesário Lange: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1989. P. 296,301.

8

HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro. p. 331.

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maldição e tornar o reino animal pacífico e submisso ao homem como no princípio, 9 contudo, elas também ensinam que os redimidos que ficarem sobre a terra no milênio, terão a tarefa de, progressivamente, despoluírem e removerem os restos da antiga civilização. As Testemunhas de Jeová ensinam que Em primeiro lugar, os que sobreviverem ao Armagedom receberão a tarefa de limpar a terra e remover as ruínas deste velho sistema. E em seguida, sob a direção do governo do Reino, terão o privilégio de cultivar a terra e transformá-la num lugar para se viver.10 Durante o Dia do Juízo [i.e., o Milênio], os que sobreviverem ao Armagedom trabalharão para fazer da terra um paraíso.11 Sem dúvida, muitos destes justos ressuscitados receberão privilégios especiais de supervisão na enorme obra de restauração no Paraíso. 12

Portanto, as Testemunhas de Jeová têm uma visão de continuidade total. Certamente é uma visão muito radical, pois não só reduz os efeitos da queda aos meros efeitos superficiais decorrentes da ação humana, como também rejeita qualquer medida juízo divino derramado sobre a criação naquele último dia. Se por um lado existe a visão radical de continuidade das Testemunhas de Jeová, por outro lado, existem aqueles que creem que o juízo de Deus será tão radical que todo o universo atual será aniquilado pelo fogo no dia do juízo e, depois, Deus criará um novo universo a partir do nada (ex nihilo) como no princípio. “A nova criação torna-se não a transformação do velho, mas uma segunda criação do nada.”13 Os males causados por Satanás, pelo homem, pelo pecado e pela morte foram tão grandes que Deus derramará sua ira sobre a criação a tal ponto desta ser reduzida à nada e, depois, recriada.14 Alguns sustentam que, como no princípio o mundo foi criado a partir do nada, ele será reduzido a nada no último dia; eles sustentam que toda estrutura e substância do céu e da terra e de todas as coisas criadas, exceto as criaturas inteligentes, serão aniquiladas, e que um novo céu e uma nova terra serão criados.15

9

NOVOS CÉUS e uma Nova Terra. Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc; Internationai Bible Students Association: New York, 1957, p. 358, 360-361.

10

PODERÁ Viver para Sempre no Paraíso na Terra. Cesário Lange: Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1986. P. 159. Cf. também: REVELAÇÃO: Seu Grandioso Clímax está Próximo! p. 297.

11

PODERÁ Viver para Sempre no Paraíso na Terra. p. 177. Durante o milênio a terra começará a ser restaurada pelos que ressuscitarem e continuará a existir por toda a eternidade.

12 13

REVELAÇÃO: Seu Grandioso Clímax está Próximo! p. 297. FERGUSSON, David; SAROT, Marcel. The Future as God's Gift: Explorations in Christian Eschatology. Edinburgh: T&T Clark, 2000, p. 4.

14

Cf. a descrição que Berkouwer faz dessa visão: BERKOUWER, G. C.. The Return of Christ., p. 219.

15

KOEHLER, Edward. W. A.. A Summary of Christian Doctrine. p. 309.

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Essas são duas perspectivas radicais sobre a nova criação – novos céus e nova terra. A primeira desconsidera os efeitos da queda sobre toda a criação, efeitos esses que são claramente vistos na Bíblia e corroborados por nossa experiência diária. A segunda exacerba tanto a ação de Satanás, do pecado, da morte e da ação devastadora do homem, que termina por diminuir o poder e graça de Deus em preservar e renovar a sua criação. Diante disso precisamos de equilíbrio bíblico. Devemos reconhecer que a Escritura transmite tanto a ideia de continuidade, quanto de descontinuidade. Berkouwer explica que “ambos os aspectos – julgamento e continuidade – encontram apoio bíblico.”16 Grudem também reconhece que “algumas passagens parecem falar de uma criação inteiramente nova”, mas ele conclui que a “posição reformada parece preferível” e apresenta os motivos para isso explicando corretamente o significado desses textos.17 A. A. Hodge diz que devemos evitar tanto o extremo de acharmos que a vida futura é muito semelhante a que desfrutamos agora, quanto o extremo oposto de acharmos que a vida celestial é completamente diferente da vida presente.18 Alguns interpretes resumem bem esse equilíbrio: Às vezes o quadro somente mostra uma regeneração do velho sistema como ele está, retirando a maldição (Is 11.6-9); outras vezes ele mostra uma transformação completa em um novo céu e uma nova terra (Is 65.17). Há uma variedade considerável na ênfase dos elementos de continuidade e descontinuidade entre o sistema antigo e o novo, por parte dos profetas; no Novo Testamento o elemento de descontinuidade é mais enfatizado que no Antigo, exceto Is 65.6. Assim, Pedro prevê uma dissolução no céu e dos elementos por meio do fogo. Porém o fim deste julgamento do sistema antigo não é sua destruição, mas o surgimento de um sistema novo.19 Nessa expectativa da renovação do mundo, a Escritura assume uma posição entre dois extremos. De um lado, muitos pensadores – Platão, Aristóteles, Xenofonte, Filo, Maimônides, Averróis, Wolanus, La Peyrère, Edelman e Czolbe entre eles – tem afirmado que este mundo está destinado a continuar em sua forma atual para sempre. Por outro lado, Orígenes, os luteranos,20 os menonitas, os socinianos, Vorstius, os remonstrantes, e um número de teólogos reformados – como Beza, Rivetus, Junius, Wollebius e Prideaux21 – 16

BERKOUWER, G. C.. The Return of Christ. p. 223.

17

Cf.: GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: Atual e Exaustiva. 2º ed.. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 990.

18

Hodge também enumera aquilo que ele entende que necessariamente terá que ser mudado e aquilo que ele entende que deve permanecer inalterado por serem elementos essenciais e imutáveis. Mas ele aborda mais as questões ligadas ao estado e natureza do homem glorificado, por isso, a maioria não é relevante para esta pesquisa. (Cf. HODGE, Archibald A. Outlines of Theology. p. 579.)

19

LADD, George. Apocalipse: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 1980, p. 202-3.

20

Charles Hodge afirma que o próprio Lutero defendia a renovação e não a aniquilação. (Cf. HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 1647)

21

Charles Hodge também apresenta uma lista de defensores de ambos os lados (aniquilação e renovação). Aniquilação: os luteranos, Schmid, Baier, Hollaz, Quesnstedt e Gerhard. Renovação: Irineu,

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acreditavam que o mundo seria mudado não somente na forma, mas também destruído em substância e substituído por um mundo totalmente novo.22 Embora estas passagens excluam a possibilidade de ver a aniquilação como um conceito fundamental da escatologia, elas não deveriam ter o efeito de diminuir a força do julgamento. O Novo Testamento não exclui nem o juízo, nem a perspectiva de continuidade e de restauração. 23

2. “NOVO” SIGNIFICA RENOVAÇÃO E CONTINUIDADE COM ALGO ANTERIOR Tendo introduzido o assunto, agora nos voltaremos para o nosso texto e textos paralelos que podem lançar luz sobre o mesmo. O texto grego de Apocalipse 21.124 diz: Καὶ εἶδον οὐρανὸν καινὸν καὶ γῆν καινήν. ὁ γὰρ πρῶτος οὐρανὸς καὶ ἡ πρώτη γῆ ἀπῆλθαν καὶ ἡ θάλασσα οὐκ ἔστιν ἔτι.

E vi novo céu e nova terra. O, pois, primeiro céu e a primeira terra passaram; e o mar já não está existindo.

Nosso texto descreve a visão que João teve de um céu e uma terra que ele descreve como sendo καινὸν e καινήν (novo e nova) e contrasta com πρῶτος e πρώτη (primeiro e primeira). Kittel explica que, desde o período do grego clássico, há duas palavras mais comuns para denominar “novo”: νέος (néos) e καινός (kainós). Νέος significa “o que não existia antes”; e καινός significa “o que é novo e distinto” em comparação com outras coisas. Enquanto “νέος é novo no tempo ou origem, isto é, jovem, com uma sugestão de imaturidade (...) καινός é o que é novo em natureza, diferente do habitual, impressionante, melhor que o velho, superior em valor ou

Cirilo de Jerusalém, Jerônimo, Agostinho, Crisóstomo, o próprio Lutero, e Turrettin. Afirma que a “maioria dos teólogos reformados geralmente se opõe à ideia de aniquilação”. (Cf. HODGE, Charles. A.. Teologia Sistemática. p. 1647.) 22

23 24

BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics: Holy Spirit, Church, and New Creation. Grand Rapids: Baker Academic, 2008, Vol. 4, p. 715. BERKOUWER, G. C.. The Return of Christ. p. 223. O texto NA27 divide as perícope em 1-4 e 5-8. Contudo é preferível entendermos a primeira perícope como sendo 1-2 e a segunda 3-8, porque na primeira é João quem fala descrevendo o que viu, e na segunda João narra aquilo que Deus fala explicando a visão do 1-2. Além disso, os versos 1 e 2 tem uma unidade temática ao falar do novo céu, nova terra e da nova Jerusalém.

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atração” (ênfase acrescentada).25 Vários estudiosos reformados usam essa distinção entre os dois sinônimos gregos afirmando que novo no texto significa uma renovação e não novo no sentido de algo que passou a existir agora.26 Kistemaker explica bem essa interpretação dizendo que João escreve a expressão novo [nova] nove vezes no Apocalipse, quatro delas aparecem no capítulo 21.1 (duas vezes), 2 e 5. Este adjetivo comunica a ideia de algo que é novo, porém tem sua origem no velho. O novo pacto é procedente do velho; o novo mandamento é procedente do velho; a nova Jerusalém tem sua fonte na velha; o novo homem é a transformação do velho homem; e o novo céu e a nova terra têm por base o velho. 27

Então como podemos entender isso aplicado ao contraste entre γῆν καινήν (nova terra) e ἡ πρώτη γῆ (a primeira terra)? É isso que os interpretes e teólogos têm tentado responder. Para tanto é necessário não só discutirmos a distinção entre os termos gregos, mas também o arcabouço bíblico-teológico que está por trás de Apocalipse 21.1 e dos textos tematicamente ligados como 2Pedro 3.6 e Isaías 65.17, além de outros textos que podem nos ajudar. A discussão gira em torno da questão: Haverá uma aniquilação para que haja uma nova criação do nada ou apenas uma renovação da criação atual para que ela se torne nova? Berkouwer em sua obra, Studies in Dogmatics: The Return of Christ [“Estudos em Dogmática: o retorno de Cristo”, em tradução livre], dedica bastante espaço à discussão sobre a questão da continuidade entre a velha criação e a nova criação. Segundo ele, a “teologia reformada tem sido particularmente inclinada a percorrer esta estrada” e diz que os círculos historicamente reformados defenderam “as distinções entre forma ou substância e acidente” numa tentativa de explicar a continuidade entre a criação atual e a nova.28 O interessante, segundo ele, é que essa KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1964, vol. 3, p. 447; e vol. 4, p. 896. 25

26

27 28

HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro, p. 330-31. Também apoiado por: HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores: os mistérios do Apocalipse desvendados com profundidade e fidelidade. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 263. KISTEMAKER, Simon. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 696. Charles Hodge, por exemplo, afirma que é “uma mudança de estado ou condição” (cf.: HODGE, Charles. A.. Teologia Sistemática, p. 1646.). Comentando essa distinção feita por muitos reformados, Berkouwer diz: “No entanto, devemos tentar descobrir os motivos para o uso dessas distinções em círculos historicamente reformadas. Por mais que essas distinções, em si mesmas, deixem a desejar, elas foram feitas. Os teólogos que as fizeram não tinham a intenção de minimizar a radicalidade do julgamento. Eles sentiram que estas distinções eram errôneas e arbitrárias para corrigir um denominador comum – a destruição ou aniquilação – para todos os pronunciamentos escatológicos da Bíblia sobre o julgamento. Eles apontaram que o que a Bíblia diz sobre o novo céu e nova terra é expresso de várias maneiras. […] Compreensivelmente, os que veem a nova terra como um creatio ex nihilo após uma aniquilação total, não estão impressionados com distinções entre substância e acidente. Infelizmente, eles não viram além dessas falíveis, inadequadas e imprecisas distinções, o motivo por detrás delas: o desejo de manter o princípio da libertação, essencial para o testemunho bíblico. Essa perspectiva (que é evidente na frase “nova terra”) foi completamente ignorada por aqueles luteranos que enfatizaram a

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distinção teológica ou ontológica entre substância e acidente é mais proeminente no catolicismo romano por causa da doutrina da transubstanciação do pão e do vinho. Segundo a crença católica, a natureza ou substância (trigo, glúten, proteína, etc.) do pão e do vinho são transformadas literalmente no corpo e sangue de Cristo; mas os seus acidentes externos (sabor, textura, aparência, etc.) permanecem os mesmos para os sentidos humanos. Mas na teologia reformada, esses mesmos conceitos são aplicados à renovação da criação, porém são aplicados de forma inversa: há uma mudança nos acidentes ou qualidades externas, mas a substância física da natureza da criação permanece a mesma.29 Berkouwer aponta que o próprio Calvino faz essa distinção entre substância e qualidade: 30 Sobre os elementos do mundo, somente direi uma coisa: que eles serão consumidos, só para que possam ser renovados, sua substância ainda permanece a mesma, como se pode concluir facilmente de Romanos 8.21 e de outras passagens.31 (Ênfase acrescentada.)

Calvino claramente era defensor da renovação ao invés da aniquilação. Comentando Romanos 8, ele afirma que Deus “implantou interiormente [na criação] a esperança de renovação”32 e acrescenta que ... todas as criaturas serão participantes da mesma glória com os filhos de Deus, a seu próprio modo, de um estado muitíssimo superior, visto que Deus restaurará o presente mundo degenerado a uma condição de perfeição em concomitância com a raça humana. ... estão em dores de parto visto que aguardam ser renovadas para um estado muitíssimo superior.33 (Ênfase acrescentada.)

John Murray, comentando Romanos 8, afirma que “a ideia de libertação e restauração”, presente no texto, “não é consistente com a noção, as vezes entendida, de que a criação material será aniquilada, pois tal noção é estranha a tudo quanto a ideia de esperança implica”, isto é, “envolve a expectativa de algo que o sujeito está

aniquilação. Todavia, a Escritura apresenta uma dualidade sobre a nova terra, que inclui tanto o juízo, quanto a continuidade.” (BERKOUWER, G. C. The Return of Christ. p. 222-223) 29

Cf.: BERKOUWER, G. C. The Return of Christ, p. 220-222.

30

No volume III das Institutas, ao tratar do modo da ressurreição, Calvino também usa essa distinção entre substância e qualidade. (cf.: CALVINO, João. Institutas. III.XXV.8) Da mesma forma a Confissão fala do corpo da ressurreição como como sendo o “mesmo corpo” com “qualidades diferentes”, e não substâncias diferentes. (cf.: CONFISSÃO de Fé de Westminster. XXXII.II)

31

CALVIN, John. 2 Peter: Commentaries on the Catholic Epistles. electronic ed. Albany: Ages Software, 1998, (Calvin's Commentaries), 2Pe 3.8.

32

CALVINO. Romanos. p. 293

33

CALVINO. Romanos. p. 293-94.

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esperando ser o beneficiado”, por isso, a “aniquilação não poderia fornecer esse ingrediente positivo – aniquilação é a negação final”.34 Koehler chama atenção para alguns textos bíblicos que são usados por aqueles que sustentam a ideia de uma aniquilação ao invés de renovação, por exemplo: Lucas 21.33, que fala que “Passará o céu e a terra...”; Hebreus 1.11, diz que “eles [os céus] perecerão”; e Mateus 24.3, que fala “da consumação do século”.35 Contudo, embora Koehler afirme não duvidar da “possibilidade de uma aniquilação total da própria substância do mundo”, ele afirma que “os textos citados não são absolutamente convincentes” para sustentar essa interpretação.36 Bavinck também entende que esses e outros textos “não implicam a destruição da substância do mundo.”37 Resumindo, os defensores da ideia de uma restauração argumentam que “‘criar’ não significa apenas fazer algo do nada”, pois no princípio Deus “criou” Adão não do nada, mas do pó da terra (Gn 1.27; 6.7) que já havia sido criado.38 Bavinck afirma que “a palavra hebraica ‘criar’ (‫אָּ ָּרב‬, bārā) usada com referência ao novo céu e a nova terra (Is 65.17) certamente nem sempre significa criar algo do nada, mas, frequentemente, indica a atividade divina pela qual Deus faz surgir alguma coisa nova a partir do velho (Is 41.20; 43.7; 54.16; 57.18).”39 Além disso, aniquilação é incompatível com a esperança de libertação que a criação tem de acordo com Romanos 8.19-22. Sobre 2Pedro 3.6, Koehler argumenta que a palavra “perecer” não serve de prova de que o universo será aniquilado, pois a Bíblia diz que no dilúvio o mundo também “pereceu” em água, mas isso não significa que o mundo foi aniquilado (2Pe 3.6).40 Quanto ao “fogo” que é mencionado no texto, podemos entender que “o fogo queima, limpa, purifica, mas não destrói”.41 Ou seja, esse fogo 34

Cf. texto e nota: MURRAY, John. The Epistle to the Romans. Grand Rapids; Cambridge: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1968, p. 304, nota 28 (The New International Commentary on the Old and New Testament).

35

KOEHLER, Edward. W. A.. A Summary of Christian Doctrine, p. 309.

36

KOEHLER, Edward. W. A.. A Summary of Christian Doctrine, p. 309.

37

BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics, p. 716ss.

38

39

KOEHLER, Edward. W. A.. A Summary of Christian Doctrine., p. 309. Wolters destaca que, após a criação do céu e terra no primeiro dia, Deus passa a criar a partir do que já existia nos outros 5 dias. (WOLTERS, Albert. A Criação Restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2006p. 33) BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics, p. 716.

40

KOEHLER, Edward. W. A.. A Summary of Christian Doctrine, p. 309. Também: BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics, p 717

41

BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics, p 716. Cf. tb.: FERGUSON, Sinclair. O Espírito Santo. São Paulo: Os Puritanos, 2000, p. 348-49; HODGE, Archibald A.. Outlines of Theology, p. 577; HENRY, Matthew. Romanos. In: Comentário Bíblico Novo Testamento: Atos a Apocalipse. Edição Completa. São Paulo: CPAD, 2008, p. 355.

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Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

10 do juízo não tem o objetivo de extinguir ou aniquilar a criação física, mas tem o objetivo expurga-la ou renová-la.42 O texto de Jeremias 4.23-27 ilustra bem a ideia de juízo, mas não uma aniquilação: “Toda a terra será assolada; porém não a consumirei de todo.” Olhei para a terra, e ei-la sem forma e vazia; para os céus, e não tinham luz. Olhei para os montes, e eis que tremiam, e todos os outeiros estremeciam. Olhei, e eis que não havia homem nenhum, e todas as aves dos céus haviam fugido. Olhei ainda, e eis que a terra fértil era um deserto, e todas as suas cidades estavam derribadas diante do SENHOR, diante do furor da sua ira. Pois assim diz o SENHOR: Toda a terra será assolada; porém não a consumirei de todo. Por isso, a terra pranteará, e os céus acima se enegrecerão; porque falei, resolvi e não me arrependo, nem me retrato. (Jr 4.23-27, ênfase acrescentada.)

Diante de todos os fatos bíblicos, devemos entender que haverá uma grande manifestação do juízo de Deus que será derramado sobre os homens ímpios e também sobre a criação. Este juízo não deve ser enfraquecido por causa da posterior restauração;43 porém, esse juízo não deve ser exagerado de forma tão radical ao ponto de aniquilar completamente o universo atual, mas fará com que ele seja purificado de todos os homens ímpios e de todos os resquícios de corrupção. 44 Então, a criação será recriada, não ex nihilo, mas ex vetere.45 “O fogo não anulará o universo. Depois do fogo ainda existirão os mesmos ‘céus e terra’, mas gloriosamente renovados”46 A honra de Deus consiste precisamente no fato de que ele resgata e renova a mesma humanidade, o mesmo mundo, o mesmo céu, e a terra mesmo que tenham sido corrompidos e poluídos pelo pecado. Assim como qualquer um em Cristo é uma nova criação no qual as coisas velhas já passaram e tudo se tornou novo (2Co 5.17), assim também este mundo passa na sua presente forma como também, em seguida sai do seu ventre, pelo poder da palavra de Deus, dando à luz e existência a um novo mundo. Assim como no caso de um ser humano individual, assim também no final dos tempos um renascimento do mundo terá seu lugar (Mt 19.28). Isto constitui uma renovação espiritual, não uma criação física.47 A substância [da cidade de Deus] está presente nesta criação. Assim como a lagarta se torna uma borboleta, como o carbono é convertido em diamante, como o grão de trigo ao morrer na terra produz outros grãos de trigo, como toda a natureza revive na primavera e se veste com roupas de celebração, 42

HENDRIKSEN, William. A Vida Futura Segundo a Bíblia. 2ª ed.. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 257.

43

BERKOUWER, G. C.. The Return of Christ, p. 223.

44

A. A. Hodge fala do universo passando por uma catástrofe final e sendo limpo do pecado. HODGE, Archibald Alexander. Outlines of Theology. p. 577

45

FERGUSSON, David; SAROT, Marcel. The Future as God's Gift, p. 3. Cf.: FERGUSON, Sinclair. O Espírito Santo, p. 348-49.

46

HENDRIKSEN, William. A Vida Futura Segundo a Bíblia. p.257.

47

BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics. 717.

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

como a comunidade de crentes é formada a partir da raça caída de Adão, como o corpo da ressurreição é erguido a partir do corpo que está morto e enterrado na terra, assim também, pelo poder recriador de Cristo, o novo céu e a nova terra irão um dia emergir a partir do fogo purificador dos elementos deste mundo, irradiando glória duradoura e para sempre liberto da “escravidão da corrupção” (δουλειας της φθορας, douleias tes phthoras [Rom. 8:21]). Mais gloriosa do que essa bela terra [atual], mais gloriosa do que a Jerusalém terrena, mais gloriosa até mesmo que o paraíso [original] será a glória da nova Jerusalém, cujo arquiteto e construtor é o próprio Deus.48

Além de tudo que já foi discutido até aqui, Hoekema apresenta quatro argumentos, que outros autores também apontam, em favor da visão de uma renovação e continuidade, ao invés de aniquilação e descontinuidade:49 Primeiro, o termo grego para novo (2Pe 3.13; Ap 21.1) é “kainós” que significa novo em natureza ou qualidade; enquanto “néos” se refere a novo em tempo ou origem.50 Kistemaker explica bem essa interpretação:51 João escreve a expressão novo [nova] nove vezes no Apocalipse, quatro delas aparecem no capítulo 21.1 (duas vezes), 2 e 5. Este adjetivo comunica a ideia de algo que é novo, porém tem sua origem no velho. O novo pacto é procedente do velho; o novo mandamento é procedente do velho; a nova Jerusalém tem sua fonte na velha; o novo homem é a transformação do velho homem; e o novo céu e a nova terra têm por base o velho. 52

Segundo, o texto de Romanos 8.19-22 indica fortemente a ideia de uma restauração (libertação do cativeiro da corrupção) da atual criação. A linguagem de espera e libertação não faria sentido se a criação fosse aniquilada para ser criada do nada.53 Terceiro, a ideia de uma restauração e não aniquilação possui uma analogia com a ressurreição dos nossos corpos, pois serão os mesmos corpos que serão ressuscitados e restaurados ao invés de serem criados novos corpos do nada sem qualquer continuidade com os corpos atuais.54

48

BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics. p. 720.

49

HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro. P. 330-31

50

Cf.: KITTEL, Gerhard. Theological Dictionary of the New Testament. vol. 3, p. 447; e vol. 4, p. 896

51

Também apoiado por: HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores, p. 263.

52

KISTEMAKER, Simon. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 696.

53

Cf.: FERGUSON, Sinclair. Op. cit., p. 349. Cf. tb.: HODGE, Charles. Teologia Sistemática, p. 1646. Cf. texto e nota: MURRAY, John. The Epistle to the Romans. Grand Rapids; Cambridge: Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1968, (The New International Commentary on the Old and New Testament), p. 304, nota 28.

54

Em Romanos 8.21-23 vemos claramente a ligação entre a redenção da criação e a redenção do nosso corpo. Cf.: FERGUSON, Sinclair. Op. cit. p. 347-48; HODGE, Archibald Alexander. Outlines of Theology, p. 578; HODGE, Charles. Teologia Sistemática, p. 1646.

11

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

12 O quarto argumento é que uma aniquilação seguida de criação a partir do nada pode representar uma grande vitória para Satanás ao conseguir arruinar irrecuperavelmente as obras das mãos de Deus ao ponto do Senhor ter que extinguilas e cria-las do nada como no princípio.55 Quanto à questão específica de quais os elementos e características do nosso mundo atual continuarão na nova terra, podemos apontar o que escreveram os diversos teólogos que refletiram sobre o assunto. Berkouwer chama a nossa atenção para as duras palavras de Calvino contra os personalistas56 e espiritualistas que argumentam que as coisas físicas e matérias (p. ex.: os alimentos) não são de nenhum proveito na glória eterna: Certos homens famintos de uma vã ciência perguntam-se que diferença haverá entre os profetas e os apóstolos, e entre os apóstolos e os mártires, e em que proporção as virgens diferirão das casadas; não deixam, enfim, nenhum canto do céu sem esquadrinhar. Depois lhes vem à mente perguntar de que servirá a reparação do mundo, uma vez que os filhos de Deus não terão necessidade de nada de toda a abundância que existe no mundo, mas serão como anjos, cujo jejum [de alimentos] é símbolo da eterna bem-aventurança. Mas eu respondo que será tão grande o prazer só da visão dos bens de Deus que, ainda que os santos não os usem, só o conhecimento de sua suavidade os regozijará de tal forma que esta felicidade ultrapassará de longe todos os paliativos por que somos ajudados no presente. (...) Outros vão além e perguntam se a escória dos metais ou sua corruptela estarão ausentes da restituição ou não. Embora de certa forma eu lhes conceda isso, no entanto, com Paulo, espero a reparação dos defeitos que adquiriram no início do pecado; reparação pela qual toda a criação geme, como com dores de parto (Rm 8,22). 57 (Ênfase acrescentada.)

Portanto, quando Cristo retornar fisicamente a este mundo, os mortos ressuscitarão e os vivos irão encontro dele nos ares (1Ts 4.13-17); o fogo do juízo será derramado sobre tudo consumindo todo o mal (2Pe 3.10.13); mas das cinzas surgirão uma nova terra, e a Igreja – a nova Jerusalém – descerá com Cristo para reinar sobre a criação (Ap 5.10; 21.1-2; 22.5). Ao adentrarmos os portões da eternidade, não nos depararemos com um mundo (e uma vida) estranho e desconhecido. Nós reconheceremos que é o mesmo mundo no qual agora 55

Grudem também entende que isso causaria a impressão de que Deus cedeu ao diabo a última palavra ao desfazer a criação que foi feita muito boa (Gn 1.31). Cf.: GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: Atual e Exaustiva. 2º ed.. São Paulo: Vida Nova, 2010. p. 990.

56

O “personalismo” ensina que a salvação é restrita as pessoas (seres pessoais), e “considera que as coisas são de nenhuma importância na glorificação vindoura”. (BERKOUWER, G. C.. The Return of Christ. p. 226)

57

CALVINO, João. Institutas. III.XXV.11.

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

13 peregrinamos como forasteiros. É verdade que será um mundo restaurado e renovado, mesmo assim ainda poderemos chamar de este mundo, esta terra. É como reformar uma casa. Primeiro nos retiramos provisoriamente para que outros façam o serviço de reforma. Depois nós retornamos e a reconhecemos como sendo a nossa própria casa, muito mais bonita, é verdade, mas ainda o nosso velho e doce lar.

3.

“NOVO”

TAMBÉM

IMPLICA

EM

ALGUM

GRAU

DE

NOVIDADE

E

DESCONTINUIDADE. Como



afirmamos,

podemos

entender

que

a

Bíblia

indica

que

“provavelmente haverá tanto continuidade como novidade”58 semelhante ao corpo da ressurreição que também terá continuidade e descontinuidade. O novo céu e a nova terra serão, em certa medida, uma continuação restaurada do universo atual, mas, por outro lado, haverá algo de novo que não conhecemos no presente. Nesse ponto devemos nos voltar para o contexto anterior e posterior para observarmos alguns possíveis indicativos de descontinuidade. Novamente outros textos das Escrituras podem nos ajudar a entendermos quais são realmente os elementos de real descontinuidade e aqueles que são duvidosos. Primeiramente, devemos nos perguntar sobre o mar, a noite e o Sol (Ap 21.1,23-25), dos quais Apocalipse parece indicar que não mais existirão. Devemos recordar que na Bíblia, tanto o mar como a noite, são, frequentemente, tomados como símbolos do mal ou de castigo,59* mesmo que, em si mesmo, tudo seja “muito 58 59

LIMA, Leandro A. de.. Razão da Esperança: teologia para hoje. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 640. Mar e noite (e termos relacionados: trevas, escuridão, abismo, águas, às vezes rios) são empregados em muitos textos com a ideia de poderes hostis (muitas vezes povos), ao reino do mal ou até mesmo com a ideia de castigo divino. Cf. Jó 5.13-17; Sl 46.1-3; Sl 69.1-2; 74.12-15; 77.16; 89.9-10 104-5-9; 124.1-5; Pv 7.7-9; Am 5.6-9; Is 17-12-14; Is 57.20; Ez 26.19-21; Mq 3.5-6; Mt 8.32; 22.13; Lc 1.79; 11.34-36; 22.53; 23.44; Jo 1.5; 3.19; 8.12; 12.35,46; At 26.18; Rm 2.19; 13.12-14; Ef 5.8; Cl 1.13; 1Ts 5.4-10; 1Pe 2.9; 2Pe 2.17; 1Jo 1.5,6; 2.8-11; Jd 13; Ap 12.15; 13.1. 16.10; 17.1,15; 20.13. Diversos autores endossam essa ideia. Pohl argumenta “que essa visão do novo cosmos não exclui a água como tal”, mas entende significa que o “novo mundo será um mundo sem demônios”. Para ele, entender literalmente é entender “de forma superficial”. Eis o que ele afirma: “Ele significa aqui o local de gestação do satânico, da rebelião contra Deus e sua boa criação (cf. o comentário a Ap 20.13). Do “mar” ergueu-se, em Ap 13.1, a besta com sua blasfêmia, sedução, perseguição e assassinato. Essa fonte maligna nunca mais jorrará na nova criação. Isso se dará em benefício da outra fonte de Ap 22.1, à qual Ap 21.6 também já se refere. Finalmente a nova humanidade viverá sem ameaças e sem apreensão. Não precisa mais contar a cada instante com uma perturbação terrível.” (POHL, Adolf. Apocalipse de João. In Comentário Esperança. Curitiba: Editora Esperança, 2001, p. 444.) Barclay argumenta que a ideia da não existência do mar possui um pano de fundo duplo: Primeiro, as ideias mitológicas comuns na época de João e que compartilhavam a maioria dos povos do Oriente. Para os babilônicos a criação do cosmo é uma longa luta entre Marduk (deus da ordem e da criação) e Tiamat (deusa do caos, retratada como uma serpente marinha ou um dragão); o mar é sempre o inimigo de Marduk. Em segundo lugar, há também um pano de fundo muito mais humano que é o fato dos povos

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

14 bom” (Gn 1.31). Quanto ao Sol e a Lua, o texto simplesmente não diz que eles não mais existirão, mas sim que a nova Jerusalém não precisa deles por causa da glória de Deus (Ap 21.23-25; 22.5).60 A extinção do mar dá a ideia de que na prática não há continuidade substancial entre o antigo sistema caído e o novo redimido, que o sistema antigo desapareceu completamente e foi substituído por algo totalmente novo e diferente. Porém a afirmação do v. 5, “Eis que faço novas todas as coisas”, sugere que tudo o que já existe será renovado. 61

É interessante que o texto não faz sentido se for interpretado literalmente,62 pois, se por um lado diz que não há necessidade do Sol e da Lua, por outro também fala da “árvore da vida, que produz doze frutos, dando o seu fruto de mês em mês”. Devemos nos lembrar que “mês” é o tempo de translação da Lua em torno da terra (cf. Sl 104.19). Portanto, é uma menção indireta ao tempo e ao movimento da Lua. (veja Is 66.22-24 e compare com Ap 20.10-21.8) Além disso, quando Deus diz: “Eis que faço novas todas as coisas.” Será que “todas as coisas” exclui o mar, a Lua e o Sol?63 Será que o mesmo Deus que criou tudo isso no princípio, e disse que “tudo” era “muito bom” (Gn 1.31), agora irá deixar de fora grande parte do universo – Lua e Sol (estrelas por implicação, já que o Sol é uma estrela)? Será que Deus deixará de fora o mar (que ocupa dois terços da terra) com toda a sua diversidade de animais?64 antigos temerem e odiarem o mar. Barclay conclui dizendo que os “Oráculos Sibilinos dizem que nos últimos tempos o mar se secará (5.447). A Ascensão de Moisés diz que o mar voltará para o abismo (10:6). Nos sonhos dos judeus o fim do mar é o fim de um poder e força hostil a Deus e aos homens”. (BARCLAY, William. The Revelation of John. Philadelphia: The Westminster Press, 2000, (The Daily Study Bible Series, Rev. Ed), vol. 2, p. 198-199.) 60

Supondo que a cidade santa, nova Jerusalém, possa ser mais do que um símbolo da Igreja (noiva) e venha a ser uma cidade literal (não necessariamente em cada detalhe do que é descrito) e que ela será cidade onde Deus permanece com toda a sua glória plenamente visível. Podemos supor então que apenas ali não haverá noite, nem lua (para ser vista), nem sol (para iluminar a cidade) por causa da expressão visível da glória de Deus. Embora essas coisas (Sol, Lua, estrelas, noite) continuem a ter existência real no novo cosmo. O texto admite isso, mas é apenas uma alternativa de entendimento.

61

LADD, George. Apocalipse. p. 205. Ladd explica que “o mar era o domínio das trevas, do mistério, do traiçoeiro”. (Cf. tb. HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o Futuro. p. 335; e tb. BEASLEY-MURRAY, C. R.. Novo Comentário da Bíblia. p. 1483.)

62

Bavinck argumenta que a descrição que João faz da cidade (Ap 21-22) “certamente não deve ser tomada literalmente mas do que suas visões anteriores”, contudo, mesmo sendo “imagens, não são ilusões ou mentiras, mas representações terrenas de realidades sobrenaturais”. Para mais detalhes, cf. BAVINCK, Herman. Reformed Dogmatics. p. 719.

63

Charles Hodge defende que o “sujeito da transformação que há de ocorrer no último dia não é todo o universo material, mas nossa terra e o que lhe pertence”. Em seu entendimento a Bíblia está preocupada com o homem e, como a transgressão dele teve consequências para a terra, essa maldição será removida quando a redenção humana se completar. Portanto, a “mudança efetuada será no lugar onde o homem habita”. Hodge afirma que está “totalmente fora de questão” “algo tão estupendo como o desaparecimento de todo o universo, como o último ato do drama da história humana”. (cf. HODGE, Charles. Teologia Sistemática. p. 1647-48).

64

A profecia de Ezequiel 47.1-12 faz referência ao Mar Morto (que é tão salgado que todo peixe do Jordão que cai nele morre em seguida) tendo as suas águas transformadas em águas saldáveis e (Ez 47.8-9). É

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

15 Não faz muito sentido que parte da criação fique de fora da “restauração de todas as coisas” (At 3.21). Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas. Eis o mar vasto, imenso, no qual se movem seres sem conta, animais pequenos e grandes. (Sl 104.24,25, ênfase acrescentada)

Caso essas coisas literalmente deixem de existir, isso implicará que Deus aniquilará completa e permanentemente a maior parte de sua criação deixando apenas a terra em um vácuo cósmico. O Sol é uma estrela entre bilhões em todo o universo, portanto, uma aniquilação do Sol pode representar a aniquilação de todas as estrelas, planetas e galáxias. Que utilidade haveria na Lua e nas estrelas sem noite para que possamos contemplá-las como o salmista (Sl 8, 19) e louvarmos a Deus por seu poder e sabedoria em criar todas essas coisas? Por isso, levando em conta a natureza literária (simbólica) do livro de Apocalipse; levando em conta que não encontramos apoio em outros textos mais claros das Escrituras; levando em conta que não se harmoniza com as atitudes do Deus que conhecemos aniquilar a maior parte de sua criação65 que serve para o louvor de sua glória; assim podemos concluir que essas referências ao mar, à Lua e ao Sol devem ser entendidas, prioritariamente, de forma simbólica em harmonia literária com Apocalipse:66 ... o termo mar também pode ter uma conotação figurativa se referindo às aflições que o povo de Deus suportou em um mundo pecaminoso. João mesmo parece apontar para uma interpretação simbólica ao escrever uma frase paralela que reitera a mesma fraseologia: “o mar não mais existe” e “morte, tristeza, pranto e dor não mais existirão”.67 O comentário sobre a ausência, o mar já não existe – aqui o único traço ilustrativo da visão do novo mundo –, lidera uma longa série de notas de

possível que o texto seja uma profecia (em linguagem condicionada à época) quanto a restauração até mesmo do mar. 65

Charles Hodge é avesso a qualquer aniquilação de parte da criação: “Naturalmente, Aquele que cria pode destruir; a questão, porém, diz respeito ao propósito, não ao poder de Deus; ele jamais, seja em sua Palavra, seja mediante suas obras, revelou seu propósito de destruir alguma coisa que uma vez criou.” (Cf.: HODGE, Charles. Teologia Sistemática. p. 1646)

66

Se alguém objetar do porque essas referências devem ser tomadas de forma simbólica enquanto a referência à ‘criação da nova terra’ deve ser entendida literalmente, respondemos que: primeiramente a referência a criação do novo céu e da nova terra não são tomadas literalmente, pois já afirmamos que “criar” não deve ser entendido no sentido de trazer algo do nada; segundo, como já demonstramos, a promessa em relação a uma terra é abundante em outros textos, ao passo que a aniquilação permanente de parte da criação de Deus não encontra o mesmo apoio.

67

KISTEMAKER, Simon. Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 697.

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16 ausência semelhantes, [vide nota do autor68] que passam como um fio vermelho pelos capítulos do Ap[ocalipse] que tratam da consumação. Esse estilo denota a intensidade com que João vê as visões a partir de uma comparação com sua realidade e o cuidado pastoral com que ele escreve a seus destinatários, diante dos quais o mar ainda está rugindo, os quais a morte amedronta e nos quais o coração ainda treme. Na explicação dessas notas de ausência a compreensão desse ponto de partida pastoral terá grandes consequências.69

Se por um lado não possamos afirmar que esses elementos da atual criação (mar, Sol e Lua) deixarão de existir, por outro lado, podemos afirmar com certeza que na nova criação não haverá pecado, nela não haverá corrupção, doenças, sofrimento ou morte (Ap 21.4,27; 22.2). Satanás, seus anjos e aqueles homens que os serviram nessa vida “sofrerão penalidade de eterna destruição, banidos da face do Senhor e da glória do seu poder” (2Ts 1.9; cf. Ap 20.10,14,15; 21.8), portanto, estarão fora do novo céu, da nova terra, da nova Jerusalém. Provavelmente haverá muitas potencialidades da criação que havia no paraíso70 antes da queda e que, agora, estão ocultas devidas ao estado de degradação, chamada pelos físicos de entropia ou segunda lei da termodinâmica. Hendriksen afirma: “A natureza volta à condição em que foi criada; todas as suas potencialidades, dormentes por tanto tempo, são agora realizadas.”71 Quando toda a natureza for restaurada essas potencialidades boas desabrocharão e revelarão todo o seu resplendor. Alguns poderão indagar se na “restauração de todas as coisas” (At 3.21) haverá algo que não existe agora e nem existia no Éden antes da queda. Em outras palavras, além da renovação, haverá alguma inovação? Naturalmente não precisamos entender que a renovação de todas as coisas significa simplesmente voltar ao que era. Quando reformamos uma casa, eventualmente acrescentamos algum cômodo, derrubamos uma parede, mudamos uma porta ou janela. Portanto, é possível (mas não provável) que haja alguma novidade. Mas quanto a isso o máximo que podemos dizer é que Deus é o Senhor e Criador. É ele quem irá restaurar a sua criação. Naturalmente ele é soberano para restaurar, tirar ou acrescentar algo ao universo.72 Contudo, não somos 68

69 70

71 72

“Outros exemplos: não haverá lágrimas (Ap 21.4), nem morte, nem lamento, nem clamor, nem dor (Ap 21.4), nem traidores etc. (Ap 21.8), nem Templo (Ap 21.22), nem necessidade de luz dos astros (Ap 21.23; 22.5), nem fechamento dos portões (Ap 21.25), nem noite (Ap 21.25; 22.5) nem admissão de coisas impuras etc. (Ap 21.27), nem enfermidade (Ap 22.2) e nem maldição (Ap 22.3).” POHL, Adolf. Apocalipse de João, p. 444. Cf.: ALMEIDA Jr, Jair. O Padrão Éden; Modelo de Restauração da Criação. In: Fides Reformata. XII, Nº 2 (2007), pp. 79-92. HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores. p. 263. Wolters argumenta que não. “Na realidade, a única coisa que a redenção acrescenta que não está incluída na criação é o remédio para o pecado, o qual é trazido exclusivamente para o propósito de

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

17 nós quem iremos decidir isso, portanto, devemos nos precaver de ficarmos elucubrando coisas que não competem a nós, sobre as quais Deus não nos revelou nas Escrituras. Nesse sentido, Calvino nos ensina a não sermos “famintos de vã ciência” como alguns “que não deixam nenhum canto do céu sem esquadrinhar”: Como todos os homens pios o admitirão em consenso, uma vez que tão claramente se ensina na Escritura, deixarão de lado todo tipo de questões espinhosas, que só lhe podem servir de obstáculo, e não ultrapassarão os limites que lhes foram assinalados. No que me diz respeito, não somente me contenho para não me meter numa investigação supérflua de coisas inúteis, mas, além disso, me acautelo, julgo, para que não alimente a leviandade de outrem, respondendo-lhes.73

Portanto, diante do que já dissemos, devemos entender que após a renovação do universo, haverá algumas mudanças no mundo como nós o conhecemos hoje, de modo que ele seja expurgado de todo mal e de toda a corrupção produzida pelo pecado.74 Toda a degradação ambiental não mais existirá, os desertos da terra florescerão (Is 35.1; 29.17; 32.15,16) e até mesmo a morte no reino animal será extinta75 como podemos inferir de Isaías 65.25 (cf. Rm 5.12; 1Co 15. 25-26).76 “É o mesmo céu e a mesma terra, mas totalmente rejuvenescidos, sem ervas daninhas, espinhos, cardos, etc.”77 Atualmente não vemos toda a criação sujeita ao homem (Hb 2.5-9) – exceto o nosso Cabeça, Cristo –, mas na nova criação o homem reinará sobre a terra (Ap 5.10; 22.5) como Deus intentou no princípio (Gn 1.28).78

recuperar a criação sem pecado. Utilizando a linguagem tradicional da teologia, a graça não traz donum superadditum à natureza, um dom acrescentado no auge da criação; antes, a graça restaura a natureza, tornando-a íntegra novamente. Se a salvação não traz mais do que a criação, também não traz mesmo. É toda a criação que está incluída no escopo da redenção de Cristo: esse escopo é verdadeiramente cósmico.” Cf. WOLTERS, Albert. Salvação como restauração. In WOLTERS, Albert. Op. cit., p. 81.) 73

CALVINO, João. Institutas. III.XXV.11.

74

HODGE, Archibald Alexander. Outlines of Theology. p. 577.

75

76 77 78

Alguns entendem que antes do pecado a morte não existia nem mesmo no reino animal. Deus havia dado ao homem e aos animais apenas frutas e relva (Gn 1.29-31). Depois do dilúvio Deus concede ao homem alimentar-se também dos animais (cf. Gn 9.1-4), provavelmente uma indicação de que a terra não supria mais suficientemente a alimentação do homem (Gn 3.17-23). HODGE, Charles. Teologia Sistemática. p. 427. HENDRIKSEN, William. Mais que Vencedores. p. 263. Cf.: ALMEIDA Jr, Jair. O Padrão Éden; Modelo de Restauração da Criação. In: Fides Reformata. XII, Nº 2 (2007), pp. 79-92.

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

18 CONCLUSÃO Sabemos que a promessa da terra como “conceito teológico tem sido grandemente

desprezada”

exceto

por

algumas

“especulações

escatológicas

concernentes ao retorno de Israel à terra, todo o conceito da terra conforme apresentado nas Escrituras, em geral, tem sido ignorado”79 por muitos cristãos. Por causa disso, nesse artigo analisamos o ensino bíblico sobre o novo céu e a nova terra defendendo que toda a criação, em vez de ser aniquilada, será renovada, e que essa renovação possuirá aspectos de continuidade e descontinuidade. Essa é uma verdade que não pode ser ignorada, pois, quando bem compreendia, abre diante de nós uma maior compreensão dos propósitos de Deus e da história da redenção. Observamos que muitos estudiosos têm defendido esta posição, o que demonstra que ela não pode ser ignorada. Além disso, a posição de que a criação será restaurada é a posição mais coerente com o ensino bíblico e com a teologia reformada que procura ver um Deus que tem um só curso de ação na história desde a criação, passando pela queda e alcançado na redenção de todas as coisas. Como Brown80 afirma, aquilo que a Bíblia nos antecipou daquele novo mundo é como um rascunho que Deus, o Grande Artista, riscou em sua grande tela. Hoje vemos os contornos e traços sem cor dessa grande obra que Deus tem preparado. Esses traços já revelam o que podemos esperar dessa nova obra de criação. Mas, naquele dia, quando essa obra já estiver colorida com todas as suar cores, ficaremos sem palavras para descrever tamanha beleza e só poderemos dizer: “Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com sabedoria as fizeste; cheia está a terra das tuas riquezas.” – SL 104.24.

79 80

ROBERTSON. O. Palmer. O Israel de Deus. p. 13. BROWN, Daniel A. Destino Final: O que a Bíblia Revela sobre o Céu. São Paulo: Mundo Cristão, 2002, p. 184.

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

19 REVELATION 21.1: an introductory analysis on the nature the term “new” on the expression “new heaven and new earth”. ABSTRACT This article aims at showing introductorily the current interpretation among reformed theologians about the meaning of the expression “new heaven and new earth” in Revelation 21:1 more specifically on the meaning and implication of the term “new” present in the text. This study will be conducted from the Reformed standpoint in the light of the whole Sacred Scripture. At the end, we intend to demonstrate in the light of the teaching of other texts of Scriptures that the current creation will be renewed and restored.

KEYWORDS new earth, new heaven, universe, creation, recreation, annihilation, restoration.

Anderson de Abreu – Uma análise introdutória sobre a natureza do termo “novo” na expressão “novo céu e nova terra”.

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