Apontamentos. SD: O que é e como organizar

June 20, 2017 | Autor: Kátia Brakling | Categoria: Ensino Língua Portuguesa
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APONTAMENTOS: A SEQUENCIA DIDÁTICA: O QUE É E COMO ORGANIZAR Kátia Lomba Bräkling1

CONCEPÇÃO DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA Neste texto, utilizamos a concepção de Seqüência Didática (doravante, SD), tal como definido por Dolz, Schneuwly e Noverraz (2004)2, segundo a qual “uma seqüência didática é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (p. 97), cuja estrutura básica seria a seguinte:

ESTRUTURA DE BASE DE UMA SEQÜÊNCIA DIDÁTICA

APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO INICIAL

PRODUÇÃO INICIAL

MÓDULO 1

MÓDULO 2

MÓDULO N

PRODUÇÃO FINAL

É importante compreender essa concepção em um quadro teórico de referência mais amplo, no qual se inserem pressupostos relativos à transposição didática, modelização didática, pressupostos de aprendizagem e o decorrente movimento metodológico, que implica na seleção de conteúdos a serem ensinados adequados às possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos, assim como decorrentes das expectativas de aprendizagem colocadas no Projeto Educativo da Escola. A esse respeito, afirma ROJO (2001: pp. 4-5)3:

Kátia Lomba Bräkling Pedagoga e Mestre em Lingüística Aplicada pela PUC de SP; Professora da PósGraduação Instituto Vera Cruz (São Paulo – SP); Assessora de Língua Portuguesa da SEE de SP.

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DOLZ, Joaquim, SCHNEUWLY, Bernard e NOVERRAZ, Michele. Seqüências Didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In “Gêneros orais e escritos na escola”. Campinas (SP): Mercado de Letras; 2004 (pp. 95-128).

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ROJO, Roxane H. R. Modelização didática e planejamento: Duas práticas esquecidas do professor?. In A. B. Kleiman (org). “A Formação do Professor: Perspectivas da Lingüística Aplicada”.

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“Dentro da abordagem mais ampla concernente à transposição didática (Chevallard, 1985; 1988), a equipe de Didática de Língua Materna da Universidade de Genebra atribui um lugar de destaque à modelização didática, ou seja, à

construção de um modelo didático para o ensino de um dado objeto de conhecimento. Por exemplo, para Dolz, Schneuwly & de Pietro (1998), que supõem os gêneros do discurso como um dos objetos centrais no ensino de língua materna, a construção de um modelo didático para o ensino de um determinado gênero discursivo constitui um dos momentos centrais na construção de um plano ou programa de ensino. Ele é que é responsável pela seleção (mais ou menos complexa) de características do objeto a serem ensinadas e por sua adequação, como diriam os PCN de Língua Portuguesa – 3o e 4o Ciclos do Ensino Fundamental, às possibilidades e necessidades de aprendizagem dos alunos. Isto é, o modelo didático é responsável por um ensino operante na ZPD (Zona Proximal de Desenvolvimento, Vygotsky (1930; 1935)) criada pelas necessidades de ensino (do Projeto ou Programa), afinadas com as possibilidades de aprendizagem dos alunos. No dizer dos autores acima citados, o modelo didático define “princípios, orienta a intervenção didática e, enfim, torna possível uma progressão entre os diferentes graus de aprendizagem. [...] O modelo define, com efeito, os princípios (por exemplo, o que é um debate?), os mecanismos (reformulação, retomada, refutação) e as formulações (modalizações, conectivos) que devem constituir objetivos de aprendizagem para os alunos” (Dolz, Schneuwly & de Pietro, 1998: 34-35).

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Nesse sentido, no caso de se tomar um gênero discursivo como objeto de ensino (...), deve-se, primeiramente, descrever o gênero, por meio da contribuição das teorias lingüísticas e discursivas/enunciativas e das experiências e usos de seus usuários especialistas (no nosso caso, jornalistas, manuais de redação, articulistas). Em seguida, deve-se avaliar o que os aprendizes em foco conseguem produzir e compreender de textos do gênero em questão, isto é, avaliar a ZPD para este objeto específico. Com base em experiências de ensino anteriores e correlatas, coloca-se então em relação os dois conjuntos de dados: o resultante da descrição do gênero, que capta as características e o funcionamento do gênero (no dizer dos autores: os princípios, mecanismos e formulações), e o resultante da avaliação da ZPD dos alunos para textos no gênero (ou em gênero aproximado, que envolva características e funcionamento semelhante), que capta o desenvolvimento real e potencial dos alunos para os textos do gênero em questão. A partir deste processo de comparação entre os dois conjuntos de dados, seleciona-se o que se deverá ensinar das características e do modo de funcionamento do gênero, para aquele conjunto específico de alunos. O resultado desta seleção, num planejamento, comporá os objetivos de ensino (e os indicadores de aprendizagem visados) e organizará o tempo e material escolar, componentes do projeto ou programa de ensino (seqüência didática).”

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De fato, o momento da modelização didática constitui-se no mecanismo que transforma uma descrição de gênero (ou de qualquer outro objeto de ensino) num programa de ensino de gênero (no dizer dos autores, numa seqüência didática). Para eles, contrói-se o modelo didático colocando-se em relação três conjuntos de dados: “comportamentos dos especialistas, comportamentos dos aprendizes e experiências de ensino” (Dolz, Schneuwly & de Pietro, 1998: 35).

ESQUEMA GERAL DE UMA SD Ao organizar uma SD, planejar atividades segundo essa seqüência metodológica, que trabalhe com os aspectos indicados em cada uma:

Bloco 1: Dar a conhecer. a. Finalidade: dar a conhecer o gênero, de maneira ampla e inicial. b. Atividades: a. Apresentação inicial do gênero (por comparação com outros, estabelecendo semelhanças e diferenças): reconhecer o gênero entre outros gêneros; reconhecer semelhanças de textos do mesmo gênero; identificar contextos de produção comuns ao gênero, assim como lugares de circulação mais freqüentes; concluir por uma caracterização inicial.

Bloco 2: Alimentação temática. a. Finalidade: alimentação temática para produção inicial, procurando ampliar o repertório do aluno sobre o assunto/tema. b. Atividades: a. Leitura de textos que abordem o assunto de que tratará a produção inicial. È uma atividade que não precisa ser desenvolvida para a produção de qualquer gênero. Para produção de artigos de opinião ou artigos expositivos, por exemplo, é imprescindível. Pode estar incluída nos textos utilizados no momento anterior.

Bloco 3: Produção Inicial. a. Finalidade: analisar repertório prévio do aluno a respeito do gênero. b. Atividade: a. Produção inicial do aluno, a partir de contexto de produção que identifique: leitor, lugar social do produtor, lugar de circulação, portador, finalidade; e a partir da discussão inicial sobre o gênero.

a. Finalidade: estudar o contexto de produção geral do gênero (quem costuma escrever; quem costuma ler; qual a finalidade geral do gênero; o que é dizível, de

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Bloco 4: Estudando o contexto de produção do gênero.

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O aluno escreve e o professor analisa seu desempenho, seus saberes, para poder decidir como encaminha as atividades subseqüentes, quais conteúdos seleciona para trabalho, etc.

modo geral, pelo gênero; em que esferas costuma circular; em que portadores costuma ser publicado); e o contexto de produção de alguns textos, analisando as implicações para o texto, das diferenças observadas no contexto de produção. b. Atividade: a. Análise do contexto de produção geral do gênero. b. Análise do contexto de produção de textos específicos, identificando cada uma de suas características. c. Análise das implicações textuais e discursivas das características do contexto de produção (p.e.: publicar um artigo na Ciência Kids não é o mesmo que na Época. Por que?).

Bloco 5: Estudando características específicas do gênero. a. Finalidade: Estudar as características específicas do gênero (discursivas e textuais), relacionando-as com a dos textos apresentados. b. Atividade: a. Apresentar textos que possam exemplificar características do gênero, relacionando-as com as especificidades do contexto de produção. Por exemplo: um artigo de opinião acadêmico, certamente, conterá mais citações que funcionem como argumento de autoridade teórica do que um artigo de opinião publicado na Revista da Folha. b. Aspectos que precisarão ser selecionados para trabalho: i. mecanismos enunciativos (citações, modalizações, entre outros);

ocultamento

do

sujeito,

ii. mecanismos de textualização (articuladores responsáveis pela conexão e coesão verbal e nominal; tempos verbais recorrentes e predominantes; operadores argumentativos, entre outros).

Bloco 6: Planificação do texto a. Finalidade: Estudar possibilidades de organização geral do gênero previstas em diferentes textos de diferentes autores. b. Atividade:

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Bloco 7: Devolutiva do primeiro texto

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a. Analisar a planificação geral de diferentes textos, elaborando um esqueleto dos mesmos, de forma a construir um repertório de possibilidades, que servirão de referência para a revisão e refacção do texto produzido.

a. Finalidade: Orientar a revisão do texto do aluno, considerando o conteúdo estudado até o momento, nas atividades anteriores. b. Atividade: O professor devolve os textos, com suas considerações anotadas, e solicita que os alunos, utilizando as fichas de controle elaboradas nas demais atividades, o revisem, levantando alternativas de escrita. Atividade a ser realizada em dupla.

Bloco 8: Nova alimentação temática a. Finalidade: oferecer novas informações sobre o tema, para auxiliar o aluno na revisão e refacção de seu texto. b. Atividade: leitura de novos textos para obtenção e seleção de informações apontadas na revisão e necessárias à refacção do seu texto.

Bloco 9: Refacção do texto a. Finalidade: Reescrever o texto, considerando as necessidades apontadas. b. Atividade: Reescrita do texto, a partir do estudo realizado e da alimentação temática feita.

ASPECTOS GERAIS IMPRESCINDÍVEIS a) Elaboração das fichas de controle, a cada atividade realizada. b) Utilização de um movimento reflexivo de trabalho em todas as atividades. c) Considerar as fichas de controle na definição de critérios de revisão e refacção do texto. d) Analisar a articulação entre as atividades.

BIBLIOGRAFIA DE REFERÊNCIA 1. BRÄKLING, Kátia Lomba. 2005. Ensinar gramática: a que será que se destina?. Informe Araribá. São Paulo (SP): Moderna; 2005.

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3. CHEVALLARD, Y. 1985 La Transposition Didactique. La Pensée. Sauvage Editions; 1985.

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2. BRÄKLING, Kátia Lomba. 2000. Trabalhando com Artigo de Opinião: Re-visitando o eu no exercício da (re) significação da palavra do outro. In “A prática de linguagem em sala de aula. Praticando os PCNs”. Org. por Roxane Rojo. São Paulo (SP): Mercado de Letras/COMPED/EDUC; 2000.

4. ______________ 1988. Sur l’analyse didactique: deux études sur la notion de contrat et de situation. IREM, 14. Aix-em-Marseille; 1988. 5. DOLZ, J. 1996 Bases para o ensino da argumentação. Mimeo, inédito; 1996. 6. DOLZ, J.; B. SCHNEUWLY & J.-F. DE PIETRO 1998 Récit d’élaboration d’une séquence: Le débat publique. IN: J. DOLZ & B. SCHNEUWLY (eds) Pour un Enseignement de l’Oral: Iniciation aux genres formels à l’école. Paris: ESF Editeur, 1998. 7. DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. 1996. Genres et progression en expressions orale et écrite. Eléments de réflexions à propos d’une expérience romande. Enjeux: 31-49, 1996. Tradução provisória de Roxane Helena Rodrigues Rojo, com revisão autorizada. Circulação restrita. 8. DOLZ, Joaquim, SCHNEUWLY, Bernard e NOVERRAZ, Michele. 2004. Seqüências Didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In “Gêneros orais e escritos na escola”. Campinas (SP): Mercado de Letras; 2004 (pp. 95-128). 9. GRAPHE, Grupo. Trabalhando com Gêneros do Discurso. Vários autores. São Paulo (SP): FTD. 10. PASQUIER, A.; DOLZ, J. 1996. Un decálogo para enseñar a escribir. In: CULTURA y Educación, 2: 1996, p. 31-41. Madrid:Infancia y Aprendizaje. Tradução provisória de Roxane Helena Rodrigues Rojo. Circulação restrita. 11. ROJO, Roxane H. R. 2001. Modelização didática e planejamento: Duas práticas esquecidas do professor?. In A. B. Kleiman (org). “A Formação do Professor: Perspectivas da Lingüística Aplicada. 12. BRASIL (SEF/MEC). 1997. Parâmetros Curriculares Nacionais –1o e 2o Ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa/ Introdução. Brasília, DF: SEF/MEC.

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13. _______________. 1998. Parâmetros Curriculares Nacionais – 3o e 4o Ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa/Introdução. Brasília, DF: SEF/MEC.

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