APONTAMENTOS SOBRE A GRAVURA DE PAISAGEM NA ARTE OCIDENTAL

August 4, 2017 | Autor: Ricardo Pereira | Categoria: Historia Da Arte, História da Gravura
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APONTAMENTOS SOBRE A “GRAVURA DE PAISAGEM” NA ARTE OCIDENTAL – DO SÉCULO XV AO XXI: DE DÜRER À BOTELHO A paisagem e a gravura – coadjuvantes de longa data Para alguém que conheça a História da Arte Ocidental, não será difícil citar obras e artistas que estejam associados à expressão “pintura de paisagem”. Certamente lhe virá à memória obras realizadas por pós-impressionistas1 impressionistas2, realistas3, paisagistas ingleses4, românticos5, alguns barrocos6, os holandeses7 e algumas obras renascentistas8. Poderá ainda recuar para um tempo em que o conceito de paisagem não existia 9 e citar os afrescos de Pompéia e Herculano 10 com seus jardins, suas cenas campestres e paisagens rochosas à beira mar, nos quais homens, ninfas, heróis, deuses e deusas encenam seus papéis nas clássicas tramas mitológicas. Talvez até mencione, indo ainda mais atrás no passado, as pinturas dos túmulos egípcios onde o Faraó pratica a caça ao pato junto com sua família e seu séquito, todos à beira do Nilo e cercados por uma exuberante natureza repleta de plantas, pássaros e peixes, tudo e todos profusamente coloridos11. Contudo, se a esta pessoa acostumada a ver a paisagem através da pintura perguntarmos se conhece a “gravura de paisagem”, certamente tal expressão lhe soará estranha; mas ainda assim, puxando pela memória, poderá citar uma ou outra gravura de Rembrandt ou de Goya nas quais se veja alguma paisagem, mesmo que associada a outros temas. Por isso, creio que aqui nos cabe perguntar: por que existe esta dificuldade de lembrarmo-nos de imediato de gravuras associadas à paisagem? Acreditamos que o motivo disso esteja no fato de que a gravura enquanto técnica esteve muito tempo subordinada às outras artes, quando era utilizada mais como meio de reprodução das obras dos pintores, principalmente os mais reconhecidos, do que como um meio em si para criação de obras originais. Portanto, assim como a paisagem precisou de algum tempo para se firmar no Ocidente12 como digna de ser abordada na pintura (como o eram a pintura histórica, os temas mitológicos, religiosos e o retrato), a gravura também precisou de algum tempo para ser vista como uma técnica independente de funções meramente utilitárias, ou seja, funções em que serviria tão somente para reproduzir e divulgar as imagens criadas pela pintura e pelo desenho 13. Mas mesmo assim, como veremos adiante, gravura e representação da paisagem sempre, de alguma forma, estiveram juntas, mesmo que a primeira como mera técnica artesanal a serviço da arte “maior” da pintura (e posteriormente da imprensa), e a segunda como um conceito que começou a tomar força somente a partir do Renascimento. Não mencionando a fotografia, utilizada desde seus primórdios para também fixar paisagens, assim como o cinema, onde a câmera em movimento pode, dependendo da intenção do diretor, nos colocar praticamente dentro da paisagem, seja ela de um local existente ou de um totalmente fictício, geralmente nos remetemos à pintura como o mais tradicional suporte para exibição do tema “paisagem”. Contudo, a arte da gravura em suas diversas técnicas14 também foi frequente como veículo para imagens que contem a paisagem como fundo para narrativas de diversos tipos. Vários gravadores também executaram apuradas cópias de paisagens realizadas por pintores. As seis estampas seguintes, gravadas por artistas diferentes, mas que não são cópias de pinturas já existentes (excetuando, talvez, a da ilustração 4), servirão para exemplificar a paisagem expressa através gravura do século XV ao XVIII.

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Il. 1 DÜRER, Albert. O monstro do mar, xilogravura, 1498. Disponível em: Acesso em: 19/09/2011.

Il. 2 FREZZA, Ieroniymus. Padre José Anchieta, gravura em metal, séc. XVIII. Disponível em: http://www.castroesilua.com/store/view.asp?idp roduct=6971 Acesso em: 19/09/2011.

Il. 3 PIRANESI, Giovanni Battista. Veduta del tempio di Ercole nella cittá di cora, metal, 1769. Disponível em: Acesso em: 19/09/2011.

Il. 4 MORGHEN, Rafael. Apolo e as musas no Parnaso, gravura em metal, 1784. Disponível em: http://www.metmuseum.org/toach/works-ofart/28.22.36 > Acesso em 19/09/2011.

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Il. 5 SHONGAUER, Martin (1445-1491). A fuga para o Egito, gravura em metal, s.d. Disponível em: http://campus.udayton.edu/mary/gallery/images/engravings/schongauer196.jpg Acesso em: 19/09/2011.

Il. 6 REMBRANDT, As Três Árvores, gravura em metal, séc. XVII. Disponível em: Acesso em: 19/09/2011.

4 Podemos notar, portanto, que a paisagem está presente em todas estas imagens, mas utilizada em cada uma das obras de acordo com uma intenção específica. À exceção da gravura de Rembrandt, As três árvores, da qual se pode afirmar que a paisagem é o tema principal da imagem (mesmo que haja nela alguma intenção simbólica), ou na vista das ruínas romanas criada por Piranesi, em que sobressai do castigado conjunto arquitetônico (incluindo aí a torre da igreja e as casas não pertencentes à época romana) um efeito dramático e algo já romântico no gosto daquele artista pelo antigo, pelo imponente e pelo fantasioso, nas demais gravuras o que vemos é uma subordinação do entorno paisagístico ao tema narrativo tratado em primeiro plano. Em Dürer a paisagem nos mostra um castelo medieval, mas os personagens do primeiro plano pertencem à mitologia clássica; em Frezza, o Padre Anchieta está ambientado numa natureza claramente tropical, ainda que idealizada e suavizada pelos poderes apaziguadores do santo; Morghen apresenta-nos o Parnaso clássico, num estilo que muito lembra Poussin (e talvez esta gravura seja mesmo uma cópia de pintura daquele artista francês); finalmente Shongauer nos mostra a Sagrada Família em Fuga para o Egito, cercada por uma paisagem onde árvores e rochas, além de terem um aspecto fantasioso, mostram-se ásperas e inóspitas. Estes são apenas alguns exemplos, entre muitos, nos quais a paisagem surge na gravura entre os séculos XV e XVIII, mas na grande maioria dos casos tratada mais como um elemento de apoio ao tema narrativo principal, exatamente como acontecia no campo da pintura. A paisagem na pintura e gravura – Brasil e Europa nos séculos XIX e XX No Brasil a paisagem aparece em algumas pinturas coloniais, contudo sempre de maneira coadjuvante15. Em Pernambuco, a invasão holandesa trouxe Franz Post que nos legou belas pinturas de cenas rurais com seus engenhos de cana, animadas por pequenos grupos de escravos que aparentam estar a passeio ou se divertindo 16. Mas foi principalmente no século XIX, com a Missão Francesa e devido à presença de outros artistas estrangeiros de várias nacionalidades que aqui aportaram, todos impressionados com nossas belezas tropicais, que a paisagem tornou-se mais presente como tema da pintura. Podemos percebê-la em Félix Émile Taunay 17 e Debret18 ou em pintores que não tinham relação com a Missão como Fachinetti19, Vinet20, De Martino entre outros21. Também a partir dos pincéis dos pintores do grupo Grimm, cujo mentor, o alemão Georg Grim22, trabalhou por pouco tempo na Academia Imperial de Belas-Artes, a pintura de paisagem ganhou bastante expressão. Este artista insistia muito em que o pintor paisagista tem que pintar ao ar livre, diante da natureza. Do seu grupo se destacaram artistas de grande qualidade como Castagneto23 e Antonio Parreiras24. Portanto, a paisagem esteve aqui, como no caso europeu, primeiramente mais associada à linguagem da pintura do que à da gravura. Isto ocorreu, em parte, porque, como já foi comentado acima, tanto aqui como na Europa, a gravura geralmente teve um papel muito subordinado – utilitário - servindo mais como técnica de cópia de desenhos e pinturas para a reprodução em estampas do que como meio independente para criação artística. Todavia, não podemos nos esquecer que com a difusão de processos gráficos mais apropriados à tipografia, ou seja, à impressão em livros e álbuns, tais como a xilogravura de topo, os diversos processos de gravura em metal e, especialmente com a invenção e a difusão das técnicas da litografia e da zincografia, as estampas feitas a partir das aquarelas, desenhos e óleos dos pintores de paisagens, especialmente daqueles que viajavam pelo mundo em busca de cenas naturais e exóticas, ganharam grande popularidade no meio

5 europeu25. Muitas destas estampas serviram, inclusive, para a divulgação dos diferentes estilos e para o ensino nas academias de arte (algumas sendo propositalmente feitas para este fim),26 além de terem servido também como modelos para artistas de outros meios técnicos de expressão como, por exemplo, para os pintores portugueses de murais azulejares figurados do período Barroco e Rococó. Diversos exemplos desta apropriação de imagens gravadas estão presentes nos azulejos das igrejas e palácios de Portugal e Brasil, vários dos quais incluindo em seus fundos a paisagem 27. É o que podemos perceber nas ilustrações seguintes.

Il. 7 VISSCHER, J. (gravura baseada em pintura de J. van Goyen), gravura em metal, séc. XVII.- Fonte: Azulejos na Cultura Luso-brasileira.

Il. 8 CLERC, Sebastien Le. Figuras masculinas numa gangorra improvisada. Desenho (a ser gravado), séc. XVII – Fonte: Azulejos na Cultura Luso-brasileira.

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Il. 9 – Mural de azulejos inspirado na gravura de J. Visscher – azulejaria portuguesa esmaltada, séc. XVIII. Fonte: Azulejos na Cultura Luso-brasileira.

Il. 10 Mural de azulejos inspirado no desenho de Le Clerc – azulejaria portuguesa esmaltada, séc. XVIII. Fonte: Azulejos na Cultura Luso-brasileira.

7 Mas somente no final do séc. XIX e, principalmente, com pintores que buscavam novas linguagens expressivas, também praticando a gravura, como Gauguin, Redon, Munch e outros, e com os artistas da Die Brücke (A Ponte) e Der Blauer Reiter (O Cavaleiro Azul), expressionistas alemães já dentro do século XX, que a gravura torna-se, de uma vez por todas, um veículo totalmente independente para a criação de obras inteiramente originais, liberta dos outros usos as quais estava associada, inclusive liberta do uso meramente comercial 28 (e isto se deveu, em grande parte, à invenção da fotografia e dos processos fotomecânicos de impressão). É neste momento que alguns destes gravadores, em sua maioria xilogravadores em madeira de fio29, voltam-se também para a paisagem como tema de suas obras, mesmo que a ainda a mantivessem subordinada a outros temas, é o que vemos nas gravuras abaixo:

Il. 11MUNCH. O grito, xilogravura, séc. XIX. Disponível em: MM http://asescolhasdezeze.blogspot.com/2009/03/x ilogravura.html. Acesso em: 02/01/2012 Il. 12 GUAGUIN. Noa noa, xilogravura colorida, séc. XIX. Disponível em: http://desarte.com.br/blog/glossario/xilogravura. Acesso em: 02/01/2012.

IL. 13 REDON. O medo, água-forte, 1865. Fonte: Os Impressionistas, Ed. Três, 1973.

8 Voltando ao Brasil, embora no século XIX encontremos vários exemplos da utilização da gravura, inclusive estampando paisagens, principalmente depois da vinda de D. João VI em 180830, estas gravuras, em sua maioria xilogravuras em madeira de fio, estão diretamente associadas à tipografia, ilustrando anúncios comerciais em jornais e uns poucos textos das revistas que começavam a surgir então 31. Mas no século XX, a nossa gravura, como no caso europeu, começou a ganhar total independência, tornando-se rapidamente uma forma de arte inteiramente livre de fins utilitários. Isto se deu devido a alguns pioneiros como Carlos Oswald que praticou e ensinou a técnica da gravura em metal no Liceu de Artes e Ofícios no Rio de Janeiro32. Mas foram os gravadores Lasar Segall 33 e Oswaldo Goeldi34 os responsáveis pelo forte impulso que a gravura artística ganhou em nosso país a partir da década de 20 do século passado. E foi com a xilogravura em madeira de fio que estes dois grandes artistas, logo seguidos por outros entusiastas desta técnica, criaram obras que se tornaram marcantes em nossa produção artística. 35 Desta forma, no século XIX, ainda que praticada de forma incipiente e comercial, muitas das xilogravuras realizadas aqui, boa parte por estrangeiros, têm um encanto especial que advém justamente da sua rusticidade e, na maioria dos casos, de seu “ar” um tanto ingênuo. Os exemplos abaixo, retirados da obra Imagem e Letra36, foram escolhidos especialmente por fazerem alguma referência à paisagem. As imagens demonstrarão isto melhor do que um histórico ou descrição pormenorizada:

IL. 14 Anônimo da Impressão Régia (?), Mapa de batalha do Buçaco, xilogravura, 1810, publicada na Gazeta, n. extraord. De 13 dez., 1810, 256v. BN (Obras Raras). Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994. IL. 15 Leiloeiro Burle, 1831, xilogravura, publicada no Jornal, supl. 2. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994.

IL. 16 Anúncio de venda de casa, xilogravura, 1847, publicado no Jornal. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994. IL. 17 Anúncio de venda de casa, xilogravura, 1847, publicado no Jornal. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994.

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IL. 17 Anúncio fúnebre, xilogravura, 1848, publicado no Diário. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994.

IL. 18 Historia natural dos animais, xilogravuras estereotipadas, 1837, Oficina do Jornal do Comércio. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994. IL. 19 Historia natural dos animais, xilogravuras estereotipadas, 1837, Oficina do Jornal do Comércio. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994. IL. 20 Historia natural dos animais, xilogravuras estereotipadas, 1837, Oficina do Jornal do Comércio. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994. IL. 21 Historia natural dos animais, xilogravuras estereotipadas, 1837, Oficina do Jornal do Comércio. Fonte: Imagem e Letra.

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IL. 22 PINHEIRO, A. Efeito do luar na baia do Rio de Janeiro, xilogravura, 1866, publicado em A Semana. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994.

IL. 23 PINHEIRO, A. Marinha, xilogravura, 1887, publicado no Brazil Ilustrado. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994.

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IL. 24 PINHEIRO, Manoel Joaquim da Costa. Carta topográfica do Mucury, xilogravura, publicado no Correio Mercantil. Fonte: Imagem e Letra, EDUSP, 1994.

Do conjunto apresentado acima, queremos destacar as duas marinhas de A. Pinheiro 37, exemplos muito interessantes de xilogravura com tema paisagístico de criação própria e execução de alta qualidade. No título da primeira delas, Efeito do luar na baia do Rio de Janeiro, podemos perceber o interesse romântico do autor em fixar, utilizando a xilogravura, a beleza de nossa paisagem, em que as gradações entre o claro e o escuro estão entre suas características mais marcantes, sendo aqui tratadas com muita sutileza e destreza técnica. Já na gravura seguinte, Marinha (gravada a partir de desenho de Émile Rouède), o artista optou pela síntese, equilibrando e ativando visualmente uma grande massa de branco através da concentração do negro – chapado - em um só ponto: o perfil do veleiro recortado à contraluz no lado direito da composição (em evidente diálogo com a pesada moldura negra que cerca toda a gravura). Com isso, aproxima-se, no contexto da gravura, de resultados alcançados na pintura por Castagneto e outros pintores de marinhas que viriam mais tarde. Continuando na trilha da paisagem, é na obra de Goeldi, já dentro do século XX, que iremos encontrar muitos exemplos do que podemos chamar de paisagem expressa pela gravura, principalmente uma paisagem urbana, poeticamente carioca e quase desaparecida. Nestas xilogravuras vemos casas e velhos sobrados, jardins, ruas e becos que servem de cenário para a perambulação de homens melancólicos, na maioria das vezes caminhando solitários sob a chuva, de noite ou de dia, aparentemente sem rumo definido. Também somos colocados diante de cenas na beira do cais, junto a pescadores e cabeças de peixe com expressão vaga, esquecidos sobre o cepo da peixaria, atentamente observadas por gatos vagabundos, ou, ainda, viajaremos em precários barcos de pesca a enfrentar os perigos do alto mar. Tudo isto desenhado em ágeis e

12 nervosos traços a nanquim ou xilogravados em linhas luminosas que rasgam o negro profundo do manto da noite, vez por outra iluminada pela explosão de um vermelho ou de um azul totalmente insólitos. Mas não é só Goeldi que inclui a paisagem em sua obra, a veremos também nas gravuras em metal de Raimundo Cela, pintor cearense que foi o fundador do atelier de gravura da ENBA em 1951, no qual Goeldi o sucedeu38. Na obra de Cela prevalece o tema regionalista, mostrando a luta do nordestino diante do árduo trabalho no mar, na lida diária da pesca com suas jangadas e redes. Em vários outros gravadores modernistas, encontraremos também a paisagem, ora como tema principal, ora subordinado a outro assunto. Abaixo veremos alguns exemplos da paisagem inserida nas gravuras de Cela e Goeldi:

IL. 25 CELA, Raimundo. Jangadeiros, gravura em metal, s.d. Disponível em < http://www.biografia.inf.br/raimundocela-artista-plastico.html> acesso em: 24/01/2011. IL. 26 CELA, Raimundo. s.t., água-forte sobre papel, s.d. Disponível em < http://www.biografia.inf.br/raimundo-celaartista-plastico.html> acesso em: 24/01/2011.

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IL. 27 GOELDI, Oswaldo. Bairro pobre, xilogravura, 1954. Fonte: Goeldi,Civilização Brasileira, 1966. IL. 28 GOELDI, Oswaldo. Ameaça de chuva, xilogravura, 1945. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira,1966. IL. 29 GOELDI, Oswaldo. Crepúsculo, xilogravura, 1953. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira,1966. IL. 30 GOELDI, Oswaldo. Sol, xilogravura, 1955. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira,1966.

IL. 27 GOELDI, Oswaldo. Bairro pobre, xilogravura, 1954. Fonte: Goeldi,Civilização Brasileira, 1966. IL. 28 GOELDI, Oswaldo. Ameaça de chuva, xilogravura, 1945. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira,1966. IL. 29 GOELDI, Oswaldo. Crepúsculo, xilogravura, 1953. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira,1966. IL. 30 GOELDI, Oswaldo. Sol, xilogravura, 1955. Fonte: Goeldi, Civilização

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IL. 32 GOELDI, Oswaldo. Peixe vermelho, xilogravura colorida, 1958. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira,1966.

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IL. 33 GOELDI, Oswaldo. No jardim, xilogravura, 1958. Fonte: Goeldi, Civilização Brasileira, 1966.

Estes poucos exemplos da obra de Goeldi aqui apresentados são de excepcional beleza e expressividade, possibilitando vários tipos de abordagens analíticas, nenhuma das quais capaz de esgotar todo o alcance criativo daquele gravador. É o caso da xilogravura No jardim, onde um trecho do Jardim Botânico (ou de algum outro grande jardim público ou privado carioca) ganha ares fantásticos, quase que de pesadelo, devido ao marcante caule negro da árvore contra o qual é luminosamente recortado o perfil da graciosa garça. Em incisões certeiras e ágeis

16 efetuadas na madeira, o artista consegue eternizar não só um belo momento da paisagem, mas também expressar através dele toda a sensibilidade e inquietude de sua personalidade. Adir Botelho e a paisagem nas xilogravuras da série Canudos Foi por intermédio de Cela e Goeldi que Adir Botelho, discípulo destes dois mestres e, também ele, posteriormente professor da EBA/UFRJ39, chegou à gravura, tendo desenvolvido uma carreira longa e premiada. Seu trabalho foi todo construído em séries de xilogravuras, sendo a série Canudos totalmente inspirada na guerra que leva este nome, ocorrida no final do século XIX em pleno sertão baiano e descrita por Euclides da Cunha na obra Os Sertões. Nas 120 xilogravuras da série não predomina a paisagem como tema e sim o drama humano do sertanejo envolvido pela guerra, recriado em um estilo marcadamente original e de cunho expressionista, mas com muita ênfase nos aspectos formalistas. Ainda assim, em algumas gravuras do conjunto poderemos ver elementos paisagísticos importantes alusivos à caatinga e a cidade de Canudos e seus arredores, onde se travou, entre 1896 e 1897, a sangrenta guerra entre os soldados republicanos e os jagunços liderados pelo fanático religioso Antonio Conselheiro. Portanto, de acordo com nosso propósito de também falar da paisagem dentro das xilogravuras da série Canudos, destacaremos algumas delas onde este tema se faz mais presente, ainda que subordinado à ação dos personagens da história, e as comentaremos em seus aspectos formais e temáticos. Mas antes de iniciarmos estes comentários, cabe aqui lembrarmos que estas xilogravuras foram realizadas ao longo de 20 anos, comportando, portanto, uma série de pesquisas técnicas e estilísticas que dão a cada uma delas características bastante individuais, ora mais dramaticamente expressionistas, ora mais formalistas ou ainda com algumas das características da gravura popular. Além disso, cabe ressaltar que em muitas delas poderemos identificar a influência de técnicas pictóricas na construção da imagem, o que aponta para a formação inicial do autor - a pintura. Todos estes aspectos poderão ser vistos em intensidades variadas na pequena seleção de imagens que iremos apresentar mais adiante. Todavia, não é possível apresentar tais imagens sem que façamos primeiro um breve comentário sobre Os Sertões, poderosa fonte de inspiração, como não poderia deixar de ser, à série Canudos. Esta obra é também fonte de belíssimas imagens literárias de paisagens que nos são expostas por uma escrita que consegue fundir a objetividade do cientista-jornalista com originalidade do poeta, levando-nos, muitas vezes, a “ver” as cenas mencionadas devido à riqueza da descrição do autor. Através das três partes que constituem a obra – a terra, o homem, a luta – somos levados numa viagem em que tomamos conhecimento pormenorizado de praticamente toda formação geológica brasileira, especialmente das regiões central e nordeste. Com isso, deparamo-nos com descrições complexas dos diversos trechos do Brasil, suas planícies, planaltos, montanhas, rios etc., incluindo aí informações climáticas e outras mais com as quais o autor nos apresenta a paisagem, sendo o ponto alto aquele em que nos fala da caatinga, a inóspita região do semiárido nordestino. A paisagem daquela região, com sua estranha e sofrida flora, estorricada durante a seca por uma “canícula” terrível e bela após as chuvaradas que em algumas ocasiões caem por lá, é descrita de forma magistral por uma linguagem erudita e sensível de quem esteve no local e sentiu na pele o que é viver sob tal regime climático. É a partir desta paisagem que Euclides da Cunha começa a falar do brasileiro – do sertanejo - que lá vive, descrevendo minuciosamente sua origem mestiça à luz das teorias históricas e antropológicas da sua época, buscando entendê-lo em seu nascimento, na relação com a terra onde vive e no seu modo supersticioso de levar a vida diante de tantas dificuldades. Só depois desta completa apresentação do homem nordestino é que dá início a descrição da luta,

17 pormenorizando primeiro as origens e vida do seu personagem principal, Antonio Conselheiro, apresentando sua vida de peregrino e asceta pelo interior do sertão nordestino, arrebanhando multidões atrás de si, graças a sua fala e aparência magnetizadoras. A seguir vem a descrições das causas dos desentendimentos que originaram o conflito, seguidas do verdadeiro êxodo dos nordestinos para a “terra da promissão”, Canudos, cidade cuja paisagem e construção também são descritas em seus mínimos detalhes. Ao fim, o palco está montado para o desenrolar de uma das mais cruéis e sangrentas guerras que já aconteceram no Brasil e no mundo – a Guerra de Canudos. Ao apresentarmos nossos comentários às xilogravuras de Adir Botelho que façam referência à paisagem de Canudos, incluiremos também trechos de Os Sertões, onde esta paisagem aí surge com toda a força da descrição inspirada de Euclides da Cunha. Comentários

IL. 34 BOTELHO, Adir. Caminho de Canudos, xilogravura, 40,5 X 51,5 cm, 1986. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Em seu movimento de serpente em direção ao horizonte longínquo, Caminhos de Canudos nos dá uma clara dimensão do que foi a romaria do povo sertanejo rumo à terra da promissão representada por Canudos. Nesta extensa fileira, figuras de todos os tipos – homens, mulheres, crianças, velhos, jagunços, vaqueiros, um povo inteiro - agitam-se, contorcem-se, sonham, enfim buscam encontrar as benesses do céu após a estadia final naquela “cidade” que significaria, rigorosamente falando, seu mais completo Apocalipse. Não surpreende que para lá convergissem, partindo de todos os pontos, turmas sucessivas de povoadores convergentes das vilas e povoados remotos. Diz uma testemunha [Barão de Jeremoabo]: ‘Alguns lugares desta comarca e de outras circunvizinhas, e até do Estado do Sergipe, ficaram desabitados, tal a aluvião de famílias que subiam para os Canudos, lugar escolhido por Antonio Conselheiro para o centro de suas operações [...]. Assim se mudavam os lares. Inhambupe, Tucano, Cumbe, Itapicuru, Bom Conselho, Natuba, Maçacará, Monte Santo, Jeremoabo, Uauá, e demais lugares próximos; Entre Rios, Mundo Novo, Jacobina, Itabaiana e outros sítios remotos, forneciam constantes contingentes. Os raros viajantes que se arriscavam a viagens naquele sertão, topavam grupos sucessivos de fiéis que seguiam, ajoujados de fardos, carregando as mobílias toscas, as canastras e os oratórios, para o lugar eleito. Isoladas a princípio, essas

18 turmas adunavam-se pelos caminhos, aliando-se a outras, chegando, afinal, conjuntas, a Canudos.’ (Os Sertões, p.136)

IL. 35 – BOTELHO, Adir. Caminho novo, xilogravura, 37,5 X 51 cm, 1985. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Um cavaleiro armado atravessa célere a paisagem agreste do sertão, tendo ao fundo os casebres de Canudos. Cercam-no duas criaturas estranhas, quadrúpedes exóticos, seres de fantasia e assombro. Como numa história em quadrinhos, flutua diante do personagem um balão em cujo interior se vê uma imagem indecifrável – talvez uma grave mensagem codificada. A cena é toda construída por ágeis linhas, assim como por negras massas de sombra que se parecem manchas de tinta. Estamos diante de uma equilibradíssima combinação de meios: o desenho e a pintura que desembocam na xilogravura intitulada Caminho novo. Operara-se um movimento mais sério; talvez a ação realmente estratégica da campanha. Ideara-a, planeara-a e executara-a o tenente-coronel Siqueira de Meneses. Esclarecido por informações de alguns vaqueiros leais, aquele oficial viera a saber das vantagens de uma outra estrada, a do Calumbi, ainda desconhecida, que correndo entre as do Rosário e do Cambaio, e mais curta que ambas, facilitava travessia rápida para o Monte Santo, onde ia ter em traçado quase retilíneo, seguindo firmemente a linha norte-sul. E propôs-se explorá-la afrontando-se com os maiores riscos. (Os Sertões – pg. 377)

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IL. 36 BOTELHO, Adir. Cerco, xilogravura, 39,5 X 54,5 cm, 1996. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Vigiada ferozmente por todos os lados, Canudos resiste ao assédio dos milhares de soldados e seus canhões – não há para onde fugir, é lutar e morrer até o fim. Contudo, incrivelmente uma frágil palmeira ainda cresce no meio dos barracos semidestruídos, o que dá um toque de lirismo que contrasta com o terrível Cerco de ferro perpetrado pela República. Este é um exemplo da mais sutil poesia gráfica proporcionando uma nota cheia de ironia à imagem do completo aniquilamento. Estava bloqueado Canudos. A nova chegou em pouco ao acampamento de onde largaram, à espora fita, correios para Monte Santo, levando-a, para que de lá o telégrafo a espalhasse no país inteiro. Circuitava agora toda a periferia do povoado uma linha interrompida de tranqueiras, nos intervalos das quais não havia escoar-se mais um único habitante: a leste, o centro do acampamento; à retaguarda da linha negra, centralizada pela 3ª brigada; ao norte, as posições recém-expugnadas, alongando-se guarnecidas sucessivamente pelo 31º, ala esquerda do 24º, 38º, ala direita do batalhão paulista e o 32º, de infantaria, cortando as estradas de Uauá e a Várzea da Ema; em todo o quadrante do noroeste, guarnições espaçadas, ladeando o redente artilhado no extremo da vereda do Cambaio; a Favela e o baluarte dominante da Sete de Setembro, ao sul. Ainda que em fragmentos, traçarase a curva fechada do assédio real, efetivo. A insurreição estava morta. (Os Sertões, pg. 394).

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IL. 37 BOTELHO, Adir. Duas luas, xilogravura, 41,5 X 45 cm, 1996. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Duas luas: numa intrincada textura de linhas, verdadeiro mosaico em preto e branco, taperas empilhadas umas sobre as outras na cidade de Canudos formam uma imagem que muito se a assemelha à das favelas atuais – simples coincidência? Acreditamos que não. Ali estava, afinal, a tapera enorme que as expedições anteriores não haviam logrado atingir. Aparecia de improviso, toda, numa depressão mais ampla da planície ondulada. [...] A casaria compacta em roda da praça a pouco e pouco se ampliava, distendendo-se, avassalando os cerros para leste e para norte até as últimas vivendas isoladas, distantes, como guaritas dispersas – sem que uma parede branca ou telhado encaliçado quebrasse a monotonia daquele conjunto assombroso de cinco mil casebres impactos numa ruga de terra. (Os Sertões, p. 236)

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IL. 38 BOTELHO, Adir. Encontro nas águas, xilogravura, 42 X 54,5 cm, 1985. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Embora a paisagem da caatinga seja um local conhecido por sua grande secura, encontraremos na série Canudos um grupo de gravuras como esta, intitulada Encontro nas águas, em que Antonio Conselheiro prega para seu séquito de fiéis sertanejos dentro de águas abundantes. Tratar-se-á do rio Vaza-Barris? Não importa, é um símbolo. Pois sob as profundezas das águas se encontra o universo insondável do subconsciente – justamente onde se esconde todo o primitivismo encarnado naquela comunidade peculiar, guiada pelo mais estranho dos profetas. E este primitivismo submerso veio à tona num momento muito singular e trágico, com toda sua força, só para esbarrar contra um “verniz” de civilização – a recém-fundada República brasileira - que buscava a todo custo se mostrar moderna, não lhe interessando, portanto, ter que conviver frente a frente com seus “monstros”, preferindo destruí-los (como se isso fosse possível!). Mas Adir Botelho, com seu marcante traço de xilogravador, aqui inspirado pela visualidade espontânea da nossa cultura popular, vem emergi-los mais uma vez destas águas profundas, mostrando-os para nós numa situação repleta de dramaticidade e intenso fanatismo, para que ouçamos de novo a estranha prédica do seu inigualável guia espiritual: Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brazil com o Brazil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prussia, das ondas do mar D. Sebastião sahirá com todo seu exército. Desde o principio do mundo que encantou com todo seu exército e o restituio em guerra. E quando encantou-se afincou a espada na pedra, Ella foi até os copos e elle disse: Adeus mundo! Até mil e tantos a dois mil não chegarás! Neste dia quando sahir com o seu exército tira a todos no fim da espada deste papel da República. O fim desta guerra se acabará na Santa Casa de Roma e o sangue hade ir até a junta grossa... (Os Sertões, p. 129)

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Il. 39 BOTELHO, Adir. Estandartes, xilogravura, 42 X 54,5 cm, 1985. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Estamos no interior de Canudos, provavelmente na grande praça central cercada pelos barracos de taipa que compõem esta mística cidade, no momento iluminada por dois grandes sóis. Um grupo de personagens, portando Estandartes à frente dos casebres, parece aguardar que algo aconteça, talvez a chegada de Antonio Conselheiro para mais uma vez guiar o povo em uma longa procissão pela caatinga. Em terra e no céu os anjos velam pelos fiéis dispostos em um ritmo ordenado pelos mastros que colocam cada personagem dentro de um intervalo próprio. A beleza gráfica salta deste arranjo de linhas e formas xilogravadas com a aparente facilidade de um desenho a nanquim solto e despretensioso. Porém, o que aqui parece simples é, na verdade, fruto de longo trabalho, muito apuro técnico e especial sensibilidade para captar emoções – esta é a grande arte de Adir Botelho inspirada na obra imortal de Euclides da Cunha, Os Sertões. Erguiam-se na praça, revestidas de folhagens, as latadas, onde à tarde entoavam, os devotos, terços e ladainhas; e quando era grande a concorrência, improvisava-se um palanque ao lado do barracão da feira, no centro do largo, para que a palavra do profeta pudesse irradiar para todos os pontos e edificar todos os crentes. (Os Sertões, p. 127).

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Il. 40 BOTELHO, Adir. Mandacaru, xilogravura, 38 X 51,5 cm, 1985. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Numa animada composição, repleta de marcantes informações visuais em que as linhas gravadas com tremenda precisão têm a dinâmica ágil de pinceladas, o tema, de difícil definição, torna-se apenas pretexto para dar vazão a poderosa e criativa técnica xilográfica com que foi realizado: Mandacaru - bizarra cena de dança tribal em pleno sertão ou o desespero agitado dos sertanejos perante a destruição de sua amada e celestial Canudos? Os mandacarus (cereus jaramacaru) atingindo notável altura, raro aparecendo em grupos, assomando isolados acima da vegetação caótica, são novidade atraente, a princípio. Atuam pelo contraste. Aprumam-se tesos, triunfalmente, enquanto por toda banda a flora se deprime. O olhar perturbado pelo acomodar-se á contemplação penosa dos acervos de ramalhos estorcidos, descansa e retificase percorrendo os seus caules direitos e corretos. No fim de algum tempo, porém, são uma obsessão acabrunhadora. Gravam em tudo monotonia inaturável, sucedendo-se constantes, uniformes, idênticos todos, todos do mesmo porte, igualmente afastados, distribuídos com uma ordem singular pelo deserto. (Os Sertões, p. 40)

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Il. 41 BOTELHO, Adir. Ponto elevado, xilogravura, 43 X 46,5 cm, 1997. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Em cima do Ponto elevado, Antonio Conselheiro, como um “Cristo Redentor”, parece conseguir calar com sua voz de profeta a voz demolidora dos canhões, mas sua pregação mística não será jamais escutada pelo mundo de aço e fogo que o combate. Esta incrível xilogravura, portanto, numa tentativa paradoxal de conciliação e denúncia, cria a imagem da suprema contradição: o “profeta do sertão” pregando à insensível e monstruosa máquina de guerra de todo um sistema cego, imaturo e incompetente para resolver seus conflitos. Levaram para o arraial os quatro Krupps; substituíram nas mãos dos lutadores da primeira linha as espingardas velhas e de carregamento moroso pelas Mannlinchers e Comblains fulminantes [...] Os sucessos anteriores haviam-lhes exacerbado a um tempo o misticismo e a rudeza. Partira-se o prestígio do soldado, e a bazófia dos broncos cabecilhas repastava-se das mínimas peripécias dos acontecimentos. A força do governo era agora realmente a fraqueza do governo, denominação irônica destinada a permanecer por todo curso da campanha. Haviam-na visto chegar – imponente e terrível – apercebida de armas ante as quais eram brincos de criança os clavinotes brutos; tinham-na visto rolar terrivelmente sobre o arraial e assaltá-lo, e invadi-lo, e queimá-lo, varando-o de ponta a ponta, e depois destes arrancos temerários, presenciaram o recuo, e a fuga, e a disparada doida, e o abandono pelos caminhos fora das armas e bagagens. Era sem dúvida um milagre. O complexo dos acontecimentos perturbava-os e tinha uma interpretação única: amparava-os visivelmente a potência superior da divindade. (Os Sertões, p. 255)

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Il. 42 BOTELHO, Adir. Sermão do rio, xilogravura 41,5 X 54 cm, 1985. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

A xilogravura Sermão do rio apresenta a faceta da obra gravada de Adir Botelho que mais se aproxima da visualidade e do imaginário da cultura popular, o que enriquece ainda mais seu particularíssimo estilo. Aqui vemos toda a poderosa imaginação do autor criando uma fantástica cena aquática em pleno sertão baiano, na qual Antonio Conselheiro prega aos seus fiéis seguidores que a salvação virá para todos (depois de muito sofrimento), mesmo para os que já estejam afundando nas águas caudalosas e barrentas do Vaza-Barris, inteiramente contaminadas pela imundície da guerra. Gestos dramáticos, expressões desesperadas, lágrimas, olhos espantados, tudo isso e mais está estampado em grossas linhas e fortes contrastes, com destaque para a impressionante figura do “profeta do sertão” e sua oratória hipnotizadora. [Profetizou o Conselheiro:] “em 1899 ficarão as águas em sangue e o planeta hade apparecer no nascente com o raio do sol [...] Hade chover uma grande chuva de estrelas e ahi será o fim do mundo.” [...] Chegavam. Deparavam o Vaza-barris seco, ou empanzinado, volvendo apenas águas barrentas das enchentes, entre os flancos entorroados das colinas... Tinham esvaecida a miragem feliz; mas não se despeavam do misticismo lamentável... [...] Não visavam rasgar um caminho à fuga. Empenhando-se todos ao sul atendiam à conquista momentânea das cacimbas, ou gânglios rebalsados do Vaza-Barris. [...] Avançavam cautelosamente. Abeiravam-se das poças esparsas e raras, que salpintavam o leito; enchendo as vasilhas de couro volviam, correndo, arcados sob as cargas preciosas. [...] Então lampejava o fulgor das descargas subitâneas! Fulminavam-nos. Percebiam-se, adiante quinze metros, gritos dilacerantes de cólera e de dor; dois ou três corpos escabujando à beira das cacimbas; [a água] era um líquido suspeito, contaminado de detritos orgânicos, de sabor detestável em que se pressentia o tóxico das ptomaínas e fosfatos dos cadáveres decompostos jazentes desde muito insepultos por toda aquela orla do Vaza-Barris. (Os Sertões, p. 129, 148, 410)

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Il. 43 BOTELHO, Adir. Sertão de pedra, xilogravura, 39 X 54 cm, 1987. Fonte: Canudos –xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Três tristes mulheres à beira de um caminho cercado por gravetos e seguindo em curva até o horizonte – uma rota possível de fuga? Muitos caminhos levaram a Canudos através do Sertão de pedra, mas agora eles estão bloqueados àqueles que lutam por um mundo ideal totalmente construído sob a égide do fanatismo e da crendice ingênua. Não há mais volta, os canhões rugem despejando fogo; a morte, consequentemente, é o destino dos que ficaram para lutar até o fim. O sítio ampliara-se. Rasgara-se à mobilização das forças estrada rápida e segura. O seu trecho principal desde o rio Sargento ao Sítio de “Suçuaruna”, passando pela “Várzea” e “Caxomongó”, foi logo guarnecido pelos 33°, 16° e 28° batalhões, da 2° brigada e uma ala do batalhão Paulista. Canudos tinha agora circuitando-o, do extremo norte ao sul, na Fazenda Velha, e daí para o ocidente, na ponta da estrada do Cambaio, um desmedido semicírculo de assédio. Restavam apenas aos jagunços, no quadrante noroeste, as veredas do Uauá e Várzea da Ema. Prefigurava-se próximo o fim da campanha. (Os Sertões, p. 379).

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Il. 44 BOTELHO, Adir. Três raças, xilogravura, 53,5 X 43 cm, 1986. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Três raças aborda um assunto que é muito marcante em Os Sertões - a formação do povo brasileiro, principalmente a do nordestino e, em especial, a do “jagunço” e a do “matuto” que formam os tipos principais do povo de Canudos. Formação esta nem sempre vista por Euclides da Cunha sob uma ótica positiva, muito pelo contrário, expondo uma visão claramente racista, típica da sua época, porém equilibrada em outros momentos da narrativa pela indicação de alguns aspectos positivos encontrados no resultado desta mestiçagem. Mas na abordagem de Adir Botelho o negro, o índio e o branco, formadores raciais não só daqueles personagens infelizes, mas de toda nação brasileira, somam-se sem se fundirem plenamente, constituindo mais uma espécie de totem ou fetiche onde despontam os três tipos, gloriosamente expostos no alto de uma colina - um ícone ancestral a ser adorado. Enfatizando esta imagem, existe a presença das asas e da comprida protuberância horizontal à esquerda, cujas funções na composição são a de melhor ocupar o espaço e que, curiosamente, acabam também por criar uma associação visual com um canhão, arma terrível e largamente empregada na Guerra de Canudos contra os sertanejos. Chama também a nossa atenção, ainda falando dos atributos plásticos desta gravura, o belo e forte contraste entre a massa escura, densa, do “totem” e da “colina” com a texturizada parte inferior, espécie de “gramado” construído pelo efeito hachurado obtido pela sobreposição de mais de uma matriz gravada. Abramos um parêntesis... A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quando reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontamse vivíssimos estigmas da inferior. A mestiçagem extremada é um retrocesso. O indo-europeu, o negro e brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem estádios evolutivos que se fronteiam, e o

28 cruzamento, sobre obliterar as qualidades preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos dos últimos. De sorte que o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência individual em que se comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um desequilibrado. [...] Entretanto, a observação cuidadosa do sertanejo do norte mostra acentuado esse antagonismo de tendências e uma quase fixidez nos caracteres fisiológicos do tipo emergente. Este fato, que contrabate, ao parecer, as linhas anteriores, é sua contraprova frisante. [...] É um retrógrado; não um degenerado. Por isto mesmo que as vicissitudes históricas o libertaram, na fase delicadíssima da sua formação, das exigências desproporcionadas de uma cultura de empréstimo, prepararam-no para a conquistar um dia. [...] Ao invés da inversão extravagante que se observa nas cidades do litoral, onde funções altamente complexas se impõem a órgãos mal constituídos, comprimindo-os e atrofiando-os antes do pleno desenvolvimento – nos sertões a integridade orgânica do mestiço desponta inteiriça e robusta, imune de estranhas mesclas, capaz de evolver, diferenciando-se, acomodando-se a novos e mais altos destinos, porque é a sólida base física do desenvolvimento moral ulterior. (Os Sertões, p. 86; 87; 89)

Il. 45 BOTELHO, Adir. Um olhar sobre Canudos , xilogravura, 46 X 57,5 cm, 1984. Fonte: Canudos – xilogravuras, UFRJ/EBA, 2002.

Em Um olhar sobre Canudos a cidade é mostrada através de uma trama de linhas grossas, pesadas, que atravancam o espaço na representação viva dos seus casebres de taipa, ostentando o clima místico dentro do qual foi criada, pois anjos- guerreiros, armados com fuzis, pairam postados em alerta nas nuvens sobre a cidade, zelando por seus devotos moradores. Desta forma, a gravura capta com profundidade o sentimento intenso ali existente desde os seus primórdios, o de que o fim estava próximo, significando tal sentimento claramente uma só coisa para aqueles milhares de sertanejos crédulos: [Canudos] Era o lugar sagrado, cingido de montanhas, onde não penetraria a ação do governo maldito. [...] o primeiro degrau, amplíssimo e alto para os céus... (Os Sertões, p. 136).

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Conclusão Buscamos em nosso trabalho demonstrar de maneia concisa que a gravura, desde o Renascimento, tem sido também utilizada como veículo para o tema “paisagem” e que no Brasil, desde o século XIX, diversos gravadores também a abordaram direta ou indiretamente como mostram as gravuras que apresentamos. Portanto, assim como todos conhecem o significado de “pintura de paisagem”, também faz sentido falar de “gravura de paisagem”. No século XX, vários de nossos gravadores mais importantes igualmente abordaram a paisagem em suas obras, uns explicitamente e ou outros de forma implícita, como vimos em Cela e Goeldi. Na contemporaneidade esta afirmação também é válida para as xilogravuras da série Canudos desenvolvida por Adir Botelho, mesmo que seu enfoque principal recaia mais sobre os personagens envolvidos no drama daquela guerra do que sobre o seu entorno paisagístico. Em muitas destas gravuras, o espaço no qual os personagens se relacionam, nas mais diversas e imprevistas situações, tem tal carga expressiva que nos induz a ver ali a paisagem onde se desenrola este drama. Na verdade, podemos constatar por tudo o que foi mostrado neste trabalho - e pela infinita abrangência da arte de nossos dias - que também no âmbito da gravura cabe não só a abordagem da paisagem como a de qualquer outro tema, incluindo, para além da figuração, a abstração. Desta forma, a gravura, em qualquer de suas técnicas tradicionais – além das novas mídias a ela associadas atualmente -, dada a sua versatilidade, não tem limites em suas possibilidades expressivas; e se isso foi verdadeiro no passado ainda com mais razão o é no presente como afirma o próprio Adir Botelho: Em sua trajetória, a gravura tem sido marcada pelo acesso a novos modelos técnicos, a novos padrões de artistas e obras. Hoje, além de técnicas consideradas nobres, é possível, com algum equipamento eletrônico, talento e trabalho, produzir e até simular uma gravura. [...] É obvio que toda experiência, eletrônica ou não, gera consequências, algumas trazem em si os genes da própria destruição [contudo] a natureza um tanto conceitual do processo da gravura, além de corresponder ao caráter transitório da nossa época, mantém-se aberto a qualquer possibilidade técnica. [...] Hoje não se discute o poder criativo da gravura e a sua capacidade de projetar-se sobre outras modalidades de arte. É a partir desse entendimento que se pode falar de uma arte em que intenções estéticas e pesquisas tecnológicas parecem ligadas e se influenciam reciprocamente. Por outro lado, a gravura é reconhecida no Brasil como uma das principais formas de arte, não só por sua enorme contribuição para a afirmação de nossa modernidade, como também por ter colocado a arte brasileira em contato com a arte do resto do mundo [...] Lembre-se que tratamos da arte da gravura, de um meio de expressão que precisou de centenas de anos para encontrar os elementos favoráveis a seu florescimento – suas origens históricas remontam à Antiguidade. A gravura revelou ao mundo o talento de Dürer, a sutiliza de Lucas de Leyden, a extrema sensibilidade de Rembrandt; fez conhecer o caráter impulsivo de Jacques Callot, de Holbein, a modernidade de Piranesi, de Whistler, a precisão de Robert Nanteuil, de Claude Mellan, a extraordinária visão de Goya, a inquietação de Nolde, de Kathe Kollwitz, Barlach, Kirchner, o pioneirismo de Edvard Munch e a obra de Goeldi. 40

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Referências bibliográficas

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1989.

31 Anexo I Aproveitando o tema “paisagem”, gostaríamos de transcrever um trecho de Os Sertões que possui a força de uma boa imagem gráfica ou pictórica, sendo uma descrição detalhada e poética da paisagem da caatinga, apontando as características geológicas de uma inconfundível região brasileira muito sujeita às poderosas forças modificadoras da natureza, especialmente sob à inclemência do sol. PRIMEIRAS IMPRESSÕES É uma paragem impressionadora. As condições estruturais da terra lá se vincularam à violência máxima dos agentes exteriores para o desenho de relevos estupendos. O regime torrencial dos climas excessivos, sobrevindo, de súbito, depois das insolações demoradas, e embatendo naqueles pendores, expôs há muito, arrebatando-lhes para longe todos os elementos degradados, as séries mais antigas daqueles últimos rebentos das montanhas: todas as variedades cristalinas, e os quartzitos ásperos, e as filades e calcários, revezando-se ou entrelaçando-se, repontando duramente a cada passo, mal cobertos por uma flora tolhiça – dispondo-se em cenários em que ressalta, predominante, o aspecto atormentado das paisagens. Porque o que estas denunciam – no enterroado do chão, no desmantelo dos cerros quase desnudos, no contorcido dos leitos secos dos ribeirões efêmeros, no constrito das gargantas e no quase convulsivo de uma flora decídua embaralhada em esgalhos – é de algum modo o martírio da terra, brutalmente golpeada pelos elementos variáveis, distribuídos por todas as modalidades climáticas. De um lado a extrema secura dos ares, no estio, facilitando pela irradiação noturna a perda instantânea do calor absorvido pelas rochas expostas às soalheiras, impõe-lhes a alternativa de alturas e quedas termométricas repentinas; e daí um jogar de dilatações e contrações que as disjunge, abrindo-as segundo os planos de menor resistência. De outro, as chuvas que fecham, de improviso, os ciclos adurentes das secas, precipitam estas reações demoradas. As forças que trabalham a terra atacam-na na contextura íntima e na superfície, sem intervalos na ação demolidora, substituindo-se, com intercadência invariável, nas duas estações únicas da região. Dissociam-na nos verões queimosos; degradaram-na nos invernos torrenciais. Vão do desequilíbrio molecular, agindo surdamente, à dinâmica portentosa das tormentas. Ligam-se e completam-se. E consoante o preponderar de uma e outra, ou o entrelaçamento de ambas, modificam-se os aspectos naturais. As mesmas assomadas gnáissicas, caprichosamente cindidas em planos geométricos, à maneira de silhares, que surgem em numerosos pontos, dando, ás vezes, a ilusão de encontrar-se, de repente, naqueles ermos vazios, majestosas ruinarias de castelos – adiante se cercam de fraguedos, em desordem, mal seguros sobre as bases estreitas, em ângulos de queda, incombentes e instáveis, feito loghans, oscilantes, ou grandes desmoronamentos de dolmens; e mais longe desaparecem sob acervos de blocos, com a imagem perfeita desses “mares de pedra”característicos dos lugares onde imperam os regimes excessivos. Pelas abas dos cerros, que tumultuam em roda – restos de velhíssimas chapadas corroídas – se derramam ora em alinhamentos relembrando velhos caminhos de geleiras, ora esparsos a esmo, espessos lastros de seixos e lajes fraturadas, delatando idênticas violências. As arestas dos fragmentos, onde persistem ainda cimentados ao quartzo os cristais de feldspato, são novos atestados desses efeitos físicos e mecânicos que, despedaçando as rochas, sem que se decomponham os seus elementos formadores, se avantajaram ao vagar dos agentes químicos em função dos fatos metereológicos normais.( Os Sertões, p. 20-21)

32 Anexo II: A paisagem nas gravuras do acervo do Museu D. João VI41 Buscando por gravuras que tivessem relação com a paisagem, mesmo que apenas sutilmente, pesquisamos o acervo de gravuras do Museu D. João VI e encontramos ali alguns exemplares interessantes que se não são exatamente “gravura de paisagem”, apresentam-na como pano de fundo para seu tema principal. É sempre bom ter em mente que estas gravuras tinham fins didáticos, ou seja, deveriam servir como modelos para os alunos copiarem e, com isso, aprimorarem seu desenho. A maioria destas gravuras possui como tema a anatomia humana (a face, os membros, o corpo inteiro, o esqueleto e a musculatura), retratos de reis e outros personagens da aristocracia, além de autoridades religiosas. Contudo, as gravuras apresentadas abaixo, que de alguma maneira relacionam-se a paisagem, são de um tipo mais variado, algumas até bastante dinâmicas e dramáticas, mostrando a pluralidade de tipos que os alunos da Academia tinham como modelos para seus estudos. Em relação à técnica, duas foram litografadas e as demais gravadas a buril, sendo que cinco deste conjunto foram coloridas com tinta a têmpera, relacionando pintura à gravura, o que as torna exemplares muito preciosos.

IL. 1 VIVIANI, A. A matança dos inocentes, buril, 28,2 X 20,1 cm, s.d. Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira.

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IL. 2 JULIEN, Bernard Romain (1802-1871). Alegoria a África, litografia, 39,5 X 26,5 cm, 18... Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira. IL. 3 JULLIEN, Amtelme-Joseph (1802-1871). Alegoria a Ásia, litografia, 51,5 X 33 cm , 18... Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira.

34

IL. 4 GIRARD, Alexis François (1787-1870). Cena do Dilúvio, maneira de crayon, 63 X 50 cm, 1800... Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira.

IL. 5 GIRARD, Alexis François (1787-1870). Cena do Dilúvio, maneira de crayon, 63 X 50 cm , 1800... Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira.

35

IL. 6 OTAVIANI, Giovanni. A queda de Jericó, buril e têmpera. 65 X 62,5 cm, s.d. Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira. IL. 7 Detalhe.

36

IL. 8 OTAVIANI, Giovanni. Deus aparece a Isaac, buril e têmpera. 67,5 X 65 cm, s.d. Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira. IL. 9 Detalhe.

37

IL. 10 OTAVIANI, Giovanni. A construção da Arca, buril e têmpera. 67,5 X 65 cm, s.d. Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira. IL. 11 Detalhe.

38

IL. 12 OTAVIANI, Giovanni. Moisés sendo salvo das águas, buril e têmpera. 67 X 64,5 cm, s.d. Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira. IL. 13 Detalhe.

39

IL. 14 OTAVIANI, Giovanni. Moisés e as Tábuas da Lei, buril e têmpera. 67,5 X 64 cm, s.d. Fonte: acervo MDJ VI. Fotografia: Ricardo A. B. Pereira. IL. 15 Detalhe.

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Comentários A trágica cena da Matança dos inocentes transcorre entre as colunas do palácio, praticamente aos pés do cruel rei que, com terrível malignidade, aponta as vítimas aos carrascos que executam o bestial infanticídio. A paisagem nesta gravura é restrita a uma nesga do céu e alguns elementos arquitetônicos do palácio ao redor de um pátio em que grassa a carnificina. Na verdade, trata-se de um cenário clássico montado para receber a narrativa bíblica gravada com apurada técnica, no qual o contraste entre as figuras expostas à luz no primeiro plano com aquelas que estão encobertas pela sombra dos prédios, aliado a grande movimentação dos personagens, acrescenta ainda mais dramaticidade nesta história de desespero e dor. Na gravura Alegoria à África somos convidados a imaginar o continente africano e toda sua exuberante paisagem pela contemplação de uma face emoldurada pela pele de um leão cuja enorme boca, repleta de ferozes dentes, serve-lhe de capacete. Curiosamente, ao invés de uma face de homem negro, o que vemos é um sereno rosto clássico, típico da idealização característica da visão neoclássica do mundo. Trata-se, portanto, de uma idealização do continente africano e dos seus mistérios. A litografia Alegoria à Ásia, diferentemente da gravura anterior, utiliza muito mais elementos explícitos para nos apresentar o exótico mundo oriental por um viés romântico. Desta forma, emoldurada por uma trabalhada moldura de gosto ainda bastante barroco, uma jovem e sensual mulher com turbante, reclinada sobre uma macia almofada, tendo um leque à mão, está confortavelmente instalada no interior de uma tenda cujo fundo se abre para a visão de um camelo acocorado diante de uma cidade árabe, com suas mesquitas coroadas por cúpulas bulbosas. Tudo nesta imagem nos convida ao idílio - a moldura fartamente ornada com curvas e contracurvas que apoiam um arsenal de armas e símbolos árabes; a lânguida mulher sonhadora (símbolo da Ásia) a espera de seu conquistador; a cena ao fundo, na qual parece pairar uma leve nuvem de poeira do deserto. Estamos, sem dúvida, perante uma janela aberta a um mundo distante e, não obstante, intensamente almejado. As duas gravuras seguintes, Cenas do Dilúvio, formam um díptico cheio de drama e sofrimento. Enquanto as águas sobem em ondas terríveis, um homem que suporta seu velho pai às costas tenta desesperadamente segurar pela mão sua mulher com o filho ao colo, equilibrando-se no rochedo, agarrado a um frágil galho de árvore, à beira do precipício. Para aumentar-lhe o desespero e o pavor, um rapaz (seu outro filho?) se agarra com todas as suas forças aos cabelos da mulher, puxando-a para trás, lutando loucamente para fugir à morte. A expressão apavorada do homem que tenta sustentar todo este peso traduz o sentimento geral de medo que a imagem quer expressar. O saco de dinheiro na mão do velho, a musculatura tensa de todos os personagens, a forte inclinação da cabeça da mulher para trás, as ondas gigantescas que galgam a montanha, a criança que chora inconsolável, os panejamentos que ondulam sob a força da ventania são elementos importantes, carregados de significados, que fazem com que estas imagens se tornem um retrato cruel da luta humana contra a morte. As cinco gravuras seguintes expõem temas bíblicos como as duas anteriores. Mas o interesse do seu autor não estava particularmente voltado para expressar o drama humano em presença do Divino. Sua preocupação maior relacionava-se aos elementos que se veem emoldurando as cenas religiosas centrais, todos eles formando quase um catálogo de soluções decorativas clássicas. Com isso, nota-se claramente que estas gravuras são, na verdade, um

41 projeto de decoração de teto dentro do espírito neoclássico. Deve também ser ressaltado o equilibrado uso da cor aplicada a tempera sobre a gravura realizada a buril, revelando muita destreza técnica tanto no trabalho de gravação como no de pintura, ambos tão perfeitamente harmonizados que o resultado fica satisfatoriamente solucionado entre o gráfico e o pictórico. A paisagem, neste contexto decorativo, está subordinada às cenas bíblicas centrais cercadas pelo emolduramento. Em A queda de Jericó os soldados assistem felizes ao desmoronamento dos muros da cidade sob o troar das trombetas israelitas. Na gravura seguinte, em meio a uma paisagem campestre com uma cidade murada ao fundo, Deus aparece a Isaac flutuando sobre grossas nuvens enquanto este se ajoelha espantado, tendo às costas a presença de uma jovem que, distraída, nada vê da extraordinária aparição. Noé, na próxima gravura, dirige pessoalmente o trabalho de seus filhos na Construção da arca que irá salvá-los das águas do Dilúvio. À beira de um rio tranquilo, a princesa e suas damas de companhia observam Moisés sendo salvo das águas por duas delas. Por fim, a última gravura mostra o povo aclamando Moisés e as Tábuas da Lei após a descida daquele que estivera no alto da montanha em presença de Deus. Podemos concluir estes comentários dizendo que se a paisagem não é o elemento principal nestas gravuras selecionadas do acervo do Museu D. João VI, não deixam de ter nelas uma considerável presença. Além disso, através da forma como são utilizadas em relação aos temas abordados, e pelo fato de que estas gravuras tinham função didática, se tornam um importante documento de uma época no tocante à maneira como os artistas acadêmicos abordavam a Natureza e como a representação desta era ensinada na Academia.

42 Anexo III – Gravuras do século XIX mostrando a vista do Rio de Janeiro a partir do Mosteiro de S. Bento Estas gravuras mostram o Mosteiro de S. Bento ou a paisagem do Rio de Janeiro vista do pátio externo da igreja daquele mosteiro. São gravuras em metal e litografias pertencentes a álbuns impressos na Europa, que nos apresentam o aspecto que a cidade carioca tinha no século XIX, com sua exuberante natureza, na qual a urbanização já avançava a passos largos. É interessante notar os tipos humanos que aparecem nas imagens e sua relação com o entorno paisagístico.

IL. 1 Vista da cidade do Rio de Janeiro a partir do Mosteiro de S. Bento. Gravura em metal, séc. XIX. Fonte: Biblioteca Nacional.

IL. 2 RUGENDAS. Vista do Rio de Janeiro diante da igreja de S. Bento. Litografia, séc. XIX. Fonte: Biblioteca Nacional.

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IL. 3 PLANITZ (litografado por Ludwig & Biggs). Fachada do Mosteiro de S. Bento no Rio de Janeiro. Litografia, séc. XIX. Publicada na Minerva Brasiliense, 1844. Fonte: Biblioteca Nacional.

IL. 4 PLANITZ. Vista da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro tirada da Ilha das Cobras, Litografia colorida, séc. XIX. Fonte: Biblioteca Nacional.

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IL. 5 FROND, Victor. O Mosteiro de S. Bento visto da Ilha das cobras, gravura em metal, c. 1870. Fonte: Biblioteca Nacional.

45 Notas 1

Van Gogh e Cézanne são dois bons exemplos de artistas pós-impressionistas que muito se dedicaram a paisagem em suas pinturas, cada um a seu modo e com objetivos bastante específicos; o primeiro vendo-a com sua visão emocionada, colocando a própria alma em suas tintas, recriando cromaticamente o mundo numa intensidade muito particular. De fato, Van Gogh também absorvera as lições do impressionismo e do pontilhismo de Seurat. Gostava da técnica de pintar pontos e pinceladas de cor pura, mas nas suas mãos tal técnica tornou-se algo diferente em relação ao que artistas de paris pretendiam realizar com ela. Van Gogh usou cada pincelada não só para dispersar a cor, mas também para externar a sua própria excitação. Em uma das cartas de Arles descreve o seu estado de inspiração, quando “as emoções são, às vezes, tão fortes que trabalho sem ter consciência de estar trabalhando ... e as pinceladas acodem com uma seqüência e coerência idênticas às de palavras numa fala ou numa carta.”.A comparação não podia ser mais clara. Em tais momentos, Van Gogh pintava como outros homens escrevem. [...]também as pinceladas de Van Gogh nos dizem algo a respeito do seu estado mental. Antes dele, nunca um artista usara esse meio com tanta consciência e efeito. (GOMBRICH, A história da arte, p. 436) Já Cézanne, buscando dar à pintura de paisagem a concretude que os impressionistas haviam retirado dela, a recria através de módulos justapostos de cor, segundo uma visão de síntese e reorganização do espaço em que a perspectiva renascentista é, muitas vezes, sacrificada. Em seu tremendo esforço para realizar uma sensação de profundidade sem sacrificar o brilho das cores, e para construir um arranjo ordenado sem sacrificar a sensação de profundidade – em todas as lutas e experiências havia uma única coisa que Cézanne estava preparado para sacrificar, sempre que fosse necessário: a “correção” convencional do lineamento. Não tinha o propósito deliberado de distorcer a natureza; mas não lhe importava muito se ela tivesse que ser distorcida em alguns detalhes de menor importância, desde que isso o ajudasse a obter o efeito desejado. [...] Cézanne não se propunha criar qualquer ilusão. O que ele queria era transmitir a sensação de solidez e profundidade, e descobriu que podia fazê-lo sem recorrer ao desenho convencional. (GOMBRICH, op. cit., p. 433) 2

A sensação de uma nova liberdade e de um novo poder adquirido por esses artistas [impressionistas como Monet, Renoir e Pisarro] deve ter sido algo muito inebriante; deve tê-los compensado por boa parte da zombaria e hostilidade que tinham enfrentado. Num repente, o mundo inteiro oferecia temas adequados para a paleta do pintor. Onde quer que ele descobrisse uma bela combinação de tons, uma configuração interessante de cores e formas, uma alegre e satisfatória mancha de sol e sombras coloridas, o impressionista podia instalar seu cavalete e tentar transferir sua impressão para a tela. Os velhos chavões do “tema digno”, da “composição equilibrada”, do “desenho correto”, foram sepultados. O artista só era responsável pelo que pintava e como pintava ante sua própria sensibilidade. (GOMBRICH, op. cit., p. 416) 3

O pintor que deu um nome a esse movimento [o Realismo] foi Gustave Coubert (1819-1877). Quando abriu uma exposição num barraco de Paris, em 1855, intitulou-a Le Realisme, G. Coubert. Seu “realismo” iria marcar uma revolução na arte. Coubert queria ser unicamente discípulo da natureza. Até certo ponto, o seu caráter e programa assemelhavam-se aos de Caravaggio. Ele não queria formosura, queria verdade. [...] Escreveu ele numa carta característica em 1854: “Espero sempre ganhar a vida com minha arte, sem me desviar um milímetro dos meus princípios, sem ter mentido à minha consciência nem por um único momento, sem pintar sequer o que pode ser coberto pela palma da mão só para agradar a alguém ou para vender mais facilmente.” (GOMBRICH, op. cit., p. 403) 4

Turner também teve visões de um mundo fantástico, banhado de luz e resplandecente de beleza [em comparação ao mundo de Claude Lorrain]; mas, em vez de calmo, o seu era um mundo cheio de movimento, em vez de harmonias singelas, exibia aparatoso deslumbramento. Ele reuniu em suas telas todos os efeitos que pudessem torná-las o mais impressionantes e dramáticas; tivesse sido um artista menor, seu desejo de impressionar o público poderia ter sido um resultado desastroso. Entretanto, era um encenador tão soberbo, trabalhava com tamanha volúpia e habilidade, que levava de vencida todas as dificuldades – e os seus melhores quadros nos proporcionam uma concepção da força da natureza em seus momentos principalmente românticos e sublimes. [...] Em Turner, a natureza reflete e expressa sempre emoções do homem. Sentimo-nos pequenos e esmagados em face de poderes que não podemos

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controlar e somos compelidos a admirar o artista que tinha as forças da natureza sob seu domínio. As idéias de Constable eram muito diferentes. Para ele, a tradução que Turner queria igualar e ultrapassar não passava de um estorvo. Não que Le deixasse de admirar os grandes mestres do passado, mas queria pintar o que via com seus próprios olhos – não com os de Claude Lorrain. Poderíamos dizer que Le continuou onde Gainsborough tinha parado. Mas mesmo Gainsborough selecionara motivos que, pelos padrões tradicionais, eram “pitorescos”. Olhara ainda a natureza como um cenário aprazível para cenas idílicas. Para Constable, todas essas idéias eram de somenos importância. Queria tão somente a verdade. “Existe lugar de sobra para um pintor natural”, escreveu ele em 1802: “ o grande vício da atualidade é a bravura, uma tentativa de fazer algo além a verdade.”Os pintores paisagistas em voga que ainda tomavam Claude Lorrain como seu modelo tinham desenvolvido uma série de estratagemas por meio dos quais qualquer amador podia compor um quadro eficiente e agradável [métodos compositivos e de uso das cores - “cálidas, de preferência os tons castanhos e dourados [que] deviam estar no primeiro plano” - que haviam dado certo no passado]. Havia receitas para pintar nuvens e truques especiais para imitar a casca de carvalhos retorcidos e nodosos. Cosntable desprezava todos esses efeitos convencionais para impressionar o público. [...] Contudo Constable não pretendia chocar ninguém com inovações audaciosas. Tudo o que queria era ser fiel à própria visão. Ia para o campo fazer esboços do natural e depois desenvolvia-os em seu próprio atelier. Seus esboços eram freqüentemente mais arrojados do que as telas terminadas, mas ainda não chegara o momento em que o público aceitaria o registro de uma impressão rápida como digna de ser apresentada numa exposição. (GOMBRICH, op. cit., p. 389-393) 5

A ruptura com a tradição deixara aos artistas duas possibilidades que estavam consubstanciadas em Turner e Constable. Eles podiam tornar-se poetas na pintura e buscar efeitos comoventes e dramáticos, ou podiam manter-se fiéis ao motivo diante deles, explorando-o com toda a insistência e honestidade que eram capazes. Houve certamente grandes artistas entre os pintores românticos da Europa, homens como o contemporâneo de Turner, o pintor alemão Gaspar David Friedrich (1774-1840), cujas paisagens refletem o estado de espírito da poesia lírica romântica do seu tempo, com a qual estamos mais familiarizados através das canções de Schubert. A sua tela de uma desolada paisagem montanhosa pode até lembrar-nos o espírito das pinturas chinesas de paisagens, que também se aproxima muito das idéias de poesia. Mas por maior e mais merecido que fosse êxito popular que alguns desses pintores românticos obtiveram em seus dias, acredito que os que seguiram na esteira de Constable e tentaram explorar o mundo visível, em vez de evocarem estados de ânimo poéticos, realizaram algo de importância mais duradoura (GOMBRICH, op. cit., p. 389-393). Nesse ponto não concordamos inteiramente com Gombrich, pois acreditamos que um pouco de fantasia não faz mal nenhum à pintura, seja ela de paisagem ou de qualquer outro gênero. De qualquer maneira, os artistas são livres para fazer suas escolhas, e nos dias atuais chega a ser redundante dizer isso. De qualquer forma, quero exemplificar melhor o que estou afirmando, citando as palavras Baudelaire: Prefiro contemplar alguns cenários teatrais onde encontro, expressos com arte e concentrados de forma trágica, meus sonhos mais caros. Essas coisas, porque falsas, estão infinitamente mais próximas da verdade, enquanto a maioria de nossos paisagistas são mentirosos, justamente porque negligenciaram mentir. (A Pintura [textos essenciais] Vol. 10. Os Gêneros pictóricos. São Paulo, Ed. 34, 2006, p. 124 a 127) O maior dos mestres “acadêmicos” [com referência à Academia criada por Carracci] foi o francês Nicolau Poussin (1594-1665), que fez de Roma a sua cidade adotiva. Poussin estudou as estátuas clássicas com fervoroso empenho, pois queria que a beleza delas ajudasse a transmitir sua visão das terras da inocência e dignidade de outrora. [...] Foi pelo mesmo estado de espírito nostálgico que ficaram famosas as obras de outro francês italianizado. Trata-se de Claude Lorrain (1600-1682), uns seis anos mais moço que Poussin. Lourrain estudou a paisagem da campagna romana, as planícies e colinas em torno de Roma, com suas encantadoras tonalidades meridionais e seus majestosos restos de um grande passado. Tal como Poussin, ele mostrou em seus esboços que era um perfeito mestre da representação realista da natureza, e seus estudos de árvores são uma alegria para os olhos. Mas, para suas pinturas acabadas e suas águas-fortes [grifo nosso], ele selecionou apenas os motivos que considerava dignos de pertencer a uma visão onírica do passado, e impregnou-os de uma luz dourada ou de uma atmosfera prateada que transfigura toda cena. Foi Lorrain quem abriu primeiro os olhos das pessoas para a beleza sublime da natureza, e por quase um século após sua morte os viajantes costumavam julgar um trecho de paisagem real de acordo com os padrões fixados em suas telas. Se o cenário natural lhes recordava visões do artista, consideravam-no adorável e aí se detinham para seus piqueniques. Os ingleses ricos foram ainda mais longe e decidiram modelar os trechos da natureza que consideravam sua propriedade, os jardins em seus domínios particulares, de acordo com os sonhos de 6

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beleza de Lorrain. Desta maneira, Muitos trechos do belo campo inglês deveriam realmente levar a assinatura do pintor francês que se instalou na Itália e fez seu o programa de Carracci. (GOMBRICH, op. cit., p. 308, 309,310). Este trecho que destacamos demonstra o quanto a pintura de paisagem influenciou a visão das pessoas em relação ao seu entorno natural, tornando-se uma referência para a maneira de se ver e compreender a natureza, em outras palavras, de se perceber o mundo em que vivemos. Sobre a pintura de paisagem intitulada Sega de feno nos arredores de Mecheln, realizada por Rubens, outro importante pintor do Barroco, mas nascido em Antuerpia (1577-1640), assim se refere Wölfflin (Conceitos fundamentais da história da arte, p. 193): Uma paisagem plana, de pradarias, que se abre para a profundidade por meio de um caminho sinuoso. O movimento em direção ao interior é reforçado por uma figuração de animais e carroças, enquanto o plano é enfatizado pelas carregadoras de feno que se deslocam para o lado. A curva do caminho é acompanhada pelo cortejo de nuvens que se projeta numa tonalidade clara, do canto esquerdo para cima. É no fundo que o quadro se “assenta”, como costumam dizer os pintores. A claridade do céu e dos prados [...] imediatamente atrai os olhos para o plano mais profundo. Já não existe qualquer vestígio de uma divisão em setores isolados; nem uma árvore sequer pode ser concebida como algo isolado, separado do movimento global criado no quadro pelas luzes e formas. Desta forma, ficam aí colocadas duas formas de ver a paisagem dentro do Barroco, uma idealizadora, que busca aproximá-la do mundo arcádico, em Lorrain e Poussin, e outra que vê a paisagem em seu contexto atual e dinâmico, sem referências idílicas, como é o caso de Rubens no exemplo citado (numa interpretação eminentemente formalista, como é característico de Wölfflin). 7

Esses holandeses foram os primeiros na história da arte a descobrir a beleza do céu. Não precisavam de algo espetacular ou impressionante para tornar suas pinturas interessantes. Representavam simplesmente um fragmento do mundo, tal como se lhes apresentava aos olhos, e descobriram que assim podiam fazer um quadro tão satisfatório quanto qualquer ilustração de uma gesta heróica ou de um tema cômico.(GOMBRICH, E. H. A história da arte, p. 329). A esta descrição resumida de Gombrich da pintura de paisagem feita pelos holandeses, vale acrescentar esta outra mais detalhada: Na vasta produção da pintura holandesa do século XVII, um dos temas predominantes é a paisagem, e alguns dos maiores talentos do período expressaram-se nesse ramo da pintura. Dentro da categoria geral havia muita variedade e especialização. Representavam-se vistas panorâmicas, florestas, dunas e estradas rurais, rios e canais, e cada um desses temas desenvolveu-se continuamente como categoria separada. É preciso acrescentar também as paisagens de inverno e as com animais. Todos os aspectos do campo e da natureza eram considerados dignos de representação. Encontramos até especialistas em quadros de pôrdo-sol e cenas de luar. Havia também artistas que se especializavam em pintar montanhas tirolesas e paisagens escandinavas, e um grupo importante, os chamados pintores de paisagens italianizadas, introduziu motivos meridionais que evocam o ambiente pastoral da Campagna di Roma. O romantismo das ruínas clássicas não morreu com os italianizados, e no decorrer do século artistas holandeses que nunca viajaram para o sul da Europa empregaram ruínas clássicas verdadeiras ou de aparência verossímil como acessórios como acessórios ou ênfases importantes em seus quadros povoados de pastores e guardadores de rebanhos, figuras mitológicas ou bíblicas. As ruínas holandesas também eram pintadas. A devastadora Guerra dos Oitenta Anos e as batalhas terrestres subseqüentes forneceram para estudo dos paisagistas um amplo suprimento de monumentos arquitetônicos arruinados. (SLIVE, Seymor. Pintura holandesa 1600-1800, p. 178) 8

No Renascimento, desde seus primórdios (e Giotto é um bom exemplo disso) os pintores se dão conta do belo espetáculo visual que a natureza ao seu redor proporciona ao olhar sensível e passam a representá-la em suas obras sob a forma de paisagens de fundo dentro da qual transcorre a narrativa, fosse ela sacra ou profana. Perugino, Botticelli, Rafael, Da Vinci, Ticiano entre outros grandes mestres renascentistas podem ser citados como artistas que deram grande importância à paisagem como elemento de apoio em suas obras. Contudo, Giorgione merece um destaque especial com sua enigmaticamente expressiva pintura A tempestade: “mas não é por causa do seu conteúdo que o quadro passou a ser visto como uma das coisas mais maravilhosas já criadas em arte. [...] Embora as figuras não sejam desenhadas com especial cuidado e a composição seja um tanto rudimentar, o quadro se combina claramente num todo harmonioso em virtude, simplesmente, da luz e do ar que o impregnam. É a luz sobrenatural de uma tempestade e, pela primeira vez, a paisagem diante da qual os personagens do quadro se movimentam não constitui apenas um fundo. Ela está aí por direito próprio, como o verdadeiro tema da pintura. [grifo nosso] Olhamos das figuras para o cenário que preenche a maior parte do painel, e depois voltamos às figuras, e sentimos de algum modo que, ao invés de seus predecessores e contemporâneos, Georgione não desenhou coisas e pessoas para depois dispô-las no espaço, mas pensou realmente na natureza – a terra, as árvores, a luz, o ar, as nuvens, e os seres

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humanos com suas cidades e pontes – como um todo indivisível. De certo modo isso foi um avanço quase tão grande para um novo domínio da arte de pintar quanto a invenção de perspectiva o fora antes. (GOMBRICH, op. cit., p. 251) 9

Eis quatro formas de conceituar a paisagem: 1 - Cézanne escribió em uma ocasión que los campesinos de los alredores de Aix “no veian” La montaña Sainte-Victorie. Claro que la veían ópticamente, como cualquier persona que no estuviese ciega; pero lo que Cézanne queria decir es que no la miraban como um paisage. Em ella veian outra cosa. Cézanne tênia razón. Hoy, gracias a los trabajos de los historiadores y los antropólogos, sabemos que no todos los seres humanos ven o han visto paisaje alli donde lo vemos nosotros, los europeos actuales. La mejor (aunque no la única) prueba de esta diferencia es que el concepto de paisaje no há existido siempre ni em todas las latitudes. Apareció por la primera vez em la historia de la humanidade em China, em El siglo IV de nuestra era, y después em la Europa del Renascimiento. La gran mayoria de los seres humanos lo han ignorado antes de ser influídos por los modos de ver chinos o europeos modernos. (BERQUE, Augustin. Em El origem Del paisage.). 2 – O termo paisagem, durante quase dois séculos, não foi utilizado para designar um facto geográfico, mas o produto da arte de representar numa tela um dado acontecimento enquadrado por uma dada realidade geográfica. De acordo com a interpretação de Alexander Humbold, a paisagem foi uma criação do homem urbanizado do norte da Europa (BUESCU, 1990 apud ALVES, 2001). Para tal facto deverá ter sido decisiva a questão religiosa. Os pintores italianos desenvolveram, no século XIII, uma corrente de pintura em que estava implícita a utilização de elementos do naturalismo, mas como não conseguiram despojar a pintura dos aspectos religiosos não se impuseram no domínio da pintura de paisagem. Em contrapartida, escolas de pintura de paisagem foram-se afirmando na Flandres (século XV), na Holanda (século XVII), em Inglaterra (séculos XVIII e XIX). As obras saídas destas escolas laicizaram a paisagem, libertando-a de qualquer referência religiosa; todavia fizeram-no sob a influência da representação do espaço desenvolvida pelos pintores italianos (ROGER, 1999 apud Alves, 2001). 3 – tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. Esta pode ser definida como o domínio do visível, aquilo que a vista abarca. Não é formada apenas por volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons etc.(SANTOS, Milton; ELIAS, Denise. Metamorfoses do espaço habitado, p. 61). 4 – De acordo com Stephen Daniels e Denis Cosgrove, uma paisagem é uma imagem cultural, uma maneira pictural de representação, estruturando ou simbolizando arredores (Daniels & Cosgrove, 1988). Essas paisagens podem ser representadas numa variedade de materiais e em muitas superfícies – pintadas em telas, escritas em papel ou elaboradas com terra, pedra água e vegetação sobre o solo. (TERRA, Arte e natureza nas pinturas do Museu Nacional de Belas Artes. In: ANUÁRIO DO MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, volume I, 2009, p. 60) 10

Os decoradores de interiores de Pompéia e cidades vizinhas desenhavam livremente, apoiando-se, é claro, no acervo de invenções dos grandes artistas helênicos. [...] Quase todas as espécies de elementos suscetíveis de participarem de pinturas serão encontrados nesses murais decorativos. Bonitas naturezasmortas, por exemplo, como dois limões num copo de água, e cenas mostrando animais. As pinturas de paisagem existiam ali. Talvez tenha sido essa a maior inovação do período helenística. A antiga arte oriental não tinha uso algum para as paisagens, exceto como moldura para cenas de vida humana ou de campanhas militares. Quanto à arte grega, ao tempo de Fídias ou de Praxíteles, o homem continuou sendo o tema principal do interesse do artista. No período helenístico, a época em que poetas como Teócrito descobriram o encanto da vida simples entre pastores, os artistas tentaram também evocar os prazeres da existência campestre para os refinados habitantes das cidades. Essas pinturas não são vistas reais desta ou daquela casa de campo ou de bonitas paisagens. São, antes, coleções de tudo o que constitui uma cena idílica, pastores e gado, rústicas ermidas, palacetes e montanhas distantes. [grifos nossos] (GOMBRICH, op. cit., p. 251) 1 - Como diz Maximiano, “a noção de paisagem está presente na memória do ser humano antes mesmo da elaboração do conceito. A idéia embrionária já existia, baseada na observação do meio” (2004: 8391). Por isso, no Egito os jardins foram pintados nas paredes dos túmulos, registrando uma vegetação diversificada e utilizada naqueles espaços. Mais tarde o Império Romano também criou paisagens decorativas em suas residências, nas quais a natureza era representada com extraordinária exuberância. A casa romana trouxe para seu interior verdadeiros jardins pintados (TERRA, op. cit. p. 60). 2 - No Egito, nunca existiu uma “arte pela arte”, nunca o artista expressou seus próprios anseios e angústias frente ao mundo. As origens religiosas da arte fizeram com que um grande número de regras fosse estabelecido para controlar totalmente a execução de qualquer obra. A calma dos rostos e a regularidade dos traços eram efeitos deliberadamente procurados; graça e beleza são características 11

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que, até o Novo Império, aparecem quase como conseqüência das imposições religiosas. O artista toma como ponto de apoio a realidade, mas seu próprio temperamento leva-o a idealizar seus modelos: ele os embeleza e enobrece, dando-lhes um olhar contemplativo de majestosa dignidade. Em algumas ocasiões foram destruídas as convenções [como na época de Akenaton, o “Faraó Herege”], dando lugar a uma arte individual e espontânea, sensível à graça da mulher, à exuberância da vegetação às margens do Nilo ou à beleza das flores. Nem sempre foi inteiramente abafado o talento egípcio para a reprodução fiel da natureza. [grifo nosso] (Arte nos Séculos, vol. I, p. 86) 12

Mais uma vez temos que nos lembrar que o caso da pintura holandesa do século XVII é uma exceção, já que a paisagem era um tema de grande importância para muitos dos artistas pertencentes àquela escola. 13

Contudo, os holandeses além de abordarem a paisagem em suas pinturas, igualmente o fizeram em suas gravuras. São exemplos, além de Rembrandt, os gravadores Boëtius Adams Bolswert, Hendrick Goudt, Buytewech, Segers, Allart van Everdingen e Jacob van Ruisdael. 14

Existem vários processos para se realizar a gravura que, em si, é um meio de se criar imagens que possam ser reproduzidas sem alterações em suas formas e cores num número de cópias geralmente préestabelecido. Cada processo de gravura utiliza suportes e instrumentos específicos. Assim a xilogravura é feita sobre matriz de madeira; a gravura em metal (ponta-seca, buril, água-forte, água-tinta, maneira negra, zincografia etc.) tem como matriz a chapa de cobre, metal ou zinco; a litografia é feita sobre um bloco de pedra litográfica; e a serigrafia necessita de uma tela de seda ou nylon para ser realizada. Por outro lado, antes de ser utilizada no século XX como uma técnica puramente artística para criação de obras de arte originais com linguagem própria, as diversas técnicas de gravura (principalmente a xilogravura, a gravura em metal e a litografia) eram realizadas (com algumas exceções) por artesãos que se limitavam a copiar e reproduzir a obra de artistas que trabalham com a pintura ou com o desenho, e a partir do século XVIII para ilustrar jornais, revistas e livros, sempre tendo como ponto de partida um desenho desenvolvido por outrem e não pelo próprio gravador. Por isso, a questão da originalidade na gravura sempre despertou controvérsias e mal-entendidos. O conceito de gravura original tem conhecido grande controvérsia, pois gravuras são também as reproduções, as fotografias das revistas e de jornais, e estas bastante mais divulgadas. Tornou-se necessário convencionar e distinguir uma gravura original de cunho artístico de uma reprodução mecânica. Assim a gravura original passou a ser aquela que é concebida e executada pelo próprio artista ou sob sua orientação. A prova considerada final é aprovada para tiragem e assinada a lápis pelo autor, entregue ao impressor, como prova de apoio ou definitiva, ficando esta fora de série. As matrizes deverão ser concluídas após a edição [mas hoje em dia isso raramente acontece]. As tiragens são numeradas com o número da prova e o número da tiragem. Ex.: para uma tiragem de 110 exemplares, a numeração será feita do seguinte modo: 1/100 – 2/100, etc. Depois de concluída, será numerada uma outra pequena edição designada “prova de artista”, exemplares esses que são pertença exclusiva do artista e que estão normalmente fora do circuito comercial das edições. Estas provas são as mais procuradas pelos colecionadores pela sua raridade e distinguem-se estas das outras da grande edição, não só pela preferência ao pequeno número de exemplares, mas também porque se utiliza em regra geral a numeração romana. Os papéis podem ser diferentes da edição, assim como as margens. Todas as gravuras contem em si duas espécies de informação: uma de natureza técnica, outra de natureza estética. A primeira refere-se ao processo utilizado para a obtenção de matriz; a outra, de natureza estética, refere-se à parte formal e estilo usados pelos artistas que a realizam. (JORGE, Alice; GABRIEL, Maria. Técnicas da gravura artística, p. 11) 15

Dois exemplos de pintura colonial onde a paisagem aparece com bastante presença foram realizados por artistas anônimos. A primeira delas é Visita dos governadores à Capela da Graça, óleo sobre tela, medindo 190 X 290 cm, da segunda metade do século XVIII e pertencente a igreja de Nossa Senhora da Graça, Salvador (Bahia), na qual pode-se ver um desfile de cinco carruagens num dia ensolarado diante de uma praia cercada por vegetação, onde várias pessoas parecem se divertir, tendo ao fundo o mar em verde escuro com um horizonte bastante alto em que três veleiros distantes navegam. A segunda obra chama-se Prodigiosas graças e milagres de Nossa Senhora dos Sufrágios (Nossa Senhora dos Remédios), óleo sobre tela, medindo 110 X 126 cm, 1749, ex-voto pertencente a Igreja de Nossa Senhora do Monte Serrate, Salvador (Bahia). Esta obra narra, numa seqüência de cenas que se encadeiam, “as graças e os milagres” recebidos pelo português Agostinho Pereira da Silva por parte da Virgem. (ARTE NO BRASIL, São Paulo: Nova Cultural, 1986, fac. 2, p.62-63)

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Frans Post (1612-1680) [...] chegado ao Brasil na comitiva de Maurício de Nassau, em 1637, só teria partido em 1644. São conhecidas aproximadamente 150 pinturas de Post, a maioria assinada e datada. Quase todas representam paisagens brasileiras, embora muitas tenham sido executadas depois do seu retorno a Europa. Apesar de um gosto um tanto desatualizado com relação ás inovações da época, Post soube descrever o pitoresco do país tropical e de seus habitantes. [...]Post sublimou numa harmoniosa idealização a riqueza e a majestade da paisagem tropical. (ARTE NO BRASIL, São Paulo: Nova Cultural, 1986, fac. 1, p.38). As obras de Franz Post têm um interesse histórico especial. De 1637 a 1644 ele fez vistas do Brasil. Elas são as primeiras paisagens do Novo Mundo solidamente documentadas pintadas por um artista europeu instruído, e são registros valiosos das reações de um holandês a um continente estranho habitado por homens, plantas e animais exóticos. (SLIVE, Seymor. Pintura holandesa 1600-1800, p. 192) Foi FÉLIX ÉMILE TAUNAY (Montmorency, 1795 – Rio de janeiro, 1881), primogênito de Nicolas Antoine Taunay, o concretizador da Academia de Belas Artes. Substituto do pai na aula de pintura, quando assumiu o cargo de diretor da Academia definiram-se e estabeleceram-se as finalidades do atribulado instituto. Chegado ao Rio de Janeiro aos 21 anos de idade, foi-lhe possível aclimatar-se ao ambiente com certa facilidade. Não foi pintor de largos recursos, realizando porém obra razoável e formando bons discípulos. Pintou alguns quadros de figuras, embora sua preferência fosse a paisagem. (CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX, v. 2, p. 49-50). 17

[...] Curioso pela vida do interior, Debret [Paris, 1768 – idem, 1848] viajou algum tempo pela província de São Paulo, preenchendo cadernos com croquis e pintando vistas das cidades de Lorena, Taubaté, Aparecida, Gauaratinguetá, Jacareí, Taubaté, Mogi das Cruzes e Itú. Conforme alguns historiadores, terá inclusive chegado ao Paraná. Não há dúvida que Debret sentia atração pela terra que tão novos e surpreendentes aspectos oferecia á sua sensibilidade artística e a um certo espírito aventureiro, que se expandiam á proporção que o artista ia se integrando a uma existência tão diversa da que abrigara sua formação.[...] Bem diferenciadas se mostraram em Debret as facetas do pintor e do desenhista. Se o pintor não conseguiu transpor os limites estreitos que os rigores da corte impunham, estimulando uma arte morna e insípida, calcada não mais esterelizante academismo, o desenhista foi brilhante e demonstrou-se observador arguto e inteligente [...] A vida popular brasileira foi retratada com absoluta verdade nos múltiplos desenhos que o artista nos legou, material realmente de preciosa informação histórica. Muitos deles serviram para a produção dos famosos álbuns que o mestre fez imprimir litograficamente em Paris, alguns anos após seu regresso à Europa. Sob o título geral de Voyage Pittoresque et Historique au Brésil (ou Sejour d’um Artiste Français au Brésil), os três álbuns foram editados sucessivamente nos anos de 1834 e 1839. (CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., p. 44-45) 18

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A pintura de paisagem ganha no Brasil mais um pintor apaixonado pelo gênero, e que sobretudo se apaixonou pela terra, empregando o melhor de sua sensibilidade e sua singular habilidade e persistência no desejo de lhe traduzir toda beleza e originalidade. Foi esse pintor italiano NICOLAO ANTONIO FACCHINETTI (Treviso, Itália, 1824 – Rio de janeiro, RJ, 1900), cuja obra, dotada de acentuada personalidade, é um retrato nítido, vivo, do Brasil que o artista viu e retratou com sinceridade e acuidade detalhista, como se quisesse transportar para a tela a própria realidade que o enfeitiçava [...]Não procedia como o comum dos paisagistas que trabalhavam diante da natureza. Era paciente ao preparar-se para o trabalho definitivo. Ia ao local, fixava com exatidão o ponto, observando cuidadosamente todos os detalhes. No álbum apropriado, fazia a lápis um desenho excessivamente meticuloso. Ampliava rigorosamente esse desenho para a tela, em carvão, apurando-o em seguida a lápis de grafite e, por fim, fixando-o com um traçado a pena, com tinta de escrever. Assim ficava o desenho como detalhes de verdadeira miniatura, a salvo de perder-se durante a elaboração da pintura.Não se apressava no acabamento, que seguia lento e pacientemente apurado. Instalava ateli~es sempre próximo aos trechos que pintava. E era habitualmente acompanhado por pessoas curiosas por seu meticuloso trabalho. Para alcançar uma vista atraente, não titubeava em galgar pontos de difícil acesso. Para isto, sempre demonstrou uma disposição espantosa. Foi o perfeito pintor d’aprés nature, como preconizava Georg Grim, que assim aconselhava a seus discípulos como Castagneto, Parreiras, Vásquez, Caron e outros. (CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit., v. 3, p. 46-50) 20

Na metade do século chega um pintor também comprometido com a pintura de paisagem. É HENRINICOLAS VINET (1817-1876), que estudara com o mestre do gênero no século XIX, Jean-Baptiste Camille Corot (1791-1875). Chega em 1856, conquistando grande sucesso com sua obra paisagística, em que vai registrando, com uma percepção muito sutil, a beleza natural dos mais variados recantos

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cariocas, Instala ateli~e à rua da Quitanda, onde teve muitos discípulos e começa a influir no gosto pela pintura de paisagem como um gênero autônomo. Vinet precede de duas décadas a chegada do pintor bávaro Georg Grimm, que dará impulso definitivo a essa autonomia, impondo o trabalho ao ar livre e opondo-se à decadência em que se mantinha o ensino do gênero na Academia, pois continuava confinado ao ambiente fechado do ateliê. (CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit.,p. 40) Com EDOARDO DE MARTINO (Sorrento, Itália, 1838 – Londres, Inglaterra, 1912) atingimos quase ao final da sucessão de pintores que começam a chegar ao Brasil após a Missão Francesa e vão simando uma contribuição de que muito se valeu a evolução da pintura no Brasil. [...] Praticava a pintura amadoristicamente, apenas estimulado por uma vocação que lhe permitia a prática artística sem nenhum estudo especial. [...] Fez conhecer sua habilidade para pintar temas relacionados com barcos de guerra, a partir de sua participação na Exposição geral de 1870. Estava descoberto o veio de sua sorte. Como artista, não lhe foi difícil aproximar-se da corte. Nomeado por D. Pedro II pintor oficial para acompanhar os almirantes Tamandaré e Barroso, assiste, em companhia dos dois oficiais brasileiros, os feitos de nossa marinha na guerra do Paraguai. Com boa memória visual, alguns croquis e uma destreza inata, pode reconstituir cenas que assistira a bordo das naves de Tamandaré e Barroso. Daí a série de telas de batalhas fluviais, com extraordinários efeitos que sua perícia artística soube compor. Com exceção das composições de Vítor Meireles que são Batalha do Riachuelo e Passagem de Humaitá, serão os quadros de De Martino os melhores registros históricos dos feitos da marinha brasileira na luta contra o Paraguai. (CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit.,p. 50-51) 21

GEORG GRIMM (Alemanha, 1846 – Itália, 1887), tem o mérito inegável do verdadeiro introdutor da pintura de paisagem no Brasil. Chega ao Rio de janeiro em 1868 e passa a trabalhar como decorador, já que o gênero artístico não lhe assegura subsistência. Viaja muito pelo interior, conforme era de seu feitio irrequieto, e pinta em Minas Gerais e nas terras fluminenses. Com essa numerosa coleção de telas sempre pintadas do natural, a que se somam muitas outras que trouxera da Alemanha e de suas andanças por quase toda a Europa, inclusive da Itália de norte a sul, volta em 1882 ao Rio de Janeiro e apresenta-se na exposição da Sociedade propagadora de Belas Artes, impondo-se ao meio como artista de reconhecido valor. Os acontecimentos que se seguem a sua nomeação para o ensino de paisagem na Academia, seu abandono do posto para ensinar a seus alunos o caminho verdadeiro do pintor, fazem com que se reconheça ser ele um autêntico chefe de escola na pintura brasileira. (CAMPOFIORITO, Quirino. Op. cit.,v. 4, p. 70) 22

GIOVANNI BATTISTA CASTAGNETO (Gênova, 1851 – Rio, 1900). Filho de camponês, vem para o Brasil em 1875. Ingressa na Academia de Belas Artes, no ateliê de paisagem de Grimm, e acompanha o mestre quando este se opõe ao ensino da especialidade sem o direito a permanente contato com a natureza. Revelar-se-á um pintor marinhista de excepcional capacidade, a que junta uma forte personalidade. Irresistível boêmio, deverá marcar sua obra com traços que muito a particularizam na pintura brasileira, dada a despreocupação com que trabalhava, e de que são exemplos típicos os suportes improvisados, as célebres tabuinhas de tampa de caixa de charuto, sobre as quais realizou preciosa seqüência de pequenos quadros com técnica espontânea e surpreendente sensibilidade de cor e de matéria pictórica. Se suas composições em medidas regulares são exemplos dentre os melhores de nossa pintura no gênero marinhista, não menos importante se fazem essas pequenas tábuas de cedro, sempre muito disputadas por colecionadores. [...] A Baía de Guanabara foi pintada por Castagneto nos seus mais variados recantos, nas diferentes horas do dia, ainda que, ao final da vida, e já esgotadas suas energias físicas pela embriaguez, se limitasse às inúmeras tabuinhas que levava em seu minúsculo e frágil barco a remo. (CAMPOFIORITO, Quirino, op. cit., p. 74) 23

ANTONIO DIOGO DA SILVA PARREIRAS (Niterói, RJ, 1860 – Niterói, RJ, 1937) ingressa na Academia de Belas Artes em 1833, onde freqüenta as aulas de paisagem do professor alemão Johann Georg Grimm. Segue o mestre bávaro quando este desliga-se do ensino oficial da Academia, passando a dar aulas de paisagem ao ar livre em Niterói, donde se formou o conhecido Grupo Grimm, do qual fazem parte, além de Parreiras, os pintores Giovanni Battista Castagneto, Domingo Garcia e Vásquez, Hipólyto Caron e Joaquim José da França Júnior. Desta forma habituaram seus olhos a aprender com a natureza e dela tirar a vitalidade que sua pintura sempre possuiu. Pouco a pouco, fazendo-se independente das limitações contidas no ensino de Grimm, fruto do rigoroso naturalismo que o fazia por demais objetivo ante as sugestões da natureza, Antonio Parreiras desembaraça mais e mais seus pincéis e enriquece suas tintas, tornando-se um admirável paisagista. No início de 1888 parte para a Europa com seus próprios recursos, demorando-se um pouco em Paris e, em seguida, fixando-se em Veneza, na 24

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Itália, onde freqüenta as aulas do mestre Càrcamo na Academia desta cidade. O estágio é curto, mas bastou para que o pintor fluminense tomasse conhecimento do cromatismo exuberante que haveria de despontar a partir de então em sua paleta. (CAMPOFIORITO, Quirino, op. cit.,p. 46-47) Não seria preciso definir o que fosse “gravura documental”, nem mesmo dizer que às vezes assume o valor de gravura pura, caso, por exemplo, das pranchas documentais de anatomia de Jan Stephen Von Culcar (1499- c. 1548) para a obra De humani corporis fabrica, de Vesalius, cumulativamente suscetíveis de pura contemplação. Um texto de Jean Laran destinou-se enfaticamente a apresentar a gravura como arte independente. Ao contrário, no seu Prints and Visual Comunication, W. M. Ivins encarou a gravura do ponto de vista exclusivo da comunicação, expressamente declarando, mesmo, que “a história das estampas, ao contrário do que muita gente pode pensar, não é a história de uma forma de arte menor, mas a de um dos meios mais poderosos de comunicação humana e dos seus efeitos sobre o pensamento e a civilização da Europa Ocidental”. (FERREIRA, Orlando da Costa, Imagem e Letra, p. 30-31) 25

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Assim, segundo nossa própria opinião, o termo academia, nesse sentido, designaria: desenho, pintura ou escultura realizado como exigência em disciplinas ou em provas de concursos, representando o corpo humano, masculino ou feminino, em geral inteiro, completamente nu ou muito sumariamente vestido, a partir de modelo vivo, estátua ou moldagem de gesso, ou ainda de desenhos e estampas reproduzindo obras clássicas [negrito nosso], sempre com a intenção primordial de estudar ou demonstrar conhecimento de formas anatômicas por meio de torções, atitudes e gestuais, bem como escorços e proporções, na grande maioria das vezes de modo autônomo, isto é, sem a finalidade de integrar uma composição. (SÁ, Ivan Coelho. Academias de modelo vivo: terminologia e tipologia. In: ANUÁRIO DO MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES, p. 91) 27

A professora Dora Alcântara, especialista em azulejaria Luso-brasileira, ao comentar os painéis azulejares pertencentes à Coleção Castro Maya (RJ), afirma o seguinte sobre um conjunto deles, o “joanino”: De um modo geral, as cenas representadas nos painéis de azulejo são cópias ou reinterpretações de pinturas, divulgadas através de gravuras. Há uma grande liberdade na composição dessas cenas em que podem ser utilizadas gravuras diferentes, até mesmo de autores e países diversos, como ocorre em algumas paisagens desse conjunto [grifo nosso]. (ALCÂNTARA, Dora. Azulejos na Coleção Castro Maya. In: Azulejos na cultura luso-brasileira, p.49). Quando se fala em “gravura original” pretende-se excluir três outras espécies de “estampas":a. a que consiste numa simples “reprodução” de gravuras, isto é, numa reprodução de uma “estampa”procedente de uma matriz gravada; b. a que se chama “gravura de interpretação” e é aquela que um artista corta na madeira segundo desenho aí feito por outro (caso, por exemplo, das ilustrações de Gustave Doré); e c. a que se diz “gravura de reprodução” e é simples cópia de outra gravura, de um desenho, pintura etc.: Vasari (Vite, 1550) agradecia ao buril de Marcantonio não só a propagação da pintura italiana “para além das montanhas”, como também o ter propiciado o conhecimento da arte estrangeira na Itália. E três séculos depois a gravura foi definida por Delacroix (Journal, 1857)como “uma arte que serve para reproduzir outra arte”. A essa “gravura de reprodução”consideravelmente praticada até antes do pleno desenvolvimento dos processos fotomecânicos, caberia, desta vez com toda propriedade, o título de “gravura artesanal”: seus realizadores eram na sua maior parte apenas artesãos, embora muitas vezes esplêndidos artesãos. Podiam mesmo ser mais justamente qualificados de “colaboradores”, por exercerem uma espécie de colaboração semelhante “aquela que a arte moderna “coletiva” do cinema consagraria. (FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p. 31). Quando hoje se fala que alguns artistas do final do século XIX e princípios do século XX passaram a utilizar a gravura de um modo não meramente “reprodutivo” ou “artesanal”, se tem em mente justamente uma nova maneira de utilizar a xilogravura, a litografia ou a gravura em metal onde o gravador cria sua própria obra autoral através destas técnicas. Muitos destes artistas gravadores, como Gauguin, Munch ou Kirchner, eram também pintores e desenhistas e, ou transcreviam para sua gravura sua própria pintura (como Munch fez com “O Grito”) ou faziam um releitura de seu estilo na linguagem da gravura (como Kirchner fez), mas sempre buscando explorar neste procedimento as características visuais específicas destas técnicas gráficas. 28

“Madeira de fio” refere-se ao tipo de xilogravura em que sua matriz é cortada no sentido das fibras do tronco da árvore. Já “madeira de topo” ou “xilogravura de topo” é feita sobre matriz cortada perpendicularmente às fibras do tronco. Este segundo tipo permite o trabalho com o buril e, conseqüentemente, a criação de imagens muito mais detalhadas; foi por este motivo que teve muito 29

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emprego na imprensa para ilustrar, inclusive, anúncios de jornais. Todavia, o primeiro tipo, na mão de gravadores exímios, permite também trabalhos detalhados, sendo o preferido pelos gravadores que fazem da xilogravura um veículo de sua linguagem artística e não apenas um meio artesanal de reprodução de imagens dadas. 30

Entre as instituições criadas no Rio de Janeiro com a chegada da corte, três podem ser destacadas como núcleos potenciais de criação de imagens gravadas, a saber, a Impressão Régia, o Arquivo Militar e o Collegio das Fábricas. O primeiro se faz notar, logo de início, como centro de produção de talhodoce e, eventualmente, de xilogravura. O segundo notabilizar-se-ia, mais tarde, principalmente como ateliê litográfico, embora seja certo que começasse pela técnica do metal. Do Collegio das Fabricas, a princípio um núcleo de artesãos portugueses sem existência legal, cuidou o governo pela primeira vez em decreto de 23 de março de 1809, para prover-lhe oficialmente subsistência e dar-lhe como sede a “casa do antigo Guindaste”, no Castelo. (FERREIRA, Orlando da Costa, op. cit. p.138). 31

Um dos primeiros fatos importantes da história da gravura popular no país consiste num anúncio publicado na Gazeta de 31 de março de 1819 pelos editores doa Annaes das Sciencias, das Artes e das Letras, a já citada revista portuguesa que vinha sendo publicada em Paris e de que era agente no Rio de Janeiro o livreiro e futuro impressor Manuel Joaquim da Silva Porto. Diziam os editores que podiam receber encomendas para compras de livros, estampas, mapas, máquinas etc., e “igualmente se encarregam de dirigir a impressão de qualquer obra escrita em português, francês e inglês e de fazer abrir chapas em cobre, pedra, pau, ou fazer litografar debuxos”. Esse anúncio ainda saiu, com alterações, no Diário de 16 de junho de 1821, e seu significado para a história dos começos das artes gráficas e da indústria editorial no Brasil não precisa ser salientado. Pode-se por exemplo atribuir a essa via a existência, no país, de algumas boas xilogravuras de cabeçalhos de jornais em época em que, nas cidades respectivas, não se assinalava a presença de gravadores em madeira, seja por publicidade ou simples continuidade de obra. (FERREIRA, Orlando da Costa. Op. cit. p. 142) 32

Logo depois de chegar, em junho de 1913, Oswald fez sua primeira exposição no Rio, mostrando na Escola de Belas-Artes, juntamente com o pintor Eugenio Latour, óleo, aquarela, água-forte, água-tinta e monotipia. A exposição de sucesso foi, porém, realizada em 1919 no próprio Liceu, a Primeira Exposição de Água-Forte e Lithographia Art´sitica do Rio de Janeiro. Esta foi “decerto a primeira do gênero jamais realizada no Rio de Janeiro, talvez no Brasil”, conforme observou Teixeira Leite. O pioneiro do ensino da moderna gravura em metal no Brasil lecionou ainda na Fundação Getúlio Vargas, a convite de Santa Rosa, e, numa segunda fase de professorado no Liceu, contou, entre seus inúmeros alunos, nomes depois famosos como os de Fayga Ostrower, Darel Valença Lins, Hans Steiner, Renina Katz e Carlos Bicalho Oswald (1918-1965), seu filho, que também foi professor de gravura e xilógrafo. “A força da gravura brasileira”, depõe Livio Abramo. “provém do fato de que os pioneiros modernos foram exclusivamente gravadores, isto é, a gravura foi a razão de ser primordial, e eles a impuseram e elevaram à altura de uma arte maior, ao nível da pintura e da escultura”. Mesmo porque é surpreendente a observação que ao cabo de tudo se tem de fazer, a de que, antes de Oswald, entre tantos brasileiros dados á pintura não se encontrou, até a época em que praticamente se encerra esta história, e apesar de continuados contatos com a Europa, um só peintre-graveur. (FERREIRA, Orlando da Costa. Op. cit. p. 307, 308) Lasar Segal (Vilnius, 1891 – São Paulo, 1957). A maior parte da obra gráfica de Lasar Segall foi produzida até os anos 1930. “Ao chegar ao Brasil em 1923 (desprezando-se deliberadamente a breve estada em São Paulo, em 1913), já era Segall um artista formado, expressando-se de modo igualmente profundo e original em pintura e gravura (...)” (LEITE, J. R. Teixeira apud BOTELHO, Adir in op. cit. p. 12) 33

Oswaldo Goeldi (Rio de janeiro, 1895 – Rio de Janeiro, 1961). Oswaldo Goeldi é um dos nossos artistas brasileiros capazes de criar uma forte emoção para quem vê seus trabalhos. Foi ele quem inventou um mundo totalmente próprio, com seus esqueletos, noites açoitadas por ventanias, ruas e becos desolados, peneirados pela chuva ou homens solitários caminhando sem destino, apoiados em guardachuvas que o vento teima em arrastar de suas mãos. Com este mundo triste e pesado, Goeldi criou um nó no otimismo da arte saída da Semana de 22 (...) (COUTINHO, Wilson apud BOTELHO, Adir in op. cit. p. 13) 34

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A lista é extensa, por isso citaremos apenas alguns nomes: Livio Abramo, Axl Leskoschek, Carlos Scliar, Marcelo Grasmmann, Fayga Ostrower, Maria Bonomi, Perci Lau, Roberto Magalhães, Hansen Bahia, Rubem Grilo etc. 36

O título, Imagem e Letra, condensa o universo das indagações, reflexões, pesquisas e preocupações intelectuais do autor, Orlando da Costa Ferreira, que foi um estudioso do livro, da estampa, do impresso em geral e também das artes, técnicas e processos que se conjugam para a produção desses veículos de comunicação. (MELO, José Laurenio de. In: FERREIRA, Orlando da Costa. Op. cit. p. 17) A. Pinheiro (1858? – 1901), foi xilogravador, filho do também xilogravador Manuel Joaquim da Costa Pinheiro (1832 – 1903), “o velho Pinheiro”. Ambos realizaram muitos trabalhos para a imprensa e o pai que “velou o berço das artes gráficas no Brasil foi por muitas dezenas de anos o único gravador do Rio de Janeiro”. [...] Os trabalhos dos dois xilógrafos (basicamente gravadores de interpretação, flutuando em torno do medíocre) não podem ser confundidos, não só pelas assinaturas diferentes – o velho assinava Pinheiro, e o filho A. Pinheiro, ou simplesmente AP (em ambos os casos a segunda haste do A servindo para o P) – como pela própria maneira de gravar: Alfredo, que sempre trabalhava de topo, aprendera a técnica do buril raiado e muito se esforçava, embora quase invariavelmente sem bons resultados, para imitar os gravadores franceses do gênero. O velho, mais modesto, mais espontâneo, afeito á pequena xilo comercial, se, ao contrário do filho, ressentia-se do autodidatismo, com seu corte duro e às vezes mesmo tosco, era inteiramente desprovido de ambições “artísticas”. Segundo Argeu Guimarães, Alfredo era também pintor. [...] Alfredo também colaborou na ilustração do citado livro de João Severiano Fonseca [Viagem ao redor do Brasil], interpretando também desenhos alheios, como os de Taunay e de Martinet; [...] gravou mais de cem ilustrações para o fascículo de 1882 da Revista da Exposição Anthropológica Brazileira [...] fez em 1886 vários retratos para a Semana de Valentim Magalhães, inclusive um do próprio Valentim (desenho de Bento Barbosa) e um interessante e autônomo “Efeito de Luar na Bahia do Rio de janeiro” (de 120 X 90) no fascículo de 16 de outubro; em 18887 colaborou com o pai na ilustração do Brazil Ilustrado, podendo salientar-se uma marinha desenhada por Émile Rouède. (FERREIRA, Orlando da Costa. Op. cit. p. 182,183) 37

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Raimundo Cela (Sobral, 1890 – Niterói, 1954). Filho de uma professora brasileira e de um mecânico espanhol.Quando tinha quatro anos de idade a família se mudou para a cidade de Camocim, no litoral oeste do Ceará, onde seu pai assumiria um cargo nas oficinas da estrada de ferro.Foi em Camocim que Raimundo Cela e seus irmãos fizeram com a própria mãe os estudos iniciais de alfabetização.Em 1906 vem para Fortaleza para estudar no Liceu Cearense, à época uma escola de reconhecida qualidade, onde se diplomou bacharel em Ciências e Letras.Em 1910 chega ao Rio de Janeiro e, atendendo a sua inata inclinação para as artes, matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes como aluno livre.No Rio de Janeiro estuda com consagrados pintores, entre eles; Zeferino da Costa, Eliseu Visconti e Batista da Costa.Com Zeferino da Costa, especialmente, estudou desenho com modelo vivo, e com Eliseu Visconti e Batista da Costa, a pintura. Ao mesmo tempo, inscreve-se na Escola Politécnica, pois queria que se tornasse engenheiro. Na Europa, estudou gravura com FRANE BRANGWYN, pintor, gravador e litógrafo inglês.Ganhou Medalha de Prata, em 1916, e em 1917, ganha Prêmio de Viagem ao Exterior no Salão Nacional de Belas Artes.Em Paris, participa do Salão dos Artistas Franceses, 1922.Foi premiado no Salão Paulista, em 1943, no Salão Fluminense, no Rio de Janeiro em 1947 e no Salão Nacional de Belas Artes, 1947.Individualmente, expôs em 1941 e 1944, em Fortaleza, e em 1945 e 1947, no Rio de Janeiro.Raimundo Cela passou muito tempo no anonimato. Alguns dos principais personagens inspiradores de sua obra – pescadores, jangadeiros, e o homem comum do litoral cearense – desconhecem a obra do artista. Para a crítica e estudiosos da arte, no Brasil e no exterior, Raimundo Cela é reconhecido como um dos maiores pintores do século XX. Quando volta ao Brasil, por problemas de saúde, reside em Camocim, no interior do Ceará, e trabalha como engenheiro. Em 1938, cria um painel sobre a abolição da escravatura para o Palácio do Governo do Estado, em Fortaleza. Volta a dedicar-se à carreira de artista plástico de forma mais enfática após 1940, quando se muda para Niterói, no Rio de Janeiro. A partir dessa data leciona gravura em metal na Enba. Realiza a primeira mostra individual em 1945, no Museu Nacional de Belas Artes – MNBA, no Rio de Janeiro. São temas constantes em sua produção as paisagens, os tipos populares e o trabalho de vaqueiros e pescadores de sua terra natal. Destaca-se também sua obra gráfica, na qual retoma a mesma temática. Após sua morte, é criada a Casa Raimundo Cela, Centro de Artes Visuais, em Fortaleza, onde ocorre, em 1970, uma mostra de artistas cearenses com o lançamento de uma monografia sobre o artista. Em 2004, é lançado o livro

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Raimundo Cela: 1890-1954, de autoria de Estrigas, pela editora Pinakotheke. (Informações do site Itaú Cultural). “A pintura de Raimundo Cela consagra motivos regionais cearenses – pescadores, jangadeiros, beiras de praias com coqueiros, tipos nordestinos -, tratados com grande realismo, com auxílio de um desenho correto e de um colorido subordinado à realidade. Certo rústico expressionismo se evola dessas obras sólidas, que estilisticamente se situam à margem do modernismo, mas que ainda assim conseguem convencer pelo que possuem de íntima energia, de sinceridade e de emoção.Mas Cela terá sido decerto ainda maior gravador do que pintor, utilizando-se dos vários métodos e processos técnicos da gravura em metal para dar vida às suas estampas, cheias de expressão, evocativas às vezes de um Goya ou de um Rembrandt, mas mesmo assim pessoais.Bibl.: B. Lima, Herman: ‘Raimundo Cela’. Imagens do Ceará. Rio de Janeiro, 1958; Teixeira Leite, José Roberto: ‘Raimundo Cela’. A Gravura Brasileira Contemporânea. Rio de Janeiro, 1965; C. Miranda, Jonas de: “Um grande pintor”. Gazeta de Notícias, Fortaleza, 26 abr. 1942.” Disponível em:< http://www.biografia.inf.br/raimundo-cela-artistaplastico.html > Acesso em: 29/09/2011.

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Adir Botelho (1932, Rio de Janeiro). Artista plástico e professor aposentado da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em Pintura na década de 50 por esta mesma instituição de ensino, passou a se dedicar à xilogravura depois de estudar com Raimundo Cela e Oswaldo Goeldi, também professores da EBA, dos quais foi discípulo e aos quais substituiu, tornando-se em 1961 professor efetivo do Atelier de Gravura até ser aposentado compulsoriamente em 2002. Além das atividades artísticas e docentes, trabalhou como diagramador em jornais e revistas, sendo também bastante conhecido por suas atividades relativas à decoração do carnaval carioca de rua nas décadas de 60, 70 e 80, através de vários projetos seus, ganhadores de diversos concursos públicos. Na xilogravura desenvolveu séries importantes de gravuras, sendo a mais conhecida delas intitulada Canudos, produzida entre 1978 e 2008, abordando a trágica Guerra de Canudos, ocorrida no sertão da Bahia, entre os soldados republicanos contra os sertanejos guiados por Antonio Conselheiro. Atualmente se dedica a escrever livros sobre sua obra e sobre a gravura e gravadores brasileiros, tendo a EBA/UFRJ editado duas delas, Canudos (edição completa e comentada de todas as 122 gravuras da série) e Canudos: agonia e morte de Antonio Conselheiro (série de desenhos a carvão, também com comentários do próprio autor e de outros estudiosos da arte). No prelo estão: Teatro da gravura no Brasil, Romance de Goeldi e Adir Botelho: estudos a bico de pena e carvão sobre a obra de Guimarães Rosa. 40 41

BOTELHO, Adir. Teatro da gravura no Brasil, op. cit. p. 55;102-103.

Histórico - O Museu Dom João VI da Escola de Belas Artes/UFRJ tem sua história iniciada no século XIX. Após um século da fundação da Academia, em 1937, o acervo foi dividido com o Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), pois em 1937 (também ano de criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) a enorme coleção foi desmembrada. A maior parte ficou no MNBA e a outra parte, voltada ao ensino e, portanto, mais didática, foi distribuída entre as salas e os ateliês da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). As duas instituições, no entanto, ocupavam o mesmo prédio: o MNBA na parte da frente, voltada para a avenida Rio Branco, e a ENBA a sua parte posterior, na esquina das ruas Araújo Porto-Alegre e México. A Escola permaneceu nesse local até 1975, quando, já incorporada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com o nome de Escola de Belas Artes (EBA) adquirido em 1971, foi transferida para o campus da Ilha do Fundão (Ilha da Cidade Universitária), passando a ocupar alguns andares do prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). No novo endereço as obras continuaram distribuídas pelas diversas salas e pelos ateliês. Em 1979, preocupado com a sua conservação, o então diretor da Escola, Prof. Almir Paredes Cunha, resolveu reuni-las, criando, assim, um Museu, ao qual a Congregação deu o nome de Museu D. João VI por sugestão do Professor Armando Sócrates Schnoor. O Museu localizou-se no segundo andar do Prédio da FAU e foi organizado em sua museografia pela professora Ecyla Castanheira Brandão sendo o seu mobiliário expositivo desenhado pelo professor Almir Gouvêa Gadelha. A partir desse momento sua finalidade era a de preservar a memória do ensino artístico oficial e de fomentar o estudo e a pesquisa da História da Arte Brasileira. Ele veio responder à necessidade da criação de um espaço institucional de preservação do patrimônio e memória do ensino de arte, reunindo obras da produção da Academia Imperial de Belas Artes, da ENBA e parte da história recente da EBA/UFRJ. Em 2004 a professora Sonia Gomes Pereira elaborou o Projeto

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Memória da Arte Brasileira dos Séculos XIX e XX: revitalização do Museu D. João VI da EBA/UFRJ que foi apresentado a PETROBRAS Cultural. O projeto foi aprovado no MINC, na rubrica da Lei Rouanet, e o contrato de patrocínio assinado em julho de 2005 entre a PETROBRAS e a Fundação Universitária José Bonifácio. Estavam previstas três ações básicas no Museu: 1) a expansão do Banco de Dados Informatizados e a disponibilização do catálogo do acervo em site on line, 2) a higienização e a conservação do acervo e 3) a modernização da Reserva Técnica. Com esse apoio foi possível a realização das metas iniciais. Em abril de 2006 foi decidido pela Congregação da EBA a adesão à proposta de integração das bibliotecas da EBA, FAU e IPPUR no espaço onde funcionava o Museu D. João VI e sua conseqüente mudança para o sétimo andar (local da antiga Biblioteca da EBA). Atualmente o Museu D. João VI agrega um acervo de 800 gravuras, 837 desenhos, 65 desenhos arquitetônicos, 480 pinturas, 560 esculturas, 595 diplomas de premiação, 253 porcelanas, 167 fotografias, 47 obras têxteis, 22 móveis, nove vitrais e 4.928 moedas/medalhas, compreendendo duas coleções distintas a Coleção Didática e a Coleção Ferreira das Neves. O Museu D. João VI cumpre o papel importante de preservar a memória da Escola de Belas Artes e também de possibilitar a pesquisa sobre a arte e o ensino artístico para todos que têm interesse sobre a história da Instituição. Texto baseado em PEREIRA, Sonia Gomes. O novo Museu D. João VI. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 2008. Endereço: ESCOLA DE BELAS ARTES - Av.Pedro Calmon, 550 - 7º andar - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - CEP 21941-590 – Rio de Janeiro, RJ Telefones: 3938-1653 e 3938-9636 -MUSEU DOM JOÃO VI -Telefone: 3938-1997. Disponível em: http://www.eba.ufrj.br/index.php/a-eba/museu-d-joao-vi Acesso em: 08/01/2015.

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