Apontamentos sobre a sentença arbitral estrangeira e seu reconhecimento no Brasil conforme as recentes atualizações normativas

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Derecho y Cambio Social

APONTAMENTOS SOBRE A SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA E SEU RECONHECIMENTO NO BRASIL CONFORME AS RECENTES ATUALIZAÇÕES NORMATIVAS 1

Nevitton Vieira Souza

Mateus Mello Garrute2

Fecha de publicación: 01/02/2016

SUMÁRIO: 1. Considerações Iniciais: Panorama Normativo. 2. Sentença Arbitral Estrangeira: A Abertura do Microssistema Arbitral. 3. Cooperação Jurídica Internacional no Novo Código de Processo Civil Brasileiro (Lei n. 13.105/15). 4. Requisitos Essenciais ao Reconhecimento de Sentença Arbitral Estrangeira no Brasil. 5. Ação Homologatória: Normas Processuais e Procedimentais. 6. Considerações Finais. Referências. RESUMO O presente estudo tem por escopo a análise das recentes alterações legais e regimentais relativas ao reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras no Brasil. Em que pese à Convenção de Nova York ser o diploma multilateral de maior aplicação nessa seara, haja vista sua importância e alcance, a Lei Brasileira de Arbitragem permite a abertura do microssistema arbitral também às normas do Código de Processo Civil que 1 Mestre em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo - UFES (2015), onde é Professor do Departamento de Direito e leciona disciplinas de Direito Público. Membro-fundador do Núcleo de Estudos em Arbitragem e Processo Internacional – NEAPI. Possui interesse no estudo da cooperação jurídica internacional e dos meios adequados de resolução de controvérsias. Advogado. E-mail: [email protected] 2 Aluno especial do Mestrando em Direito Processual da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGDIR/UFES), pós-graduado em Direito Marítimo e Portuário pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV), Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Consultor em Comércio Exterior, Advogado e Editor-Fundador e autor do Maritime Port Brazil (www.maritimeportbrazil.com). É Membro do Núcleo de Estudos em Arbitragem e Processo Internacional (NEAPI), grupo de pesquisa da UFES, sob coordenação do professor Dr. Rodrigo Reis Mazzei. E-mail: [email protected] www.derechoycambiosocial.com



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versam sobre a ação de homologação de decisões alienígenas. Desse modo, não podem ser olvidadas a inclusão da cooperação jurídica internacional em capítulo especifico do novo Código de Processo Civil (2015), bem como a recente inclusão da matéria no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, órgão competente para a análise e a decisão dos pedidos de reconhecimento. Para tanto, foi utilizado o método bibliográfico comparativo. PALAVRAS-CHAVE: Arbitragem. Sentença arbitral. Homologação de sentença estrangeira. Cooperação jurídica internacional. ABSTRACT This study aims to analyze the recent legal and regimental changes related to the recognition of foreign arbitral awards in Brazil. Despite the New York Convention is the multilateral diploma with largest application in this harvest, given its importance and scope, the Brazilian Arbitration Act allows the opening of the arbitral microsystem also to the rules of the Civil Procedure Code that deal with the lawsuit approval of foreign judgment. Thus, the insertion of international legal cooperation in specific chapter of the new Civil Procedure Code (2015) and the recent inclusion of the matter in the Internal Rules of the Superior Court of Justice (STJ), competent organ for analysis and application of decision recognition, cannot be oblivious. Therefore, the comparative literature deductive method was used in this article. KEYWORDS: Arbitration. Arbitral award. Foreign sentence approval. International legal cooperation.

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS: PANORAMA NORMATIVO

A arbitragem é um dos meios adequados para solução de controvérsias 3, no qual as partes elegem uma figura técnica – o árbitro ou um conjunto de árbitros –, em que depositam sua confiança para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis, afastando, por consequência, o foro judicial. A sentença arbitral nacional produzirá entre as partes e seus sucessores os mesmos efeitos de uma sentença judicial, constituindo genuíno título executivo judicial, de forma que não será necessário que ela seja homologada pelo Poder Judiciário. Nos dias atuais, a arbitragem passou a ter uma função importante para a administração da Justiça, especialmente no que tange aos contratos internacionais envolvendo grandes volumes de investimento, com destaque para matérias societárias e de construção civil. No Brasil, a arbitragem está disciplinada pela Lei n. 9.307, de setembro de 1996. Muito aguardada, a norma dispõe que as pessoas com capacidade para contratar podem se valer da arbitragem, com o objetivo de dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis 4. Em seus quase vinte anos de vigência, a Lei Brasileira de Arbitragem (LBA) fomentou mudanças nas concepções tradicionais domésticas de resolução de controvérsias, estritamente vinculadas ao Judiciário, contribuindo para o 3 “Determinados atos, embora não provindos de autoridade judiciária brasileira, conduzem, sob certas condições, ao mesmo resultado, ou seja, à composição definitiva da lide, que seria obtido mediante o uso das vias jurisdicionais. Os meios ‘alternativos’ de solução de controvérsias podem ser enquadrados como de autocomposição ou da heterocomposição. Na autocomposição, os próprios interessados, com eventual colaboração de um terceiro, obtêm a solução de seu conflito. Na heterocomposição, quando não realizada pelas vias jurisdicionais estatais, um terceiro, escolhido pelos interessados, ‘substitui o juiz’ na missão de efetuar o julgamento. A conciliação e a mediação, disse Ada Pellegrini Grinover, ‘integram o gênero autocomposição, enquanto a arbitragem é um meio de heterocomposição.’” (CARNEIRO, 2012, p. 78). 4 Os direitos patrimoniais disponíveis fazem parte do aspecto objetivo da arbitrabilidade. Sobre o tema: “Nesta toada, cumpre ressaltar que os direitos patrimoniais são aqueles suscetíveis de avaliação econômica, transmissíveis e transferíveis. Com relação à disponibilidade dos referidos direitos, infere-se que é disponível quando há faculdade de ser exercido livremente pelo seu titular, sem que haja norma cogente impondo cumprimento de preceito, sob pena de nulidade ou anulabilidade. Com isso, resta claro que são arbitráveis os litígios dos quais os litigantes podem transigir. No entanto, não é adequado realizar uma limitação de matérias possíveis de serem ou não objeto de arbitragem, mas analisar em cada caso a característica do direito que se discute, com intuito de verificar se é ou não patrimonial e disponível” (NEAPI, 2014). www.derechoycambiosocial.com



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florescimento da arbitragem para além de contratos internacionais, na medida em que se constata a consolidação de câmaras e centros de arbitragem nacionais, bem como sua maior frequência em tratativas domésticas. Visando atualizar o instituto e ampliar seu âmbito de aplicação, a Lei n. 13.129, de 26 de maio de 2015, introduziu pontuais modificações no texto original da Lei de Arbitragem. Assimilando práticas já agasalhadas pela doutrina e jurisprudência, restou assentada a possibilidade de a Administração Pública se valer da arbitragem em questões relativas a direitos patrimoniais disponíveis, a não vinculação das partes à lista de árbitros do órgão arbitral eleito, a possibilidade de se proferir sentenças arbitrais parciais, dentre outras. No que tange às sentenças arbitrais estrangeiras, a LBA dispõe de capítulo específico a respeito do seu reconhecimento e execução no Brasil, o qual alcança os artigos 34 ao 40. Tal abordagem é fundamental, visto que diversas controvérsias – sobretudo as empresariais – são solucionadas fora do território nacional, sendo as decisões proferidas, portanto, sentenças arbitrais estrangeiras. Como é cediço, em razão da soberania nacional, as sentenças alienígenas não podem produzir efeitos no país sem antes se submeterem ao juízo de delibação, realizado por órgão pátrio competente. Em regra, o instrumento de cooperação jurídica internacional adequado para tal reconhecimento, no Brasil, é a ação de homologação, de competência constitucionalmente atribuída ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Desde que recebeu a nova competência, pela Emenda Constitucional n. 45, de dezembro de 2004, o procedimento da ação homologatória perante o STJ passou a ser disciplinado pela Resolução n. 9, de maio de 2005. A partir da Emenda Regimental n. 18, de dezembro de 2014, o STJ enfim inseriu a matéria em seu Regimento Interno, por meio dos artigos 216-A a 216-N, com variações ao anterior texto da mencionada resolução – que, por sua vez, restou revogada. Em que pese a arbitragem constituir um microssistema processual autônomo, de modo que suas normas gozam de preferência, afastando as normas processuais civis codificadas, no que tange à homologação de sentença estrangeira, a própria LBA prevê a aplicação, no que couber, das disposições do Código de Processo Civil – art. 36 da Lei n. 9.307/96. Por essa abertura, torna-se imprescindível a análise do novo Código de Processo Civil (CPC), sancionado em 16 março de 2015, sob a forma da Lei n. 13.105, que pela primeira vez reserva um capítulo próprio para a

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cooperação internacional, além de novos preceitos sobre o reconhecimento de decisões estrangeiras (artigos 960 ao 965), dentre as quais se encontra a sentença arbitral estrangeira. Cumpre destacar, ademais, as normas convencionais em matéria de reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras já ratificadas pelo Brasil, tanto do plano global – a Convenção Internacional sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, 1958 (Decreto n. 3.311, de julho de 2002) – como no regional – Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, 1979 (Decreto n. 2.411, de dezembro de 1997); Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, 1975 (Decreto n. 1.902, de maio de 1996); Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, 1992 (Decreto n. 2.067, de novembro de 1996); Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, 1998 (Decreto n. 4.719, de junho de 2003). Conforme se apreende das disposições da LBA e do CPC/15, as normas convencionais gozam de preferência em relação às nacionais na matéria. Destarte, face às alterações recentes do ordenamento jurídico brasileiro supramencionadas, salutar se mostra investigação com o escopo de aferir seus reflexos na sistemática de reconhecimento da sentença arbitral estrangeira no Brasil. 2

SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA: A ABERTURA DO MICROSSISTEMA ARBITRAL

Em razão da especialidade, entende-se que a Lei Brasileira de Arbitragem estabelece um microssistema autônomo, com regras próprias aplicáveis em preferências às demais normas de igual ou inferior hierarquia. Desse modo, o intento de investigar questões normativas atinentes à arbitragem no cenário nacional deve partir, necessariamente, da Lei n. 9.307/96. Em seu texto, a disciplina do reconhecimento e da execução de sentenças arbitrais estrangeiras foi reservada ao Capítulo VI, especificamente do artigo 34 ao 40. O próprio diploma legal, no parágrafo único do artigo 34, identifica como sentença estrangeira aquela que tenha sido proferida fora do território nacional. No caput, o dispositivo prevê que o reconhecimento e execução da decisão arbitral estrangeira serão efetivados de acordo com tratados internacionais, desde que estes tenham eficácia no ordenamento interno. Em não havendo, todavia, tratados ratificados que se apliquem ao caso, a www.derechoycambiosocial.com



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sentença estrangeira será reconhecida e executada conforme os termos da LBA. Eis, portanto, a primeira abertura do microssistema arbitral brasileiro, indicando a preferência das normas convencionadas internacionalmente. Em relação aos tratados internacionais recepcionados internamente pelo Brasil relativos à arbitragem, constata-se um retardamento em relação aos foros internacionais. Embora desde a década de 1950 importantes instrumentos tenham sido alcançados internacionalmente, apenas a partir da década de 1990 as autoridades nacionais diligenciaram o processo de ratificação. Em 1996 foi promulgada, por meio do Decreto n. 1.902, a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada no Panamá, em 30 de janeiro de 1975. No final de 1997, a Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, concluída em Montevidéu – em 8 de maio de 1979 – , foi promulgada no Brasil pelo Decreto n. 2.411. Reconhecida pela importância no cenário multilateral global, a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, firmada em Nova York, em junho de 1958, somente logrou promulgação em julho de 2002, pelo Decreto n. 4.311. No âmbito do MERCOSUL, o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul, concluído em Buenos Aires, em julho de 1998, foi promulgado em junho de 2003, pelo Decreto n. 4.719. Antes, porém, o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, feito no Vale de Las Leñas em junho de 1992, foi promulgado pelo Decreto n. 2.067, de novembro de 1996. Cumpre salientar que, haja vista técnica comum entre os internacionalistas, quando da incidência de mais de um diploma internacional sobre relações jurídicas da mesma natureza e envolvendo os mesmos sujeitos, as normas neles contidas devem ser compatibilizadas, buscando-se a manutenção das normas mais favoráveis ao desenvolvimento das relações. Não por menos, das convenções supramencionadas, apenas a Convenção Interamericana de 1975 não contém norma de compatibilização com outros tratados. Assim, ainda que se reconheça o protagonismo da Convenção de Nova York (CNY) na seara do reconhecimento das sentenças arbitrais estrangeiras, não se pode desprezar totalmente as disposições dos demais tratados internacionais. Ao lado da norma nacional, a CNY (artigo I, 1) e o Acordo de Buenos Aires (artigo 2, “h”) estabelecem como sentença alienígena aquela proferida por tribunal arbitral estranho ao território do Estado no qual se

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pretende seja ela reconhecida e executada. Em razão de sua estrangeiria, para que tenha eficácia no Brasil, a sentença estrangeira precisará ser primeiro reconhecida pelo órgão competente. Nos termos do artigo 35 da LBA, a única exigência legalmente estabelecida para que uma sentença arbitral estrangeira produza efeitos na jurisdição brasileira é sua prévia homologação. Conforme correção introduzida pela Lei n. 13.129/15 ao artigo 35 da LBA, a competência constitucionalmente prevista para processar e julgar as ações de homologação recaí, atualmente – após a Emenda Constitucional n. 45/04 –, sobre o STJ5. Nesse diapasão, o novo CPC, de forma congruente com os auspícios da cooperação jurídica internacional, é cristalino ao determinar no artigo 961 que a “decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado”. Dessa forma, restam superadas as dúvidas que pairavam sobre a possibilidade, dentro do ordenamento jurídico nacional, de hipóteses de dispensa da ação homologatória prévia à execução das decisões alienígenas. Importa asseverar, todavia, que independentemente de ação homologatória ou de carta rogatória, as decisões estrangeiras, inclusive as arbitrais, estão sujeitas ao juízo de delibação, a fim de que sua compatibilidade com a ordem jurídica brasileira seja constatada pelo órgão nacional competente6. A delibação consiste em aferição restrita a elementos extrínsecos e intrínsecos previamente especificados abstratamente em lei, com vistas a não se permitir o reexame do conteúdo decisório, mas apenas resguardar a jurisdição nacional de lesões advindas da aplicação indireta do direito forasteiro.

5 “Diante do exposto, é de concluir que, a partir da vigência da Emenda Constitucional 45/2004, qualquer sentença arbitral estrangeira no Brasil deverá ser homologada previamente pelo Superior Tribunal de Justiça, para poder ser reconhecida e executada no País, caso não tenha cumprimento voluntário do laudo pelas partes” Beat Rechsteiner (2005, p. 4). 6 Eis que o ordenamento jurídico brasileiro comporta mais de um sistema de reconhecimento de sentenças estrangeiras, por meio dos quais o juízo de delibação é exercido pelas autoridades competentes. Observa-se o sistema ordinário – que faz uso da ação homologatória –, o mercosulino – que permite a circulação de decisões entre os países do Mercosul por intermédio de cartas rogatórias – e o extraordinário, no qual o exame de delibação é realizado pelo juízo competente para a execução da decisão. Cf. SOUZA, 2015. www.derechoycambiosocial.com



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COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO (LEI N. 13.105/15)

A cooperação jurídica internacional constitui tema muito oportuno nos dias atuais, uma vez que com o estreitamento da circulação de pessoas, bens e serviços, as fronteiras nacionais se mostram cada vez mais fluidas, redundando no incremento de elementos de estrangeiria às relações tradicionalmente nacionais. Tal cenário de crescimento de demandas pluriconectadas requer atenção estatal no sentido de aprimorar seu modo usual de administrar a justiça, na medida em que se vê compelido a fortalecer os mecanismos de interlocução interjurisdicional que possibilitarão a adequada prestação da tutela7. Em que pese à preferência da LBA, já mencionada, cumpre destacar a presença histórica de um capítulo especifico para a disciplina da cooperação jurídica internacional introduzido no CPC/15, cuja entrada em vigor está marcada para março de 2016. Neste capítulo, o qual engloba os artigos 26 a 41, as Seções I e IV dedicam-se a estabelecer as diretrizes que devem guiar os pedidos de cooperação, inclusive os relativos à arbitragem. De início, o artigo 26 determina que a “cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte”, ressaltando o caráter subsidiário de suas disposições em relação aos acordos alcançados no plano internacional. Para além disso, o mesmo dispositivo determina que a cooperação deverá observar, dentre outras, as garantias do devido processo legal no Estado requerente, a isonomia entre o tratamento dispensado aos nacionais e aos estrangeiros, a existência de autoridade central com o objetivo de recepcionar e transmitir os pedidos de cooperação8, além de assegurar a publicidade processual, salvo em hipóteses de sigilo legalmente previstas. O artigo 27, por sua vez, apresenta rol exemplificativo de objetos passíveis de cooperação interjurisdicional: 7 “La hipótesis fáctica que da lugar a la CJI [cooperación jurídica internacional] ocurre cuando el juez de un Estado, con motivo de um proceso que tiene lugar ante su jurisdicción, se ve precisado a solicitar la colaboración del juez de otro Estado, a fin de que lleve a cabo determinados actos procedimentales que, una vez cumplidos, pasarán a integrar aquél” (KLOR, 2013, p. 121, nota nº 7). 8 A princípio, o § 4º do artigo 26 prevê que o Ministério da Justiça terá a função residual de autoridade central. Em outras palavras, caso não haja outra designação específica, competirá ao Ministério da Justiça exercer as funções de autoridade central, intermediando a tramitação dos pedidos de cooperação. www.derechoycambiosocial.com



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Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto: I - citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial; II - colheita de provas e obtenção de informações; III - homologação e cumprimento de decisão; IV - concessão de medida judicial de urgência; V - assistência jurídica internacional; VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Inobstante se reconheça que os destinatários primários do artigo 26 sejam os Estados, não se pode olvidar sua aplicação reflexa na seara arbitral, seja durante os trabalhos do tribunal arbitral – que poderá se valer tanto do Judiciário do território no qual está estabelecido como do forasteiro, na medida em que o destinatário de decisão cautelar, por exemplo, poderá se encontrar neste ou naquele –, seja após a sua extinção, mediante pronuncia de laudo definitivo cujos efeitos se pretendam fazer sentir em jurisdição estrangeira. Nesse diapasão, a cooperação internacional9, por meio de seus instrumentos, proporciona o intercâmbio interjurisdicional adequado ao deslinde das ações pluriconectados em trâmite num determinado espaço jurisdicional. Dois são seus instrumentos habituais na seara cível, a carta rogatória e o reconhecimento de decisões estrangeiras. Por intermédio das cartas rogatórias são tramitadas, via de regra, as solicitações de cooperação atinentes aos atos processuais não terminativos, especialmente os de natureza instrutória e cautelar10. Contudo, em

9 Nadia de Araujo (2009, p. 99) conceitua cooperação jurídica internacional com o “intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de um outro Estado”. Em sentido mais amplo, entretanto, Ricardo Perlingeiro (2006, p. 798) esclarece que a “preferência pela expressão ‘cooperação jurídica internacional’ decorre da idéia de que a efetividade da jurisdição, nacional ou estrangeira, pode depender do intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou ainda entre órgãos judiciais e administrativos, de estados distintos”. 10 “Note-se que a carta rogatória stricto sensu embute na sua origem uma decisão judicial estrangeira, mesmo que de natureza meramente processual, geralmente destinada ao impulso processual. Roga-se ao Estado requerido, por esse instrumento, que se dê eficácia a determinações como citações e intimações, produção de provas, perícias, cauterlares etc.” (DIPP, 2007). www.derechoycambiosocial.com



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sistemas de cooperação mais desenvolvidos, as rogatórias também são aptas à tramitação de pedidos de reconhecimento de decisões alienígenas11. O reconhecimento de sentença estrangeira, por seu turno, consiste em instrumento vocacionado a possibilitar a eficácia extraterritorial de títulos decisórios proferidos em jurisdição distinta daquela na qual se pretenda produzam efeitos. Desse modo, para que um laudo arbitral considerado estrangeiro pela lei brasileira possa ser executado na ordem jurídica pátria, mister se faz seja antes reconhecido pelo órgão competente. No Brasil, o meio ordinariamente utilizado para o reconhecimento de sentenças alienígenas é a ação de homologação, de competência do STJ 12. De natureza contenciosa, na ação homologatória o laudo arbitral exarado fora da jurisdição brasileira será submetido ao juízo de delibação, onde será aferida sua compatibilidade com a ordem jurídica nacional13. Tal aferição será objetiva, tendo por base critérios previa e abstratamente estabelecidos, sejam em tratados, sejam em leis nacionais14.

11 É o que acontece com o sistema regional de reconhecimento implantado entre os países do Mercosul, adotado no Protocolo de Las Leñas (Decreto n. 2.067, de novembro de 1996). Nesse sentido, conforme o teor do artigo 40 combinado com o 960 do CPC/15, a cooperação para fins de execução da decisão estrangeira poderá ocorrer por meio de carta rogatória ou ação de homologação, podendo outro modo ser estabelecido em sede de tratados internacionais. 12 “A homologação de sentença estrangeira apresenta um duplo papel, à medida que é forma de se conferir eficácia à sentença proferida no estrangeiro e, ainda, de padronizar critérios de atendimento aos princípios de segurança e certeza jurídica. Exatamente por isso, o art. 17 da LICC (LGL\1942\3) (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) é taxativo no sentido de que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes” (COUTO; SILVEIRA, 2013). 13 “[...] o objeto da ação de homologação de sentença estrangeira (nesta leitura) pode ser designado como: lieração ou não da eficácia contida na decisão estrangeira. Essa especificidade objetiva torna autônoma a ação homologatória e permite perceber que esta se desenvolve em jurisdição contenciosa. Mas, especialmente, demonstra que é possível reconhecer, desde a perspectiva objetiva – tipos de critérios de distribuição dos bens da vida, direito objetivo –, modelos de direito estrangeiro e, desde a perspectiva subjetiva – tipos de autoridades forasteiras aptas a decidir litígios – instituições alienígenas e os seus representantes aptos a solucionar lides concretas” (FRÖNER, 2013, p. 208-209). 14 “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça garantirá a segurança jurídica em relação ao reconhecimento e à execução da sentença arbitral estrangeira no país, levando em consideração em particular a aplicação da Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10.06.1958, que foi incorporada ao ordenamento jurídico nacional apenas recentemente” (REICHSTEINER, 2005, p. 4). www.derechoycambiosocial.com



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4 REQUISITOS ESSENCIAIS AO RECONHECIMENTO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA NO BRASIL Nesse sentir, a disposição do artigo 960, §3º, do CPC/15, vai ao encontro do artigo 34 da LBA, ao convergirem no sentido de que o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras deverá observar primeiramente o estabelecido em norma internacional. Somente na ausência de preceito convencional que as normas especiais da Lei n. 9.307/96 terão incidência, restando o CPC/15 aplicável subsidiariamente a esta. Por essa razão, as normas convencionais carecem de análise, tendo por base a Convenção de Nova York, de 1958, haja vista sua amplitude e precedência internacional. A CNY tem como escopo estabelecer um regramento homogêneo para o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Logo em seu artigo 1º, resta assentada como forasteiras as decisões arbitrais prolatadas fora do espaço jurisdicional no qual pretenda produzir efeitos, bem como as que o Estado, segundo sua legislação interna, classifique como não domésticas. Por inspiração, o parágrafo único do artigo 37 da LBA reitera como estrangeiras as sentenças exaradas fora do território nacional. Em sua regulamentação, as normas internacionais conservam a competência dos Estados no tocante à disciplina processual e procedimental a qual as decisões alienígenas arbitrais serão submetidas 15. Apesar da aplicação da lex fori, os Estados signatários não podem impor condições ou taxas mais onerosas às sentenças arbitrais estrangeiras do que as aplicáveis às domésticas – artigo III da Convenção de Nova York e artigo 4 da Convenção Interamericana do Panamá. O núcleo central da normativa internacional está no estabelecimento de requisitos, negativos e positivos, que devem balizar o juízo de recepção das decisões arbitrais estrangeiras. Cumpre ressaltar que a Lei Brasileira de Arbitragem, de 1996, adotou praticamente os mesmos requisitos já previstos na Convenção de Nova York, de 1958, assim, mesmo antes desta ser promulgada no Brasil, em 2002, sua influência já se fazia sentir no ordenamento nacional16.

15 Conforme Fabiane Verçosa (2003, p. 6): "[...] a Convenção de Nova Iorque não estipulou como se daria o reconhecimento da sentença arbitral alienígena. Ao revés, a Convenção preservou a liberdade dos Estados-membros de disporem sobre o procedimento a ser empregado para o reconhecimento dos laudos arbitrais estrangeiros”. 16 “A Lei de Arbitragem incluiu um capítulo para dispor sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, inspirado no art. V da Convenção sobre Reconhecimento e www.derechoycambiosocial.com



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No mesmo sentido17, explana Fabiane Verçosa (2003, p. 5): Uma breve análise comparativa entre os requisitos para o reconhecimento de laudos arbitrais estrangeiros impostos pela Lei de Arbitragem (arts. 38 e 39 da Lei 9.307/96), de um lado, e pela Convenção de Nova Iorque (artigo V), de outro, conduz facilmente à percepção de que são bastante semelhantes.

O artigo IV da CNY determina que a parte interessada em solicitar o reconhecimento da sentença arbitral estrangeira deverá fornecer a sentença e a convenção de arbitragem – ambos ou originais ou cópias devidamente certificadas e autenticadas por agente diplomático ou consular, traduzidas por tradutor oficial ou juramentado. No mesmo sentido dispõe a LBA nos incisos I e II do artigo 3718. Segundo se infere das disposições do artigo V, o reconhecimento de laudos arbitrais estrangeiros deve ser a regra, restando possível a denegação, seja a pedido da parte contra quem a decisão for invocada, seja de oficio, somente em umas das hipóteses elencadas em suas alíneas. Observa-se, no tocante ao item 1 do artigo V, verdadeira inversão do ônus da prova (LEMES, 2006), na medida em que o demandado está incumbido de levar a juízo a devida comprovação da ocorrência de ao menos uma das hipóteses elencadas, sob pena de ver o título alienígena homologado. Assim, como matéria a ser alegada em sede de contestação, a alínea “a” apresenta as hipóteses de (a) incapacidade das partes que firmaram a convenção arbitral segundo a lei à qual estavam submetidas e (b) a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, firmada em Nova Iorque em 1958 (CNI), dispensando a homologação da sentença arbitral no país de origem e invertendo o ônus da prova. O art. 34 trata da prevalência aos tratados internacionais com vigência no ordenamento interno. Note-se que a Lei n. 9.307/96 perfilha o sistema monista, regulando apenas a arbitragem doméstica (o que, aliás, não é nenhum demérito, mas opção legislativa), não tratando da arbitragem internacional. Define a Lei que a sentença será internacional quando tenha sido proferida fora do território nacional (art. 34, § único)" (LEMES, 2006). 17 “Além disso, deve ser ressaltado que os requisitos da homologação, conforme a Lei 9.307/1996, são quase iguais àqueles constantes da Convenção de Nova Iorque de 10.06.1958 (v., dentre outros, Selma Maria Ferreira Lemes, "Sentença arbitral estrangeira", Revista, cit., pp. 180-181). Também sob esse aspecto, portanto, os dois diplomas legais estão em harmonia” Beat Rechsteiner (2005, p. 7). 18 “Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com: I - o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial; II - o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.” www.derechoycambiosocial.com



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invalidade da convenção segundo a lei à qual está submetida ou, na ausência de disposição, a lei do local em que fora exarada. Corroboram com as disposições dos incisos I e II do artigo 38 da LBA. A alínea “b”, por sua vez, tem que ver com as garantias do contraditório e da ampla defesa, visto que estabelece a possibilidade de denegação do reconhecimento se a parte demandada demonstrar ausência de notificação quanto à designação do procedimento arbitral ou dos árbitros. Na mesma medida, e de modo ainda mais cristalino, as garantias constitucionais do devido processo restam asseguradas pelo inciso III do artigo 38 da LBA. Com o objetivo de assegurar o âmbito de aplicação originário da convenção arbitral, a alínea “c” da CNY prevê a hipótese de denegação em caso de o tribunal arbitral se imiscuir em matéria diversa das albergadas pela convenção de arbitragem. Caso o teor da decisão verse sobre alguma matéria contida na convenção e a parte que dela extrapola possa ser separada, o reconhecimento poderá ser parcial. Caso a parte exorbitante não possa ser afastada, a denegação será inevitável (artigo 38, inciso IV). Também será passível a denegação do laudo arbitral estrangeiro proferido por tribunal arbitral cuja composição ou procedimento adotado estiverem em desacordo com a vontade das partes ou, na ausência de estipulação, com a lei do local onde a arbitragem se desenvolveu. Semelhante é a especificação do inciso V do artigo 38 da LBA. Finalmente, a alínea “e” prescreve a denegação de reconhecimento caso a sentença arbitral estrangeira não tenha se tornado obrigatória no local onde fora prolatada ou, ainda, caso tenha sido suspensa ou anulada. Insta apresentar o disposto no artigo VI, uma vez que possibilita ao juízo de execução adiar sua decisão ou, a seu critério, requerer do exequente as garantias apropriadas, quando tiver notícia da solicitação de anulação ou suspensão na jurisdição alienígena do título homologado. A LBA apenas contém a possibilidade de denegação similar à apresentada na alínea “e” do artigo V, item 1, da CNY. Quanto à suspensão da execução doméstica enquanto se aguarda a decisão sobre o pedido de anulação ou suspensão dos efeitos do título na jurisdição de origem, não há previsão na LBA, mas é perfeitamente aplicável entre os signatários da CNY. Além de serem passíveis de alegação pela parte demandada, em sede de contestação, também serão passíveis de verificação de ofício as hipóteses de denegação previstas no item 2 do artigo V, quais sejam: (a) o objeto da decisão arbitral não ser suscetível de arbitramento segundo a lei www.derechoycambiosocial.com



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do Estado em que se pretende o reconhecimento e (b) caso a importação dos efeitos do laudo estrangeiro ofenda a ordem pública nacional. Igual teor apresenta o artigo 39 da LBA, visto que estabelece que o STJ deverá denegar a homologação de sentença arbitral estrangeira que seja contrária à ordem pública nacional brasileira, bem como as que versem sobre demandas não sujeitas à arbitragem segundo as normas nacionais. Importante a ressalva contida no parágrafo único, asseverando que a citação de domiciliados no Brasil realizada nos moldes da convenção arbitral ou da lei do local de prolação não ofende a ordem pública, como decisões ortodoxas do STF há muito vinham se acumulando19. 5

AÇÃO HOMOLOGATÓRIA: NORMAS PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS

Como já foi exposto, a Convenção de Nova Iorque manteve a competência de cada país signatário para a regulamentação das normas processuais e procedimentais relativas à homologação e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Nesse mesmo sentido, a Lei Brasileira de Arbitragem aponta, antes mesmo de elencar os requisitos do juízo de delibação, a aplicação dos artigos do CPC/73 atinentes ao reconhecimento de sentenças alienígenas. O parágrafo único do artigo 483 do CPC/73, ao seu turno, remete a matéria ao disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), anteriormente competente para o trâmite homologatório. Tendo em vista a mudança de competência implementada pela Emenda Constitucional n. 45/2004, a Lei n. 13.129/15, no bojo de suas alterações, atualizou as antigas remissões ao STF substituindo-as pelo STJ nos artigos 35 e 39 da LBA. Uma vez que o legislador estava ciente sobre os trabalhos de finalização do novo CPC, perdeu a oportunidade de também atualizar a remissão contida no artigo 36 da LBA, o qual prescreve a aplicação dos artigos 483 e 484 do CPC/73 ao reconhecimento dos laudos arbitrais forasteiros. Poderia ter atualizado a redação do artigo 36, a fim de que nele constasse a alusão genérica às disposições do Código de Processo Civil, não apontando artigos em específico.

19 “A necessidade de citação por rogatória, como causa de denegação sistemática de homologação de laudos arbitrais estrangeiros, desapareceu com a promulgação da LBA, especificamente dada a matização introduzida pela referida norma. No Brasil, de acordo com a sistemática processual anterior, todas as citações, tanto relativas aos processos judiciais como arbitrais tramitadas no exterior, deviam, por questão de ordem pública interna, se realizar mediante carta rogatória” (GASPAR, 2009, p. 208). www.derechoycambiosocial.com



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Com a aprovação da Lei n. 13.105/15, o novo CPC foi aprovado e trouxe novas disposições para a disciplina do reconhecimento de decisões estrangeiras no Brasil. Segundo as novas normas – que vigorarão a partir de março de 2016 –, deverão ser observadas as prescrições dos tratados internacionais em vigor no Brasil e o Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (RISTJ). Logo que recebeu a competência para as ações homologatórias, o STJ editou a Resolução n. 9/2005, estabelecendo provisoriamente o procedimento a ser observado. Após quase dez anos em vigor, a matéria foi enfim incluída no Regimento Interno da Corte, por meio da Emenda Regimental n. 18/2014. Atualmente, os artigos 216-A a 216-N do RISTJ disciplinam a ação homologatória de sentenças estrangeiras, judiciais e arbitrais. Prestigiando a posição adotada pelo STF (artigo 215 do RISTF), preservada pela Resolução n. 9/2005 (artigo 2º), o artigo 216-A do RISTJ mantém a atribuição do Presidente do Tribunal para homologar a sentença estrangeira20. Somente em caso de contestação o processo será redistribuído para julgamento da Corte Especial – órgão máximo do STJ, composto pelos 15 ministros mais antigos no Tribunal –, sendo sorteado relator. Cumpre salientar a disposição do parágrafo único, o qual estabelece a possibilidade de o relator julgar monocraticamente nos casos de jurisprudência consolidada da Corte Especial. Em todo caso, das decisões do Presidente ou do relator caberá agravo (artigo 216-M). Apesar de o artigo 216-B do RISTJ apregoar a necessidade de homologação prévia para que as decisões estrangeiras tenham eficácia no Brasil, em consonância com as previsões do CPC/73 (artigo 483) e da LBA (artigo 35), cumpre salientar que a ordem jurídica nacional comporta hipóteses de reconhecimento por meios distintos da ação homologatória21. A parte interessada na homologação de laudo arbitral estrangeiro deverá peticionar perante o STJ, devendo a petição ser instruída, conforme disposição do artigo 216-C do RISTJ, com a original ou cópia autenticada 20 “Ao analisar a alteração constitucional, bem como seus objetivos primários, Barbosa Moreira (2006, p. 181-191) afirma que, a bem da verdade, apenas ocorreu uma transposição da sobrecarga de um Tribunal para outro. De fato, a mera modificação de competência sem que houvesse acompanhamento de uma nova sistemática no procedimento em pouco repercutiu na celeridade almejada. A centralização das análises dos pedidos de homologação na pessoa do Presidente da Corte apenas somou-se às outras inúmeras atribuições que já acumulava, bem como passou a existir a possibilidade de recurso extraordinário ao Supremo, degrau a mais no trâmite homologatório [...]” (SOUZA, 2015, p. 86-87). 21 Ver nota n. 6. www.derechoycambiosocial.com



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da decisão e outros documentos indispensáveis. Estes devem estar devidamente traduzidos e certificados. Ainda, segundo o artigo 216-D, a sentença deverá ter sido proferida por autoridade competente, as partes devidamente cientificadas (ainda que legalmente tenha se verificada a revelia) e já ter ocorrido o trânsito em julgado. Conjugando com as disposições da CNY, vistas no tópico anterior, observa-se que com a apresentação da cópia da convenção de arbitragem, a competência do tribunal restará comprovada. Por outro giro, a comprovação da notificação regular das partes (sobre a instituição da arbitragem e designação de árbitros) e da aptidão da decisão para produzir efeitos, apesar de matérias de defesa – a serem alegadas em sede de contestação (artigo V, 1, da CNY, e artigo 38 da LBA) –, constitui essencial ao requerimento inicial. Na ausência de algum dos requisitos essenciais, o Presidente do STJ abrirá prazo razoável para a parte emendar ou completar a petição, sob pena de arquivamento da ação (artigo 216-E). Cumpre destacar que o prazo para a emenda à inicial praticado pelo CPC/73 não é o mesmo constante do CPC/15, sendo que o primeiro determina prazo de 10 (dez) dias (artigo 284) e o segundo, 15 (quinze) dias (artigo 321). Caso o requerido se torne revel, ele receberá curador especial, que será pessoalmente notificado. A mesma hipótese de designação ocorrerá caso o requerido seja incapaz, de acordo com o artigo 216-I do RISTJ. O Regimento também prevê as hipóteses de réplica e tréplica, para o caso de apresentação da contestação. Salienta-se que ambas, conforme o artigo 216-J, terão o prazo legal de 5 (cinco) dias. Por fim, antes da prolação da decisão, o Ministério Público terá vista dos autos pelo prazo de 10 (dez) dias, lapso temporal no qual poderá fazer a impugnação do pedido, a teor do artigo 216-L do RISTJ. Após a vista do Parquet, o Presidente do Tribunal ou o relator prolatará a decisão a respeito da homologação, da qual caberá o recurso de agravo. Uma vez homologada a sentença arbitral estrangeira, a fim de que seja executada no Brasil, será extraída dos autos a denominada carta de sentença (artigo 216-N do RSTJ). Conforme disposição do Código de Processo Civil, a decisão forasteira devidamente reconhecida terá execução nos mesmos moldes que as sentenças nacionais da mesma natureza, restando estabelecida a competência da Justiça Federal – artigos 484 do CPC/73 e 965 do CPC/15.

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Em que pese a preferência que as convenções internacionais gozam em relação às normas nacionais na seara do reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras, curiosos são os julgados do STJ, nos quais as referências principais são à legislação pátria. A postura de apego à lei interna fica patente em duas decisões recentes da Colenda Corte, datadas de março do corrente ano, portanto após a inclusão regimental: SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. TRIBUNAL ARBITRAL. VALIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. OFENSA À ORDEM PÚBLICA. INEXISTÊNCIA. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. REQUISITOS PREENCHIDOS. PEDIDO DEFERIDO. 1. No caso, as partes convencionaram sobre a arbitragem dentro dos limites legais elegendo, validamente, o foro por meio de cláusula compromissória, daí porque ficam submetidas ao Tribunal Arbitral quanto a eventual conflito de interesse sobre o contratado. 2. Preenchidos os requisitos para a internalização da sentença arbitral em território nacional, a teor do contido no RISTJ e na Lei nº 9.307/96, impõe-se a homologação do provimento estrangeiro. 3. Pedido deferido (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sentença Estrangeira Contestada (SEC) n. 8242-HK. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Corte Especial. Data do julgamento: 04/03/2015. Data da publicação: 19/03/2015. Destacamos.). HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. ARBITRAGEM. CITAÇÃO POR VIA POSTAL. POSSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. HOMOLOGAÇÃO DEFERIDA. 1. "A citação, no procedimento arbitral, não ocorre por carta rogatória, pois as cortes arbitrais são órgãos eminentemente privados. Exige-se, para a validade do ato realizado via postal, apenas que haja prova inequívoca de recebimento da correspondência" (SEC 8.847/EX, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/11/2013, DJe 28/11/2013, sem grifos no original). Embora a Requerida tenha sido revel no procedimento arbitral, foi notificada, diversas vezes, em mais de um endereço comercial, por via postal, conforme ressaltado na própria sentença. 2. Restaram atendidos os requisitos regimentais, com a constatação da regularidade da citação por via postal para procedimento arbitral instaurado em conformidade com convenção de arbitragem firmada entre as partes em contrato comercial. A sentença, comprovadamente transitada em julgado, foi autenticada pela autoridade consular brasileira e traduzida por profissional juramentado no Brasil, com o preenchimento das demais formalidades legais. 3. Pedido de homologação deferido. Condenação da Requerida ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios www.derechoycambiosocial.com



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(BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Sentença Estrangeira Contestada (SEC) n. 10.702-CH. Ministra Laurita Vaz. Corte Especial. Data do julgamento: 04/03/2015. Data da publicação: 23/03/2015. Destacamos.).

Destarte, apesar da semelhança entre os requisitos dispostos na Lei Brasileira de Arbitragem e os constantes na Convenção de Nova York, seria oportuno que os julgadores fizessem menção às normas internacionais devidamente ratificadas, haja vista sua preferência ser eloquente na ordem jurídica brasileira. 6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cooperação jurídica internacional mostra-se como imperativa nos dias atuais, principalmente quando cada vez mais se percebe a diluição das fronteiras geofísicas frente à frequente circulação de pessoas, bens e serviços. Nesse contexto globalizado, as demandas tradicionalmente nacionais acabam por serem incrementadas com elementos de estrangeiria, os quais trazem novas tonalidades à condução processual, tanto no que tange à cognição como à execução forçada. A arbitragem, enquanto um dos métodos adequados à resolução de litígios mais prestigiados na seara comercial, especialmente em relação a contratos internacionais que movimentam valores elevados de investimentos, goza de relevância indiscutível, merecendo atenção acadêmica, legislativa e jurisdicional. Nessa toada, as recentes modificações das normas processuais e procedimentais que se aplicam à arbitragem buscaram não só a atualização, mas também a consolidação de posturas já adotadas. O novo Código de Processo Civil sublinhou a importância da temática em comento, na medida em que reservou espaço inédito às normas de processo civil internacional atinentes à cooperação e seus instrumentos. Uma vez que o reconhecimento de decisões estrangeiras engloba as sentenças arbitrais exaradas fora do território nacional, há de se considerar como aplicáveis a tal instituto a disciplina geral da cooperação jurídica internacional. Em que pese à arbitragem ser regida preferencialmente pela Lei n. 9.307/96, o microssistema arbitral se abre às disposições de tratados internacionais e às do Código de Processo Civil no tocante ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais alienígenas. Confirmada pelo CPC/15, a preferência às normas internacionais em matéria de cooperação remete as atenções à Convenção de Nova York, www.derechoycambiosocial.com



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cujos requisitos prescritos para o reconhecimento corresponde nitidamente aos estabelecidos pela LBA. Haja vista o meio ordinário de reconhecimento de decisões estrangeiras ser a ação de homologação, cuja competência é constitucionalmente atribuída ao Superior Tribunal de Justiça, a inserção da matéria no Regimento Interno do STJ, aguardada há quase dez anos, não pode passar em branco. Sua análise deve ser realizada, ressalte-se, sob as bases lançadas pelo CPC/15, e sempre tendo em vista as disposições dos tratados firmados na matéria, a fim de que sejam preservadas a segurança e a agilidade da harmonização. Por fim, não se pode olvidar da necessidade de que as normas abstratamente concebidas sejam concretamente observadas pela jurisprudência, bem como trazidas às mãos dos operadores habituais do direito, seja nos tribunais, seja na academia. O desafio constante de tornar evidente e atrativo o estudo dos meios adequados de solução de controvérsias também é comungado pela cooperação jurídica internacional e seus instrumentos que, apesar de marginalizados há muito tempo pelos juristas, impõem-se como de urgente compreensão. REFERÊNCIAS ARAUJO, Nádia de. A importância da cooperação jurídica internacional para a atuação do Estado Brasileiro no plano interno e internacional. In: CASELLA, Paulo Borba; RAMOS, André de Carvalho (Org.). Direito internacional: Homenagem a Adherbal Meira Mattos. São Paulo: Quartier Latin, 97-115, 2009. NEAPI, NÚCLEO DE ESTUDOS E EXTENSÃO EM ARBITRAGEM E PROCESSO INTERNACIONAL. Universidade Federal do Espírito Santo. Arbitralidade objetiva. 18 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2015. NEAPI, NÚCLEO DE ESTUDOS E EXTENSÃO EM ARBITRAGEM E PROCESSO INTERNACIONAL. Universidade Federal do Espírito Santo. Sentença arbitral. 18 nov. 2014. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2015. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009. CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência: exposição didática: área do direito processual civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. www.derechoycambiosocial.com



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