Apontamentos Sobre Thomas Kuhn e Paul Feyerabend: Antagonismos, Aproximações e os Estudos Sociais da Ciência.. In: A. Premebida; F. Monteiro Neves; T. Ribeiro Duarte. (Org.). Investigações Contemporâneas em Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia. Jundiaí: Paco Editorial, 2015, v. , p. 25-70.

June 28, 2017 | Autor: Luiz Abrahão | Categoria: Paul K. Feyerabend, Thomas S. Kuhn
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P925 Premebida, Adriano; Neves, Fabrício Monteiro; Duarte, Tiago Ribeiro. Investigações Contemporâneas em Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia/ Adriano Premebida; Fabrício Monteiro Neves; Tiago Ribeiro Duarte (Orgs.). Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 404 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-763-2 1. Estudo Sociais da Ciência e Tecnologia 2. Sociologia da Ciência 3. Conhecimento Científico 4. Ciência e Tecnologia I. Premebida, Adriano II. Neves, Fabrício Monteiro III. Duarte, Tiago Ribeiro CDD: 500 Índices para catálogo sistemático: Conhecimento

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Sociologia do Conhecimento

306.42

Ciência

500 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Capítulo 1 Apontamentos Sobre Thomas Kuhn e Paul Feyerabend: Antagonismos, Aproximações e os Estudos Sociais da Ciência Luiz Henrique de Lacerda Abrahão1 Nos constantes esforços de reconstrução teórica da gênese dos estudos sociais da ciência (doravante SSK), geralmente, encontramos uma referência explícita aos nomes de Thomas Kuhn (1922-1996) e Paul Feyerabend (1924-1994), dois dos filósofos da ciência mais importantes do século XX – aos quais se tributa a “guinada historicista” das análises gnosiológicas.2 Um exemplo recente e, conforme compreendemos, paradigmático dessa perspectiva genealógica é o didático volume La Philosophie Des Sciences – L’invention D’une Discipline, de Carles U. Moulines. Esse escrito expressou a difundida opinião, conforme indica a passagem a seguir, de que o nascimento das abordagens sociológicas acerca do saber científico deve ser tributado aos autores dos consagrados e polêmicos A Estrutura das Revoluções Científicas e Contra o Método, lançados, respectivamente, em 1962 e 1975: As abordagens conhecidas pelo nome etnometodologia ou de Escola de Edimburgo que floresceram durante os anos 1970 e 1980 […] são exemplos dessas interpretações relativistas ou sociológicas do ‘paradigma’ kuhniano (p. 91) […] Feyerabend exerceu uma influência fortíssima inicialmente 1. Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG. 2. As formulações iniciais deste texto constam em Abrahão (2009). Para uma discussão detalhada sobre outros aspectos tratados aqui, ver  Abrahão (2013) e Abrahão (2014). 25

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no contexto da ‘contracultura’ dos anos 1970 e posteriormente no aparecimento dos ‘estudos sociais das ciências’ (social studies of science) dos anos 1980 (p. 92) […] dito isso, podemos igualmente detectar raízes específicas do relativismo sócio-epistêmico provenientes de ideias de autores da fase historicista em filosofia da ciência, especialmente Kuhn e Feyerabend. (Moulines, 2006, p. 91-92, 102)

Trata-se, pois, de uma hipótese interpretativa heurística concernente ao nascimento dos SSK como uma concepção teórica tributária àqueles pensadores os quais, de resto, sugere, sem maiores esclarecimentos, uma coincidência entre os projetos filosóficos da referida dupla de autores. Nesse horizonte, nosso trabalho pretende contribuir, sinteticamente, em duas frentes: (1) salientar pontos de semelhança e, em particular, de antagonismo entre as concepções epistemológicas kuhniana e feyerabendiana e (2) explicitar a enxuta rejeição que, no início da década de 1990, ambos apresentaram quanto às pretensões e às conquistas da sociologia da ciência – especialmente, o “Programa Forte”, cujos preceitos foram expressos no controverso Knowledge and Social Imagery (1976), de David Bloor. Por fim, indicamos (3) como essa objeção à crítica social do conhecimento aproxima a “fase final” do pensamento de Kuhn e Feyerabend. Para tanto, o material bibliográfico que utilizamos inclui tanto cartas (postumamente publicadas no periódico “Studies in History and Philosophy of Science”) quanto escritos coligidos na (ou relativos à) célebre coletânea A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, compilada entre 1965 e 1969, ensaios filosóficos e ainda os posfácios de A Estrutura das Revoluções Científicas, de 1969, e Contra o Método, de 1993. O saldo desse passeio, para além do trato exegético, reside no afastamento de falhas interpretativas decorrentes de análises manualescas referentes às origens, aos pressupostos e, inclusive, às próprias teses de uma das áreas do conhecimento contemporâneas mais frutíferas, a saber – os SSK.

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1. “Dissensões privadas’’ sobre o manuscrito de A Estrutura das Revoluções Científicas Há décadas que o principal conectivo dos projetos filosóficos de Feyerabend e Kuhn tem sido, de forma maçante, a “paternidade conjunta” da tese da incomensurabilidade teórica. “Ao lado de ‘paradigma’ e ‘revolução científica’”, escreveu Khalidi (2000), p. 172), “incomensurabilidade” é uma das três expressões mais influentes associadas à ‘nova filosofia da ciência’ formulada, inicialmente, por Thomas Kuhn e Paul Feyerabend.

Esse comentário, ao qual poderiam outros, incontáveis, ser alinhados, exemplifica o modo corriqueiro de conceber a complexa relação entre os dois filósofos da ciência. Contudo, é importante saber que, se comparado com outros assuntos, o espaço destinado àquele conceito nas páginas dos autores mostra proporções exíguas, não obstante ocupar um posto importante. A relevância desse reparo advém da percepção, captada com acerto por Hoyningen-Huene (2000, p. 101), de que “Feyerabend e Kuhn são frequentemente colocados no mesmo barco, como se suas opiniões em filosofia da ciência fossem idênticas”. De todo certo, é legítimo conceber que a combinação de suas ideias deriva da constatação do excêntrico fato de que eles formularam simultaneamente, porém seguindo percursos distintos, a tese da incomensurabilidade de teorias científicas. As causas e os efeitos da fusão também foram captados por Hoyningen-Huene (2005, p. 150): “A incomensurabilidade teve dois pais”, ele afirma, algo incomum até mesmo em relação a termos filosóficos, e a paternidade conjunta […] contribuiu para o aparecimento de vários equívocos subsequentes.

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Inclusive, como as passagens a seguir insinuamos próprios proponentes da ideia vacilaram quanto à descrição dessa gênese: Acredito que o emprego que eu e Feyerabend demos a ‘incomensurabilidade’, admitiu Kuhn (2000/2006, p. 48, n. 1), foi independente, e tenho uma vaga lembrança de Paul encontrando o termo no rascunho de um manuscrito meu e dizendo que também o estava usando. Eu não sei qual de nós foi o primeiro a usar o termo ‘incomensurabilidade’ […]. (Feyerabend, 1981b, p. 152)

Não obstante, a conjunção de uma bibliografia recentemente publicada – recolhida, postumamente, nos arquivos pessoais do filósofo austríaco, com trabalhos já disponíveis, convida-nos a dispor de modo mais conveniente as complexas relações epistemológicas de Kuhn e Feyerabend. Até meados da década de 1990, as fontes primárias acerca das diferenças entre os projetos deles eram apenas três: o artigo Consolando o Especialista, que o austríaco concluiu no final dos anos de 1960; a réplica kuhniana a esse artigo, também incluída nos anais do Colóquio Internacional de Filosofia do Bedford College, ocorrido em 1965 em Londres; e a última seção do posfácio, anexado em 1969 ao A Estrutura das Revoluções Científicas (doravante Estrutura). De lá para cá, entretanto, houve uma mudança significativa nesse cenário. Em 1995 e 2006, respectivamente, o supracitado periódico publicou seis cartas, não datadas, enviadas por Feyerabend a Kuhn. Esses documentos repercutiam as discussões da época em que ambos conviveram no campus da Universidade de Berkeley. Assim sendo, provavelmente as cartas foram redigidas entre 1958 e 1964. Embora mostre um conteúdo variado, esse vasto e inexplorado material espelha, fundamentalmente, as primeiras reações feyerabendianas ao esboço do mais famoso livro de Kuhn. No entanto, diversamente ao que se pode pensar, no corpo desse material – manuscrito ou datilografado em espaçamento simples e com margem reduzida – não existe qualquer análise substancial 28

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acerca do conteúdo da tese da incomensurabilidade. Com efeito, uma compreensão mais adequada das dissonâncias entre os autores, na abertura dos anos de 1960, seria resultado da análise de Feyerabend a respeito de três outros tópicos contidos no Estrutura, a saber: (1) a ocorrência histórica dos estágios “maduros” da pesquisa científica, (2) a natureza da “ciência normal” e (3) o objetivo (descritivo ou prescritivo) do escrito de Kuhn. Em síntese, por trás da “dissensão privada” entre eles, assinalamos a existência de, pelo menos, três frentes de discussão. “Feyerabend critica Kuhn em três aspectos”, esclareceu Hoyningen-Huene (2000, p. 107), “histórico-descritivo, metodológico-avaliativo e em relação ao seu modo de apresentação”. Os desdobramentos públicos, visíveis na “reação impressa” de Feyerabend contida – majoritariamente, embora não unicamente – em sua contribuição à valiosa coletânea A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, serão comentados logo em seguida à análise da correspondência. O primeiro comentário importante que Feyerabend fez sobre o conteúdo do até então inédito Estrutura – ou Proto-Estrutura, como expressa Hoyningen-Huene (2005) – concerne à descrição da dinâmica científica. Kuhn entendeu que o modelo do avanço científico através de períodos sucessivos consiste em processos sequenciais de revoluções que intercalam raros momentos de dissenso científico e duradouros períodos de pesquisas baseadas nos mesmos princípios teóricos e práticos. “A transição sucessiva de um paradigma a outro, por meio de uma revolução”, ele escreveu, “é o padrão usual de desenvolvimento da ciência amadurecida” (Kuhn, 1962/2001, p. 32). Assim posto, a ciência normal é a fase consensual da investigação, na qual existe acordo entre os membros de uma comunidade científica a respeito de pressupostos teóricos constituintes do paradigma adotado. Podemos afirmar que eles “estão comprometidos com as mesmas regras e padrões para a prática científica” (Kuhn, 1962/2001, p. 30). A “pesquisa madura” não questiona ou impõe testes sistemáticos aos princípios gerais que orientam a pesquisa. A validade e 29

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o potencial heurístico dos pressupostos são reconhecidamente comungados por todos os adeptos da escola. A meta dessa investigação consiste, pois, em adequar e articular os “fenômenos e teorias já conhecidos pelo paradigma” (Kuhn, 1962/2001, p. 45). Todavia, a adequação histórica dessa descrição do avanço científico baseada na dinâmica de interposição entre “períodos normais” de investigação e etapas de “pesquisa extraordinária” pode ser posta em dúvida. Nesse sentido, Feyerabend afirmava que a física moderna desenvolveu-se sem o predomínio de apenas uma perspectiva teórica: “Veja o desenvolvimento, no século XX”, ele argumentou: Tenha à vista especialmente todas as hipóteses rivais que foram consideradas no momento em que a teoria de Einstein apareceu pela primeira vez: a primeira teoria de Lorentz, a segunda teoria de Lorentz, a teoria do Aethermitfuehrung (Planck), a teoria de Ritz as quais foram eliminadas em uma época na qual não existia um paradigma dominante no campo do movimento com relação a estruturas coordenadas. (Feyerabend, 2006b, p. 617)

Em segundo lugar, o desacordo entre Kuhn e Feyerabend ocorre no âmbito metodológico. O anarquista percebeu a existência de um danoso “conteúdo dogmático” na afirmação de que o caráter progressista do conhecimento manifesta-se apenas nas etapas de ciência normal. “É somente através da ciência normal”, como apontou Kuhn (1962/2001, p. 192), “que a comunidade profissional de cientistas obtém sucesso”. Notemos que passagens como essa não apenas relatam a dinâmica histórica da ciência, como também exaltam a eficiência da comunidade científica em solucionar os “quebra-cabeças” e o autêntico progresso decorrente dessa atitude (Kuhn, 1962/2001, p. 208). “O que você [Kuhn] escreve não é apenas história”, explica Feyerabend, “[é] ideologia disfarçada de história” (Feyerabend, 1995, p. 355; Feyerabend, 2006b, p. 617). Algumas consequências indesejáveis 30

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quanto à “imagem da ciência” podem derivar dessa concepção (Feyerabend, 1995, p. 357). Por exemplo, se considerarmos que o rótulo “científico” aplica-se a qualquer atividade organizada e exitosa, nesse caso, o grau de rigor de uma investigação desenvolvida no interior de um domínio de pesquisa passa a ser tributário às “negociações” dos membros da comunidade com relação aos problemas, às áreas de estudo ou às soluções relevantes e admissíveis (Kuhn, 1962/2001, p. 33). Mas a reflexão metodológica que Feyerabend avançou, naquele momento, sustenta – pari passu ao argumento falibilista de inclinação popperiana – que a seleção racional e progressiva de teorias não tem conexão com a aceitação delas junto a uma “comunidade científica”. Assim, a discriminação de um campo de saber como “científico” não possui qualquer ligação justa com ocasionais aspectos sociológicos que circundam a produção do saber. Dessa forma, a demarcação de uma disciplina não reside no fato de que alguns indivíduos dedicam-se apenas a uma teoria. “[O] avanço do saber”, Feyerabend afirmou, “não tem qualquer relação com o pertencimento a uma comunidade” (Feyerabend, 1995, p. 356). O elemento distintivo de um campo de pesquisa científico consiste, conforme os argumentos endereçados nas cartas, na possibilidade de testar e estabelecer empiricamente a razoabilidade das asserções. É um elemento metodológico (e não sociológico ou histórico) que delimita a distinção entre a ciência e as demais áreas do saber. O critério que nos impede de, por exemplo, colocar a bruxaria no mesmo patamar cognitivo que a eletrodinâmica deve ser buscado na existência de regras de testabilidade das proposições. “A teoria da bruxaria organiza os fenômenos naturais”, o autor concede, “[e]ntretanto, o faz de forma que impede a existência de qualquer argumento contrário” (Feyerabend, 1995, p. 361). A apreciação do valor epistêmico de teorias científicas, diferentemente de dogmas ou mitos, manifesta-se na relevância empírica de suas afirmações. Sob parâmetros metodológicos, proposições testáveis empiricamente são preferíveis aos discursos 31

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dogmáticos, porque aquelas repelem o uso de procedimentos escusos de manutenção da teoria. Mitos e dogmas empregam hipóteses ad hoc – ou seja, hipóteses aceitas sem teste – no intuito de preservar a doutrina que defendem. Porém, apostando na atitude crítica dos cientistas, Feyerabend anunciou que “[t]ais hipóteses [ad hoc] nunca são formuladas por cientistas” (Feyerabend, 1995, p. 369). O ponto de vista de Kuhn, porém, era distinto. No Estrutura, o perfil dogmático da atividade científica foi ressaltado quando o autor comparou trocas paradigmáticas com conversões religiosas. “Uma decisão desse tipo”, nós lemos em seus escritos, “só pode ser feita com base na fé” (Kuhn, 1962/2001, p. 198). Essa é a grande diferença entre o que Feyerabend nomeia como atitude dogmática e o ponto de vista hipotético (ou não-dogmático ou científico), no qual o conhecimento é assumidamente falível, provisório, falseável e substituível. “Na tradição hipotética”, o autor assinala: “sabe-se que as teorias resultam de considerações humanas e são tão falíveis quanto seus criadores”. “Portanto”, continua o argumento, o principal consiste em encontrar as limitações delas, desenvolvê-las nos casos em que elas foram insuficientes e, deste modo, atingir cada vez mais uma compreensão do mundo (Feyerabend, 2006b, p. 620).

O núcleo do argumento metodológico que Feyerabend levanta em suas cartas contra a perspectiva kuhniana pressupõe os princípios de falseabilidade e testabilidade das teorias científicas. Além disso, há a rejeição da avaliação da “ciência normal” como um estágio valoroso do desenvolvimento da ciência. “Ciência normal’”, ele anotou, “busca obter algo que é inteiramente indesejável” (Feyerabend 1995, p. 358; Feyerabend, 2006b, p. 619). O trecho, a seguir, esclarece a sua posição metodológica naquele período: [Eu] gostaria de deixar claro minha opinião: se acontecesse realmente que os cientistas não levassem as falsificações a 32

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sério e empregassem hipóteses ad hoc, se fosse esse o caso, então eu diria ‘pior para os cientistas’ […] Todavia, repito, elas são muito raras na ciência. Mas se elas ocorressem minha atitude seria tal: pior ainda para as ciências. E eu começaria a me converter em um dos críticos mais violentos de um procedimento científico degenerado como esse. (Feyerabend, 2006b, p. 625)

O terceiro nível de distanciamento que encontramos nas correspondências de Kuhn e Feyerabend repercute em dois pontos interligados: o “jeito insidioso” que o autor de Estrutura emprega para expor as suas ideias e os efeitos dessa ambiguidade de apresentação. Segundo Feyerabend, o livro de Kuhn oscila entre a “descrição factual” (quid facti) da história da ciência e a “prescrição normativa” (quid juris) dos procedimentos que alavancam o progresso do conhecimento. Mas essa imprecisão pode difundir a ideologia dogmática segundo a qual o avanço científico apenas consuma-se com êxito mediante a hegemonia de um só paradigma (Feyerabend, 2006b, p. 615). Não está em consideração a proposta de uma historiografia da ciência isenta de pressupostos, trata-se do reconhecimento e da admissão do componente normativo atuante no relato historiográfico. Assim, o austríaco assevera que o “historiador honesto” usa normas que “está pronto a admitir, isto é, as normas que pertencem ao seu próprio sistema […]” (Feyerabend, 2006b, p. 615). De fato, concluída a leitura do Estrutura, reconhecemos a descrição de episódios determinantes para o desenvolvimento da ciência, mas também resta a impressão de que a natureza da atividade científica possui uma forma ligada à supressão de concepções alternativas. Portanto, desconhecemos se a ideologia conservadora é um fato histórico ou um projeto epistemológico kuhniano. O último ponto de ataque feyerabendiano é, por fim, a “expressão-dual” do escrito de Kuhn. “[É] esta espécie de ‘discurso duplicado’ que eu objeto mais veementemente” (Feyerabend, 1995, p. 368), encerrou Feyerabend.

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Apesar dessa tríade de objeções precedentes à impressão do Estrutura, Feyerabend destacou o valor essencial da penetração das ideias de Kuhn no campo dos estudos epistemológicos. “Mais do que nunca”, ele afirmou, “penso que seu ensaio […] contribui tanto para a história como para filosofia da ciência” (Feyerabend, 1995, p. 355). Porém, é conveniente guardar ressalvas quanto ao sucesso das conversas entre Kuhn e Feyerabend no campus de Berkeley. Afinal, na percepção de Kuhn, as reportadas discordâncias acerca do esboço do escrito de 1962 não foram muito produtivas: Com Feyerabend eu tive experiências estranhas. Ele estava em Berkeley, e eu lhe passei o rascunho do manuscrito do livro que tinha enviado a Chicago. Acho que em certo sentido ele gostou, mas estava extremamente incomodado por causa desse negócio todo de dogma, rigidez, que, é claro, extremamente o contrário de tudo aquilo que ele próprio acreditava. Eu não consegui fazê-lo falar sobre qualquer outra coisa, exceto sobre isso. Eu tentei, e tentei: se íamos almoçar juntos, ou algo assim, ele ficava sempre voltando a isso. Fui ficando cada vez mais frustrado e, por fim, simplesmente parei de tentar. Assim, ele e eu realmente nunca tivemos uma boa conversa acerca desses problemas. Os elementos quase-sociológicos de minha abordagem eram esmagados pelo seu anseio por uma sociedade ideal. E nós realmente nunca fizemos contato. (Kuhn, 2000/2006, p. 372)

2. As “objeções públicas” de Feyerabend a Kuhn: dos inconvenientes da “ciência normal” Uma objeção possível à utilização da correspondência privada de Feyerabend e Kuhn no intuito de compreender os seus antagonismos concerne à relevância desse material póstumo frente às publicações autorizadas pelos pensadores. Hoyningen-Huene (1995, p. 354) elenca três fatores para justificar esse recurso: (1) 34

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as considerações das cartas são mais diretas do que a “reação pública”; (2) esse material antecipa as linhas-mestras da discussão desenvolvida no evento londrino de 1965; e (3) os “argumentos epistolares” definem uma concepção metodológica que, apesar de posteriormente abandonada, parece tipificar traços da posição feyerabendiana nos anos iniciais da década de 1960. Contudo, apesar de persuasiva e correta, tal alegação apresenta um problema: considera que a “reação impressa” de Feyerabend ao Estrutura reside unicamente na contribuição do austríaco ao compêndio do Bedford College, lançado em 1970. Antes disso, entretanto, ele já havia criticado Kuhn em uma nota ao interessante Variáveis Ocultas e os Argumentos E.P.R. (1962) e no ensaio Problemas de Microfísica, incluído na coletânea Philosophy of Science Today de 1967. Preston (1997) ressaltou a importância desses dois trabalhos relativamente à economia dos escritos feyerabendianos. Porém, o comentador não explicitou o valor deles para a divergência filosófica em vista, algo que julgamos valioso fazer antes de discutir o conteúdo desse mesmo assunto partindo do texto de 1970. Alguns intérpretes da filosofia de Kuhn insistem que o “grande estouro” na recepção do Estrutura, no campo filosófico, ocorreu em torno daquele congresso londrino de 1965. Mas antes de 1964, Feyerabend já notava as ideias kuhnianas disseminando-se no campus de Berkeley e ele comentou com Kuhn à época: “Dois trabalhos que recebi parecem ser inspirados em suas lições” (Feyerabend, 2006b, p. 624). Por isso, o austríaco afirmou que, já no início da década de 1960, tratava-se de uma crença generalizada a noção kuhniana de que o progresso científico é incompatível com uma multiplicidade de alternativas competindo entre si. “Ilustra esta atitude”, ele destacou, “o Professor Kuhn, que em seu recente [Estrutura] estudou o assunto em algum pormenor” (Feyerabend, 1967, p. 247). Nesse passo, a primeira advertência feyerabendiana à proposta de Kuhn apa35

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receu em uma nota ao artigo “Variáveis Ocultas e o argumento E.P.R”, também de 1962. O “suporte histórico” da recomendação kuhniana acerca das vantagens da hegemonia paradigmática foi novamente contestado: […] T. S. Kuhn (em comunicação privada) [afirmou] que um ajuste perfeito entre os fatos e a teoria, que é um pressuposto necessário da própria organização do material observacional, apenas pode ser alcançado por pessoas devotadas à investigação de uma única teoria, excluindo alternativas. Em virtude dessa razão psicológica ele se mostra disposto a defender a rejeição (dogmática) de novas idéias durante o tempo de construção da teoria que está no centro da discussão. Não posso aceitar esse argumento. [M] uitos cientistas célebres pareceram estar dispostos a fazer mais do que se devotarem ao desenvolvimento de uma única teoria. Einstein é o exemplo recente mais claro. Faraday e Newton são exemplos históricos notáveis. Kuhn parece ter em mente, sobretudo, os cientistas medíocres que titubeiam quando incitados a não apenas aprimorem a teoria em voga, mas também a considerar alternativas. Entretanto, mesmo nestes casos, não estou certo se esta inaptidão é ‘inata’, como se fosse incurável ou se é unicamente um efeito do fato de que a educação desses ‘cientistas medianos’ está nas mãos de pessoas que subscrevem, implicitamente, a doutrina kuhniana da necessidade de embotamento. (Feyerabend, 1981a, p. 325, n. 67)

Não foi apenas nas conversas privadas, no extinto Café Old Europe, na Telegraph Avenue em Berkeley, que Feyerabend discutiu a “ideologia dogmática” mascarada na exposição ambígua do Estrutura. Ele também abordou esse tópico no ensaio Problemas de Microfísica, publicado em 1967. “Essa versão factual da história das Ciências”, o filósofo repetiu, “é quase sempre suplementada, ao menos implicitamente, por uma avaliação” (Feyerabend, 1967, p. 248). Esse componente valorativo consiste na 36

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afirmação de que os estágios “normais” da prática científica são estruturas desejáveis porque a pesquisa “madura” adiciona mais e novos fatos ao saber já disponível. Os momentos de crise, na ótica kuhniana, seriam etapas passageiras de desorientação intelectual. “Em suma, acredita-se que a Ciência é, essencialmente, em períodos normais”, explicou Feyerabend. Crises são obstáculos, períodos de confusão que devem ser ultrapassados tão rapidamente quanto possível e que não devem estender-se desnecessariamente (Feyerabend, 1967, p. 248).

Contudo, existe o risco desse comportamento conservador repelir a especulação e tornar-se uma “doutrina oficial”. “[N] ão há possibilidade de progresso verdadeiro”, o autor comenta, se a teoria dominante não for colocada de lado (Feyerabend, 1967, p. 257). Nessa ótica, a hegemonia teórica estimulada pelo modelo kuhniano de ciência é autodestruidor e indesejável, afinal, o “período normal” da pesquisa repele a crítica e impede o investigador de “pôr a claro as fraquezas da teoria favorita” (Feyerabend, 1967, p. 257). Portanto, na epistemologia feyerabendiana, a mola propulsora da ciência não coincide com a adesão irrestrita dos pesquisadores a uma única forma de pensar. Desse modo, notamos que, em certos momentos dos anos 60, o autor do Contra o Método assumiu que avanços gnosiológicos decorrem do confronto entre várias teorias. Por conseguinte, a ideologia conservadora que perpassa o Estrutura é mais um obstáculo ao desenvolvimento científico do que uma virtude epistêmica. O monismo teorético de Kuhn impede a discussão e a troca de posições, ao passo que uma atitude pluralista de debate irrestrito poderia ser encorajada. Sendo assim, conclui Feyerabend em confronto direto à concepção kuhniana, “em Ciência […] o grito de batalha deve ser – revolução permanente” (Feyerabend, 1967, p. 258). 37

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3. Um “escrito pró-anti-Kuhn” – três objeções ao “argumento funcional” em favor da ciência normal A “reação pública” mais conhecida de Feyerabend à proposta kuhniana encontra-se em sua contribuição ao A Crítica e o Desenvolvimento do Conhecimento, coletânea publicada em 1970, e que compila os trabalhos apresentados no colóquio ocorrido no Bedford College em 1965. Entretanto, a versão final do artigo Consolando o Especialista foi encaminhada aos editores só em torno de 1969. O autor anotou: “Uma versão anterior deste ensaio foi lida no seminário do Professor Popper em março de 1967 na London School of Economics” (Feyerabend, 1970/1979, p. 244, n. 1). E confirmou no Matando o Tempo: “Li a primeira versão do meu escrito pró-anti-Kuhn no seminário popperiano presidido por Popper (‘Não seja muito duro com Kuhn’, disse-me ele)” (Feyerabend, 1996, p. 136). Há um fator distintivo entre o artigo em foco e os dois trabalhos assinalados no tópico acima, a saber: ele não aborda o Proto-Estrutura nem a versão publicada em 1962 do escrito kuhniano. Ao invés disso, trata especialmente do didático escrito A função do dogma na investigação científica, lançado em 1963 e, posteriormente, renegado por Kuhn (Kuhn, 2000/2006, p. 10, n. 1). Ademais, o conteúdo das críticas feyerabendianas difere das objeções epistolares. Por exemplo, a crítica metodológica à “ciência normal” dispensa o preceito popperiano de testabilidade empírica das teorias e aproxima-se das lições pluralistas expostas no artigo Problemas da Microfísica, de 1967. Há outras três novidades no Consolando o Especialista: (1) uma explicação para a ambiguidade expositiva de Kuhn, (2) a demonstração de limitações epistemológicas das “descrições factuais” e (3) um triplo combate ao denominado argumento funcional em favor da “ciência normal”. Não obstante, em todas as etapas dos antagonismos entre Kuhn e Feyerabend, o suporte histórico dos “períodos normais” é contestado através de contra-exemplos. De resto, o agrupamento das críticas no tripé 38

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“descrição-metodologia-exposição” permanece válido também para um passeio pelo “escrito pró-anti-Kuhn”. A alternância da escrita kuhniana entre prescrições metodológicas e descrição factual dos processos históricos permaneceu após a publicação do Estrutura. No referido ensaio de 1963, ele, de fato, narrou episódios históricos. No entanto, não deixou de oferecer um suporte normativo para estrutura da ciência. “E é uma sorte que essa adesão [a um paradigma] não seja abandonada com facilidade”, sublinha Kuhn. “Esta é uma das maneiras como a ciência avança […] o progresso tem sempre dependido precisamente desse aspecto exotérico” (Kuhn, 1963/1981, p. 8485). Diante disso, o austríaco insinua que a imprecisão da exposição é algo estrategicamente usado por Kuhn para esquivar-se das ideias dogmáticas decorrentes de sua filosofia: Aventuro-me a conjeturar que a ambiguidade é pretendida e que Kuhn deseja explorar plenamente suas potencialidades propagandísticas. Deseja, de um lado, dar um apoio sólido, objetivo e histórico a julgamentos de valor que ele, como muitas outras pessoas, parece considerar arbitrários e subjetivos. Por outro lado, deseja deixar para si mesmo uma segunda linha segura de retirada: os que desgostam da derivação implícita de valores a partir de fatos sempre poderão ouvir dizer que essa derivação não se faz e que a apresentação é puramente descritiva. (Feyerabend, 1970/1979, p. 247)

Se for compreendido como uma descrição factual do desenvolvimento da ciência, nesse caso, o pensamento de Kuhn afirma que o elemento característico da atividade científica é a adesão unânime dos pesquisadores a um conjunto de orientações metodológicas, terminológicas e práticas no intuito de solucionar os problemas derivados dessa junção: “É difícil conceber outro critério que estabeleça tão claramente o campo de atividade de uma ciência” (Kuhn, 1963/1981, p. 79). Porém, outras atividades seguem uma dinâmica semelhante. Conforme assinala Feyerabend, 39

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arrombadores de cofres que trabalham para o crime organizado também “aderem profundamente” ao uso de aparelhos, técnicas e noções os quais “[lhes dizem] onde procurar e por que procurar” (Kuhn, 1963/1981, p. 81, 85). A solução de enigmas entendida como uma atividade corrente não é, pois, o elemento que discrimina por completo o essencial da investigação científica. “É claro que isto não constitui uma surpresa”, satirizou Feyerabend, “[p]ois Kuhn […] deixou de discutir a finalidade da ciência” (Feyerabend, 1970/1979, p. 249). Portanto, como descrição da atividade científica, o estudo de Kuhn é insuficiente. Existe, contudo, o nível normativo, o qual define a dupla função da “ciência normal”, a saber: vigorar como guia para a pesquisa exitosa e, quando amplamente explorado, funcionar como catalisador de inovações no campo científico. A indicação das entidades existentes e das questões pertinentes à pesquisa, segundo Kuhn, são informações fornecidas pelos paradigmas. Uma “primeira função” da ciência normal consiste, desse modo, na orientação da investigação em relação aos problemas relevantes a serem erigidos às possíveis soluções deles e a constituição elementar da realidade (Kuhn, 1963/1981, p. 81; Ibidem, 1962/2001, p. 144). No mais, o abandono de antigas concepções apenas acontece quando assaltam fenômenos não previstos pelo paradigma, ou seja, as anomalias exercem um “efeito destrutivo” na comunidade científica. Assim, sem a “ciência normal”, não haveria reconhecimento da direção das mudanças teóricas. “Um reconhecimento [dos limites do paradigma]”, sintetizou Kuhn, “é […] uma precondição […] para todas as inovações fundamentais da teoria científica” (Kuhn, 1963/1981, p. 86). São tais as “razões funcionais” na argumentação kuhniana em favor da instauração de paradigmas: Embora o preconceito e resistência às inovações possam muito facilmente colocar um freio no progresso científico, a sua onipresença é, porém, sintomática como característica 40

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para que a investigação tenha continuidade e vitalidade. Características desse tipo, tomadas em conjunto, eu classifico como o dogmatismo das ciências maduras […] Definindo para cada cientista individual os problemas suscetíveis de ser analisados e ao mesmo tempo a natureza das soluções aceitáveis para eles, a adesão é de fato um elemento necessário à investigação. (Kuhn, 1963/1981, p. 69)

Feyerabend erige três objeções à visão de que a “ciência normal” funciona como guia e estimulante da pesquisa cientifica. A primeira delas concerne ao real interesse científico pela troca de paradigmas. Se, como Kuhn (1962/2001, p. 189) sustenta, as transformações revolucionárias geram uma enorme dificuldade de compreensão entre investigadores ligados a concepções rivais, seria apropriado afirmar que as mudanças científicas são desejáveis? A incompreensão é uma aspiração epistêmica? A segunda objeção nega que progresso científico seja um corolário da emergência de anomalias paradigmáticas. “Este esquema, descoberto graças a uma anomalia que põe em dúvida convicções e técnicas estabelecidas”, Kuhn apontou: “tem vindo sempre a ser repetido ao longo do desenvolvimento científico” (Kuhn, 1963/1981, p. 87). Entretanto, o austríaco argumenta que o desencadeamento de mudanças teóricas pode ter origem na proliferação de propostas alternativas. “Proceder de acordo com este princípio [de proliferação]”, sustenta Feyerabend, “é um método de precipitar revoluções. É um método racional” (Feyerabend, 1970/1979, p. 254). Portanto, é a disputa de visões conflitantes que catalisa o processo de sucessão científica, e não a concordância entre os investigadores. Em resumo, ele avalia que [o]s cientistas criam revoluções de acordo com nosso modelozinho metodológico […] não seguindo inexoravelmente um paradigma e abandonando-o de repente quando os problemas se agigantam (Feyerabend, 1970/1979, p. 256).

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A terceira e última objeção estabelece o desamparo histórico da imagem kuhniana. Feyerabend insiste que o avanço da ciência, no século XIX, foi realizado com a ativa interação de pelo menos três pontos de vista: No segundo terço deste século existiam, pelo menos, três paradigmas diferentes e mutuamente incompatíveis. Eram eles: (1) o ponto de vista mecânico, que encontrou expressão na astronomia, na teoria cinética, nos vários modelos mecânicos da eletrodinâmica, assim como nas ciências biológicas, sobretudo da medicina (aqui na influência de Helmholtz foi fator decisivo); (2) o ponto de vista ligado à invenção de uma teoria do calor independente e fenomenológica, que finalmente se revelou incompatível com a mecânica; (3) o ponto de vista implícito na eletrodinâmica de Faraday e Maxwell, desenvolvido e liberados seus concomitantes mecânicos por Hertz. (Feyerabend, 1970/1979, p. 257)

O “conto de fadas metodológico” de Feyerabend demonstra que a confrontação de teorias alternativas assume um lugar de destaque na seleção teórica. O princípio de proliferação esteve presente em importantes episódios de troca científica. “Parece que não é a atividade de solução de problemas a responsável pelo crescimento do nosso conhecimento”, ele conclui, “mas a ativa interação de várias concepções sustentadas com tenacidade” (Feyerabend, 1970/1979, p. 254), isto é, o itinerário da ciência não se coaduna com o “dogmatismo legitimado” estimulado pelo monismo teorético encampado por Kuhn. De resto, a proliferação de concepções alternativas e mutuamente irredutíveis impulsionada pelo conhecido pluralismo metodológico feyerabendiano afina-se com um ideal gnosiológico dinâmico e renovador. Em síntese, os antagonismos entre Kuhn e Feyerabend confluem na rejeição do pressuposto de que o monismo teorético, em qualquer circunstância, epistemologicamente, é razoável ou legítimo. 42

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4. Do “incidente com Aristóteles” à tese da incomensurabilidade em 1962 A experiência que colocou a questão filosófica da incomensurabilidade teórica às vistas de Kuhn ocorreu em 1947. Nessa data, enquanto cursava a pós-graduação em Física, ele envolveu-se com a preparação de uma disciplina de história da mecânica para estudantes de outras áreas. A matéria foi nomeada O Desenvolvimento da Mecânica de Aristóteles a Newton e começava com o esclarecimento das leis naturais postuladas na Física do pensador estagirita. A lição seguinte cobria a cinética medieval e o ensino encerrava com o estudo da física clássica de Galileu e Newton. A preparação dessas aulas exerceu uma “extrema influência” sobre o pensamento do filósofo, cujo fruto mais notável desses estudos foi o texto que, cerca de quinze anos depois, apareceria com o título A Estrutura das Revoluções Científicas (Kuhn, 2000/2006, p. 348-355). Porém, Kuhn descobriu o termo incomensurabilidade anos antes, quando estudava a explicação pitagórica para a irracionalidade da raiz quadrada. “Aquilo foi extremamente instigante”, ele comentou. “[E]u aprendi aí e nesse momento o que era incomensurabilidade” (Kuhn, 2000/2006, p. 359). Mas a aplicação da “metáfora matemática” à dinâmica científica somente adquiriu um sentido filosófico quando o autor pretendeu explicar a transição da filosofia natural de Aristóteles para a mecânica newtoniana. Sob uma ótica atual, a Física parecia desprovida de sentido, nada além de um amontoado de “conclusões implausíveis” derivadas de especulações de um “físico terrível” e “ignorante em mecânica”. Contudo, Kuhn ponderou: [E]m vez de ser uma falha de Aristóteles, não seria uma falha minha? Talvez suas palavras não tivessem sempre significado para ele e seus contemporâneos exatamente o que significavam para mim e para os meus (Kuhn, 2000/2006, p. 27).

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O testemunho do filósofo mostra, no caso, que os seus estudos tomaram um novo rumo após essa mudança de perspectiva. “Enunciados que antes pareciam erros clamorosos”, ele assumiu, “assemelhavam-se, agora, na pior das hipóteses, a pequenos erros no interior de uma tradição poderosa e igualmente bem-sucedida” (Kuhn, 2000/2006, p. 27). Kuhn não usou o termo “incomensurabilidade” até a redação de A Estrutura das Revoluções Científicas. No entanto, o “impulso prototípico” da versão kuhniana da tese em vista, explicitada no trabalho de 1962, partiu da radical reorganização intelectual proporcionada pelo citado incidente aristotélico. Assim, a sua definição foi forjada a partir de estudos históricos sobre o avanço científico. “O caminho de Kuhn para a incomensurabilidade aconteceu”, reforça Hoyningen-Huene (2005, p. 151), “mediante seu encontro, semanticamente mediado, com a física aristotélica”. Com efeito, o conceito de incomensurabilidade, no Estrutura, pretende englobar três fatores da relação entre tradições científicas: mudanças semânticas, incompatibilidades metodológicas e discordâncias perceptivas. A incomensurabilidade conceitual apresenta as “mudanças destrutivas” que ocorrem no âmbito semântico. Essas rupturas impedem a compreensão da troca teórica, segundo o modelo tradicional da “inclusão lógica” das teorias concorrentes. A transição da física de Newton para a concepção de universo einsteiniano é um bom exemplo disso. Kuhn (1962/2001, p. 189) afirma que, nesse episódio, “toda teia conceitual cujos fios são o espaço, o tempo, a matéria, a força, etc., teve que ser alterada e novamente rearticulada”. Qualquer tentativa de dedução de proposições einsteinianas partindo de parâmetros newtonianos deságua em uma “derivação espúria”. É implausível reformular os conceitos clássicos nas bases relativísticas, por exemplo, limitando a aplicação daqueles a baixas velocidades. O autor sustenta: [O]s referentes físicos desses conceitos einsteinianos não são de modo algum idênticos àqueles conceitos newtonianos que levam o mesmo nome (A massa newtoniana é conservada; a 44

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einsteiniana é conversível com a energia. Apenas em baixas velocidades relativas podemos medi-las do mesmo modo e mesmo então não podem ser consideradas idênticas) […] a transição da mecânica newtoniana para a einsteiniana ilustra com particular clareza a revolução científica como sendo um deslocamento da rede conceitual através da qual cientistas vêem o mundo. (Kuhn, 1962/2001, p. 136-137)

A incomensurabilidade metodológica assevera que paradigmas conflitantes estabelecem padrões científicos incompatíveis em três níveis inextrincáveis: nos procedimentos adequados para solucionar uma questão, nas áreas de pesquisa (ou nas “listas de problemas”) consideradas relevantes e nos modelos admissíveis para fornecer respostas. Com a redefinição da compreensão acerca do significado da investigação científica – o que repercute na consideração sobre a própria ontologia de entidades constituintes da “realidade” – alguns problemas perdem importância, desvalorizando imediatamente tanto os métodos usados para solucioná-los como as suas possíveis respostas. Um exemplo retirado do próprio texto kuhniano vale como suporte. A química anterior a Lavoisier atribuía especial importância ao problema da “qualidade” das substâncias químicas e das mudanças experimentadas por elas durante as reações. A acidez ou o caráter metálico eram explicados empregando noções como “princípios elementares” daquelas qualidades. Porém, as pesquisas consecutivas eliminaram do campo os “princípios químicos” como o elemento explicativo das “qualidades” das substâncias. Por conseguinte, houve o abandono das explicações disponíveis e das questões propostas à época. O terceiro tipo de ruptura paradigmática relaciona-se à incomensurabilidade perceptiva. As trocas paradigmáticas ocasionadas por revoluções científicas geram uma mudança drástica na forma como o cientista concebe (instrumental e cognitivamente) o mundo. Utilizando ferramentas e noções novas, pesquisado-

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res adeptos de escolas rivais observam objetos de pesquisa às vezes incompatíveis entre si. Assim sendo, maneiras originais de compreender o “mundo” e interpretar a natureza permitem que eles apresentem relatos observacionais conflitantes sobre objetos familiares. Além disso, fenômenos insuspeitados podem emergir dessa mudança de perspectiva. Kuhn foi claro ao sustentar que “os proponentes dos paradigmas concorrentes praticam seus ofícios em mundos diferentes” (Kuhn, 1962/2001, p. 190). Porém, ele não defende um construtivismo ontológico desenfreado, segundo o qual o percipiente pode, ao seu critério, fazer surgir ou desaparecer eventos em seu campo visual, como muitos críticos têm indicado. O filósofo mostra que revoluções científicas alteram a forma da “percepção”. Mas ele destaca que essa modificação ocorre internamente aos “compromissos de pesquisa” do cientista. “[F]ora do laboratório”, Kuhn explica, “os afazeres cotidianos em geral continuam como antes” (Kuhn, 1962/2001, p. 146). As revoluções científicas derrubam tradições, conceitos, métodos, instrumentos e problemas antigos e, ao mesmo tempo, colocam sob um enquadramento distinto a percepção do objeto objetivado. “Depois de fazê-lo”, lemos, “o mundo de suas pesquisas parecerá, aqui e ali, incomensurável com o que habitava anteriormente” (Kuhn, 1962/2001, p. 146). Assim, está certo quando Sankey (1993, p. 760) anota que “a noção de incomensurabilidade de Kuhn envolveu diferenças semânticas, observacionais e metodológicas entre […] paradigmas”.

5. Notas sobre Kuhn, Feyerabend e a tese da incomensurabilidade Se prestarmos um pouco de atenção à interação entre Kuhn e Feyerabend, tendo como foco a tese da incomensurabilidade, veremos que o intercâmbio entre eles é muito mais complexo do que parece. De saída, esse tema ocupa um lugar marginal na extensa correspondência que ambos trocaram entre 1960 e 1964. 46

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“[O] esqueleto de seu acirrado debate foi a ciência normal, que Feyerabend viu como um sinal do conservadorismo de Kuhn”, afirmou Hoyningen-Huene (2005, p. 165), “o qual ele condena. Incomensurabilidade foi apenas um assunto secundário”. Notemos, ademais, que, nas mais de cinquenta páginas que compõem o volume das seis cartas consultadas, essa palavra aparece apenas uma vez (Feyerabend, 1995, p. 358). Além disso, a discussão em torno dela não preenche mais de um parágrafo. Trata-se, com efeito, de um espaço ínfimo para discutir os três tópicos seguintes: (1) o exagero acerca da incomunicabilidade entre tradições científicas rivais, (2) a contradição dessa afirmação e (3) a inadequação do vocabulário religioso para explicar a troca teórica (Kuhn, 1962/2001, p. 188, 191). A breve passagem referida expressa: Permita-me repetir o argumento. Você [Kuhn] afirma (1) que paradigmas sucessivos entrarão em conflito; (2) que os adeptos desses paradigmas vão se expressar através deles; e que, portanto, (3) eles vivem em dois mundos diferentes, de forma que a transição de um para o outro (4) não pode ser forçada, mas se assemelha a uma conversão. Pois bem, (2), (3) e (4) parecem estereotipar muito radicalmente uma concepção sobre o tema (existem experimentos cruciais) e, ademais, são inconsistentes com (1): se paradigmas conflitam então deve haver ao menos duas sentenças, uma do primeiro paradigma, outra do segundo, que são inconsistentes e que, assim, ‘não se comunicam’. Com efeito, se o adepto do primeiro paradigma pode, por experimento, mostrar que essa sentença representa os fatos, então a segunda fenda deve ser fechada e isso sem envolver qualquer conversão. Pois, como ambas compartilham uma sentença, também devemos assumir que elas compartilham um conjunto de ideias concernentes às circunstâncias sob as quais essa sentença é estabelecida pelo experimento (de outro modo, elas não compartilhariam a sentença, mas no máximo um fundamento de uma sentença, ou uma sentença!). (Feyerabend, 1995, p. 387) 47

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O trecho anterior é tudo o que há na “dissensão privada” entre Kuhn e Feyerabend acerca da incomensurabilidade teórica. Contudo, a situação no contexto da “reação pública” derivada do colóquio no Bedford College não é muito distinta. Nesse caso, o alvo das críticas feyerabendianas concerne à “ciência normal” e suas consequências metodológico-ideológicas. Assim, Hoyningen-Huene (2005, p. 168) destaca que a questão da comparação teórica, relativamente à proposta kuhniana, não passa de um “assunto passageiro” no texto de 1970. No entanto, quando menciona o tema, o austríaco não expressa a desconfiança assinalada na citação da carta: “Com a discussão sobre a incomensurabilidade”, ele celebra, “eu chego ao ponto da filosofia de Kuhn o qual eu aceito completamente” (Feyerabend, 1981b, p. 152). E continua: Ainda me lembro, maravilhado, da harmonia pré-estabelecida que nos fez não somente defender ideias similares, mas utilizar as mesmas palavras para expressá-las. A coincidência, claro, está longe de ser misteriosa. Nós dois tínhamos estudado o problema anteriormente, embora em termos diferentes e com resultados de certo modo diferentes […] Então eu li os primeiros esboços do livro de Kuhn e discuti o conteúdo com ele. Nessas discussões ambos concordamos que novas teorias, apesar de melhores e mais refinadas do que suas predecessoras, não eram ricas o bastante para tratar com todos os problemas para os quais a precedente tinha fornecido uma resposta definida e precisa. (Feyerabend, 1981b, p. 152)

É preciso consultar a publicação de A Ciência em uma Sociedade Livre (1978) para termos um sinal mais claro das dessemelhanças entre as definições de Kuhn e Feyerabend sobre o conceito em questão. Vimos acima que a formulação kuhniana de 1962 engloba a incomensurabilidade conceitual, metodológica e observacional, porém, apesar de já mencionar a “incompatibilidade avaliativa” e investigar “incongruência perceptiva” em torno de 48

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1960, como mostramos, Feyerabend não se definiu sobre esses tópicos até a publicação da primeira edição do Contra o Método, em 1975. Para confirmar essa leitura, cumpre recorrer à seguinte passagem de A Ciência em uma Sociedade Livre: “Ao contrário de Kuhn, minha pesquisa começou de certos problemas na área [conceitual] e referindo-se apenas a teorias” (Feyerabend, 2011, p. 83). Vale lembrarmos, pois, que Feyerabend não incluiu aquelas vertentes da incomensurabilidade no seminal artigo “Explicação, Redução e Empirismo”. A estrutura da tese da incomensurabilidade, germinada em 1962, consiste na rejeição da imagem do progresso científico difundida pelos neopositivistas. Dessa forma, o cerne da crítica feyerabendiana visava especificamente aos ditames de consistência lógica e invariância do significado. Com efeito, as concepções dos filósofos convergem exata e unicamente nesse tratamento semântico da incomensurabilidade. Ambos renunciam ao modelo reducionista que explica o avanço científico através da absorção contínua e gradual do material empírico. Apesar disso, não devemos incorrer na falha de considerar que os filósofos chegaram à mesma conclusão trilhando caminhos semelhantes. É importante saber que Feyerabend estrutura a sua versão da tese da incomensurabilidade com vistas a rejeitar a concepção do Círculo de Viena de que as trocas teóricas acontecem respeitando o modelo de aumento empírico do saber nas bases da estabilidade das “proposições protocolares”. Desde sua tese de doutoramento Zur Theorie der Basissätze [Sobre a Teoria das Proposições Protocolares], defendida em 1951, até o ano de 1962, quando ele publicou o seminal artigo histórico-filosófico contra a perspectiva cumulativista neopositivista, o plano feyerabendiano consiste, basicamente, em demonstrar que o avanço teórico não ocorre mediante a subsunção do conteúdo observacional das teorias precedentes no interior de hipóteses empiricamente mais estáveis e baseadas em “proposições protocolares”. Lemos isto no Contra o Método: 49

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Cheguei a esse fenômeno [incomensurabilidade teórica] quando estudava os primeiros trabalhos sobre enunciados básicos e a possibilidade de percepções radicalmente diferentes da nossa. Em minha tese, examinei o significado dos enunciados observacionais. (Feyerabend, 2007, p. 285-286)

Por seu turno, a ideia de incomensurabilidade do Estrutura partiu originalmente da reorganização intelectual requisitada pela leitura da Física de Aristóteles. Assim posto, Kuhn aproximou-se daquele conceito filosófico buscando escapar dos anacronismos comuns nos estudos históricos sobre a ciência. A diferença de percurso foi destacada pelo próprio pensador austríaco: O ano de 1962 é também o ano do grande livro de Kuhn”, ele expôs, “mas Kuhn usou uma abordagem diferente para aplicar o mesmo termo a uma situação similar (mas não idêntica). Sua abordagem era histórica, ao passo que a minha era abstrata (Feyerabend, 2007, p. 286-287).

De um lado, no referido ensaio Explicação, Redução e Empirismo, Feyerabend dedicou-se a demonstrar a impossibilidade de redução lógico-conceitual de teorias que postulavam ontologias incompatíveis. O escrito kuhniano, por outro, também acena para a improcedência do reducionismo, porém incorpora ainda as variantes metodológicas e perceptivas das discrepâncias paradigmáticas. Portanto, se analisarmos os textos de 1962, é certo salientar que “o conceito feyerabendiano de incomensurabilidade é muito mais restrito do que o de Kuhn” (Hoyningen-Huene, 2005, p. 159). Contudo, nos escritos posteriores de Kuhn e Feyerabend sobre o tema em questão, há uma inversão dos enfoques. O autor de Estrutura gradativamente restringiu a sua proposta ao terreno linguístico, abandonando as pesquisas sobre a multiplicidade dos valores epistêmicos e das diferenças observacionais. Kuhn (2000/2006, p. 358-359) reconheceu: “Eu fiz mais confusão com [a incomensurabilidade] do que [Feyerabend]; hoje 50

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acho que tudo é linguagem […]”. No entanto, o autor do Contra o Método manifestou “pouca simpatia pela tentativa de Kuhn de amarrar a história [da ciência] com cordas filosóficas ou linguísticas […]” (Feyerabend, 2007, p. 288). Por sua vez, o austríaco englobou, em suas publicações pós-1970, tópicos pouco desenvolvidos nos artigos da década anterior. Na compreensão de Hoyningen-Huene (2005, p. 159), “Kuhn gradualmente elimina tudo de sua noção de incomensurabilidade que não se relaciona com conceitos científicos. Feyerabend, ao menos ocasionalmente, incluiu mais tarde aspectos da percepção.

6. Kuhn e Feyerabend revisando o “descontrutivismo desvairado” dos SSK Em Matando o Tempo, a sua autobiografia intelectual, Feyerabend desqualificou como ortodoxas as suas objeções ao esboço do escrito kuhniano. “[C]ritiquei o manuscrito de Kuhn de sua A Estrutura das Revoluções Científicas”, ele assumiu em 1994, “que li em torno de 1960 de uma maneira bem antiquada” (Feyerabend, 1996, p. 149). Ora, apenas o conhecimento desse trecho já seria o suficiente para convidar-nos a esmiuçar um pouco mais o intercâmbio teórico estudado aqui. Afinal, contrariamente ao propalado pelo “senso comum filosófico”, a relação intelectual entre os dois pensadores parece ser tanto constituída por momentos pontuais de aproximação quanto atravessada por profundas dessemelhanças. Já no final dos anos de 1980, o autor do Contra o Método reconhecia mais uma dessas possibilidades de proximidade considerando aspectos, naquele tempo em elaboração, da filosofia kuhniana. Ele registrou, em uma passagem de A Conquista da Abundância, uma valiosa compilação póstuma de artigos e ensaios feyerabendianos: “[E]u também percebi que minhas ideias são muito semelhantes, e até quase idênticas, às da filosofia posterior de Kuhn, ainda inéditas então” (Feyerabend, 2006a, p. 195, n. 28). Porém, tal admissão, datada de 1989, não 51

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explicita o conteúdo do acordo em questão. Diante disso, consideramos que o conhecimento desse aspecto terá que aguardar a publicação da terceira edição do Contra o Método em 1993, o qual traz um breve anexo conclusivo no qual o autor comenta, dentre outras coisas, o ajuste entre as suas ideias e as que Kuhn elaborou nos seus últimos escritos, incluídos no volume O Caminho desde A Estrutura (2000/2006). Partindo desse recorte bibliográfico – ainda muito pouco explorado pelos especialistas – descobrimos que o ponto de convergência entre a “fase final” das epistemologias de Kuhn e Feyerabend tem como ensejo uma recusa àquela crítica social da ciência cuja referência geográfica é a Grã-Bretanha e que elege como marco teórico o livro Knowledge and Social Imagery (1976), de D. Bloor. Ainda que, como será mostrado, Feyerabend já mencionasse o pensamento blooriano em escritos anteriores é salutar que nem ele nem Kuhn oferecem um estudo esmerado daquela tendência nascida no término dos anos de 1970 a partir do “Science Studies Unity da Universidade de Edimburgo”. Isso pode ser facilmente confirmado, por exemplo, a partir de uma visada no artigo resultante da conferência de Kuhn junto a Robert e Maurine Rothschild Distinguished Lecture Series, proferida na Universidade de Harvard no ano de 1991. Os pensadores tratam, pois, os SSK como um aglomerado de concepções relativas à constituição e à relação da produção do conhecimento com fatores sociais, culturais, econômicos, institucionais etc. e, discutindo em particular uma de suas versões “mais radicais”, focalizam especialmente a forma de conceber a ciência que se intitula “Programa Forte”, muito embora saibamos do enorme dissenso entre os sociólogos da ciência acerca das pretensões, dos limites, das metodologias, dos conceitos e das abordagens dessa disciplina. Com base nisso, antes de apresentarmos a divergência conjunta de Kuhn e Feyerabend, nos anos 1990, relativamente aos SSK, convém esboçar uma ideia daquilo que trabalhos introdutórios aos estudos sociais da ciência consideram 52

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essencial dessa forma de pensar o conhecimento científico, com vistas a ter um cenário da posição vaga que os filósofos em estudo estão recusando. Dentre tantos escritos similares disponíveis, reportamo-nos ao Filosofía de las Ciencias – Temas y Problemas (2008), de Héctor A. Palma. Afinal esse trabalho objetiva ofertar, com um só fôlego, uma discussão cronológico-temática das reflexões epistemológicas avançadas ao longo do século XX, desde a formação do neopositivismo do Círculo de Viena até as atuais abordagens histórico-naturalistas, dentre as quais se inclui o trato sócioantropológico do saber científico. Nesse horizonte, seriam cinco os princípios epistêmicos básicos da “nova” sociologia da ciência, os quais se distribuem entre as diversas concepções teórico-metodológicas da disciplina. [1] O princípio de naturalização estabelece que os processos de construção do saber científico são parte constitutiva e estruturante dos mecanismos de admissão e proposição das teorias científicas. Assim, a ortodoxa dicotomia entre os dois contextos da produção científica torna-se compreendida como categorias sintéticas de um mesmo trabalho, em que apenas analiticamente podemos tratar a descoberta e a justificação das teorias científicas como etapas estanques da prática científica efetiva. [2] O princípio do relativismo força uma revisão tanto dos critérios de demarcação entre as ciências e os demais discursos humanos quanto dos padrões avaliativos referentes à racionalidade e à progressividade das trocas teóricas. [3] O princípio do construtivismo afirma que a produção científica é contextualizada a um recorte teórico-conceitual da “realidade em si” e que a aceitação de seus resultados exige um delicado processo de socialização por parte dos membros da comunidade científica. Portanto, não se pode esperar que a ciência seja uma representação espelhada e objetiva das leis da natureza. [4] O princípio de causação social estabelece que o saber científico deriva de sistemas comunicativos coletivamente compartilhados e deve, em consequência, ser explicado por causas histórico-so53

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ciais, não a partir de motivações epistêmicas neutras ou imparciais. [5] O princípio da eficácia, por fim, sublinha que o valor distintivo da ciência frente a alternativas gnosiológicas é o fato de seus resultados estarem em consonância com os interesses da sociedade, de forma que uma mudança substancial nos padrões culturais necessariamente teria ressonâncias no status social da ciência. Com efeito, embora possamos incluir outros elementos nesse esboço, os cinco princípios elencados trazem um retrato relativamente fiável de certas posições correntes entre os adeptos dos SSK, ainda que dificilmente encontremos alguma escola que acolha todos eles, simultaneamente. As principais obras de Kuhn e Feyerabend guardam aspectos direta ou indiretamente relacionados com aqueles cinco princípios da “nova” sociologia da ciência. Assim, não obstante a impossibilidade de discutir, aqui, o tópico com maior detalhe e rigor, convém sugerir em que direção o Estrutura ou o Contra o Método, dentre outros escritos dos pensadores, preludiam traços essenciais dos SSK. Por exemplo, o princípio do relativismo aparece no escrito kuhniano de 1962 mediante a rejeição da concepção cumulativista do progresso e da racionalidade das trocas teóricas. Ele assevera que trocas teóricas consistem em uma “reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações” (Kuhn, 1962/2001, p. 116). O autor do Estrutura também parece admitir algo próximo ao princípio de causação social ao sustentar uma similaridade entre ciência e demais organizações sociais: Tal como a escolha entre duas instituições políticas em competição, a escolha entre paradigmas em competição demonstra ser uma escolha entre modos incompatíveis de vida comunitária (Kuhn, 1962/2001, p. 127);

ou, de outra forma, ao sublinhar que o critério definidor do estatuto de cientificidade de uma hipótese teórica é o acordo da 54

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comunidade científica: “Na escolha de um paradigma”, sustentou Kuhn, “não existe critério superior ao consentimento da comunidade relevante” (Kuhn, 1962/2001, p. 128). O princípio de naturalização, por sua parte, foi explicitamente assumido (ainda que não venha com essa denominação) já na edição inaugural do Contra o Método, em 1975, em face da afirmação que a pesquisa concernente às condições sócio-histórico-psicológicas da produção do conhecimento leva, em verdade, a uma crítica de tais considerações – contanto que os dois domínios, o da pesquisa histórica e o do exame dos processos de teste, não sejam mantidos estanques por decreto irrecorrível (Feyerabend, 1977, p. 260-261).

“Os cientistas”, refere Feyerabend, em 1989, consonante ao mencionado princípio do construtivismo, seriam escultores da realidade […] Eles não apenas agem causalmente sobre o mundo (embora eles façam isso também e tenham que fazê-lo se quiserem descobrir novas entidades); eles também criam condições semânticas, engendrando fortes inferências de efeitos conhecidos a novas projeções e, inversamente, das projeções a efeitos testáveis (Feyerabend, 2006a, p. 195).

E, finalmente, na compilação Adeus à Razão, o pensador austríaco debateu o princípio da eficácia ao defender: Então, as razões “objetivas” [para preferir a ciência e o racionalismo ocidental] simplesmente não existem […] A civilização ocidental ou foi imposta pela força, e não em virtude de argumentos que mostravam sua veracidade intrínseca, ou aceita porque ela produzia armas melhores; e seu avanço, embora fizesse algum bem, também causou enorme dano (Feyerabend, 2010, p. 353)

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Ainda que descontextualizadas e carentes da análise requerida, é claro que todas as passagens supracitadas indicam ocasiões nas quais as epistemologias dos autores do Estrutura e Contra o Método podem ser tomadas como fundadoras dos citados princípios dos SSK. Ademais, é essencial reconhecer que a atribuição genealógica posta em questão encontrou motivação nas próprias palavras dos filósofos. Por exemplo, em uma entrevista concedida na década de 90, Kuhn assumiu explicitamente que o seu consagrado Estrutura seria melhor entendido não como uma obra filosófica ou historiográfica, mas um estudo sociológico sobre a ciência: “Hoje talvez eu o catalogasse numa disciplina que na época nem sequer existia nos Estados Unidos: a sociologia do conhecimento” (Borradori, 2003, p. 214). Na mesma época, Feyerabend escrevia isto – a respeito da sua concepção de que a ciência erige instrumental e conceitualmente a realidade sobre a qual efetua experimentos: Isso soa como o programa forte da sociologia da ciência, exceto que os êxitos são limitados pelas propriedades do material que utilizam (Feyerabend, 2007, p. 361).

Portanto, tanto partindo de declarações quanto de preceitos epistemológicos contidos em seus escritos, é bastante legítimo – embora não plenamente justo, como veremos a seguir – estabelecer uma ligação genealógica entre os trabalhos de Kuhn e Feyerabend e a abordagem sociológica do conhecimento científico. Entretanto, cumpre também sublinhar que ambos os autores apresentaram críticas fortes aos SSK, sobretudo, com a sua versão oriunda do centro Science Studies Unity de Edimburgo. E é nesse ponto que, conforme assinalamos, as concepções Kuhn e Feyerabend confluem novamente, pois, a partir da década de 1990, eles aprofundam uma objeção semelhante aos críticos sociais da ciência.

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Ao menos desde o final da década anterior, quando lançou seus Three Dialogues on Knowledge, o anarquista epistemológico já vinha rivalizando com a perspectiva teórica do Programa Forte, cujas ideias discutiremos em seguida. Curiosamente, naquele momento, Feyerabend enxergava – e repelia sarcasticamente e em bloco – um teoricismo exacerbado presente nos trabalhos de Kuhn e Bloor, dentre outros: A maioria dos filósofos que falam sobre o relativismo referem-se à Rorty, que alucina em suas concepções, ou à Kuhn, que possuía uma teoria e tentou muito conquistar filósofos profissionais, ou a sociólogos tais como Bloor que também têm teorias. E os existencialistas também têm seus heróis – Kierkegaard e Heidegger. Ademais, Rorty, Kuhn, Bloor, Heidegger são comprometidos no sentido de que eles se colocam como profissionais e centram sua vida em torno da sua “obra”. Eu não sou um profissional, não quero ser, e raramente penso “filosoficamente”. Nunca estudei filosofia – meu primeiro trabalho filosófico veio através de amigos e da intervenção de Schroedinger, que me conhecia como estudante – e quando li um ou outro livro de filosofia o fiz para gastar o tempo e não por um projeto elaborado. (Feyerabend, 1991, p. 155-156)

O Programa Forte em sociologia da ciência surgiu nos finais da década de 1970 e teve as suas bases programáticas definidas no influente trabalho Knowledge and Social Imagery, de David Bloor. No geral, tal perspectiva assume a contextualidade histórico-social da produção do conhecimento, porém pretende solidificar a sua argumentação em investigações de natureza empírica – ou “estudos de caso”. Nesse horizonte, reconhecemos, através de episódios e análises gerais, o perfil comunitário da ciência, seja nos níveis instrumental, teórico, semântico e mesmo observacional. Com efeito, o Programa Forte parece sustentar a presença de interesses, concepções de mundo e crenças (religiosas, esté57

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ticas, metafísicas etc.) entre os pressupostos basilares da pesquisa científica, bem como salientar que tais aspectos influenciam na avaliação dos resultados das investigações. Por conseguinte, até mesmo o próprio conteúdo das teorias mostra-se passível de escrutínio sociológico, e não exclusivamente lógico. Invertendo, pois, a gnosiologia clássica (cuja imagem exemplar encontra-se no Teeteto de Platão e a hipotética definição de conhecimento como uma “opinião verdadeira justificada” – um tipo de juízo devidamente amparado em evidências racionais), os herdeiros do Programa Forte afirmam que o conhecimento consiste, essencialmente, naquilo que os membros da comunidade consideram, coletivamente, ser verdadeiro. Assim, o fato mesmo de uma hipótese científica legitimar-se como uma teoria verdadeira deve ser pensado como uma espécie de “imposição social” decorrente, especialmente, dos processos de educação científica – ou melhor: trata-se de um complexo processo social de adesão a princípios e preceitos que, gradualmente, converte, mediante uma sólida prática pedagógica acompanhada de complexos processos de negociação entre pares, crenças compartilhadas em conhecimentos tomados como verdadeiros pelo grupo. Uma parte importante desse modelo teórico pode ser depreendida a partir da controversa quadra de princípios metodológicos que orientam essa tendência sociológica, impressos nas páginas de abertura do Knowledge and Social Imagery: 1- Ele seria causal, isto é, preocupado com as condições responsáveis por dar origem a crenças ou estados de conhecimento. Naturalmente, há outros tipos de causas além das sociais as quais cooperam para causar certas crenças. 2- Ele seria imparcial com respeito à verdade e à falsidade, racionalidade ou irracionalidade, sucesso ou falha. Ambos os lados dessas dicotomias requerem explicação. 3- Ele seria simétrico em seu estilo de explicação. Os mesmos tipos de causa explicariam, por exemplo, crenças verdadeiras e falsas. 58

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4- Ele seria reflexivo. Em princípio seus padrões de explicação teriam de ser aplicáveis à própria sociologia. Assim como o requerimento por simetria, este é uma resposta para a necessidade de buscar por explicações gerais. Esse é um requerimento óbvio de princípio, afinal, de outro modo a sociologia seria uma refutação de suas próprias teorias. (Bloor, 1973/1991, p. 7)

Para nossos propósitos, não convém, nessa ocasião, discutir inconsistências internas ou aspectos problemáticos gerais do tratamento sociológico sugerido por tais ditames metodológicos. Queremos destacar, de forma sintética, o desacordo que Kuhn e Feyerabend mostram em relação ao Programa Forte e, dessa maneira, nuançar aquela perspectiva genealógica tão difundida referente aos estudos sociais da ciência. Para tanto, tomamos, como principal fio condutor, a conferência proferida por Kuhn em 1991 em Harvard e complementamos com o pós-escrito que o austríaco anexou à edição final do seu Contra o Método. O ensaio kuhniano “O Problema com a Filosofia Histórica da Ciência” foi preparado em 1991 e vale tanto como uma excelente referência de um momento de autocrítica empreendido pelo autor quanto como uma revisão resumida dos desenvolvimentos das abordagens sobre o conhecimento científico a partir dos anos 1960. O essencial é a percepção do gradual abandono da concepção logicista do Positivismo Lógico e de seus rígidos preceitos epistemológicos. Com efeito, a “guinada historicista” em filosofia da ciência, efetuada por pensadores como S. Toulmin, T. Kuhn, M. Hesse, A. Grümbaum, P. Feyerabend, J. Clark, J. Agassi ou N. R. Hanson, gerou uma transformação na imagem da ciência que vinha sendo divulgada pelo menos a partir das primeiras décadas do século XX. Embora seja extremamente difícil precisar quais foram (se é que haviam) aspectos unificadores da concepção do Empirismo Lógico, é possível indicar alguns pontos de divergência entre a ótica dos membros do Círculo de

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Viena e os seus críticos. O autor do Estrutura ofereceu, pois, uma objetiva lista de aspectos sobre os quais houve dissenso e que vão desde a estrutura unitária do método científico até a ingênua teoria da percepção acampada pelos empiristas lógicos. Com efeito, a “nova abordagem” elaborada a partir dos anos de 1960 rejeitou, por exemplo, a crença na impessoalidade da descrição factual, com base na percepção de que a seleção e a interpretação dos dados empíricos pressupõem uma complexa adoção de princípios e teorias. Além do mais, a noção neopositivista de que as leis científicas são erigidas a partir de um acúmulo gradual de dados gnosiológicos, de modo a estender gradualmente nossas capacidades explanatórias dos fenômenos – tendo, no critério da ampliação teórica, o marco privilegiado de eleição entre teorias rivais alternativas –, revelou-se infundada a partir da notação histórica de trocas teóricas progressivas nas quais não houve subsunção do conteúdo teórico-observacional das teorias precedentes. Por fim, convém lembrar a recusa generalizada que, após a segunda metade do século passado, se formou em torno da distinção entre os “dois contextos” da explicação científica. Não se mostrou mais possível discriminar os movimentos de produção e construção de teorias científicas dos seus processos de justificação. Essas questões, e outras tantas, compuseram o cenário da discussão contemporânea e ocasionaram sérias mudanças no quadro da epistemologia das ciências. “Já estávamos insatisfeitos com a tradição prevalecente e procurávamos indícios comportamentais por meio das quais reformá-la”, explicou Kuhn (2000/2006, p. 137). Porém, as repercussões dessas alterações na perspectiva filosófica sobre a ciência germinaram frutos que os seus próprios produtores não se manifestaram dispostos a abraçar. É nesse sentido que o autor do Estrutura interpretou as apropriações que foram feitas por alguns sociólogos relativamente às contribuições dos filósofos-historiadores da ciência, ainda que admita a relevância desse uso. “Penso que não se pode colocar em dúvida o caráter inovador ou a importância deles”, 60

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ele expressa acerca dos estudos sociais da ciência. “Mas seu efeito final”, conclui, “ao menos de uma perspectiva filosófica, foi aprofundar, em vez de eliminar, a própria dificuldade que se propunham a resolver” (Kuhn, 2000/2006, p. 138). Talvez o ponto de maior tensão, nessa revisão kuhniana sobre os efeitos sociológicos de sua obra – resultado que também estaria relacionado à obra de outros pensadores de inclinação historicista –, é a compreensão de que absolutamente todos os aspectos da vida científica são experimentados no quadro das relações humanas e institucionais. Assim, mesmo os resultados experimentais e as soluções de problemas lógicos e práticos estariam submetidos à dinâmica das comunidades científicas dos seus interesses e regras. O famoso trecho, que segue, condensa a crítica kuhniana que, como veremos logo a seguir, foi encampada ipsis litteris pelo autor do Contra o Método: Interesse, políticas, poder e autoridade sem dúvida desempenham um papel significativo na vida científica e em seu desenvolvimento. Mas a forma que os estudos da ‘negociação’ tomam, como indiquei, tornou difícil perceber o que mais também pode desempenhar um papel relevante. De fato, a forma mais extrema do movimento, denominada por seus proponentes ‘o programa forte’, tem sido geralmente entendida como a defesa de que o poder e interesse são tudo o que há. A própria natureza, seja lá o que for isso, parece não ter papel algum no desenvolvimento das crenças a seu respeito. O falar de evidência, da racionalidade das suas asserções extraídas dela e da verdade ou probabilidade dessas asserções foi visto como simplesmente retórica atrás da qual a parte vitoriosa esconde seu poder. O que passa por conhecimento científico torna-se, então, apenas, a crença dos vitoriosos. Estou entre aqueles que consideram absurdas as afirmações do programa forte: um exemplo de desconstrução desvairada. E, em minha opinião, as formulações históricas e sociológicas mais moderadas que procu-

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ram depois substituí-lo dificilmente são mais satisfatórias. (Kuhn, 2000/2006, p. 139)

A esse propósito, Feyerabend incluiu, em 1993, em seu livro mais conhecido o Pós-escrito sobre o Relativismo e discutiu essa situação dos estudos sociais da ciência. Inicialmente, ele reconheceu que algumas de suas afirmações ecoavam aspectos da tendência sociológica filiada ao Knowledge and Social Imagery. Com respeito a certas afirmações impressas no já referido ensaio Realismo e a Historicidade do Conhecimento, de 1989, ele afirmou: “isso soa como o programa forte da sociologia da ciência, exceto que os escultores são limitados pelas propriedades do material que utilizam” (Feyerabend, 2007, p. 361). Ademais, o austríaco reconheceu uma similaridade entre a sua compreensão dessa vertente dos estudos sociais da ciência e aquela elaborada por Kuhn, expressa no trecho já citado. Ele admitiu: Ambos opomo-nos ao programa forte na sociologia da ciência. Aliás, eu diria, exatamente como Kuhn, que ‘as afirmações do programa forte’ são ‘absurdas: um exemplo de desconstrução desvairada’. Também concordo que não é suficiente solapar a autoridade das ciências por meio de argumentos históricos: por que deveria a autoridade da história ser maior do que, digamos, da física? Tudo o que podemos mostrar historicamente é que um recurso geral à autoridade científica leva a contradições. Isso solapa todo recurso desse tipo; contudo, não nos diz como a ciência deveria ser agora interpretada ou usada. (Tais questões, eu diria, têm de ser respondidas pelas próprias partes interessadas, de acordo com seus padrões, concepções e comprometimentos cultuais). (Feyerabend, 2007, p. 363)

Como podemos perceber, Kuhn e Feyerabend rejeitaram, conjuntamente, as ideias do Programa Forte, ao menos no formato como eles interpretaram-no. Os autores compreendem que o programa blooriano asseverava que todos os aspectos das 62

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resoluções científicas são efeitos de negociações e acordos comunitários, incluindo os resultados materiais. Talvez seja valioso salientar que, após os anos 1960, houve uma crescente onda de desconfiança e hostilidade com relação a qualquer tipo de autoridade (cultural, política, moral, artística etc.). Vale sugerir que, em certo sentido, as críticas às epistemologias fundacionistas e cientificistas que eclodiram a partir desse momento afluem nesse movimento geral da sociedade, abarcando nessa tendência tanto os escritos de Kuhn e Feyerabend quanto à obra de seus partidários mais entusiasmados. Ora, é possível ponderar que, na compreensão ofertada pelos escritores de Estrutura e Contra o Método, os estudos de “microsociologia da ciência”, para empregar uma expressão generalizadora kuhniana, sinalizam uma espécie de radicalização desesperada frente ao colapso geral da ótica logicista, cujo marco epistemológico seria o neopositivismo de origem vienense. Em outras palavras, Kuhn e Feyerabend parecem aceitar como certo que relações de poder e jogos de interesses fazem parte da vida científica. Mesmo uma leitura de sobrevoo sobre os trabalhos mais populares dele atesta isso. No entanto, eles jamais reduzem a prática científica efetiva exclusivamente a tais categorias ditas “extralógicas”. Uma olhada mais atenta às reflexões que eles desenvolveram tardiamente – e que foram compiladas em volumes como O Caminho desde A Estrutura ou A Conquista da Abundância – ensina-nos, por exemplo, que Kuhn defendeu a presença de diversos elementos (além dos interesses e jogos de poder) no desenvolvimento da ciência (ver Kuhn 2000/2006, p. 145); e que Feyerabend admitiu que a Natureza oferece resistências e obstáculos materiais às abordagens teóricas. Portanto, é nesse sentido que, embora haja razão em tributar-lhes certas características vinculadas aos SSK, e ao Programa Forte em especial, não podemos negligenciar as sérias recusas de Kuhn e Feyerabend às versões “mais extremadas” (que os filósofos reconhecem no Programa Forte, sem discutir outras vertentes dos SSK) da sociologia da ciência, conforme sumariamos anteriormente. 63

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Conclusão Ao considerarmos, com algum cuidado, o programa filosófico de Kuhn e Feyerabend, encontramos diversos pontos de antagonismos entre outros (decerto, menos numerosos) pontos de aproximação. Entre dissensões privadas e públicas sobre o Estrutura e aproximações pontuais no final dos anos dos anos de 1960, descobrimos que, na época em que eles discutiram os saldos do Programa Forte, algo em torno dos anos de 1990, é possível localizar uma convergência dupla em seus olhares, o que aponta mesmo para interesses investigativos comuns. De um lado, negam o “desconstrutivismo” que, para algumas interpretações, tipifica versões extremas dos SSK, como o programa blooriano. Por outro, naquele momento as filosofias kuhniana e feyerabendiana concordaram com a concepção segundo a qual as diferentes visões científicas modelam a realidade a partir de métodos, pressupostos, técnicas, conceitos e procedimentos próprios, sendo, desse modo, impossível tratá-las como um corpo disciplinar coeso e unitário. Vejamos: ‘[A] ciência’, afirmou Kuhn (2000/2006, p. 149), ‘deveria ser vista como uma estrutura complexa, mas assistemática, de especialidades ou espécies distintas, cada qual responsável por um diferente domínio de fenômeno e dedicada a mudar as crenças correntes a respeito de seu domínio, de modo que aumentem sua exatidão e os outros critérios-padrão que mencionei. Para esse empreendimento, sugiro, pode-se ver que as ciências, que devem por isso ser consideradas no plural, retêm uma autoridade muito considerável’. ‘Para resumir’, Feyerabed sublinhou no seu Contra o Método, ‘não há uma ‘visão de mundo’ científica, assim como não há um empreendimento uniforme denominado ‘ciência’ – exceto na mente dos metafísicos, mestre-escolas e políticos que tentam tornar a nação competitiva’ (Feyerabend, 2007, p. 333).

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A discussão sobre a unidade ou desunidade da ciência – e suas implicações metodológicas, conceituais ou ontológicas – é, pois, um aspecto interessante para entendermos, dentre tantos desacordos, um reencontro (ocorrido no fim de suas carreiras) das propostas de Kuhn e Feyerabend. Não convém, no entanto, aproximá-los – sem maiores cuidados – como promotores ou geradores dos SSK, mesmo que existam fatores razoáveis subsidiando esse passo interpretativo. Por exemplo, em uma carta que Feyerabend enviou ao seu amigo e filósofo Imre Lakatos, em 02/01/1974, ele referiu-se a Kuhn como “sociólogo-historiador” (Feyerabend, 1999, p. 351). Por seu turno, ao justificar com H. L. Dreyfus uma promoção salarial de $900,00 para Feyerabend junto à Universidade de Berkeley, Califórnia, Lakatos escreveu o seguinte: Também diria que a Sociologia da Ciência recebeu muitos estímulos consideráveis a partir dele [Feyerabend] e ao menos aqui na Europa sua influência na Sociologia da Ciência é igual ou superior à de Merton (Feyerabend, 1999, p. 316, n. 173).

Com efeito, vem de longe e de fontes variadas e incontroversas a atribuição genealógica da emergência dos SSK à dupla de autores que tivemos ocasião de abordar aqui. Ademais, essa atribuição evidencia-se tanto em manuais propedêuticos e obras de divulgação quanto em trabalhos aprofundados como o A Invenção das Ciências Modernas, publicado, em 1993, pela pensadora belga Isabelle Stengers. A autora também trabalha com a hipótese de que as pesquisas sociológicas da atividade científica originaram-se a partir da “guinada historicista” da filosofia da ciência ocorrida nos anos 1960. Segundo ela, na medida em que a análise histórica colapsou o ideal de “ciência pura” – objetiva, imparcial, neutra e autônoma –, restou interpretar a ciência sob a lente de um fenômeno político-social. No entanto, os SSK seriam não apenas uma extensão daquela tendência, mas um tipo 65

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de efeito tardio dela (em cerca de um quarto de século) e também mais radical – posto que trariam inclinações “anti-ciência” – do que ela. “O que dizer então da nova ‘antropologia’ ou ‘história social’ das ciências, que escandaliza os cientistas?”, indaga Stengers (2002, p. 17). “Ela se inscreve na esteira explicitamente aberta por Kuhn, mas não manifesta o mesmo respeito que ele pela produtividade científica”. Ora, esperamos ter assinalado elementos para justificar textualmente essa herança, bem como ter chamado atenção para obstáculos (também textuais) de unir, sem maiores detalhamentos, os SSK às abordagens do Estrutura e do Contra o Método. Portanto, não é inequívoca aquela tributação, sendo, antes, essencialmente ambígua. Assim, diante desse cenário, uma questão que pode ser posta concerne aos interesses e, mais além, às vantagens mesmas envolvidas na conexão das epistemologias de Kuhn e Feyerabend – ou, de resto, de qualquer outro filiado ao “programa historicista” – ao nascimento de uma disciplina acadêmica plenamente autônoma em termos metodológicos e conceituais relativamente àqueles pensadores, suas ideias, expectativas e pressupostos. O inegável fato de, por exemplo, o Estrutura ou o Contra o Método terem sido obras vanguardistas no contexto epistemológico em que surgiram – dominado, sobretudo, por um cientificismo empirista herdeiro do Círculo de Viena – não deve levar-nos ao ingênuo engano de que essas obras reservam para sempre tal fôlego ou valor. Afinal, não obstante certos problemas resistirem ao teste do tempo, é valioso reconhecer que a agenda epistemológica atual apresenta discussões, inflexões e propostas próprias e, decerto, muito inovadoras com respeito ao que pode ser garimpado nas célebres e respeitáveis páginas de Kuhn e Feyerabend. Enfim, diante da incerteza genealógica aludida, talvez o efetivamente importante seja reformular e solidificar certos aspectos teóricos dos SSK que apresentam problemas, confusões ou indicam inconsistências internas; noutros termos, abandonar estritos “interesses arqueológicos” da disciplina Sociologia das Ciências (ou deno66

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minações correlatas) e reconhecer os fundamentos, alargar os domínios de aplicação e, em particular, realizar a difusão conveniente dessa forma de compreender as ciências – seus frutos, bases e impactos – primariamente, mas não exclusivamente, em contextos acadêmicos e científicos.

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