APOSTILA do curso de História Oral

July 15, 2017 | Autor: Marcos Alvito | Categoria: Sociologia, Geografia, História, História Oral, Universidade, Antropologia
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Apostila de História Oral – Prof. Marcos Alvito – 2012 – 9
122
Apostila de História Oral – Prof. Marcos Alvito – 2012


Disponível em https://uff.academia.edu/MarcosAlvito









APOSTILA

HISTÓRIA ORAL

Prof. MARCOS ALVITO

Universidade Federal Fluminense


PARTE I:

DEFINIÇÕES de História Oral

As três MODALIDADES de História Oral






Definições de História Oral

[1] "A história oral foi instituída em 1948 como uma técnica moderna de documentação histórica, quando Allan Nevins, historiador da Universidade de Colúmbia, começou a gravar as memórias de personalidades importantes da história norte-americana."
(Oral History Association – EUA; citado por THOMPSON,1992:89)

[2] "A história oral é a utilização sistemática da pesquisa oral pelo historiador."
(JOUTARD In:BURGUIÈRE,1986:495)

[3] "Mais do que uma ferramenta, e menos que uma disciplina."
(Louiss Starr, citado por TREBITSCH In:FERREIRA,1994:19)

[4] "Por História Oral se entende o trabalho de pesquisa que utiliza fontes orais em diferentes modalidades, independentemente da área de conhecimento na qual essa metodologia é utilizada."
(Estatuto da Associação Brasileira de História Oral, fundada em 1994, Art.1º, par.1º; In: Revista de História Oral, nº1, 1998:14)

[5] "A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma transformação radical no sentido social da história."
(THOMPSON,1992:44)

[6] "A história oral só nos relata o trivial sobre as pessoas importantes e as coisas importantes (através da sua própria visão) das pessoas triviais."
(PRINS,Gwyn In:BURKE,1992:172, resumindo objeções à história oral – das quais PRINS não compartilha)

[7] "a História Oral, no fundo, é um instrumento pós-moderno para se entender a realidade contemporânea. (...) Pós-moderno por sua elasticidade, por sua imprevisibilidade, por sua flexibilidade."
(CAMARGO,Aspásia In:FERREIRA,1994:75-76)

[8] "Há, segundo me parece, um consenso em que a História Oral é um trabalho de pesquisa, que tem por base um projeto e que se baseia em fontes orais, coletadas em situação de entrevista."
(LANG,Alice Beatriz da Silva Gordo In:MEIHY,1996:34)

[9] "Em vista deste conjunto de procedimentos, pode-se aventurar uma definição de História Oral como um conjunto de procedimentos que vão desde o planejamento do projeto, a definição da colônia ["um grupo amplo que tenha uma 'comunidade de destino'], a eleição das redes [subdivisões significativas da "colônia"], o estabelecimento de uma pergunta de corte [um dilema comum, importante e explicativo da experiência coletiva, um recurso básico de unidade dos depoimentos, questão que deve estar presente em todas as entrevistas], a elaboração das entrevistas, a feitura dos textos e a devida guarda, a conferência e a devolução do documento à comunidade que o gerou. No caso de caber análises (...) dependerão do término da fase anterior."
(MEIHY,José Carlos Sebe Bom In:MEIHY,1996:54)

[10] "Que é, então, a história oral ? É um procedimento válido de investigação no trabalho do historiador e, num sentido secundário, das formas de historiografia criadas criadas por esta investigação. (...) A história oral são as memórias e recordações de gente viva sobre seu passado."
(SITTON,1989:12)

[11] "Entendida como metodologia, a história oral remete a uma dimensão técnica e a uma dimensão teórica. Esta última evidentemente a transcende e concerne à disciplina histórica como um todo."
(FERREIRA,M. & AMADO,J. In:FERREIRA & AMADO,1998:viii)

[12] "(...) é possível reduzir a três as principais posturas a respeito do status da história oral. A primeira advoga ser a história oral uma técnica; a segunda, uma disciplina; e a terceira, uma metodologia."
(FERREIRA,M. & AMADO,J. In:FERREIRA & AMADO,1998:viii)

[13] [i] "Aos defensores da história oral como técnica interessam as experiências com gravações, transcrições e conservação de entrevistas, e o aparato que as cerca: tipos de aparelhagem de som, formas de transcrição de fitas, modelos de organização de acervo etc. Alguns defensores dessa posição são pessoas envolvidas diretamente na constituição e conservação de acervos orais; muitos são cientistas sociais cujos trabalhos se baseiam em outros tipos de vontes (em geral, escritas) e que utilizam as entrevistas de modo eventual, sempre como fontes de informação complementar. (...) A essas pessoas, entretanto, somam-se as que efetivamente concebem a história oral como uma técnica, negando-lhe qualquer pretensão metodológica ou teórica: 'A chamada 'história oral' não passa de um conjunto de procedimentos técnicos para a utilização do gravador em pesquisa e para a posterior conservação das fitas. Querer mais do que isso é ingressar no terreno da mais pura fantasia. A história oral não possui os fundamentos filosóficos da teoria, nem os procedimentos que [...] possam ser qualificados como metodológicos. Ela é fruto do cruzamento da tecnologia do século XX com a eterna curiosidade do ser humano' (Roger,William. Notes on oral history. International Journal of Oral History,7(1):23-8,Feb.1986) "
(FERREIRA,M. & AMADO,J. In:FERREIRA & AMADO,1998:xii-xiii)

[14] [ii] "Os que postulam para a história oral o status de disciplina baseiam-se em argumentos complexos (...) parecem partir de uma idéia fundamental: a história oral inaugurou técnicas específicas de pesquisa, procedimentos metodológicos singulares e um conjunto próprio de conceitos; este conjunto, por sua vez, norteia as outras duas instâncias, conferindo-lhes significado e emprestando unidade ao novo campo do conhecimento: 'Pensar a história oral dissociada da teoria é o mesmo que conceber qualquer tipo de história como um conjunto de técnicas, incapaz de refletir sobre si mesma [...] Não só a história oral é teórica, como constituiu um corpus teórico distinto, diretamente relacionado às suas práticas'" (Mikka,Ian. What on earth is oral history? In: Elliot,James K.(ed.).New trails in history.Sydney:Australian Press,1988.pp.124-136)
(FERREIRA,M. & AMADO,J. In:FERREIRA & AMADO,1998:xiii)

[15] [iii] "Entre os defensores da história oral como metodologia situam-se as autoras desta apresentação e organizadoras do presente livro. (...) A divergência entre os que pensam como nós e os postulantes da história oral como disciplina reside em outro ponto: estes reconhecem na história oral uma área de estudos próprio e capacidade (como o fazem todas as disciplinas) de gerar no seu interior soluções teóricas para as questões surgidas na prática – no caso específico, questões como as imbricações entre história e memória, entre sujeito e objeto de estudo, entre história de vida, biografia e autobiografia, entre diversas apropriações sociais do discurso.
"Em nosso entender, a história oral, como todas as metodologias, apenas estabelece e ordena procedimentos de trabalho – tais como os diversos tipos de entrevista e as implicações de cada um deles para a pesquisa, as várias possibilidades de transcrição de depoimentos, suas vantagens e desvantagens, as diferentes maneiras de o historiador relacionar-se com seus entrevistados e as influências disso sobre seu trabalho -, funcionando como ponte entre teoria e prática. Esse é o terreno da história oral – o que, a nosso ver, não permite classificá-la unicamente como prática. Mas, na área teórica, a história oral é capaz apenas de suscitar, jamais de solucionar, questões; formula as perguntas, porém não pode oferecer as respostas.
As soluções e explicações devem ser buscada onde sempre estiveram: na boa e antiga teoria da história. Aí se agrupam conceitos capazes de pensar abstratamente os problemas metodológicos gerados pelo fazer histórico. (...) Apenas a teoria da história é capaz de fazê-lo, pois se dedica, entre outros assuntos, a pensar os conceitos de história e memória, assim como as complexas relações entre ambos."
(FERREIRA,M. & AMADO,J. In:FERREIRA & AMADO,1998:xiv-xv)

[16] "(...) é antes um espaço de contato e influências interdisciplinares (...) com ênfase nos fenômenos e eventos que permitam, através da oralidade, oferecer interpretações qualitativas de processos histórico-sociais. Para isso, conta com métodos e técnicas precisas, em que a constituição de fontes e arquivos orais desempenha um papel importante. (...) a história oral, ao se interessar pela oralidade, procura destacar e centrar sua análise na visão e versão que dimanam do interior e do mais profundo da experiência dos atores sociais."
(LOZANO,Jorge Eduardo Aceves In:FERREIRA & AMADO,1998:16)

[17] "Não voltemos à expressão 'história oral'. Ela se tornou inadequada e só deveria ser empregada a título histórico, para qualificar o período historiográfico dos anos 50 aos 80. (...) Portanto, se a história oral é entendida como um método, ela deve incluir-se na história do tempo presente, e se ela serve para designar a parte pelo todo, a expressão deve ser abandonada em prol da história feita com testemunhas."
(VOLDMAN,Danièle In:FERREIRA & AMADO,1998:34)

[18] "o elemento único e precioso que as fontes orais trazem para o historiador e que nenhuma fonte possui na mesma medida é a subjetividade do entrevistado. Se o enfoque da pesquisa é amplo e suficientemente articulado um panorama da subjetividade de um grupo pode emergir. As fontes orais não nos dizem apenas o que as pessoas fizeram, mas o que elas querem fazer, o que elas acreditavam estar fazendo, e o que elas agora pensam que fizeram." (PORTELLI, 1998a:67)

[19] "A utilização de testemunhos orais para reconstruir o passado é um recurso tão antigo quanto a própria história. A história oral, em contrapartida, quer a consideremos como uma especialidade dentro do campo historiográfico ou como uma técnica específica de investigação contemporânea a serviço de várias disciplinas, é um produto do século XX que enriqueceu substancialmente o conhecimento da história contemporânea.
A história oral e a tradição servem de fundamento para reescrever a história, mas também para combater as injustiças do passado. Povos que foram conquistados ou colonizados, no presente recorrem à sua tradição oral e resgatam a sua memória para reclamar direitos territoriais, linguísticos, ou para recuperar uma identidade cultural própria; sobreviventes da luta contra regimes militares ou opressivos, questionam hoje a história oficial com suas memórias subterrâneas e demandam o reconhecimento social e o castigo legal dos responsáveis por violar os direitos humanos. Ainda que de forma menos dramática, a gente comum exige respeito às suas memórias e tradições. "(POZZI,Pablo In: GRACIA e POZZI, 2008:5-6)

As três modalidades de história oral – de vida, temática e tradição oral

Obs: Os trechos de entrevista são material inédito ainda não publicado; pede-se não citar nem divulgar

História oral de vida

Definição: "narrativa do conjunto da experiência de vida de uma pessoa" (MEIHY,José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. São Paulo: Edições Loyola,1998.2.ed.p.45)

"Exemplo": Líder religiosa de uma igreja neo-pentecostal em Acari, 31 anos
(Entrevista realizada por M.A. em 14/5/1996, na própria Igreja, ver ALVITO,2009)

(M.A.) ... era a senhora falar rapidamente da onde a senhora nasceu, como é que a senhora foi criada, quem eram seus pais e como é que pela primeira vez a senhora se interessou pela religião, como é que foi isso.

Missionária: Marcos, eu nasci lá em Vila Kennedy, na rua [?] número 20, Vila Kennedy. Eu nasci em casa mesmo, não nasci no hospital, eu sou a filha mais nova e tenho 5 irmãos, comigo são cinco, eu sou a mais nova, o outro já partiu, mais novo, e na minha casa só quem é cristão sou eu não tem mais ninguém evangélico. Eu fui levada pra igreja com seis anos, tinha seis anos nesse tempo quando eu fui pra igreja. Eu não fui levada pelos meus pais, meus pais não eram cristãos, fui levada por uma senhora da Igreja Congregacional, uma igreja que tinha lá em Vila Kennedy, ainda tem essa igreja, e essa senhora se chamava Dona Juventina. Eu achava bonito aquelas crianças todas da rua, festival dominical, né que se chama, se chamava, e eu comecei, como diz, naquela coisa toda de criança, gostava muito, fazia muita bagunça na igreja, às vezes eu virava até banco da igreja, criança, né, com seis anos. Eu me lembro como se fosse hoje. E dali eu comecei. Aí as meninas foram se formando, foram ficando mocinhas também. Mas as minhas irmãs também iam com gosto pra igreja, a turma daquelas crianças toda.
E dessas crianças só quem escapou assim que ficou mesmo até hoje na Igreja, né, foi eu e mais duas moças, que hoje seguiram outros caminhos, outras igrejas, que é a Tânia e Janete. E eu fiquei, mas eu fiquei nessa Igreja até os doze anos, porque só tinham pessoas de idade lá, né, então eu não sei, com doze anos, vi as coisas assim mais clara na minha mente aí senti um desejo assim de fazer algo para Deus. Entendeu? Com doze anos. Então eu dizia que queria ser uma missionária, eu não dizia pastora, eu dizia que queria ser uma missionária, desde os meus doze anos. Que eu queria ser uma missionária, que eu queria fazer a obra de Deus. Entendeu? Mais aí eu não entendia nada. Não tinha assim aquela sabedoria dentro da palavra. Eu pensava que ser uma missionária era só chegar ali na frente, pegar o microfone, lê um versículo da Bíblia, pronto, acabou. Mas conforme a gente vai crescendo, né, assim, espiritualmente dizendo, na palavra, não é nada daquilo, a gente tem que estudar, né, entrar bem na palavra de Deus. Então para ser uma missionária não é só chegar ali na frente e falar, tinha que descobrir se eu tinha mesmo um chamado de ser uma missionária. Eu te falei, se eu tinha mesmo o chamado de ser escolhida de ser enviada a um lugar, né, ser uma missionária mesmo.
Daí que eu fui descobrindo como. Eu tinha um pastor chamado pastor Marcos, aliás missionário Borges, hoje ele tá pra São Paulo, ele dizia pra mim assim: 'Ah, você vai ser uma grande missionária, você tem o chamado.' Eu ficava toda boba, né? Eu vou ser missionária como? Ele dizia: 'O tempo, o tempo vai dizer.' Aí começou a me dar oportunidade na igreja, pra mim pregar, eu não entendia nada, falava tudo gaguejando, tremia muito. Nisso eu falei assim: se a gente quer algo a gente tem que se lançar, né, a gente tem que se esforçar. Nesse momento eu comecei a me lançar, comecei a me esforçar, né, comecei a estudar. Foi aí que Deus começou a fazer uma obra na minha vida, sabe, aí quando foi com dezoito anos fiz um ponto de pregação, ponto de pregação é o início pra você ter uma Igreja, né. Entendeu? É o início. Então o que é que eu fiz? O ponto de pregação lá no [morro do Sena?] perto do presídio de Bangu 1. Aquela coisa toda, né, nesse tempo não tinha ônibus lá pra dentro e lá era difícil, aquele matagal todo, até mesmo eu já arrisquei muito a minha vida, assim, atravessando rua, bêbados me seguindo, né, eu ter que voltar do caminho, bêbados me seguindo. Teve uma vez que um bêbado me seguiu tanto que eu tive que voltar pra trás, e atravessar ali em frente a Fiat, não tem a Fiat ali em Vila Kennedy? Eu atravessei ali, né, que tem uma entrada pra ir pro Guandu, eu atravessei ali, conforme eu atravessei o bêbado também atravessou, quando chegou na pista de subida para a cidade, de descida pra cidade, veio uma Kombi e pegou ele e matou ele, levantou ele alto. E eu fiquei preocupada. Os moradores lá viram, né, e eu fiquei preocupada com aquilo, fiquei com aquele negócio na minha cabeça. Falei: Meu Deus, se eu não tivesse atravessado o homem ali tinha me agarrado, que ele tava com a intenção, ele estava bêbado, eu falei assim: meu Deus, aí os moradores, não fica preocupada não, a senhora não tem culpa, que não sei o quê, aquela coisa. Sempre as pessoas me chamavam de senhora pelo procedimento, né. E nisso foi aquela coisa toda e eu fui pra igreja, encontro de pregação, nervosa. Meu Deus, eu matei um homem. Ai meu Deus, se eu não tivesse atravessado, olha só. Naquele momento eu poderia muito bem desistir de tudo. Talvez você não entenda, né, mas não sei se o Vanderley entende. Profecias, em nome da profecia. A mulher que nunca me conheceu, deu uma [?] pra mim. Eu tava nervosa naquele dia. Mas também não demonstrei nervosismo pra ninguém, eu posso tá com algum problema, mas eu não chego na frente do culto pra mostrar nervosismo. E eu peguei, naquele dia tava ligada ali, orando a Deus, e uma profeta [?] ela pra mim, uma senhora da Assembléia de Deus, dizendo que não era pra eu me preocupar que ele tinha me dado um livramento naquela noite. Eu não ia saber de nada. E naquele dia eu comecei a chorar. Eu falei : meu Deus aquela mulher não sabe de nada, como é que ela descobriu isso? Novinha, foi a primeira profecia. Meu Deus, a mulher não sabe de nada, não tava comigo nem nada, eu tava sozinha, o quê que aconteceu? Eu fiquei aliviada. Depois que acabou a reunião, eu cheguei perto dela, vem cá, o quê que cê tá sabendo? Não, Deus me mostrou que você passou por uma prova agora, um minuto antes de chegar aqui, tava numa perseguição, um homem tava perseguindo a senhora e a irmã pensou que tinha feito, que tinha matado o homem, aquela coisa toda. Aí eu fiquei mais aliviada, bom é a primeira prova que eu passei, eu poderia muito bem parar por ali. Tá entendendo? Foi aí que comecei (...)"

História oral temática

Definição: "Por partir de um assunto específico e preestabelecido, a história oral temática se compromete com o esclarecimento ou opinião do entrevistado sobre algum evento definido" (MEIHY,opus cit.,p.51)

Exemplo: O samba segundo dirigentes da Velha Guarda da Portela
(Seu Marinho,66 - diretor; Seu Luis,65; Seu Vieira,74 – presidente)
(Entrevista realizada por M.A. em 25/9/1999, na Portelinha, atual sede da VGP)

"O samba, antes dessa evolução toda, cada bateria de escola de samba batia prum orixá de candomblé, a batida era igual a um atabaque de candomblé. Vou te dar um exemplo: na Portela, quando a bateria era, sem ser isso que é hoje em dia, a bateria, o toque da bateria, a batida da bateria, era de Oxóssi, e assim sucessivamente. Cada escola, tinha sua batida pra um orixá. O samba veio da África prá cá. Até isso. Valorizam ? Não. Porque é negro etc. O samba, ele é um lamento negro. E na língua africana era semba. O nome é semba, na língua africana, nas nações africanas, e o samba é um lamento negro. É um lamento de sofrimento. O samba nasceu na senzala. É que nem aquele samba do Candeia. O samba nasceu na senzala"
Obs: O trecho em questão é a transcrição de uma fala de Seu Marinho.

Tradição oral

Definição: "trabalha com a permanência dos mitos e com a visão de mundo de comunidades que têm valores filtrados por estruturas mentais asseguradas em referências do passado remoto (...) Ainda que a tradição oral também implique entrevista com uma ou mais pessoas vivas, ela remete às questões do passado longínquo que se manifestam pelo que chamamos folclore e pela transmissão geracional, de pais para filhos ou de indivíduos para indivíduos" (MEIHY,opus cit.,p.53)

Exemplos: pesquisa sobre histórias "fantásticas" (de lobisomem, almas de escravos, mulher do latão, mula-sem-cabeça etc) contadas em favelas cariocas; tradição oral acerca da libertação dos escravos em comunidades negras (família que se reune para tal propósito no 13 de maio – entrevista de Benedita da Silva à revista Bundas, n.56, 11/7/2000); a tradição oral também pode ser transmitida pela música, como por exemplo, o jongo. É importante notar que a tradição é continuamente reinventada, por exemplo:

EXEMPLO 1: QUESTÃO RACIAL
O Lundu de Pai João (s.XIX): de autoria desconhecida, provavelmente composto no século XIX, após 1837 (pela menção à Casa de Correção), já contém uma crítica à sociedade branca. Alguns versos circulam até hoje, reaproveitados em sambas e rodas de partido alto.


"Quando iô tava na minha tera
Iô chamava capitão
Chega na terra dim baranco
Iô me chama – Pai João

Quando iô tava na minha terá
Comia mia garinha,
Chega na terra dim baranco
Carne seca com farinha.

Quando iô tava na minha tera
Iô chamava generá,
Chega na terra dim baranco
Pega o cêto vai ganhá.

Dizaforo dim baranco
Nó si póri atura
Tá comendo, tá drumindo.
Manda nego trabaiá.

Baranco dize quando more
Jesucrisso que levou,
E o pretinho quando more
Foi cachaça que matou
(...)

Baranco dize – preto fruta,
Preto fruta co rezão;
Sinhô baranco também fruta
Quando panha casião.

Nosso preto fruta garinha
Fruta saco de fuijão;
Sinhô baranco quando fruta
Fruta prata e patacão.

Nosso preto quando fruta
Vai pará na coreção,
Sinhô baranco quando fruta
Logo sai sinhô barão."

É reaproveitado (e ligeiramente modificado) no Samba de Rubens da Mangueira, gravado por Beth Carvalho no CD "Pérolas do Pagode", faixa 1 (1998 – Polygram):


"Ô, Isaura
pega na viola
o samba é bom
não vai terminar agora

Lá no Morro de Mangueira
Só não sobe quem não quer
Porque lá tem Tengo-Tengo
Santo Antônio e Chalé

Todo rico quando morre
Foi porque Jesus levou
Todo pobre quando morre
Foi cachaça que matou."

EXEMPLO 2: ABOLIÇÃO

A) Jongo 1 evocando a libertação dos escravos pela Princesa Isabel, "nas fazendas de café de serra acima [Vale do Paraíba, RJ], ex-escravos cantaram sem parar por três dias e três noites" (esse refrão). Fonte: SILVA,Eduardo. Dom Obá II, o Príncipe do Povo. São Paulo:Companhia das Letras,1997. p.182.

"Eu pisei na pedra/ Pedra balanceou/ Mundo tava torto/ Rainha endireitou"

Segundo Stein, 1990:302: "Jongueiros recorreram aos acontecimentos de 13 de maio para inspiração, referindo-se à atitude vacilante do Imperador ('pedra') em relação à abolição, elogiando o ato de sua filha ('rainha'): Eu pisei na pedra, pedra balanceou/ Mundo 'tava torto, rainha endireitou". Para um comentário alternativo, ver também ALVITO,2008

B) Jongo 2 evocando a libertação dos escravos pela Princesa Isabel:

"Tava dormindo/ cangoma* me chamou/ Levanta povo/ que o cativeiro já acabou"

*Cangoma (n.b. angoma, o tambor maior, de tronco escavado e de um couro só, usado no jongo-caxambu): cf. Kik.-kim. ngoma e umb. ongoma, "tambor"
Fonte: LARA,2007.

Que foram fundidos em C):

C) Jongo atribuído a Darcy Monteiro (o saudoso Mestre Darcy da Serrinha, 1932-2002), filho de Vovó Maria Joana (1902-1986), vinda de Valença no interior do Estado do Rio de Janeiro (região do Vale do Paraíba)

"Pisei na pedra/ Pedra balanceou/ Levanta meu povo/ Cativeiro se acabou"












PARTE II:

CRONOLOGIA – A História Oral no Brasil

BIBLIOGRAFIA acerca da história da História Oral

SITES de interesse

Rio de Janeiro - 2012




História Oral – Marcos Alvito

HISTÓRIA ORAL NO BRASIL - CRONOLOGIA

1973 :
- Primeira edição de Memória e Sociedade – Lembranças de Velhos, de Ecléa Bosi (embora a autora não use a expressão História Oral); a princípio, é um trabalho da área de psicologia, mas que acabou servindo de modelo aos oralistas.
1975 :
- Cursos de História Oral (PG Lato Sensu) fornecidos por especialistas mexicanos e norte-americanos na FGV-RJ, com base no currículo do Oral History Program da Columbia University; público específico de professores e pesquisadores das áreas de história e ciências sociais de várias instituições. O patrocínio era da Fundação Ford (+ CAPES), a qual também financiou uma iniciativa semelhante no México, a qual veio a redundar na criação do Archivo de la Palabra. Na verdade, a F.Ford financiava, desde 1973, a criação de um grupo para criar uma infra-estrutura de documentação para a pesquisa na área de Ciências Sociais do qual surge em 1974, com autorização do MEC, o Grupo de Documentação em Ciências Sociais (inicialmente com representantes da BN, do AN, da FGV e do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação que foi substituído em 1976 pela Casa de Rui Barbosa).
- Surgem os primeiros programas de História Oral no Brasil: na UFSC (estudo da política regional) e no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (CPDOC) da FGV (estudo das elites políticas brasileiras); embora o uso de entrevistas orais já fosse corrente entre cientistas sociais, a novidade estava na constituição de acervos de depoimentos orais de história de vida.

1976 :
- Publicação em português (no Brasil só em 1978) da obra coletiva Memórias do exílio: muitos caminhos, organizada por Pedro Celso Uchôa Cavalcanti e Jovelino Ramos.

1977:
- Carlos Humberto P.Corrêa (UFSC) defende sua dissertação de mestrado O documento de história oral como fonte histórica e coloca a público o primeiro Catálogo de Depoimentos.

1978:
- O mesmo Carlos Humberto P.Corrêa publica o livro História Oral. Teoria e técnica. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina.

1979:
- Programa de História Oral da Fundação Joaquim Nabuco (PE)

Década de 1980:
- Em 1980, publicação de OLIVEIRA,Albertina et alii. Memórias das mulheres no exílio. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
- Surgem novos programas de História Oral em PE e BA; realiza-se o 2º curso com especialistas estrangeiros sob a coordenação do prof. William Moss, diretor da Biblioteca John Kennedy; surgem também programas de História Oral fora da universidade, como o Programa Memória Judaica da Fundação Marc Chagall no RS e a Memória da Saúde na FIOCRUZ-RJ; cresce também o interesse na memória das grandes empresas estatais e agências governamentais, p.ex. criação em 1986 do Centro de Memória da Eletricidade no Brasil da Eletrobrás; instituições semelhantes também se interessaram por projetos de História Oral: Petrobrás, Banco Central, Ministério das Relações Exteriores, muitas vezes contratando instituições especializadas (CPDOC e Fundação Joaquim Nabuco).

1982 :
- Criação, na UFF, do Laboratório de História Oral e Iconografia, a partir do projeto de pesquisa "História operária do Rio de Janeiro", dirigido pelas Profas. Eulália Maria Lahmeyer Lobo e Ismênia de Lima Martins.

1983 :
- (ano da abertura política) X Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos realizado pelo CERU (Centro de Estudos Rurais e Urbanos) na USP, com mesas-redondas sobre o uso da história de vida.
- Seminário de História Oral realizado em Salvador pela Fundação Cultural da Bahia, o PPG em C.Sociais da BA; além de reflexões acadêmicas, pretendia-se estabelecer bases para um intercâmbio científico e institucional permanente entre pesquisa e pesquisadores

1985 :
- Publicação de QUEIROZ,Maria Isaura Pereira. Variações sobre a técnica do gravador no registro da informação viva. São Paulo: CERU / FFLCH / USP, Coleção Textos.

1986 :
- Publicação de LIMA,Valentina da Rocha (org.). Getúlio. Uma história oral. Rio de Janeiro: Record.

- Na década de 1990 ocorrerá um verdadeiro boom da História Oral no Brasil, sem dúvida ligado ao processo de redemocratização política cujo marco mais importante é 1989 (eleição presidencial por voto direto)

1992 :
- Publicação da edição brasileira do clássico de Paul Thompson A Voz do Passado (1ª ed. Inglesa de 1978, 2ª ed. (modificada) em 1988)
- A História Oral passa a figurar como disciplina instrumental no novo currículo do curso de graduação em História da UFF

1993 (abril):
- Encontro Nacional de História Oral em SP. Apresentação de 25 trabalhos, com 125 pessoas inscritas, representando cerca de 30 instituições. Proposta de criação da Associação Brasileira de História Oral.
- Os principais encontros acadêmicos da área de história (ANPUH) e de ciências sociais (ANPOCS) incluíram em sua programação cursos, conferências, mesas-redondas e grupos de trabalho dedicados à discussão da História Oral.

1994 (abril):
- II Encontro Nacional de História Oral: História Oral e Multidisciplinaridade (coordenação geral do CPDOC) – 250 pesquisadores, 60 papers distribuídos em 7 grupos temáticos: questões metodológicas; tradição oral e etnicidade; instituições; elites e militares; gênero; trabalho e trabalhadores; constituição de acervo); dos que apresentaram trabalhos, 62% eram doutores, 34% mestres e 3,7% graduados. Historiadores eram 51%, cientistas sociais 34%, profissionais de educação e letras 3,7% e enfermagem, psicologia e saúde pública com 1,8% cada.
- (29 de abril) Criação da ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE HISTÓRIA ORAL: "congrega estudiosos e pesquisadores das áreas de história, ciências sociais, antropologia, educação e demais disciplinas das ciências humanas de todas as regiões do país. Seus associados têm em comum o uso da história oral em suas pesquisas, isto é, a realização de entrevistas gravadas com pessoas que viveram ou testemunharam acontecimentos, conjunturas, instituições, modos de vida, ou outros aspectos da história contemporânea"

1995 (abril):
- Primeiro Encontro Regional de História Oral/Sudeste-Sul, organizado pela Associação Brasileira de História Oral

1996:
- Publicação do "1º" manual brasileiro de História Oral, o Manual de História Oral de José Carlos Sebe Bom Meihy (4ª ed. em 2002)

1998:
- Publicação da Revista História Oral, pela Associação Brasileira de História Oral. (um 2º número foi lançado em 1999);
- (junho) realização, no Rio de Janeiro, do X Congresso Internacional de História Oral, no Rio de Janeiro

2012
- Atualmente há diversas associações regionais de História Oral filiadas à ABHO, representando cada uma das regiões brasileiras: Sudeste, Sul, Centro-Oeste,Nordeste e Norte; estas associações regionais também realizam encontros.

- Entre 10-3 de julho a ABHO realizou seu XI Encontro Nacional de História Oral no IFCS-UFRJ, com o tema "Memória, Democracia e Justiça"

- A revista História Oral encontra-se atualmente no número 15 janeiro – junho 2012, com o dossiê "História, natureza, cultura e oralidade - II"

Nos anos ímpares, são realizados os vários encontros regionais de História Oral



Bibliografia específica sobre a história da História Oral

ALBERTI,Verena
(1990) História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro:FGV.

BOURGUIÈRE,André
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(1994) História Oral e multidisciplinaridade. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994. O importante artigo de Michel Trebitsch: "A função epistemológica e ideológica da História Oral no discurso da História", pp.19-43.

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(1998) Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV.2.ed. As partes 1 ("Questões") e 2 ("Memória e Tradição").

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(2000) História Oral: desafios para o século XXI. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Casa de Oswaldo Cruz, CPDOC – Fundação Getúlio Vargas. Praticamente o livro todo, mas sobretudo a parte 2: "Avaliações e tendências da história oral".

MEIHY,José Carlos Sebe Bom (Org.).
(1996) (Re) Introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Xamã. Os artigos: "(Re) Introduzindo a história oral no Brasil", J.C.S.B. Meihy, pp. 1-10; "História Oral e tempo presente", Marieta de Moraes Ferreira, pp.11-21; Déa Ribeiro Fenelon, "O papel da História Oral na historiografia moderna", pp. 22-32.

THOMPSON,Paul.
(1992) A voz do passado: História Oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Capítulo 2: "Históriadores e História Oral", pp. 45-103.

E vários artigos da Revista História Oral, publicada pela ABHO:

Número 1 (Junho 1998)
- Desafios e dilemas da história oral nos anos 90: o caso do Brasil - Marieta de Moraes Ferreira
- La historia sin adjetivos con fuentes orales y la historia del presente - Mercedes Vilanova
- Breve arqueologia da história oral - Norberto Guarinello

Número 2 (Junho 1999)
- Entrevista
- Como a História Oral chegou ao Brasil: Entrevista com Aspásia Camargo - Maria Celina D'Araujo

Número 4 (Junho 2001)
- Entrevistas
- A IOHA na voz de suas presidentes - Marco Aurélio Santana & Verena Alberti
- Entrevista com Mercedes Vilanova
- Entrevista com Marieta M. Ferreira

Número 5 (Junho 2002)
- História oral e contemporaneidade - Paul Thompson
- Fontes orais e história do Rio Grande do Sul: novas perspectivas ou falsos avanços? - Rejane Silva Penna

Número 6 (Junho 2003)
- Oral History at the University of California, Berkeley - Richard Cándida Smith
- Into the Mainstream: the Challenge of Oral History in Britain in the 21st century - Robert Perks

Volume 8, número 2 (Julho-Dezembro 2005)
- The view from where we stand: Oral History and expanded horizons – Ronald J. Grele



BIBLIOGRAFIA

ALBERTI,Verena
(1990) História Oral: a experiência do CPDOC. Rio de Janeiro:FGV.

ALVITO,Marcos
(2004) "A favela venceu" In: A memória das favelas, Comunicações do Iser, Número 59, Ano 23. pp. 110-116.

(2009) "História Oral e Alteridades ou à sombra do Jequitibá", texto inédito, Palestra de abertura do V Encontro Regional Sul de História Oral "Desigualdades e Diferenças".

(2009b) "Memórias de bicho", texto inédito, comunicação apresentada durante o Congresso da AHORA (Associación de Historia Oral de la Republica Argentina) em outubro de 2009.

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(2000) AIDS Doctors – Voices from the epidemic. Oxford University Press. Chapter One: Discovery and Commitment. Obtido no site www.nyt.com (Book Reviews)

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(1998) "Os combates da memória: escravidão e liberdade nos arquivos orais de descendentes de escravos brasileiros" In: Tempo, Rio de Janeiro, n.6, dez. 1998: 119-137. Disponível em http://www.historia.uff.br/tempo/artigos_dossie/artg6-8.pdf . Observação: este número da revista Tempo é um dossiê sobre "Escravidão e África Negra".

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(1996) (Re) Introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Xamã.

(1998) Manual de História Oral. São Paulo:Edições Loyola.2.ed. (revista e ampliada)

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(2003) História Oral e memória: a cultura popular revisitada. São Paulo: Contexto. 5.ed.

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(1989) "Memória, esquecimento,silêncio" In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.2, n. 3,1989:3-15. (pode ser obtido no site www.cpdoc.fgv.br/revista )

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(1997a) The Battle of Valle Giulia: Oral History and the art of dialogue. Madison: The University of Wisconsin Press.

(1997b) "Formas e significado na história oral: a pesquisa como um experimento em igualdade" In: Projeto História nº 14: 7-24.
(1997c) "O que faz a história oral diferente" In: Projeto História nº 14: 25-39.
(1997d) "Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na História Oral" In: Projeto História nº 15:13-69.

(1998) "O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de junho de 1944): mito, política, luto e senso comum" In: FERREIRA e AMADO, 1998: 103-137.
(2001) "História oral como gênero" In: Projeto História 22 (História e Oralidade): 9-36.
(2003) The order has been carried out: history, memory, and meaning of a Nazi massacre in Rome. New York: Palgrave.

(2010) Ensaios de História Oral. São Paulo:Letra e Voz.

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(1988) Os assassinos da memória: um Eichmann de papel e outros ensaios sobre o revisionismo. Campinas:Papirus.

Von SIMSON,Olga de Moraes (Org.).
(1988) Experimentos com histórias de vida (Itália-Brasil). São Paulo:Edições Vértice.















SITES de interesse:

ABHO – Site da Associação Brasileira de História Oral http://www.cpdoc.fgv.br/abho
CASA DE OSWALDO CRUZ - Site sobre o Programa de História Oral realizado pela Fundação Oswaldo Cruz desde 1986, no Rio de Janeiro. Sua temática é voltada para a área de Saúde no Brasil. O site apresenta listas de projetos já realizados e dos entrevistados de cada projeto. - www.fiocruz.br/coc/depho1.html
CPDOC - PROGRAMA DE HISTÓRIA ORAL - Site do Centro de Pesquisa e Documentação da Faculdade Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), criado em 1975. Seu Programa de História Oral já registrou cerca de 800 entrevistas de políticos ligados à história contemporânea do Brasil. Os resumos dos depoimentos estão disponíveis em uma base de dados e podem ser consultados por pessoas cadastradas no site. - www.cpdoc.fgv.br/historal/htm/ho_programahistoria.htm
FAVELA TEM MEMÓRIA - Site pioneiro sobre a memória das favelas cariocas – www.favelatemmemoria.com.br

IOHA (International Oral History Association) - http://www.ioha.fgv.br/
LABORATÓRIO DE HISTÓRIA ORAL - LAHO - Site com informações sobre o Laboratório de História Oral da Unicamp, que já desenvolveu projetos sobre a história de Campinas, negritude, imigração, vida familiar, educação e sociedade.
www.unicamp.br/suarq/cmu/laho/

LABHOI (Laboratório de História Oral e Iconografia) – http://www.historia.uff.br/labhoi/

NÚCLEO DE ESTUDOS EM HISTÓRIA ORAL - NEHO-USP - Site do Núcleo de Estudos em História Oral, ligado ao Departamento de História, da Universidade de São Paulo. Contém informações sobre os projetos desenvolvidos, além de bibliografia, artigos e links sobre o tema. - www.fflch.usp.br/dh/neho/
NÚCLEO DE ESTUDOS EM HISTÓRIA ORAL E MEMÓRIA - UFOP
Site com informações sobre o Núcleo de Estudos em História Oral e Memória, criado em 1988 pelo Departamento de História, da Universidade Federal de Ouro Preto. Seu objetivo é auxiliar os alunos que trabalham com a metodologia de história oral. - www.ufop.br/departamentos/nucleos/nehom/nehom.htm


PARTE III:

A ENTREVISTA

- Pré-entrevista
- A entrevista propriamente dita: como realizá-la
- Pós-entrevista passo a passo
- Cronograma das atividades





PRÉ-ENTREVISTA:

Registrar no CADERNO DE CAMPO:
como se chegou ao entrevistado (razões da escolha)
como o entrevistado reagiu ao ser contactado
informações e impressões acerca do entrevistado de que se dispunha antes da realização da entrevista

O EQUIPAMENTO
Aconselhamos a utilização de um gravador digital de boa qualidade, QUE GRAVE DIRETAMENTE EM MP3

ALTERNATIVA:
Gravador de fita NORMAL (o aluno poderá solicitar o empréstimo de um gravador no LABHOI – 2º andar do Bloco O)
- Pilhas/bateria e fitas se necessário.
Leve mais pilhas e fitas do que o supostamente necessário
No caso de gravador digital, não se esquecer de levar mais baterias ou de levar os fios para recarregar o equipamento
Use fita TDK com 60 minutos

SEJA QUAL FOR O EQUIPAMENTO...:
Familiarize-se com o equipamento ANTES da entrevista (controle de volume, pausa, gravação etc)
Teste o equipamento a tempo de fazer a substituição caso haja algum problema; mesmo que esteja funcionando, experimente o volume de gravação

O LOCAL
É preciso unir o útil ao agradável: um local onde o entrevistado sinta-se à vontade, todavia, devem ser evitados locais onde haja entra-e-sai de pessoas, telefone tocando e sons de fundo (um rádio aparentemente distante, uma torneira de água aberta ficam marcados na gravação e dificultam terrivelmente a transcrição); lembre-se que o entrevistado, na maioria das vezes, não tem experiência com gravações deste tipo, sendo assim, cabe ao entrevistador solicitar um local silencioso e tranquilo; a decisão, entretanto, sempre cabe ao entrevistado
No caso de haver barulhos em torno, coloque o gravador mais perto do entrevistado e diminua o volume da gravação (para 5, por exemplo);

LEMBRETE: no início de cada lado da fita há um pequeno trecho (plástico branco) que não grava; rode a fita até passar este ponto.

A ENTREVISTA:

Questões preliminares:

Explicar os objetivos da entrevista, bem como a possibilidade de publicação, esclarecendo que será solicitada a assinatura de uma carta de cessão de direitos, a ser firmada após a conferência da transcrição;
- Perguntar ao entrevistado se há alguma dúvida e, se for o caso, esclarecê-la.
- Marcar a data para a conferência da transcrição;
- Preencher a ficha de entrevista (ver infra) antes do início da gravação, o que pode servir para ir "quebrando o gelo"

"Estratégia" da entrevista:

i. A primeira pergunta deve ser preparada com antecedência, mas jamais lida, pois ela dá o padrão da entrevista, mostrando ao entrevistado o que se quer dele e que os assuntos perguntados serão do seu inteiro conhecimento, estimulando-o a falar ao máximo e a sentir-se à vontade. Antes da mesma, como etapa preparatória, podem vir as perguntas acerca dos dados pessoais de identificação.

ii. Evitar interromper, mesmo no caso de digressões aparentemente fora do roteiro, a ordem dos assuntos é dada pelo entrevistado, os temas do roteiro são apenas pontos de referência e podem ser abordados em outra entrevista: o importante é que o entrevistado fale ao máximo e fique à vontade para contar detalhes. Flexibilidade.

iii. Se uma resposta for insuficiente, ou lacônica, estimular o entrevistado a continuar falando do assunto, fazendo variações da pergunta inicial, pedindo exemplos, perguntando se aquilo já ocorreu com a própria pessoa ou com alguém que ela conhece, etc

iv. Perguntar sempre "como aconteceu, quando aconteceu pela primeira vez, o que aconteceu depois?" e nunca "por quê você fez, ou faz isso ?"

v. Garantir que haja clareza em termos de quem, quando e onde;
entretanto, evite perguntar o ano em que algo aconteceu, procure datar em referência à vida pessoal (se foi antes ou depois do casamento, se foi na época em que nasceu o primeiro filho etc)

iv. Mesmo quando um termo de gíria for do conhecimento do entrevistador, solicitar o seu esclarecimento, lembrar que a entrevista pode ser uma fonte para outros pesquisadores

v. Despreocupar-se em relação à "veracidade" das respostas, aceitando o recorte e as ênfases do entrevistado, que são por si só significativas. Ao sentir-se no controle da situação o entrevistado falará mais, melhor e mais livremente.

vi. Terminar a entrevista assim que o entrevistado der algum sinal de cansaço, lembrando que ele poderá ser entrevistado novamente.

vii. Para terminar, fazer uma pergunta aberta, solicitando uma opinião, o que permite ao entrevistado discorrer livremente, retomando algum ponto que tenha sido insuficientemente trabalhado.



PÓS-ENTREVISTA:

PASSO 1: IDENTIFICAÇÃO

- No caso de gravação em MP3: nomeie o arquivo da seguinte forma, por exemplo:

EFH 066 – Nome do professor(a) 20121203 – Seu nome (entrevistador(a))

Sendo que:
EFH Indica ser entrevista do Projeto Fabricando História
066 é a numeração da entrevista (que será dada pelo coordenador)
Nome do professor(a) – é o nome completo do(a) professor(a) entrevistado(a)
20121203 – é a data em que ocorreu a entrevista, colocada no formato ano, mês e dia
Seu nome - é o nome do(a) entrevistador(a)

- No caso de gravação em fita
Identifique da mesma forma que em MP3
EFH 066 – Nome do professor(a) 20121203 – Seu nome (entrevistador(a))

e adicione em cada uma das fitas:

Entrevista com _____________
Realizada no dia __/__/__
Local: __________
Entrevistador: ___________
Obs: no caso de haver mais de uma fita, numere-as

PASSO 2: CÓPIA DE SEGURANÇA

- No caso de gravação em MP3: ao chegar em casa faça uma cópia em outro meio (CDRom, cartão de memória etc)

Faça, imediatamente, duas cópias de cada fita; além de identificar cada uma das cópias, assinale serem cópias; na transcrição, utilize uma cópia, preservando o original para o esclarecimento de dúvidas eventuais;

PASSO 3: CADERNO DE CAMPO
- Preferencialmente no mesmo dia, preencha o caderno de campo com suas impressões acerca da entrevista:
o "clima" em que ela transcorreu (se o entrevistado parecia à vontade, por exemplo)
a reação diferenciada do entrevistado a determinadas perguntas
interrupções e eventuais problemas
comentários gerais; primeiras impressões acerca do conteúdo da entrevista

IV. PASSO 4: TRANSCRIÇÃO
- Se for possível, inicie a transcrição no mesmo dia, LEMBRE-SE QUE CADA HORA DE GRAVAÇÃO, demora no mínimo 6 horas para ser transcrita.

V. PASSO 5: FEITURA DO SUMÁRIO DA ENTREVISTA
- Faça o sumário da entrevista de acordo com o modelo (ver infra)
- Ele é obrigatório pois somente as entrevistas com sumário poderão ser depositadas no LABHOI

VI. PASSO 6: CONFERÊNCIA DE FIDELIDADE junto ao entrevistado
- Uma vez terminada a transcrição, faça duas cópias IMPRESSAS da mesma para o processo de conferência; o ideal será marcar um dia para conferir com o entrevistado (o qual poderá também ajudar a esclarecer passagens inaudíveis da gravação e mesmo acrescentar alguns detalhes); uma alternativa é o envio por e-mail, todavia, é preciso esclarecer acerca da existência de um prazo para a entrega da transcrição conferida;


VII. PASSO 7: ASSINATURA DA CARTA DE CESSÃO DE DIREITOS pelo entrevistado
- Após a conferência, é preciso que o entrevistado assine a carta de cessão de direitos (ver infra)



CRONOGRAMA:

A partir de 3/12: Contatos com os professores a serem entrevistados

14 de janeiro - 04 de fevereiro: realização das entrevistas

04 fevereiro a 25 de fevereiro, período de 21 dias para fazer:

- Identificação dos materiais (ver supra)
- transcrição (LEMBRE-SE: 1 hora de gravação = pelo menos 6 horas de transcrição)
- No caso dos que gravaram em fita, conversão para arquivo em MP3
- Cópias impressas e em CD

25 de fevereiro, entrega de:

i. Ficha de entrevista IMPRESSA corretamente preenchida (passar a limpo no computador a ficha feita manualmente no dia)

ii. Duas cópias IMPRESSAS da TRANSCRIÇÃO em ARIAL 12 COM ESPAÇAMENTO 1,5

iii. Sumário IMPRESSO da entrevista de acordo com modelo (ver infra)

iv. CD contendo:
- A gravação original em MP3 já nomeada de acordo (ver supra)
- O ARQUIVO WORD com a transcrição, também nomeado de acordo
- Uma cópia em Word do sumário
- Uma cópia em Word da ficha de entrevista
- Uma cópia em Word do caderno de campo

- No caso dos que gravaram em fita, além do CD com todos estes materiais, devem entregar a fita original e uma cópia

TODO ESTE MATERIAL SERÁ DEPOSITADO NO LABHOI

18 de março de 2012: entrega dos COMENTÁRIOS de acordo com modelo (ver infra)




FICHA DE ENTREVISTA Projeto Fabricando História:

Data de realização: ___ / ___ / ______ Local: ___________________________

Entrevistado (a): __________________________________________________

Endereço: _______________________________________________________

CEP: _______- ___ Tel: ______________ e-mail: _______________________

Data de nascimento: ___ /___ /_____ Local: ________________________

Graduação em _______________ na __________ entre ________ e ________

Monografia: _______________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________

Mestrado em _______________ na __________ entre ________ e ________

Dissertação: _______________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________

Orientador: __________________________________________________

Doutorado em _______________ na __________ entre ________ e ________
Tese: ________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________

Orientador: __________________________________________________

Período em que lecionou (ou desde quando leciona) no Departamento de História da UFF: _________ a _________

Entrevistador: ___________________________________________________

Curso: _____________ Período: ___ e-mail: __________________________

Número de fitas: ( ) Duração total aproximada: ____ h ____ min

Número de páginas do documento transcrito: ____ (Arial 12 sem espaço)

Data da conferência de fidelidade: ___ /___ /_____

Data de assinatura da carta de cessão: ___ /___ /_____

Observações: ________________________________________________________________
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________


Entrevistado: Daniel Augusto Sobral
Entrevistador: Marcos Felipe de Brum Lopes
SUMÁRIO da entrevista EFT 010
Até 30'15'' (pp. 01-12)
(p. 01) Caracterização da vida em Portugal – Trabalhos na aldeia – Tipos vegetais plantados na lavoura – Pobreza – Falta de dinheiro – Vida em comunidade – Trabalho coletivo – Ferramentas de trabalho –Transporte das mercadorias – Salazar e a emigração – (p. 02) Perda da mãe – Falta de estudos – Trabalho nas minas de ouro – Rigidez do inverno – Disputa por lenha – Carta de chamada para o Brasil – (p. 03) Direitos trabalhistas – Outros trabalhos sazonais da comunidade – Clima em Portugal – Emigração para países da Europa – Melhorias após da II Guerra Mundial – (p. 04) Volta a Portugal – Elogios ao Brasil – Brasileiros na aldeia portuguesa – Clube brasileiro na aldeia portuguesa – Gosto pela música brasileira – Desejo dos portugueses em emigrar para o Brasil – Portugueses em Belém do Pará – (p. 05) Poucos portugueses em Teresópolis – Vinda para o Brasil – Primeiros contatos em Teresópolis – Trabalho na zona rural em Teresópolis – (p. 06) Trabalho no centro urbano em Teresópolis – Honestidade na vida de trabalho – Portugueses que enriqueceram – Viagem para o Brasil – Diversão no navio – (p. 07) Luxo do navio – Chegada ao Rio de Janeiro – Primeiros contatos no Rio de Janeiro – Ida para Teresópolis – Conquistas ao longo da vida – Elogios a Teresópolis – (p. 08) Emoção da chegada ao Brasil – Dificuldades do imigrante pobre – Discriminação dos portugueses ricos – Bom relacionamento com os brasileiros – (p. 09) Trabalho com portugueses e brasileiros – Não há preconceito no Brasil para com os portugueses – Educação nas relações sociais – Uma única complicação – (p. 10) Boas relações com todos – Sem dificuldades com os costumes – Os costumes portugueses em brasileiros são semelhantes – (p. 11) Relação com outros portugueses em Portugal – Comparação entre a vida na aldeia a vida atual – Relação com portugueses em Teresópolis – (p. 12) Música portuguesa – A Casa de Portugal em Teresópolis – Portugueses da Casa de Portugal – Resistência ao clube português – Futebol: o Vasco e o Porto

Orientação acerca do

COMENTÁRIO DAS ENTREVISTAS DO Projeto Fabricando História

O trabalho deverá ter, no máximo, oito páginas, sem contar a indispensável bibliografia ao final. Sugere-se que possua a seguinte estrutura (que não é obrigatória, é possível misturar os itens 2 e 3, por exemplo):

Introdução: onde o aluno deverá refletir criticamente acerca das condições da entrevista, desde a escolha do entrevistado até o processo de conferência final (uma página);

Um breve debate acerca de questões essenciais de História Oral, tais como: a ligação entre memória e identidade, o caráter e as limitações da história de vida-biografia, procurando debater o valor e as possibilidades do testemunho oral. Sempre que possível, procure exemplificar com análises extraídas das entrevistas do Projeto Fabricando História.

Uma análise comparativa de duas ou mais entrevistas (além da sua) com uma questão claramente colocada, se possível relacionada aos objetivos do projeto; é importante ter uma questão (três a quatro páginas);

A conclusão (uma ou duas páginas)


A bibliografia

Observações:
A citação dos autores pode fazer referência à bibliografia final, do tipo: (PORTELLI,1996:63);

Para facilitar, use a numeração das entrevistas do Projeto nas citações de entrevistas:

(EFH01:03) = entrevista 01 – Prof. Luiz Carlos Soares, p.3;








PARTE IV:

FICHAMENTOS DOS TEXTOS



PORTELLI 1996 - Esquema do texto "A filosofia e os fatos", Tempo, Rio de Janeiro, Vol. 1, número 2, dezembro de 1996. pp. 59-72

(59-60) A ambígua utopia da objetividade ou da separação entre fatos e interpretação (ou filosofia) – o ex. de Frederick Douglass
(60-62) A presença inexorável (e a importância) da subjetividade na narrativa oral – o ex. de Douglass e da chicotada dada sem prazer, reconhecendo a humanidade dos escravos
(62-63) Duas objeções que normalmente são feitas às fontes orais e memórias: a subjetividade é incontrolável (o que impede que sirva de base para uma análise) e não permite tirar conclusões generalizantes (já que o episódio é individual)
(63) A média das chibatadas, uma ridícula tentativa de banir a subjetividade
(63) A subjetividade é a maior riqueza e não o elemento a ser banido das fontes orais
(64) Não dispomos de fatos, mas dispomos de textos onde podemos buscar uma representatividade qualitativa
(65-67) O exemplo do operário F.Máuri escutando o discurso de Mussolini de entrada na guerra – estruturas simbólicas (contraposição Roma fascista x Térni operária) e procedimentos narrativos (ponto de vista circunscrito) que vão além do pessoal
(67) A Letra Escarlate, um ex. literário do procedimento de "possibilidades narrativas"
(68) Máuri parte de comportamentos visíveis e códigos expressivos socialmente reconhecidos
(68) O protagonista é a consciência do narrador
(68) Máuri conta a sua história através de um gênero narrativo socialmente definido que é a história iniciática
(68-69) O trabalho da palavra é a metáfora do trabalho de consciência
(69) As narrativas de Douglass e Máuri são histórias de construção da subjetividade pessoal através da interpretação da subjetividade dos demais e da dimensão subjetiva das realidades históricas
(69-70) Em que medida Douglass e Máuri são representativos (o que não significa normalidade nem média)
(70-71) A representatividade das fontes orais e das memórias depende do horizonte de possibilidades subjetividade socialmente compartilhada – de volta ao ex. dos açoites
(72) A história oral e as memórias nos oferecem um campo de possibilidades compartilhadas – as variações individuais formam um mosaico o que é mais próximo da realidade do que uma rede geometricamente uniforme



PORTELLI, Alessandro. The Death of Luigi Trastulli and other stories. Albany: State University of New York Press, 1991. Capítulo 3: "What makes Oral History different", pp. 45-58.

Esquema do texto

Autor: Alessandro PORTELLI (1942-)
- Professor de Literatura Norte-Americana na Universidade de Roma La Sapienza, Portelli é hoje um dos maiores expoentes da História Oral e autor de inúmeros livros e artigos, alguns deles publicados no Brasil. Começou seus estudos como musicólogo, tendo se dedicado a pesquisar as canções populares e políticas italianas e as canções de protesto norte-americanas (inclusive Bob Dylan!). Na introdução a The Death of Luigi Trastulli ele conta que começou a praticar a história oral em 1969 "por acaso", quando estava a pesquisar memórias suprimidas e formas de expressão e depois de juntar-se a um grupo político de extrema esquerda e comprar um gravador,. Em seus estudos há uma predominância clara de temas políticos, seja a memória da classe operária seja a referente a incidentes envolvendo nazistas e forças de resistência comunistas durante a 2ª. Guerra Mundial. O que mais impressiona em seus escritos é o rigor teórico aliado a uma enorme sensibilidade interpretativa, além da preocupação ética: para ele a História Oral é muito mais do que uma especialidade, é um espaço de diálogo entre os homens. Nas palavras do próprio: "Le mie passioni sono l'uguaglianza [a igualdade], la libertà, l'insegnamento, la musica popolare, la memoria, ascoltare i racconti delle persone, i libri e i film, e il rock and roll."

Obra: The Death of Luigi Trastulli and Other Histories
- É uma coletânea de artigos publicada nos Estados Unidos e que está dividida em três partes: uma metodológica – onde se insere o artigo "What makes Oral History different", publicado pela primeira vez em italiano em 1979; a segunda parte dedicada à comparação entre duas culturas industriais, entre a cidade operária italiana de Terni e Harlan (Kentucky), nos Estados Unidos e por fim uma última parte composta de dois estudos interdisciplinares, um ligado ao Direito e outro à Literatura. O artigo que dá nome ao livro é um estudo clássico acerca da memória operária em Terni.

Estrutura do texto
- O artigo em questão "What makes oral history different", foi sub-dividido pelo próprio autor em 7 partes depois de duas citações que servem de epígrafe e apontam para as possibilidades abertas pelo estudo da memória e sobre o objetivo último dos estudos históricos: conhecer os homens:

1. (46): Memories leading to theories
2. (46-48): The orality of oral sources
3. (48-50): Oral History as narrative
4. (50-51): Events and meanings
5. (51-53): Should we believe oral sources
6. (53-55): Objectivity
7. (55-58): Who speaks in Oral History

Objetivo do texto (do artigo, no caso):
- Depois da dramática abertura do texto ("Um espectro ronda os muros da academia"), Portelli afirma à p.46 que "This chapter will attempt to suggest some of the ways in which oral history is intrinsically different, and therefore specifically useful." Se tivessemos que acrescentar algo, diríamos que é um artigo de defesa da História Oral contra determinados preconceitos e alguns mitos (aparentemente positivos), tentando demonstrar suas possibilidades, é um texto epistemológico, ou seja: o que a História Oral nos permite conhecer e de que forma.

Palavras-chave (ou conceitos centrais)
- Oralidade
- Subjetividade
- Narrativa
- Fato
- Significado
- Objetividade
- Fontes escritas
- Fontes orais
- Classe operária

Métodos
- É um texto basicamente teórico, mas eventualmente ele dá exemplos provenientes das suas pesquisas (ver item 7). Diríamos que é um método dialético (no sentido literal) porque ele parte das idéias erradas sobre a história oral para rebatê-las.

Fontes utilizadas
- Pesquisas anteriores de história oral realizadas por ele, como os casos da morte de Luigi Trastulli, das manifestações operárias em Terni em 1953, combatentes da resistência, veteranos de guerra, estudantes militantes da década de 60 e de um relato de um velho militante acerca de uma decisão do Partido Comunista que ele quase teria conseguido reverter. Também usa fontes propriamente literárias, como as duas epígrafes, o romance Lord Jim de Joseph Conrad e a autobiografia de Malcom X escrita por Alex Haley.

Conclusões do texto
- A mais importante é a idéia de que as fontes orais não são superiores nem inferiores às fontes escritas, somente têm suas especificidades, abrindo possibilidades de análise características. Mas não devem ser tomadas como uma panacéia política: elas não fazem a classe operária falar por si mesma, elas são fruto de um diálogo e devem ser submetidas à crítica da mesma forma que outras fontes utilizadas pelo historiador.

Questões e críticas




Site: http://alessandroportelli.blogspot.com/



Esquema do texto "Tryin' to gather a little knowledge: some thoughts on the ethics of Oral History" In: PORTELLI,Alessandro, (1997a) The Battle of Valle Giulia: Oral History and the art of dialogue. Madison: The University of Wisconsin Press.pp.55-71.

I. (55-56) Responsabilities:
II. (57-60) Individuality, equality, difference:
III. (60-64) Minding our manners: the ethics of fieldwork
IV. (64-67) Reaching for meaning: the ethics of interpretation:
V. (67-71) The ethics of restitution and amplification:

I. (55-56) Responsabilities:

- Para além de um sentido burocrático da ética profissional, que protege o entrevistador e não o entrevistado e serve de salvaguarda legal para o primeiro, não evitando manipulações e falsificações;
- A ética deriva de um compromisso pessoal e político;
- O compromisso que ele tem consigo mesmo diante dos seus entrevistados;
- Regras de "ética profissional" feitas para instituições com recursos impossíveis de serem cumpridas por pesquisadores altamente motivados eticamente;
- O pesquisador deve tentar cumprir estes requisitos, embora eles não garantam um comportamento verdadeiramente ético, mas tomando cuidado para não tornar-se um burocrata e para que estes procedimentos não sequem as fontes vitais da história oral.
- A busca "dialética" [termo meu, M.A.] da verdade: reconhecimento de múltiplas narrativas mas também busca utópica da verdade para evitar o relativismo irresponsável que torna-as todas equivalentes e intercambiáveis (e em última análise irrelevantes). Existem coisas como falsidade, manipulação e erro.

II. (57-60) Individuality, equality, difference:
- Da História Oral como uma ciência e arte do individual, em que processos mais amplos são explorados em termos do seu impacto sobre vidas individuais; na qual o trabalho de campo é essencial e o significado e a ética do encontro interpessoal são cruciais para o significado e a ética da prática do historiador oral
- A centralidade do individual é aumentada pelo fato de que a história oral lida com versões do passado, isto é, com a memória, a qual, embora seja de muitas formas modelada por um ambiente social, não impede que rememorar continue a ser um ato e uma arte profundamente pessoais. Pelo fato deste processo individual ocorrer em um ambiente social dinâmico e fazer uso de instrumentos socialmente criados e compartilhados, as memórias podem ser semelhantes, sobrepor-se ou mesmo se contradizer. Mas memórias são como impressões digitais e como as vozes, não há duas iguais.
- Contra o uso da expressão memória coletiva
- As outras ciências sociais constroem seus padrões e modelos fazendo abstração das experiências individuais, já a história oral tem que combinar o esforço para reconstruir padrões e modelos com a atenção às variações individuais, o que a torna semelhante à literatura, onde há conceitos e períodos mas onde o que interessa na análise de um autor é como ele transcende estes marcos. A história oral não cultiva as médias e percebe o excepcional e o único como mais representativos (aqui ele entra com o exemplo do escravo açoitado ou do pequeno número de vítimas de overdose de uma pequena cidade italiana).
- Para a história oral todos os indivíduos são excepcionais na medida em que representam a encruzilhada de uma série de histórias potenciais
- Para Luisa Passerini a história oral concilia duas tendências do mundo contemporâneo: a necessidade de democracia e o giro na direção da subjetividade dando a todos o direito à sua autobiografia e a oportunidade de dar significado à própria vida e à sua narrativa.
- Cada entrevista é diferente e sempre se aprende com cada um dos entrevistados
- A história oral não reafirma a importância (liberal) do indivíduo e sim dos indivíduos, sobretudo daqueles que não haviam sido ouvidos e que são todos igualmente importantes e necessários.
- A história oral nos leva ao reconhecimento da diferença e da igualdade. Diferença entre os entrevistados e nós, historiadores orais, diferença essa que nos motivou a procurá-los. Diferença entre os historiadores orais e entre estes e as ideias predominantes na sociedade.
- Da história oral como prática implicitamente antagonística: o exemplo da historiadora norte-americana valorizando o coletivo para combater o individualismo capitalista e dele, Portelli, inserido numa tradição marxista, valorizando o individual para reconhecer que massas e classes são compostas por indivíduos.
- Para ele, diferença e igualdade, ao invés de serem vistas como opostas, sendo a primeira o único ideal desejável - como acontece no pensamento pós-estruturalista recente e em algumas correntes do feminismo, devem ser vistas como os dois lados de uma mesma moeda, a moeda da liberdade e da justiça. " Na luta por diferença, nós não podemos esquecer que nós também temos um sonho de compartilhamento, de participação, de comunicação e diálogo."
- Da qualidade dialógica do trabalho de campo e da dialética [termo meu M.A.] entre diferença e igualdade
III. (60-64) Minding our manners: the ethics of fieldwork
- Nas sociedades essencialmente desiguais em que vivemos e trabalhamos a maior parte das entrevistas serão com pessoas que não estão no mesmo plano que nós, seja por serem poderosos, da elite ou mais frequentemente, pessoas sem autoridade oficial, diante das quais nós aparecemos como pessoas com autoridade oficial. Muito frequentemente o poder, status e prestígio reais ou imaginários da nossa profissão interfere no trabalho.
- Se nós não podemos garantir que as nossas fontes nos dêem a versão que elas pensam ser a verdadeira, temos, todavia, que fazer um esforço para criar um ambiente que permita a elas estabelecer suas próprias fronteiras em termos do que elas querem falar e tomar suas próprias decisões. Isso não é atingido ignorando as diferenças e fingindo haver uma igualdade que não existe. Devemos encarar a diferença não como uma distorção mas como o contexto da comunicação, localizando a conversa no contexto da luta e do esforço (trabalho) para criar a igualdade. O que é um compromisso ao mesmo tempo ético e profissional.
- Gianni Bosio e a dialética (novamente termo meu M.A.) entre trabalho cultural e luta política
- Fazer a coisa certa é uma questão ética que não é aprendida como uma técnica presente em manuais. A maioria das pessoas sabe quando estão querendo usá-las.
- Um exemplo: antes de ir para Harlan County ouvira falar que o povo de lá havia sido explorada culturalmente e economicamente de tal forma que eles suspeitavam de estranhos e antropólogos. Todavia quando foi entrevistar uma mulher ela aceitou na mesma hora. Muitos anos depois ela explicou para ele que falou com ele porque ele veio e se sentou sem procurar por um lugar limpo para sentar o traseiro. A casa vivia largada porque a mulher se recusava a abandonar o serviço comunitário, tinha um marido paralítico, duas filhas não casadas e três netos.
- "O que isto significa é que quando você faz uma entrevista, você está no espaço de alguém, no tempo de alguém, e você deve se comportar." (...) "Ter boas maneiras significa que você não entra na casa de alguém, toma seu tempo e sai fazendo perguntas. Você vai até a casa de alguém e começa uma conversa. A arte essencial do historiador oral é a arte da escuta."
- "Novamente, o enfoque ético ou educado é também cientificamente produtivo: as boas maneiras e o respeito pessoal são um bom protocolo de trabalho de campo." Há que se escutar estejamos a princípio interessados ou não (e ele estava), mas ao escutar devemos ser flexíveis o suficiente para ouvir não somente o que queremos saber mas também o que a outra pessoa considera importante, o que faz com que descubramos mais do que o que estávamos procurando.
- Ao contrário do que dizem os manuais de trabalho de campo, que pregam a neutralidade e a não-interferência, devemos estar abertos, falar sobre nós mesmos e responder a questões (quando perguntados), por uma questão de reciprocidade e para estabelecer o quadro de diferenças e semelhanças que dá significado às entrevistas.
- Boas maneiras não significa concordar sempre (o que seria paternalismo), pode-se expressar de forma educada uma discordância, o que leva a um maior aprofundamento das respostas e faz com que o entrevistado sinta-se à vontade para expor opiniões pouco convencionais.
- Achou as pessoas no Kentucky (onde fica Harlan County) amistosas, prestativas e abertas. Qual o segredo do seu sucesso com elas? Numa conversa com Mildred Shackleford ele entendeu que havia razões ligadas ao poder e outras ligadas à atitude. Em primeiro lugar ele não vinha dos centros do poder como Nova Iorque, Chicago ou mesmo Louisville, Lexington ou Knoxville. O outro motivo era o fato dele estar ouvindo as pessoas, sem tentar influenciá-las, somente 'tryin' to gather some knowledge' como diz Mildred Shackleford.
- Ao fim e ao cabo, deu certo porque ele não foi ali para estudá-los, civilizá-los, salvá-los. Ele não estava estudando essas pessoas e sim aprendendo sobre elas.
- "Embora nós possamos ser acadêmicos entrevistando iletrados, no campo eles são aqueles que possuem o 'conhecimento' que nós estamos 'tentando recolher'. Nós podemos ter status, mas eles têm a informação e gentilmente a partilham conosco. Ter isto em mente é lembrar que nós estamos falando e sendo ajudados não por 'fontes' mas por pessoas. Esta não é uma questão de que tipo de expressões formulaicas nós utilizamos na nossa aproximação; as boas maneiras são apenas a manifestação externa do respeito autêntico. Caso contrário, nós podemos dizer 'aprender' ao invés de 'estudar' o quanto nós quisermos, mas nossos interlocutores saberão sempre que os estamos enganando."
IV. (64-67) Reaching for meaning: the ethics of interpretation:
- (64) Como interpretar aquele "little knowledge"? Por um lado temos que combinar nosso compromisso de historiador com 'o que realmente aconteceu' com nossa consciência pós-moderna de que nunca saberemos de verdade; e "também sabemos que muita coisa aconteceu dentro da cabeça das pessoas em termos de sentimentos, emoções, crenças e interpretação. Por esta razão, mesmo erros, invenções ou mentiras são da sua maneira formas de verdade."
- Devemos evitar a euforia pós-moderna que dissolve tudo em discursos. Narrativas que contradizem fatos bem estabelecidos não devem ser rejeitadas positivisticamente ou encaradas de forma pós-moderna como apenas mais um conjunto de representações. "Como historiadores orais, entretanto, devemos tratar seriamente tanto as pouco confiáveis narrativas orais quanto o plausível dado arquivístico, e procurar por significado em ambos, e no espaço entre eles."
- Respondendo às acusações de que a história oral não é científica nem confiável porque ela lida com múltiplas verdades e com os fatos macios da subjetividade, da narrativa dialógica e da memória pessoal.
- "Alguns historiadores orais responderam acirrando um elogiável
(65) esforço para eliminar distorções e interferências e com uma tendência crescente para questionar o significado da objetividade e da verdade. A suposta interferência tornou-se o foco do nosso trabalho."
- É contra a pretensa neutralidade (dá o ex. da transcrição de um pigarro em uma entrevista com um operário, sem que haja uma interpretação do que ele significa: estava limpando a garganta? era uma tosse intencional, irônica? tinha engolido alguma coisa? estava com tuberculose? [aqui parece a questão do piscar para Geertz].
- O historiador oral tem que escolher, tem que interpretar, o que não significa que possamos considerar as nossas interpretações como exaustivas e como tendo acesso exclusivo à verdade. Como a história oral, mais do que qualquer disciplina tem o hábito de citar as fontes, ela adquire um caráter eminentemente dialógico, em que as nossas interpretações dialogam com as interpretações das nossas fontes e com as interpretações dos leitores sobre estas interpretações. "Portanto o que criamos é um texto dialógico de múltiplas vozes e múltiplas interpretações: as muitas interpretações dos entrevistados, nossas interpretações, e as interpretações dos leitores."
- "Agora, estas diferentes interpretações podem ser incompatíveis umas com as outras."
(66) - A tarefa do historiador oral não é simplesmente registrar as diferenças, mas percebê-las (sobretudo em sociedades desiguais) como desacordo e conflito e a ética de cidadãos e indivíduos envolvidos na luta por democracia, igualdade, liberdade e diferença pode transcender a limitada ética da nossa profissão em favor de uma ética mais ampla, humana e em última instância política. Em outras palavras, uma entrevista com um poderoso pode não ser necessariamente submetida às mesmas considerações éticas que outras.
- "Algumas vezes, quando entrevistamos os ricos, os poderosos, os generais, pode ser um ato altamente ético agir como espiões no campo inimigo." Normalmente basta sermos abertos para escutar porque eles, orgulhosos e auto-confiantes, estão dispostos a falar bastante. Mas se eles estiverem temerosos de serem pegos em alguma falha, um pouquinho de 'dissimulação honesta' não fará mal.
- Para exemplifica isso, um caso de manipulação 'ética': entrevista o padre da paróquia onde ele crescera, sabe que este lembrava dele como um bem comportado menino de classe média que frequentava regularmente a igreja. Não fala nada em contrário para o padre, que acaba por revelar a ele que filtrava todas as candidaturas à fábrica rejeitando todos aqueles suspeitos de inclinações esquerdistas. A entrevista tornou-se o primeiro testemunho documental do que eles já sabiam há muito tempo, i.e., que a Igreja desempenhava um papel de discriminação política naquele contexto específico. Como Portelli sabia que iria utilizar o material contra as intenções do padre, foi "escrupulosamente ético em termos profissionais: submeteu a transcrição ao padre e conseguiu a aprovação por escrito das citações antes de publicá-las. O que eu não fiz foi dizer a ele qual era o contexto em que eu iria mencioná-las, e a interpretação que eu lhes daria. Um bom exemplo, eu acredito, de uma manipulação 'ética' - nesse caso, eu espero, por uma boa causa." [minhas entrevistas com os líderes comunitários em Acari]
- Outro caso: em um livro sobre o movimento estudantil em Roma que começa com a história do avião e das estrelas, mesmo quando o narrador da história discordou da interpretação dada por eles, não abrem mão da interpretação deles. Por entender ser a história oral dialógica, ainda começam o livro com a história e a interpretação deles mas fecham o livro
(67) com a interpretação do narrador, à qual contrapõem a interpretação da contrainterpretação do narrador. E esperam que este espiral de interpretações continue para sempre, inclusive com as interpretações dos leitores que podem discordar de ambos.
- "Somente assumindo a responsabilidade de interpretar e correr o risco de ser interpretado, é que nós contribuímos efetivamente para a interminável procura em espiral por uma verdade inatingível na qual estamos em última instância engajados." [que coisa bonita!]
V. (67-71) The ethics of restitution and amplification:
- (67) A última questão: "O que fazemos com o conhecimento que adquirimos e com nossas tentativas de interpretá-lo". Em termos da restituição à comunidade, termo que para ele deve vir sempre entre aspas, antes de nos perguntarmos o que fazer com esse conhecimento, devemos nos perguntar por que o fizemos (buscamos este conhecimento). A resposta é que o fizemos por nós mesmos, por desejo e necessidade de adquirir algum conhecimento e para 'fazer as pessoas nos contarem histórias'. "Ao ouvir e falar em profundidade com centenas de pessoas diferentes e diferentes histórias, eu penso que ganhei uma percepção diferente de mim mesmo, pela qual sou grato."
- Fazer por nós mesmos também pode significar que a história oral é uma carreira, um trabalho. Tudo bem, "desde que tenhamos em mente que nós não iremos ser realmente bem sucedidos neste emprego se nós permitirmos que considerações acerca do avanço da carreira ou o interesse daqueles que estão nos pagando ou financiando sobrepujem nosso desejo interno e necessidade pessoal de aprender. Na história oral, especialmente, porque ela está tão diretamente ligada ao contato pessoal, a necessidade de conhecer muito frequentemente ultrapassou a paixão intelectual de acadêmicos comprometidos para incluir um sentido de engajamento como cidadãos que não são somente
(68) estudantes da história mas também sujeitos ativos e responsáveis que podem ser motivados por algo maior do que eles mesmos: uma comunidade, uma instituição, um movimento, um lugar."
- Aqui é que entra o conceito de restituição. Recebemos tanto de comunidades e de pessoas que não sentimos que o trabalho esteja completo até que retornemos o resultado para elas. "Devemos lembrar, todavia, que a restituição de artefatos - fitas, transcrições, publicações - e sua disponibilização em museus e arquivos não necessariamente significa a restituição à comunidade."
- Por vários motivos:
i. Museus e arquivos nem sempre são acessíveis e amistosos para usuários não-profissionais
ii. O que fazer com aquele precioso informante que não sabe ler as transcrições ou não tem um videocassete para tocar as fitas?
iii. O mais importante é que estamos retornando à comunidade um conhecimento que a comunidade já tem. Às vezes pode lhes agradar ter a fita ou a transcrição mas muitas vezes não estão nem interessados. Às vezes nós é que nos sentimos bem em dar-lhes isso e não eles em receber, o que mostra novamente que o comportamento 'ético' beneficia mais o pesquisador do que o informante.
iv. Como Luisa Passerini enfatizou, "este 'enfoque burocrático' - 'como se a questão fosse retornar um objeto ao seu proprietário - ignora os 'aspectos do dom e do ensinar' que são frequentemente muito importantes para os narradores e os entrevistados.
- O que Passerini propõe então? Nas palavras dela: 'estender a vida e a circulação da narrativa, a formação de uma nova tradição mais do que a restituição direta'. "Nestes termos, o que realmente devolvemos é uma oportunidade para as pessoas com quem falamos de organizar o seu conhecimento de forma mais articulada: um desafio para aumentar sua consciência, para estruturar o que eles já sabem, que começa no momento da entrevista e continua quando eles são confrontados com as nossas conclusões. Nossa primeira responsabilidade na restituição, desta forma, é o crescimento mútuo nosso e das pessoas com quem dialogamos, e começa na mesma hora da entrevista. Sendo assim, restituição significa muito mais do que retornar o material bruto (raw - cru); também é necessário oferecer um esboço de discurso, uma organização possível, um leque de interpretações."
- Isto é o que significa 'desafio': "Comunidades não são romanticamente homogêneas e coesas; elas são também arenas de tensão e conflito. Nosso trabalho, portanto, necessariamente documenta estes aspectos de maneira que pode agradar alguns elementos na comunidade mas parecer hostil para outros."
(69) - "Ademais, em parte ou como um todo, comunidades podem não apreciar o fato de que nós não necessariamente os vemos como eles gostam de se ver ou representar a si próprios (...) Embora aceitando as críticas, nós devemos nos responsabilizar pelo fato de que a restituição não faz sentido a não ser que ela mude a imagem prévia da comunidade. A restituição não é um ato neutro, mas sempre uma intervenção, uma interferência na história cultural da comunidade."
- Por outro lado, não se trata somente de trazer a informação de volta para o lugar de onde ela veio, mas sim de amplificar a voz de comunidades, movimentos e indivíduos levando-a para fora, para quebrar seu sentido de isolamento e impotência ao permitir que o seu discurso alcance outras pessoas e outras comunidades. Portelli fica sentindo que fez realmente algo por Terni não quando distribui exemplares do seu livro mas quando o historiador Claudio Pavone usa seu livro para escrever sua história da Resistência, o que deu aos entrevistados de Portelli a impressão de terem impactado não somente a história local, mas nacional. "Ao tornar suas narrativas disponíveis para Pavone, meu livro tornou possível para a comunidade falar para outros que não haviam escutado antes a sua voz. Esta amplificação é a restituição específica que nós podemos fazer como intelectuais profissionais que têm acesso a publicações e outras mídias. Ao invés de simplesmente retornar à comunidade o conhecimento que ela já tem, nós retribuímos e o suplementamos com o nosso conhecimento e o compartilhamos com as porções do mundo que nós somos capazes de alcançar."
- Mais um pensamento sobre história oral e comunidade: "Em 1964, Stokely Carmichael disse aos brancos liberais do movimento dos direitos civis que, ao invés de interferirem na comunidade negra, eles deveriam ir pra casa e organizar a sua própria comunidade." (...) "[a vizinhança dele é tão reacionária que ele espera que ela nunca se organize mas] meu ambiente de trabalho, a comunidade que eu percebo que tenho com meus colegas e estudantes
(70) na universidade. Essa é uma das razões pelas quais, quando a universidade foi ocupada em 1990, eu agrupei estudantes para escrever a história desta comunidade."
- Ao contrário do antropólogo que visita uma comunidade distante, adquire conhecimentos e depois vai embora, no caso dele o antropólogo ficou e os nativos é que foram embora.
- Projetos de história oral demoram muito tempo: o projeto em Terni demorou treze anos, o projeto de história oral dos estudantes demorou 5 anos e ele já estava no décimo ano do projeto de Harlan County [que acabou durando 25 anos] e sendo assim quando seu trabalho fica completo talvez a comunidade com que você começou já não esteja mais lá.
- "Eu comecei em 1972 para escrever o épico dos trabalhadores do aço de Terni no seu caminho para a revolução proletária; acabei escrevendo o epitáfio da desconstrução da classe trabalhadora pela desindustrialização no capitalismo pós-moderno. Quando terminei meu livro, embora a maioria das pessoas ainda estivesse lá, havia muito pouca comunidade da classe trabalhadora para a qual retornar. As pessoas que agora lêem a Biografia di una città em Terni são muito diferentes daquelas que contaram as histórias que estão no livro - assim como os novos estudantes de Villa Mirafiori que leram L'aeroplano e le stelle podem sentir que o livro é a história daquele lugar mas não a história das suas vidas: eles não têm memória da comunidade que foi brevemente estabelecida por lá à época do movimento."
- "Restituição para uma comunidade em mudança, portanto, implica menos a restituição da identidade do que a memória da diferença. Memória acompanha a mudança, mas também resiste às mudanças que nós não escolhemos fazer - o que nos leva de volta à história oral como uma arte não somente do que aconteceu mas também daquilo que não aconteceu, o que poderia ou deveria ter acontecido. Voltamos à memória como alternativa."
- (70-71) Ele lembra das praias limpas e de quando o sol não era perigoso, isso que hoje é um fato para seus filhos. "Minha tarefa é resistir a isso na minha memória, e dizer a eles que eu me lembro, para que deste modo eles possam resistir."

Esquema do texto "The Death of Luigi Trastulli: memory and the event" In: PORTELLI,Alessandro. The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral histories. New York: State University of New York Press. pp. 1-26

I. (001-002) A memória e o fato
Erros, invenções e mitos são uma força da História Oral
2: "As fontes orais utilizadas neste ensaio não são sempre completamente confiáveis do ponto de vista factual. Ao invés disto ser uma fraqueza, isto é na verdade, a sua força: erros, invenções e mitos nos conduzem através e além dos fatos para o seu significado."

II. (002-007) Estratégias da memória oficial
002-4: As narrativas bastante diferentes dos jornais alinhados com o governo (Il Messagero e Corriere dela Sera) e do jornal comunista L'Unità
A oralidade está emaranhada-costurada na própria textura do registro oficial
5: "A fórmula de abertura [do relatório do Procurador da República de Terni] merece atenção: 'De acordo com informação verbal recebida...' Embora os relatórios judiciais esteja entre as fontes escritas padrão que das quais os historiadores se valem, o procuradore de Terni revela que, por detrás do documento escrito, havia fontes orais ('informação verbal') das quais nada sabemos, resumidas e transcritas por algum policial ou funcionário da justiça de maneiras sobre as quais não temos nenhum controle. A oralidade está emaranhada-costurada na própria textura do registro oficial."

III. (007-013) Atividade simbólica coletiva
011-2: Os três símbolos mais importantes: a recusa do guarda (do Exército) em atirar nos trabalhadores, o jipe (vai apontar para os democratas-cristãos) e a parede ("pregado" à parede pelos tiros, como se tivesse sido crucificado e também situando a morte dele no interior da fábrica e não na rua); o fato de ter sido metralhado num muro também remete à execução dos membros da Resistência e de anti-fascistas pelos nazistas durante a guerra.

IV. (013-016) Deslocamento (displacement) e condensação
Muitos acreditam que Trastulli morreu nas manifestações contra demissões de trabalhadores em 1953 e não nos protestos contra a entrada da Itália na Otan em 1949
14: "Muitos narradores, incluindo testemunhas oculares, acreditam que Trastulli não morreu nas manifestações contra a OTAN em 1949, mas durante as brigas de rua que se seguiram ao anúncio da demissão de mais de dois mil trabalhadores da fábrica de aço em outubro de 1953 (antecedida pela demissão de outros 700 em dezembro de 1952). Desta forma, os narradores mesclam os dois mais dramáticos eventos da história de Terni em uma história coerente."
15-16: A questão da "causação [ou explicação causal] adequada: a morte de Trastulli foi um choque tão dramático que era inaceitável que tivesse ocorrido em um pequeno incidente-escaramuça durante um protesto político de rotina e é coerente que tenha sido transferido para o contexto da mais importante manifestação da classe operária de Terni. Insiste-se na ideia de que fora um assassinato premeditado pelas autoridades policiais inclusive.
16: "O conceito de causação adequada também é relevante de um outro ponto de vista. A luta contra a participação da Itália na OTAN e, depois, para remover a Itália da aliança foi um elemento central da plataforma do Partido Comunista até 1960; mas, quando estas histórias foram coletadas, isto pertencia a uma era passada da história do partido. Em 1970, quando a estratégia era tentar conseguir a tolerância dos Estados Unidos tendo em vista o possível acesso dos comunistas ao governo, o secretário Enrico Berlinguer chegou a descrever a OTAN como um instrumento da paz e como uma garantia da independência nacional. Consequentemente, tornava-se bastante incômodo tornar mártir alguém que foi morto enquanto se opunha a isso [a entrada da Itália na OTAN]. A nova situação deve ter influenciado alguns narradores a transferir a história para o contexto da luta pelos empregos, que ainda era reconhecida como uma causa legítima."

V. (016-020) Uma conta a pagar
A morte de Trastulli abriu uma ferida na auto-estima da classe trabalhadora que ficou aberta por anos
16-17: "A morte de Trastulli gerou uma dívida que ficou sem pagar durante anos. Os trabalhadores haviam acabado de sair da experiência da guerra de liberação empreendida pela resistência; menos de um ano antes, eles haviam reagido com demonstrações militantes e passeatas ao atentado e ferimento do seu líder nacional, Palmiro Togliatti. Não recuar em confrontos com a polícia era uma parte integral da sua identidade e auto-estima."
Obs: Esse episódio me faz lembrar da questão da "economia moral" de Thompson e da violação dos códigos coletivos.
19: Depois do episódio da repressão aos protestos contra a entrada da Itália na OTAN, as pessoas se perguntavam o que fazer e como tolerar aquilo.
"É intolerável; mas o desequilíbrio na balança de poder é tal que tem que ser tolerado. Era algo difícil de engolir para qualquer um, mas sobretudo para as pessoas cuja auto-estima se apoiava numa tradição de militância e orgulho. A morte impune de um camarada, a impossibilidade de retaliação, não é somente uma violência física insuportável, é também uma humilhação profunda, uma vergonha [loss of face - tapa na cara]. Cinco anos antes apenas, os partisans [que haviam participado da resistência] da classe trabalhadora tinham marchado sobre Terni portando orgulhosamente suas armas, convencidos de que a cidade e a fábrica agora lhes pertencia. Agora, a morte de Trastulli mostra à classe trabalhadora que as relações de poder retrocederam. A alegada afirmativa do delegado de que iria colocar os trabalhadores no seu lugar matando alguns [by laying some of them stiff in the streets], tornar-se verdade e não há nada que eles possam fazer acerca disso.
A memória trabalhou para curar essa ferida de duas maneiras distintas. Alguns narradores amplificam a descrição do episódio para mostrar que, de fato, os trabalhadores responderam imediatamente; outros transferem tudo para um contexto - das demissões de 1953 - quando uma resposta da classe trabalhadora efetivamente ocorreu."
20: Mario Vella, que foi trabalhar na usina em 1954, com 17 anos, lembra-se que no fim dos turnos os operários mais velhos apontavam par uma guirlanda no muro e falavam: "ele morreu por você também; se você tem um emprego na aciaria, talvez você o deva a ele"; outro operário (nascido em 1940) lembrava-se que nas primeiras conversas de política que tivera em família por volta dos 12 anos o nome de Trastulli aparecia com destaque. Claramente, diz Portelli: "o nome de Trastulli era parte de uma iniciação política dos adolescentes de classe operária na fábrica e no interior da família"; esta memória foi mantida viva pela guirlanda e pela placa no muro e pelas histórias recorrentes acerca dele no L'Unità, sobretudo perto do aniversário da sua morte. Conclusão: "mesmo que Trastulli não tenha morrido lutando por empregos em 1953, os trabalhadores levaram-no com eles em suas mentes para as barricadas de então." [que coisa linda!]

VI. (020-026) A organização formal da memória
20-21: "A transferência cronológica da morte de Trastulli diz respeito, na verdade, aos mecanismos da memória. Datar um evento é quebrar o tempo contínuo numa sequência de eventos discretos, agrupados em períodos em torno de certos fatos-chave ('antes da guerra'; 'depois que eu casei'...). Esta quebra 'horizontal' está ligada por sua vez a uma estrutura 'vertical': todos os tipos de eventos acontecendo simultaneamente em um dado momento, e a montagem de um paradigma cronológico implica na seleção de eventos homogêneos dentre aqueles que acontecem em um determinado momento. A maioria dos narradores busca conferir coerência às suas histórias aderindo a um princípio de seleção (relativamente) consistente: a esfera da política; a vida da comunidade; e as experiências pessoais. Cada modo tem um correlato espacial: a perspectiva nacional ou internacional, a cidade e o lar. É claro que nenhuma narrativa é totalmente consistente; por outro lado, um dado evento pode ser colocado em mais de um modo. A identificação de um evento e dos seus significados é, todavia, normalmente baseada na rede de eventos sequenciais e simultâneos aos quais ele está ligado de acordo com o modo da narrativa e da memória."
21: O motivo pelo qual o evento da morte de L.Trastulli era problemático: "Não se encaixava no modo 'político', porque as suas repercussões, na vida das instituições, partidos, governos e eleições não foi além de um par de discursos dos deputados esquerdistas no Parlamento. Por outro lado, não podia ser considerado como pertencente ao modo pessoal; com exceção do círculo imediato da vítima, ele não influenciava diretamente a vida de ninguém.
O modo coletivo, comunitário, seria o lugar certo, porque era nele que o evento carregava mais peso. Neste nível, entretanto, seu único possível significado é precisamente aquele que os narradores estão tentando evitar: uma mensagem de impotência coletiva e derrota. Colocar o assassinato de Trastulli neste modo reabriria a ferida.
Como, entretanto, ele ocupava um espaço tão grande na memória, os narradores tinham que dar um jeito [come to terms] com a sua localização, tanto cronologicamente quanto em termos de modo. Duas estratégias se oferecem: uma transferência 'vertical' nos modos (para cima na direção da pura política ou vertical na direção da vida pessoal e afeições); ou uma transferência 'horizontal' na cronologia."

VII. (026-026) A memória como história
A memória manipula os detalhes factuais e a sequência cronológica para servir a três funções: simbólica, psicológica e formal
26: "1. SIMBÓLICA. A morte de Trastulli representa a experiência da classe trabalhadora em Terni como um todo. Este símbolo central gera outros (o jipe, a parede a arma abaixada), e encontra seu próprio contexto simbólico adequado;
2. PSICOLÓGICA. A dinâmica, as causas, e a cronologia do evento são manipuladas de forma a curar o sentimento de humilhação e de perda de auto-estima que se segue à impossibilidade de reagir adequadamente à morte de um companheiro (e à perda de poder que isto revela). Da mesma forma, a estrutura narrativa é rearranjada de forma a dar conta da duplicidade entre o motivo oficial para o protesto e as preocupações imediatas dos trabalhadores que participaram dele; e
3. FORMAL. A transferência horizontal do evento fornece-lhe uma função adequada de marco temporal (a maioria das histórias de vida estabelecem 1953 como turning point); toda a cronologia então é rearranjada ou borrada para compensar esta transferência."
Conclusão: a discrepância entre fato e memória fortalece o valor das fontes orais
26: "A discrepância entre fato e memória em última instância fortalece o valor das fontes orais como documentos históricos. Não é causada por recordações imperfeitas (alguns dos motivos e símbolos encontrados nas narrativas orais já estavam presentes embrionariamente nas fontes escritas da época), mas sim ativa e criativamente gerada pela memória e pela imaginação em um esforço para compreender eventos cruciais e a história em geral. Na verdade, se as fontes orais nos tivessem nos dado uma reconstrução factual 'acurada' e 'confiável' da morte de Luigi Trastulli, nós saberíamos bem menos sobre isso. Para além do evento como tal, o fato histórico real e significativo que estas narrativas sublinham é a própria memória."


"Uchronic dreams: working-class memory and possible worlds" In: PORTELLI,Alessandro. The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral histories. New York: State University of New York Press. Pp. 99-116.

I. (99-105): The meanings of Uchronia
099-100: "Este ensaio é sobre um tipo de conto imaginário que eu proponho chamar de 'ucrônico'. A ucronia tem sido definido pelos críticos de ficção científica como 'este tema surpreendente no qual o autor imagina o que poderia ter acontecido se um determinado evento histórico não tivesse acontecido'; ou como a representação de 'um presente alternativo, um tipo de universo paralelo no qual o desenrolar diferente de um evento histórico tivesse alterado o universo tal qual o conhecemos'."
100: "Eu tentarei mostrar como contos similares são encontrados em narrativas históricas orais. Eu irei discutir sobretudo testemunhos orais coletados na década de 1970 junto a velhos ativistas comunistas em Terni, uma cidade industrial na Umbria, na Itália Central. Estas histórias geralmente enfatizam, não como a história aconteceu, mas como ele poderia ou deveria ter acontecido, focando-se em possibilidades mais do que em realidades."
Tratam, sobretudo, da possibilidade das coisas terem acontecido de forma diferente caso tivesse havido uma liderança apropriada no que diz respeito a determinados eventos ocorridos entre 1919-25 e 1943-53
(100-101) Ele veio a conhecer este tipo de relato em 1973 ao entrevistar Alfredo Filipponi, ex-operário, secretário local do PC durante o fascismo e comandante da brigada da Resistência 'Antonio Gramsci' entre 1943-4; quando Portelli pergunta se durante a Resistência eles pensavam somente na liberação ou em algo mais, Filipponi responde que ele havia se oposto ao camarada Togliatti, que pensava em ascender ao poder pela via eleitoral, enquanto ele, Filipponi achava que era a hora certa (citando Lenin e o vôo da truta) para tomar o poder através das armas. Diz ter sido derrotado por apenas 4 votos: 76 a 72.
(101) Este confronto nunca ocorreu, Filipponi apenas estava dando a sua versão imaginária para um evento crucial na história do partido, quando Togliatti (recém-retornado do seu exílio na Rússia) anuncia para os quadros do partido reunidos em Salerno que agora o socialismo não era mais o objetivo imediato e sim a cooperação com as forças anti-fascistas para a criação de uma república democrática no estilo ocidental. "As reações a este anúncio variaram da oposição à incredulidade, e velhos militantes ainda debatem se a linha de Togliatti estava certa."
(101-2) "A forma do conto (narrativa) depende de fatores pessoais e coletivos. Filipponi era velho e doente quando foi entrevistado, e morreu pouco tempo depois; há muito que ele tinha sido retirado da liderança ativa do partido, contra a sua vontade e depois de um confronto dramático. À medida que a conversação avançava, o estilo épico e detalhado (embora factualmente incorreto) que ele tinha usado no início para descrever sua experiência na Resistência gradualmente se parte e ele escorrega mais e mais na fantasia e na fabulação." Aí começa: inventa que desempenhou papel central na convenção de fundação do partido da qual ele nem participou, conta uma história detalhada de como escapou da prisão com Gramsci (fundador do partido) e se escondeu com ele durante meses nas montanhas (o que também não ocorreu) até terminar contando a história com Togliatti.
(102) Há motivos pessoais: o cansaço da idade, da doença e de uma longa entrevista erodiram os controles conscientes e abriram as comportas para sonhos e desejos enterrados no subconsciente. Ele se considerava injustiçado e não reconhecido, ele que havia devotado a maior parte da sua vida ao partido. Isso faz com que ele se imagine no centro da história do partido e ao lado do seu 'pai fundador' de quem ele teria recebido o seu nome de partido e a sua identidade política.
(102) "Mas há mais do que frustração pessoal nesta história. Filipponi também ventilava um senso coletivo de desapontamento pela forma que a história tomou depois das grandes esperanças criadas pela liberação do fascismo."
(103) "À medida em que o desejo e a esperança na revolução e no socialismo eram removidos da agenda do partido e eliminados do debate aberto, ele eram gradualmente enterrados mais e mais profundamente nas memórias e imaginações dos ativistas, para reemergir em fantasia, sonho e folclore. O conto 'errado' de Filipponi era menos o resultado de uma lembrança imperfeita do que, ironicamente, de uma imaginação criativa. Era a forma narrativa do sonho de uma vida pessoal diferente e de uma história coletiva diferente."
(103) "Histórias deste tipo brotam ocasionalmente em diferentes partes do país. (...) Algumas vezes, tais conflitos não aconteceram somente na memória e na imaginação: na Calábria, os quadros locais do partido recusaram-se a acreditar nos documentos do partido descrevendo a nova linha política e pensaram que eles haviam sido forjados por 'provocadores'."
- Histórias com Gramsci são até mais comuns do que histórias com Togliatti, sendo que cumprem funções opostas: as com Gramsci reforçam a identificação com as origens do partido, as com Togliatti, às vezes, servem para expressar desapontamento com sua ação histórica.
(104) Um outro aspecto da história de Filipponi é a presença das armas que haviam sido enterradas para uso posterior, sobretudo para a desejada revolução. Efetivamente isto ocorreu, houve armas sendo encontradas nas fábricas de Terni até 1949 e um entrevistado disse a Portelli que guardou a sua até a década de 1970.
- Mas na medida em que este sonho ia ficando para trás diante da nova realidade do partido e da democracia italiana, tornava-se mais difícil expressar as esperanças e desejos frustrados, quanto mais realizá-los.
- Filipponi encarnava a relação entre a consciência da vanguarda política e as raízes tradicionais (folk) da cultura da classe trabalhadora; sentia-se mais à vontade falando em dialeto embora tivesse estudado até a 6a. série (o que era muito no meio na época); o relato de como foi despedido da cia. de bondes tem o padrão de um conto folclórico: Mussolini escreve uma carta mandando o gerente despedi-lo, este último hesita e Mussolini escreve outra carta, o que leva o próprio Filipponi a dizer que ele poderia despedi-lo. Para Portelli é que nem Branca de Neve, com Mussolini representando a Madrasta Má e o gerente como o caçador que teria que matar a princesa mas está relutante em fazê-lo.
(105) No caso do provérbio sobre a truta, da mesma maneira que muitos ativistas da classe trabalhadora que justificam sua política com provérbios e músicas tradicionais, Filipponi o atribui a Lenin, "numa tentativa de reconciliar sua sabedoria popular classista com o prestígio teórico dos pais fundadores do movimento comunista."

II. (105-108): When History went wrong
(105) "O conjunto de histórias sobre a revolução perdida da década de 1940 não são um caso isolado. O tema 'a história poderia ter ocorrido diferentemente' é encontrada em narrativas lidando com todas as maiores crises da história da classe trabalhadora, tanto local quanto nacional."
(108) "Estas histórias demonstram o papel da ucronia como uma possível expressão narrativa da recusa da existente ordem de realidade. A forma ucrônica permite ao narrador 'transcender' a realidade como dada e recusar-se a se identificar e a ficar satisfeito com a ordem existente. Através da ucronia, estes narradores disseram que o mais desejável dos mundos possíveis (que para eles estava identificado com o comunismo) poderia ser criado algum dia, se as chances certas forem aproveitadas."

III. (108-110): Possibility and desire
(108) Claro que numericamente há muito mais histórias afirmando que as coisas efetivamente tinham que ocorrer do jeito que ocorreram, mas a relevância do tema não pode ser medida somente em termos estatísticos.
i. Temos que levar em consideração a qualidade dos narradores: uma alta proporção de ativistas com papéis de responsabilidade e prestígio no partido, em sindicatos e no governo local. São racionalizações do passado feitas por pessoas que eram a espinha-dorsal da classe trabalhadora e do movimento comunista em Terni por três gerações.
ii. "Temos que considerar também o local do tema no interior de cada história de vida individual. Em quase todos os casos a virada ucrônica é colocada de forma a coincidir com o pico da vida pessoal do narrador, com o momento em que cada um deles desempenhou o papel mais importante, ou, pelo menos, esteve mais ativamente envolvido como participante."
(109) As mesmas pessoas aceitam boa parte do que aconteceu e se insurgem contra outros eventos: "O conflito, de fato, não é entre rebeldes irredutíveis e conformistas passivos"
- "A natureza interna e pessoal do conflito está em paralelo com a narrativa frequente do contraste entre o partido - senhor da razão e do conhecimento - e a rebeldia instintiva e zangada das massas"
(110) "Como é que nós reconciliamos o fato de que sabemos que o partido estava certo, com o fato de que nós não podemos deixar de sentir que a história tem estado errada?"

IV. (110-113): The myth of inevitable progress [ou de onde vem a ucronia]
(110) "Enquanto a ucronia afirma que a história deu errado (que fizeram ela dar errado), a visão do senso comum equivale a dizer que a história não pode dar errado - e implica que o que é real é também bom."
- O caso da escolha de Togliatti em Salerno é típico, por ser descrito, ao mesmo tempo, como uma livre escolha proveniente da sabedoria do líder (caminho italiano para o socialismo) e das circunstâncias objetivas (pressão dos aliados, que não permitiriam que a Itália se tornasse socialista). Togliatti costumava apresentar como iniciativas bem sucedidas o que eram apenas movimentos defensivos.
(111) É a arte de moldar o desejável segundo o possível: o secretário de sindicatos de esquerda, diante da perda de direitos que poucos anos antes haviam sido saudados como conquistas históricas, diz que eles são indesejáveis 'barris de cinzas' que deveriam ser deixados para trás no caminho para o poder e a modernização. Enrico Berlinguer, secretário do PC diz que um governo de esquerda não seria uma boa solução para a democracia italiana naquele momento. Conclui Portelli: "Tanto Lama quando Berlinguer teriam, claramente, preferido preservar os direitos do sindicato e formar um governo de esquerda; mas, ao invés de admitir que eles tinham o poder para tornar estas coisas possíveis, eles escolheram afirmar que elas eram indesejáveis"
- Na década de 1970, preocupado em aparecer como uma força política 'responsável' e 'aceitável', o PCI fez uma releitura positiva de todo o seu passado e dos eventos históricos que precederam a sua iminente ascensão ao poder, mesmo que antes ele tenha se oposto a eles, como a OTAN, que deixava de ser um veículo da hegemonia imperialista e passava a ser vista como uma 'garantia' da independência nacional italiana. Portelli relembra que "por acaso o partido comunista nunca conseguiu aceder ao poder de estado; mas o preço ideológico pago pela tentativa permaneceu".
- Ex. do historiador local e senador do partido comunista Raffaele Rossi que na década de 70 descreveu as demissões de 1953 como algo positivo do ponto de vista político e econômico.
112: "Esta descrição (...) dificilmente tem mais credibilidade factual do que o sonho ucrônico de Filipponi. Mas se encaixa na necessidade de imaginar uma história progressista dirigindo-se para o progressivo 'compromisso histórico'"
- Há o caso de trabalhadores que vêem tudo como um sucesso para justificar uma vida de lutas: "Se o passado é para justificar o presente, uma vida de lutas pode achar auto-estima e identidade pessoal somente se estas lutas forem descritas como um sucesso."
- "Ao mesmo tempo, entretanto, cada vez que eu perguntava a velhos militantes se suas vidas presentes correspondiam àquilo por que haviam lutado, as respostas eram relutantes e dúbias." E muitos deles hoje vivem em situações difíceis do ponto de vista financeiro.
(113) Sendo assim, a experiência pessoal ao mesmo tempo reforça e limita a visão afirmativa da história.
- "O discurso afirmativo é sancionado pela liderança política e pelo establishment; está disponível, é pré-fabricado e articulado. O discurso da negação, por outro lado, tem que se reconstruir pedacinho a pedacinho a partir do zero a cada vez e sobre o peso do medo da desaprovação e do isolamento."
- "Sendo assim, o conflito entre o impulso afirmativo e negativo geralmente resulta em silêncio, passividade e consentimento sem participação (...) O discurso da negação é distorcido, enterrado, desviado e só se permite a ele emergir nas entrelinhas, como sonho, metáfora, lapso, digressão, erro, negação e ucronia - todas formas que dão vazão aos sentimentos dos narradores e entretanto controlam a tensão utilizando a organização formal do discurso."

V. (113-116): Who makes History [ou para que servem os sonhos ucrônicos]
(113) "Os meios de controle entranhados na narrativa correspondem a dois grandes temas: o 'passo errado' da história é relacionado a um único evento e a culpa é atribuída a erros ou falhas da liderança." Nos contos ucrônicos, "culpar os erros da história no 'nosso' lado significa, por um lado, que é ainda o nosso lado que faz história".
(114) "Estes mitos [dos Pueblo que atribuem a criação do homem branco à magia negra dos índios e dos nacionalistas negros para os quais o homem branco foi inventado pelo cientista louco negro Yacub] reforçam o sentimento grupal do seu papel central na história e sugerem que se o grupo teve o poder de geral os poderes maléficos ele também tem o poder de eliminá-los"
- "Da mesma forma, a função do tema ucrônico é manter a esperança. Se nossos líderes passados perderam a sua chance de 'atirar quando o melro estava voando por perto' no futuro líderes melhores não o farão. O mundo dos nossos desejos é possível: nós não precisávamos nem mesmo mudar a mágica mas somente trabalhá-la mais corretamente e talvez substituir alguns mágicos no topo."
- Os líderes desempenham nos contos ucrônicos um papel semelhante ao dos mediadores na interpretação estrutural dos mitos por Lévi-Strauss: criaturas bifaces que mantém juntas duas pressuposições conflitantes mas igualmente necessárias. "Neste caso, a contradição - nós, que fazemos a história, temos que estar certos, e entretanto a história está errada - é explicada através da agência de indivíduos que estão conosco e nos defendem (no partido, que eles representam) mas não são um de nós (não são membros da classe trabalhadora em termos de status, poder, educação, língua, estilo de vida e às vezes renda: como Androsciani disse, nós alugamos, eles detém a propriedade). A posição ambivalente, interna/externa dos líderes mantém tudo em família e além disso salva a família do sentimento de culpa e de levar a culpa. A ligação ao partido não era baseada (como os críticos externos sempre afirmaram) em uma fé mítica na sua infalibilidade, mas ao contrário na habilidade de transferir seus fracassos para a esfera do mito."
(115) "O tema ucrônico remove a presença de adversários sociais e políticos. Ele reduz processos históricos complexos a eventos simples e situações complexas a dilemas de sim ou não. Assim, salva a auto-estima do narrador e seu sentimento do próprio passado, mas torna muito mais difícil avaliar o verdadeiro papel do partido nestas crises e a sua identidade, cultura e estratégia a longo prazo."
"O compromisso histórico era muito mais do que uma manobra tática. Era um sintoma e a causa de mudanças profundas na identidade, composição de classe e papel político do partido comunista. Este processo marginalizou muitos velhos militantes, cuja identidade estava tão estreitamente ligada ao partido que, embora eles se sentissem pessoalmente atingidos, evitavam reconhecer o que isso significava politicamente. A crítica tática permitia a eles expressar o seu descontentamento e ao mesmo tempo remover suas fontes mais profundas e perturbadoras."
- A concepção que estava por detrás disso era de uma revolução alcançada através de uma série de ações decisivas (turning points) e de um confronto único, traumático e violento e não como um lento e profundo processo de mudança social. Eles não tinham ideia real de que tipo de sociedade queriam. No máximo podiam fazer alguma referência à União Soviética. Por isso quando
116: o socialismo existente ruiu na década de 1980 a identidade do partido foi abalada profundamente, até as fundações.
Conclusão:
"A imaginação ucrônica, portanto, revela a inabilidade de uma parte significativa dos militantes comunistas tradicionais em reconhecer que aspectos básicos da estrutura e da teoria do Partido Comunista (e portanto da sua própria identidade) podem ter contribuído para os erros da História. Ela também revela que, para muitos destes ativistas, era muito doloroso e difícil admitir - e mesmo imaginar - que o partido estava se tornando algo muito diferente daquilo que eles haviam conhecido e pelo que haviam lutado. Por outro lado, a imaginação ucrônica também revela a falha da história oficial em explicar a experiência existencial da maioria da base do partido. Ucronia, portanto, resgata a preciosa consciência da injustiça do mundo existente, mas fornece os meios de resignação e reconciliação. Ao mesmo tempo em que alimenta as chamas do descontentamento, ajuda a impedir que esta contradição se manifeste como conflito aberto." [uma conclusão que evita romantizar os velhos militantes e a chamada cultura popular, mostrando a presença de aspectos de inconformismo e de conformismo ao mesmo tempo]


BOURDIEU,Pierre
(1998) "A ilusão biográfica" In: FERREIRA,Marieta de Moraes e AMADO,Janaína (Orgs.). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: FGV.2.ed. pp. 183-190. O artigo original é de 1986.

Os pontos mais importantes do texto (fichas bibl. conteúdo)

01 A história de vida como uma noção do senso comum

183: A história de vida como uma noção do senso comum (contrabandeada para o universo científico: pressupõe que a vida é uma história, um caminho que percorremos (e que deve ser percorrido), com começo, etapas e um fim (no duplo sentido de término e finalidade).

02 O primeiro pressuposto da história de vida é de que a vida é um todo coerente
184: O primeiro pressuposto da história de vida: a vida é um todo coerente em que a ordem cronológica é também uma ordem lógica e na qual os acontecimentos tendem a se relacionar inteligivelmente;

03 Investigador e investigado (para ser ideólogo da sua existência) têm ambos interesse em aceitar "o postulado do sentido da existência narrrada"
184: "O sujeito e o objeto da biografia (o investigador e investigado) têm de certa forma o mesmo interesse em aceitar o postulado do sentido da existência narrrada (e, implicitamente, de qualquer existência).

04 O romance moderno e a descoberta da descontinuidade do real e da artificialidade da biografia (uma ilusão retórica)
185: O romance moderno com sua descoberta da descontinuidade do real e o "questionamento da visão da vida como existência dotada de sentido"

05 O habitus e o "eu". Uma resposta "à questão dos mecanismos sociais que favorecem ou autorizam a experiência comum da vida como totalidade e como unidade."
185: "não podemos nos furtar à questão dos mecanismos sociais que favorecem ou autorizam a experiência comum da vida como totalidade e como unidade. De fato, como responder, sem sair dos limites da sociologia, à velha indagação empirista sobre a existência de um eu irredutível à rapsódia das sensa-
186: "ções singulares ? Sem dúvida podemos encontrar no habitus o princípio ativo, irredutível às percepções passivas, da unificação das práticas e das representações (isto é, o equivalente, historicamente constituído e portanto historicamente situado, desse eu cuja existência, segundo Kant, devemos postular para justificar a síntese do diverso sensível operada na intuição e a ligação das representações numa consciência). Mas essa identidade prática somente se entrega à intuição na inesgotável série de suas manifestações sucessivas, de modo que a única maneira de apreendê-la como tal consiste talvez em tentar recuperá-la na unidade de um relato totalizante (como autorizam fazê-lo as diferentes formas, mais ou menos institucionalizadas, do 'falar de si', confidência etc.)."

06 O papel do nome próprio e da identidade como mecanismos sociais que autorizam a percepção da vida como unidade. Também a assinatura. p.186ss.

07 O relato de vida tende a aproximar se do modelo da apresentação oficial de si bem como da filosofia de identidade que o sustenta, afastando-se das trocas íntimas. p.188

08 O relato de vida é produzido na relação entre um habitus e um mercado; A apresentação pública de uma representação da própria vida implica em coações e censuras e não escapa de pressupostos inconscientes da interrogação

188: "As leis que regem a produção dos discursos na relação entre
189: um habitus e um mercado se aplicam a esta forma particular de expressão que é o discurso sobre si; e o relato de vida varia, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo, segundo a qualidade social do mercado no qual é oferecido – a própria situação da investigação contribui inevitavelmente para determinar o discurso coligido. Mas o objeto desse discurso, isto é, a apresentação pública e, logo, a oficialização de uma representação privada de sua própria vida, pública ou privada, implica um aumento de coações e de censuras específicas (das quais as sanções jurídicas contra as usurpações de identidade ou o porte ilegal de condecorações representam o limite). E tudo leva a crer que as leis da biografia oficial tenderão a se impor muito além das situações oficiais, através dos pressupostos inconscientes da interrogação (como a preocupação com a cronologia e tudo o que é inerente à representação da vida como história) e também através da situação de investigação, que, segundo a distância objetiva entre o interrogador e o interrogado e segundo a capacidade do primeiro par 'manipular' essa relação, poderá variar desde essa forma doce de interrogatório oficial que é, geralmente sem que o saiba o sociólogo, a investigação sociológica até a confidência – através, enfim, da representação mais ou menos consciente que o investigado fará da situação de investigação, em função de sua experiência direta ou mediata de situações equivalentes (entrevista de escritor célebre ou de político, situação de exame etc.), e que orientará todo seu esforço de apresentação de si, ou melhor, de produção de si."

09 A noção de trajetória e a importância de analisar os acontecimentos biográficos como colocações e deslocamentos no espaço social. É preciso analisar a superfície social e se isso normalmente não se faz deve-se à força social da idéia de "eu". p.189-90



"The Best Garbage Man in Town: Life and Times of Valtèro Peppoloni, Worker" In: PORTELLI,Alessandro. The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral histories. New York: State University of New York Press. Pp. 117-137.

I. (117-8): Histórias representativas

(Introdução). O objetivo do artigo: a relação entre documentos individuais e realidades trans-individuais e o ponto de partida das histórias de vida como artefatos verbais e não como relatos factualmente verdadeiros

117: "Eu gostaria de abordar esta questão [da relação entre documentos individuais e realidades trans-individuais] analisando como uma única história de vida relaciona-se com padrões de cultura mais amplos e compartilhados, e como os elementos comuns e compartilhados relacionam-se àquilo que torna esta história ao mesmo tempo representativa e singular."
118: Podemos encarar estas história de vida como permitindo aceder à realidade do que verdadeiramente aconteceu ou "nós podemos trabalhar com o pressuposto de que estamos lidando com artefatos verbais (histórias) modeladas pela outo-percepção dos narradores, pelo encontro com o entrevistador, e pela percepção e interpretação do entrevistador deles e de suas palavras."
118: "Afinal, o contar a história de uma vida, é parte da vida dessa pessoa. Parafraseando Walter Benjamin, o problema não consiste na relação entre vida e história; mas, ao invés disso, no papel da história dentro da vida."

II. (118-125): As aventuras de um trabalhador

118:
- Um amigo de infância de Portelli sugere que ele entreviste o tio e isso é feito em duas sessões totalizando 9 horas e resultando em cerca de cem páginas de entrevista.
- Valtèro Peppoloni nasceu em 1916, filho de um simpatizante socialista que era dono de um pequeno sítio e não era ativamente envolvido em política. O pai foi preso em 1920 em nome de uma desculpa política e ao sair estava desempregado. A família toda se muda 80 km para o sul, indo para Terni onde ainda era possível conseguir trabalhos fabris mesmo em 1929. O pai morre pouco após a mudança e a família vai viver como "meeira" (sharecropper, não necessariamente meeira) em uma propriedade de uma rica família nos arredores da cidade

119:
- Incidente com a proprietária, a qual, ao invés de dividir meio a meio as frutas do pomar ficava com dois terços. Ele e um amigo vão até o pomar, pegam todos os pêssegos e os vendem para a sorveteria. Depois dá parte do dinheiro para a sua mãe.
- Incidente com o dono do cinema: quando trabalhava de bilheteiro no cinema, o proprietário deixa de lhe pagar duas liras e ele abre as portas do cinema como represália, recebendo aqui e ali um dinheirinho ou alguma outra coisa.
- Tem que abandonar o trabalho na fábrica de fertilizantes aos 15 anos porque estava impedindo seu crescimento e ameaçando sua saúde.

119-120:
- Incidente com o secretário da união fascista: Peppoloni havia recebido uma promessa de trabalho na construção do novo sistema de esgoto da cidade, mas o escritório de emprego fascista colocara alguém com menos direitos à frente dele; Peppoloni (19 anos) vai até o escritório e começa a brigar com o homem (que chega a subir na mesa com medo dele), e atira-o pela janela. Como havia um balcão embaixo o homem cai apenas alguns metros. A polícia foi chamada, ele é amarrado e levado para a cadeia.

120:
- Finalmente ele consegue o trabalho mas era apenas temporário. Entra na juventude fascista e assina um papel engajando-se para o que der e vier, o que resulta na sua participação na Guerra Civil Espanhola.
- Luta com bravura (ou temeridade diz ele) e é condecorado, mas descobre chocado que mesmo o sistema de hierarquia, promoções e condecorações era baseado em critérios políticos. Incidente com o oficial do Exército: ele e outros arrancam a medalha de prata do peito diante de generais franceses. Ali ele descobre "a natureza do fascismo" e começa a ter dúvidas políticas.

120-121:
- Volta e é contratado na usina de aço como um veterano de guerra. Incidente com o funcionário do partido fascista que cobra dele a mensalidade, da qual ele se considera isento por ser veterano. O secretário o ameaça dizendo ser um squadrista (membro dos pelotões terroristas dos fascistas). Peppoloni e os amigos quebram tudo. É chamado pelo secretário municipal que diz que ele está em apuros. Ele ameaça matar o secretário, pega o guarda que vem na sua direção e diz que vai jogá-lo escada abaixo. Reitera sua ameaça ao secretário municipal de matá-lo caso ele sofra alguma coisa.

121:
- Casa-se pouco antes da II Guerra Mundial e é recrutado para o front grego. 'Eu era um espírito rebelde', diz ele, tem problemas com os oficiais mas luta bem e fere-se gravemente na tentativa de salvar a vida de um dos oficiais. Recebe uma licença para retornar, recusa-se, é preso, escapa e finalmente é desincorporado por deficiência (isto é, por questões físicas devido aos ferimentos). Depois que a Itália assina a paz em separado (Setembro de 1943), Peppoloni se recusa a juntar-se ao exército nazi-fascista.
- Ele leva sua família de volta para sua aldeia depois dos raids aéreos dos aliados sobre Terni, trabalha no mercado negro, é preso e torturado pelos nazistas mas não fala.
- Depois da guerra ele volta a trabalhar na usina. Incidente com o guarda da usina. Eram vigiados o tempo todo pelos guardas. Trabalhavam muito. Alguns operários, ex-membros da resistência, eram arrogantes e queriam matar todos os patrões, mas ele se opunha a isso, porque sempre havia trabalhado direito, sempre havia feito a sua parte. Oprimido pelos guardas o tempo todo, ele e um amigo pegam um guarda notório e afundam sua cabeça num tanque d'água, quase até matá-lo.

122:
- Peppoloni entra no Partido Comunista mas critica tanto a liderança ('Uma vez tive que dar um chute [em um conhecido membro do sindicato] para fazê-lo entrar em greve') quanto a irresponsabilidade dos militantes de base, que iam para a usina e ficavam lendo jornal ao invés de trabalhar.
- Ele diz que só fazia o que era certo, mas ao mesmo tempo diz que participava de todas as greves, mesmo talvez das erradas.
- Incidente com os guardas da companhia: quando o Secretário-Geral do PCI (Palmiro Togliatti) sofre um atentado a Itália vive o que parece ser uma situação pré-insurrecional e Peppoloni e seus camaradas desarmam os guardas da usina e organizam a ocupação da fábrica.

122-123:
- Diz que sempre lutou por conta da sua consciência mas que nunca se beneficiou e nunca fez covardia, o que era na verdade o que os fascistas faziam.

123:
- Em 1953 três mil trabalhadores são demitidos da usina e embora ele não fosse um deles junta-se aos que estão nas barricadas, apanhando da polícia ao contrário de alguns que haviam sido demitidos mas ficam em casa debaixo das saias de suas mulheres.
- Incidente com o ajudante. No trabalho era bem cotado por todos e ganha até um prêmio por inventar um mecanismo que poupava trabalho, mas seu ajudante comete um erro que danifica o equipamento. Peppoloni assume a culpa, mas quando acontece novamente ele denuncia o ajudante, que o acusa de ser um espião [delator, na verdade]. Peppoloni fica furioso e bate com a marmita na cara do ajudante, bate nele e sobe nele, só não o matando porque é impedido pelos companheiros, mas tendo quebrado o nariz e arrancado alguns dentes do ajudante. Incidente com o chefe do Departamento de Pessoal. Diz que não tinha nada a perder e que sua mulher havia morrido há menos de um ano. Depois do incidente ele é enviado para o departamento de pessoal, onde o chefe, ladeado por dois guardas, afirma ter finalmente pego ele. Peppoloni segura-o pela gravata e tê-lo-ia enforcado se a gravata não tivesse escapado da sua mão. Os guardas o haviam segurado mas não conseguiriam arrancá-lo.
- Perde seu emprego e trabalha no que pode durante a difícil década de 1950. Embora fosse um trabalhador especializado tem que pegar na pá e na picareta.

123-124:
- Sendo especializado e bom trabalhador consegue ascender mas depois de um acidente que o desabilita parcialmente, vê-se desempregado aos 49 anos.

124:
- O PC tenta ajudá-lo mas a burocracia atrapalha. Incidente com o vereador comunista de Terni. Leva todas as suas carteiras: sindicato, partido, veterano da resistência e devolve-as ao vereador já que não servem para nada, já que ele não precisa do partido e já que ele pensava que o partido era outra coisa. O homem diz que o único trabalho era na limpeza urbana como gari. Ele diz que nunca pedira trabalho de escritório e se torna um ótimo gari apesar do trabalho ser muito pesado e desagradável.
- Incidente com o fiscal da limpeza urbana. Em um dia de verão ele tira o uniforme e depois a camiseta que usava por baixo. O fiscal, que estava passando, grita com ele. Peppoloni, que estava com um raspador na mão, afiado como uma gilete, fala para o fiscal que vá embora ou terá sua garganta cortada.
- Incidente com a diretora da escola municipal. Depois deste confronto ele é transferido para outro trabalho municipal como faxineiro de uma escola primária sobre a questão de umas férias.

125:
- Ele diz que depois disso a diretora passou a respeitá-lo e que quando ela o encontrava na rua dizia para os amigos dela que ele, embora fosse um camarada e apoiasse Berlinguer ela o respeitava porque mantinha a sua escola funcionando como um relógio. Para Peppoloni, a escola melhor mantida e mais organizada da cidade era a sua.
- Incidente com os funcionários de escritório do teatro municipal. Seus últimos dois anos de trabalho foram como lanterninha do teatro municipal onde ele brigava com funcionários que chegavam tarde ou saíam cedo. Ele compara isso ao partido, onde entrou sem visar vantagens, embora o partido tenha o ajudado a conscientizar-se e a se desenvolver como trabalhador.
- Afirma ser um estalinista e não aceita que "os tempos tenham mudado". Continua a vender o jornal do partido todos os domingos e pelo partido acha até que negligenciou os seus filhos. Diz ter feito tudo pelo partido e não ter pedido nada em troca.
- Por ser o melhor vendedor de jornais do partido Peppoloni recebeu seu último prêmio: um livro e um chaveiro. Depois da aposentadoria, passa muito tempo esculpindo na madeira. Sua obra-prima, que fica na sala de estar, é uma cabeça em tamanho natural de Lenin.

III. (125-129): Simetria
125: Portelli selecionou os episódios respeitando a cronologia mas "para mostrar o esqueleto da estrutura básica da história". Ele acredita que haja "três estruturas integradas":
uma estrutura de crescimento linear
126: uma estrutura de recorrência circular e
debaixo de ambas um
enredo de estabilidade e permanência

- Estrutura linear [de crescimento] : começa com ele sendo um pirralho malcriado (episódios da árvore e do cinema) até que nos seus primeiros empregos torna-se um "espírito rebelde", "de luta", "de aventura" (episódio com o funcionário do partido fascista e com os guardas da fábrica) até que ele atinge aquilo que é muito valorizado no léxico político italiano: a coscienza. Esta consciência é encarada por ele como sendo ao mesmo tempo política e moral. "O padrão de mudança de scavenazzacollo para spirito ribelle para coscienza é o crescimento linear, lógico, de uma criança desregrada e um jovem rebelde e lutador - para um trabalhador consciente (e consciente da sua classe) e uma pessoa responsável."

- "A estrutura circular também é bastante clara. Os relacionamentos políticos, pessoais e profissionais transformam-se em conflitos e finalmente desembocam em um confronto violento verbal ou fisicamente." (...) "Isto representa o conflito entre o radicalismo (retidão righteousness) rebelde de Peppoloni em seus diferentes estágios e uma estrutura social basicamente injusta, assim como a carência de uma coscienza adequada da parte de outras pessoas." (...) "A combinação dos dois padrões descreve um tipo de Bildung [formação]: o processo através do qual uma pessoa torna-se, gradualmente, aquilo que ela é, em conflito com o mundo lá fora."

126-127:
- Na verdade não é um processo cumulativo de amadurecimento, porque os estágios não são substituídos uns pelos outros, mas se constroem uns sobre os outros. Por ex. quando a sua esposa morre ele diz não ter nada a perder, ou seja, podia novamente agir sem responsabilidade, sem coscienza, revertendo para o estágio anterior de pré-adulto, assim como a morte de seu pai havia permitido a ele agir como scavezzacollo. "Isto confirma que a história não é exatamente uma de crescimento linear e mudança e sim de um crescimento cumulativo da personalidade."

127: [enredo de estabilidade e permanência]
"A despeito destas mudanças, todavia, Peppoloni insiste, em um outro nível, que ele nunca mudou: o trabalhador politizado é a mesma pessoa que o garoto que saqueou o pessegueiro ('havia este espírito de luta, que eu ainda tenho'). O nível mais profundo da narrativa, portanto, é um de consistência e continuidade. O valor básico, que nunca é explicitamente definido (embora ele tenha a ver com o tema obsessivo do 'respeito'), mas que segura toda a história, pode ser chamado de simetria."
- Um cantor-improvisador popular que Portelli gravou em 1970 descreveu Lenin como 'aquele que coloca o mundo em simetria' e para Portelli, "a simetria é o princípio básico da ordem" no mundo de Peppoloni. O primeiro episódio que ele conta diz respeito a isso: seu pai é preso, na verdade, porque havia emprestado um dinheiro a um funcionário fascista que não queria pagá-lo. Foi uma quebra da simetria que desencadeou toda a cadeia de eventos.
- "O princípio da simetria opera em dois níveis: palavras e trabalho. O primeiro significado, da simetria em palavras é a simetria entre palavras e fatos. As palavras devem corresponder aos fatos ('Se esta é a história, nós devemos contá-la como ela aconteceu'), e os fatos devem corresponder às palavras: um aspecto da simetria é manter a sua palavra." (incidentes com o funcionário do partido fascista sobre pgto. de mensalidades das quais ele pensou que estava isento e com o vereador comunista quando ele diz que o partido não fazia nada por ele embora ele fizesse tudo pelo partido)
- "Finalmente, a simetria em palavras é consistência: 'Eu sou um estalinista: é isso que sou. O partido me ensinou a ser assim e eu não posso mudar tão facilmente'" Na verdade a liderança do partido teria sido inconsistente e ele teria até mesmo devolvido sua carteira por um tempo. E os líderes não demonstravam atitudes compatíveis com sua posição (quando ele chutou um líder para que ele entrasse na greve).

128:
- Isto também seria aplicável aos militantes de base que deveriam estar nas barricadas lutando por seus empregos. "Esta simetria 'política' é a ponte entre a simetria em palavras e a simetria em trabalho. Ambas concernem a simetria entre direitos e deveres."
- Deve haver, antes de mais nada, simetria entre trabalho e pagamento. (pune a proprietária da terra e o dono do cinema)
- "A simetria de trabalho e pagamento é parte da simetria de direitos e deveres", quando ele afirma que antes de exigir os direitos há que trabalhar e que ele sempre quis estar "correto diante do patrão" (o que sintetiza uma tradição da classe trabalhadora italiana).
- Porque a relação com a companhia parece ser justa, a não ser quando ela não cumpria as suas obrigações, caso em que a simetria tinha que ser reestabelecida através de uma luta. É por isso que por um lado ele diz que só participou em greves quando elas eram justificadas.
- "Esta visão da simetria não coincide com o conceito marxista de 'exploração', uma quebra de simetria implícita no capitalismo na forma do trabalho não pago (quando os trabalhadores italianos dizem que estão sendo 'explorados', eles normalmente estão querendo dizer que seus empregadores estão sendo 'injustos' diante dos relacionamentos existentes, deixando a natureza do relacionamento em segundo plano. Esta diferença terminológica criou incompreensões não declaradas entre trabalhadores e ativistas políticos nas décadas de 60 e 70)."
- "Por outro lado, Peppeloni sabe que o que mantém o relacionamento 'justo' é uma simetria de poder. É por isso que ele, imediatamente depois de dizer que participou somente das greves justificadas, contradiz a si mesmo e afirma 'participei em cada uma das greves... Até das erradas, talvez'. A única maneira de manter a simetria entre empregadores e trabalhadores é equilibrando o poder dos patrões com a força organizada da classe trabalhadora. Enquanto servem a este propósito, todas as greves são 'justificadas'."

128-129:
- Tem que haver simetria de poder em dois sentidos: se os patrões têm muito poder eles esmagam os direitos dos trabalhadores, já os trabalhadores tendem a negligenciar seus deveres a não ser que sejam controlados por sua consciência.

129:
- O episódio do guarda que ele quase afogou mostra que Peppeloni reservava a si mesmo o direito de estabelecer o que seria justo em termos de tarefas. O trabalho para ele não é algo natural, enquanto os outros trabalhadores dizem que no tempo do fascismo eles tinham que trabalhar, Peppoloni enfatiza que trabalhavam mesmo.
- "Trabalho é trabalho e tem um núcleo duro que não pode ser comprimido, mas também há um núcleo duro do ser humano que não pode ser comprimido: os episódios do guarda quase afogado e do fiscal da limpeza quase apunhalado mostram que ele tem consciência deste limite que foi antecipado pela experiência na fábrica química durante a sua adolescência, em que muitas horas de trabalho e más condições estavam impedindo o seu desenvolvimento. A natureza do trabalho e a natureza humana têm que ser simétricas e compatíveis. Caso contrário, rebelião e recusa são 'justificadas'."

- "Finalmente, tem que haver simetria entre trabalho e reconhecimento. O tema quase obsessivo de Peppoloni é o 'respeito'. (...) Os símbolos visíveis desta simetria são os prêmios (...) e ainda mais o fato de ser literalmente reconhecido e saudado por seus pares e superiores"

- "O que mantém juntos os dois temas - o desenvolvimento linear e a estrutura simétrica - é o conceito da unidade de si. O tempo todo, Peppoloni insiste que ele ainda tem o mesmo espírito rebelde da sua juventude, que ele não pode mudar e não quer fazê-lo. Nós estamos muito longe da moderna fragmentação do eu. Por outro lado, esta insistência em unidade é determinada precisamente pelos poderosos impulsos à fragmentação que estão presentes na moderna sociedade industrial. Traçar a unidade do seu próprio eu torna-se portanto um dos mais poderosos impulsos por trás da narração da sua história de vida."

[aqui há um ponto de contato importante entre Portelli e o texto de Bourdieu "A ilusão biográfica]


IV. (129-137): Conscience and consciousness [consciência e conscientização]

129:
- "A história, portanto, tem uma estrutura muito amarrada e reconhecível"

129-130:
- "Embora tenha sido uma entrevista longa e espontânea, Peppoloni nunca perdeu o controle do padrão."

130:
- Ele certamente já havia pensado bastante acerca das histórias e as havia contado (separadamente) várias vezes. "A entrevista deu-lhe uma chance de conectar coerentemente um repertório de histórias que tinham sido contadas muitas vezes mas separadamente. Todavia, ele não poderia ter improvisado o formato geral se não tivesse pensado sobre isso e se não tivesse contado estas histórias antes."
- Ele havia compartilhado estas histórias com sua família, que se orgulhava delas e que as tomava como propriedade familiar; havia também as compartilhado e trocado com seus camaradas de geração.
- "Um ato narrativo oral, é implicitamente social em um grau maior do que um escrito, porque requer uma audiência: o fato de que estas histórias tenham sido contadas significa que o círculo de Peppoloni as considerou, pelo menos simpáticas [harmônicas] - e, talvez, elas tenham sido mais ou menos conscientemente moldadas ou selecionadas para atender às expectativas deste círculo particular."
- "Um elemento social ainda mais explícito é a presença de motivos, de temas e padrões de enredo e performance que podem ser comparados com outros deste mesmo ambiente."
- Estamos na terra de ninguém entre o folclore (coletivo) e a literatura (individual). "A questão aqui, será identificar tanto o que é 'comunal' quanto o que é 'individual' na história de Peppoloni."
- É claro que o primeiro ponto em comum é que nenhuma história é exatamente igual à outra. "Nenhuma declaração individual [individual statement] encaixa-se perfeitamente na grade da cultura à qual ele pertence. Na verdade, a cultura não é uma grade (o que é apenas um instrumento teórico útil) mas um mosaico em que cada peça encaixa nas outras mas é diferente de todas as outras. O fato de que uma cultura é feita de indivíduos diferentes uns dos outros é uma das coisas importantes das quais as ciências sociais às vezes esquecem, e que a história oral nos relembra."

Demonstração:
- Roubo dos pêssegos, história com a qual ele começa por ter a estatura de um mito fundador: tema encontrado em muitas outras entrevistas, p.ex. Iginio Vella conta de um ataque a uma cerejeira que ficou famoso na vizinhança dele.

131:
- Narrativa de Vella: ele e um grupo de amigos saqueiam uma cerejeira e deixam pedras no lugar das frutas para dar mais estilo.
- Narrativa de Alvaro Valsenti: trabalhava numa gráfica e encontrava com outros anti-fascistas; eles conheciam todas as árvores frutíferas da região de Terni e iam lá roubá-las, a única maneira de ter frutas para comer
- Poderia dar outros exemplos, mas o importante é que nos três casos (Peppoloni, Vella e Valsenti) os narradores conectam a história do roubo das frutas com seu crescimento pessoal.
- No caso de Vella é o relato de uma escapada jovem: toda criança tem que roubar fruta, todo jovem tem que ser um pouco desobediente. Mas as pedras e a necessidade de estilo mostram que não havia um conteúdo classista, até porque o dono da árvore era um vizinho e companheiro de trabalho dos pais dele. Portelli não foi convidado porque era de classe média, estava fora e não acima deste tipo de coisa.
- No caso de Peppoloni, o saque ao pessegueiro é o coroamento da sua fase de scavezzacollo [quebra-pescoço] e prepara sua conscientização futura acerca da injustiça social que neste estágio ainda é implícita. "É ainda mais uma quebra de respeito do que um ato conscientemente classista, embora viole os direitos de propriedade da proprietária."
- No caso de Valsenti ele mesmo se descreve como um desregrado e audacioso menino de rua que aprontava junto com seus companheiros.
132:
- "Entretanto, ele situa o hábito de roubar fruta em um contexto mais amplo de relações de classe simbolizadas por sua topografia. Os ataques a pomares e vinhedos ocorrem bem no centro da cidade, abaixo da Prefeitura e do teatro municipal, desta forma afirmando a superposição do espaço urbano e rural e a invasão do centro urbano e do espaço institucional por garotos de classe-trabalhadora que viviam no 'gueto'."
- Neste estágio Valsenti já se descreve como um 'rebelde', termo que para Peppoloni descreve um estágio de desenvolvimento mais alto. Afinal, Peppoloni rouba os pêssegos antes de ter seu primeiro emprego na fábrica enquanto Valsenti associa o roubo das frutas ao seu trabalho na fábrica e à sua primeira conscientização do anti-fascismo.
- "Nós podemos concluir que as três narrativas compartilham o mesmo tema (o roubo da fruta) com a mesma função (fundando a relação do narrador com a deferência, a hierarquia e a propriedade). Mas cada narrador conta isso com uma intensidade diferente, situa em um estágio diferente do seu desenvolvimento pessoal, e modula [varies] o seu significado de acordo com isso."
- Outra dimensão trans-individual destas histórias é que elas se relacionam com a tradição coletiva do 'furto campestre' em que frutas, colheitas e produtos eram roubados dos fazendeiros por camponeses pobres. Embora não expressasse um enfraquecimento da propriedade privada como um princípio podia levar a desenvolvimentos posteriores e as atitudes desta fase pre-industrial devem ter moldado a mentalidade dos trabalhadores industriais [vide Thompson e sua importante pesquisa sobre o século XVIII inglês]
- Exs. embora a maioria dos trabalhadores de Terni considere roubar a propriedade da companhia uma coisa terrível, após a II GM, quando a eletricidade era muito cara, os operários da indústria química de Papigno levavam para casa um pouco de cyanamida que utilizavam para iluminar a casa. Da mesma forma, tradições pre-industriais foram utilizadas para boicotar o tempo da companhia (festas durante a véspera de Natal, cozinhar refeiç es nos fornos de aço e dormir à noite quando o trabalho permite).
132-133:
- "Atitude dual: a propriedade da companhia é sagrada porque 'temos que estar sempre certos diante do patrão' (e também porque em princípio é também a nossa propriedade); mas não há nada sagrado com o tempo da companhia e mesmo a sacralidade da propriedade pode ser deixada de lado numa emergência."

133:
- "Muitos narradores estabelecem um paralelismo explícito entre o ciclo de vida individual e as fases da história coletiva. Deste modo, o estágio roubo-rural pode ser comparado a uma fase pré-adulta da classe operária, enquanto a consciência ainda não está formada, mas existe um desregramento geral que prenuncia o que virá a seguir. Arnaldo Lippi, um dos melhores historiadores de folclore de Terni dividia claramente a história da cidade em períodos - espírito rebelde (spirito ribelle) e consciência dos trabalhadores (coscienza) que coincidem com os dois próximos estágios da vida de Peppoloni e dele."
- "Tanto Lippi quanto Valsenti associam o espírito independente, desregrado e rebelde ao movimento anarquista que existiu em Terni desde antes da industrialização e que deixou traços importantes nos militantes de base comunistas. O grau de 'conscientização' individual e coletiva é relacionado, por outro lado, à liderança e à vanguarda do partido. 'O partido me ajudou a elevar minha consciência, ajudou a me desenvolver como trabalhador' diz Peppoloni. Isto corre em paralelo com a ideia de Peppoloni de que ele era 'desregrado' porque não tinha orientação, não tinha pai."
134:
- Por um lado o partido representa uma sabedoria paterna capaz de moderar, mas por vezes lamenta-se que em momentos cruciais da história de classes ele tenha mandado os trabalhadores se acalmarem.
- "Sendo assim, a história de vida de Peppoloni segue o mesmo padrão do que a história da cidade como contada por outros narradores: do desregramento do roubo rural através de uma rebelião anárquica sem guia e instintiva até a consciência da organização da classe trabalhadora." [MUITO IMPORTANTE]

- Quanto a outro importante tema, a saber do confronto entre Peppoloni e seus superiores "Muitos outros narradores contam episódios similares, em que eles enfrentam representantes da autoridade - governo, companhia, partido ou sindicato."
- Dá vários exs. inclusive alguns de "Sonhos ucrônicos".

134-135:
- "Agora, parte do significado destas histórias é revelado pelo fato de que - como nos momentos de verdade dos romances de Mark Twain - eles sempre ocorrem em público e diante de uma audiência."

135:
- "O que é importante, portanto, não é somente confrontar a autoridade, mas ser visto fazendo isso."
- "Como vimos na história de Peppoloni, o tema do confronto é equilibrado pelo tema do respeito representado pela saudação dos seus superiores quando o encontram - na rua principal, não em qualquer rua. A oposição espacial entre as periferias da classe trabalhadora e o centro de classe média implica que 'respeito' tem que ser manifestado lá para ser realmente visível."
- "Estas histórias mostram que existe um relacionamento pessoal, até físico, entre os trabalhadores e a direção. A dialética da confrontação pública e do respeito público descreve um ambiente paternalista, onde hierarquia e deferência estendem-se do local de trabalho para a rua."
- "Isto não significa que não tenha havido uma boa parcela de hostilidade e conflito - de fato, a violência às vezes assustadora destas histórias de confrontação também é modelada pelo relacionamento paternalista. A 'injustiça' é vista em termos tanto pessoais quanto classistas, envolvendo um elemento de desapontamento pessoal com superiores geralmente respeitados por sua habilidade profissional."
135-136:
- Dá exemplos de histórias em que trabalhadores enfrentam os que os despediram na rua, no escritório e até nas suas casas, para confrontar seus superiores com os efeitos pessoais das suas decisões impessoais.

136:
- História típica de personalização: Alberto Petrini e seus companheiros é despedido e sai à procura de quem assinou aquele papel até chegar no engenheiro, dizendo a ele que telefone para a mulher e avise para colocar mais 5 pratos na mesa de jantar até que eles conseguissem o emprego de volta.
- "Peppoloni, portanto, não é um caso excepcional. Muitas destas histórias são ambientadas no clima dos anos imediatamente após o fim da guerra, quando os partisans [membros da resistência] ainda eram poderosos e temidos. (...) A história de Aldo Galeazzi - o atleta que foi até a casa do chefe do departamento de pessoal depois de ser despedido juntamente com 3 mil trabalhadores em 1953 e disse a ele que quebraria seus braços e pernas se não tivesse seu emprego de volta - tornou-se praticamente um conto folclórico local, completo com variantes" (todos os envolvidos nestas histórias conseguiram seus empregos de volta)

137:
- "No caso de Peppoloni, a ética de trabalho individual dele torna-se uma ética de trabalho coletiva: 'Estar certo diante do patrão' não vai tornar os trabalhadores ricos, mas vai colocá-los numa posição de barganha melhor e dar-lhes força moral. Peppoloni insiste que não quer tornar-se rico, pessoalmente; mas que se a sua classe e o movimento apropriarem esta ética, a vida de todos será melhor. A sanção religiosa da ética de trabalho protestante, por sua vez, é substituída por uma sanção política: o sistema de valor da classe e da organização prometem a ele que, embora ele talvez não vá para o Paraíso, ele vai ganhar um mundo melhor aqui."


V. (137): Possibilidades compartilhadas [muito importante pela diferenciação entre o 'típico' e o 'representativo']
137:
- "À guisa de conclusão, a maior parte da história de Valtèro Peppoloni, como nós vimos, remonta a padrões narrativos, estruturas e temas compartilhados. Há o suficiente de elementos coletivos e compartilhados nesta história para justificar vê-la como um documento representativo da cultura da classe trabalhadora local."
- O que ela tem de individual então?
- "No nível do conteúdo, nós podemos relacionar as metáforas culturalmente compartilhadas do paternalismo da companhia e o papel 'paternal' do partido com a perda precoce do seu pai, que ele explicitamente associa com o relacionamento problemático com a autoridade que atravessa sua vida. Deste modo, traços culturais 'coletivos' adquirem para ele um significado intensamente pessoal."
- "No nível da forma, a história de Peppoloni é feita de traços culturais compartilhados de uma tal maneira que ela torna-se muito típica, tanto que nenhuma outra história é tão típica. Nenhuma história contém tal proporção de traços culturais compartilhados, organizados de forma tão coesa: o grau de 'coletividade' é absolutamente único. O que torna esta história altamente pessoal é, no final das contas, a abundância, a profundidade e a intensidade do seu uso pessoal de traços culturais. É por isso que eu a chamaria de 'representativa' ao invés de 'típica': como uma 'gramática de temas', como um repertório, ela não descreve a experiência 'média', mas lista os ingredientes da possibilidade compartilhada. E nos diz, de uma maneira paradoxal, que mesmo as pessoas que são mais modeladas por padrões culturais são, exatamente por isso, singularmente únicas."
[SE ISSO NÃO É ANÁLISE DIALÉTICA...]


"Patterns of paternalism" In: PORTELLI,Alessandro. The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral histories. New York: State University of New York Press. Pp. 195-215.

I. (195-198): Corda e prisão

195: "Este capítulo descreve a PERCEPÇÃO das RELAÇÕES DE PODER em uma company town em Harlan County, na região mineira do Kentucky Oriental, de meados da década de 1930 até o final da década de 1940 - uma época caracterizada por um conflito industrial dramático à medida em que os empresários do carvão resistiam ao processo de sindicalização dos trabalhadores."

[FONTES] "Baseia-se em analogias e discrepâncias entre três conjuntos de fontes:
testemunhos diante de um comitê de investigação do Senado, dados na década de 1930;
entrevistas coletadas por mim entre 1986-1989;
e uma leitura do United Mine Workers Journal dos anos do pós-guerra."

195-196: A polêmica em torno das correntes de metal e da "cadeia" existentes no campo de Louellen, a 15 milhas de Harlan: para o pastor batista e operário sindicalizado A.Musik, a cadeia era utilizada contra sindicalistas e bêbados. Já o General Manager (e sócio da companhia) Bob Lawson nega o uso contra os sindicalistas (admitindo para os bêbados) e diz que as cordas protegiam a propriedade da companhia evitando que as pessoas levassem embora móveis que ainda não haviam sido pagos. Enfim, correntes e cadeia serviam para proteger a propriedade da companhia e manter a lei e a ordem.

- Outras fontes, relativas a outras company towns em Harlan County sugerem que correntes e cadeias tinham propósitos menos inocentes: em Verda, a poucas milhas de Louellen, havia uma casa na árvore onde ficavam jagunços armados como guardas em uma penitenciária a vigiar o camp.

197: Julia Cowans, cujo marido é de Verda mas que viveu vários anos em Louellen, fala das cercas e dos guardas e compara a situação a um campo de concentração.

- Mesmo na company town 'modelo' de Lynch, os guardas da companhia escoltavam qualquer forasteiro que chegasse à estação de trem até o escritório da companhia, onde eles tinham que justificar a vinda ou então ir embora. Lynch era cercado por arame farpado, explicitamente colocado para evitar a entrada de pessoas do sindicato.

- Na música "Harlan County Blues" faz-se menção aos bêbados mas também aos sindicalistas sendo trancafiados na cadeia de Louellen.

[ATÉ AQUI, NADA DE EXCEPCIONAL, AGORA É QUE O ARTIGO FICA MAIS COMPLEXO]

- Em 1986 ele começa a coletar entrevistas para fazer uma história oral de Harlan County. (...) Vai se concentrar em uma entrevista particular, notável por sua precissão de detalhe e análise perceptiva. "O narrador, Lloyd Lefevre, um mineiro de carvão aposentado, nascido em 1913 na vizinha Bell County, que começou a trabalhar nas minas com 15 anos, mudou-se para Harlan em 1934, e (exceto por um ano em Leslie County) viveu desde então em Louellen ou na vizinhança."

- Lefevre descreveu Louellen em detalhe, inclusive as correntes e a cadeia antes que Portelli solicitasse

198: A questão é que Lefevre descreve a cadeia como tendo a mesma e única função a ela atribuída por Bob Lawson, o general manager: somente para o controle dos bêbados e não dos sindicalistas. E mais, também justifica o uso do portão, das correntes e dos guardas para evitar que as pessoas levassem com elas móveis não-pagos.

[COMO EXPLICAR ISSO?]

II. (198-202): Tempos bastante duros
198: - Seria errado supor que houvesse consentimento e harmonia entre a direção e os trabalhadores de Harlan County na década de 1930, muito pelo contrário, pois havia um conflito dramático naquela época. Lefevre, por sua vez, nunca foi "puxa-saco" da companhia e sim um membro ativo do esforço de organização do sindicato
199: e continuou um bom membro do sindicato ativamente envolvido na década de 1970 na greve de Brookside.

"É improvável que ele comprasse a versão da companhia; todavia, o fato permanece de que ele corrobora a versão do diretor, e não a descrição dada por seu vizinho Musik e outros companheiros do sindicato, e de várias formas ele se afasta da imagem de Louellen como uma penitenciária."

"Como é frequentemente o caso com as fontes orais, CONTRADIÇÕES e as ESTRATÉGIAS VERBAIS utilizadas para mantê-las sob controle revelam muita coisa sobre as ATITUDES CULTURAIS e as RELAÇÕES DE PODER."

- É preciso deixar de lado explicações simplistas como uma memória defeituosa ou uma romantização do passado: a memória de Levefre é vívida e ele descreve claramente os aspectos desagradáveis da sua vida e da sua experiência. Ademais, não se cala diante das dificuldades e da necessidade de usar a violência contra os fura-greves (jogá-los das pontes da estrada de ferro, batizá-los no nome do presidente do sindicato, pendurar sinos de vaca no pescoço deles, ameaçar matá-los).

- Ironicamente, o general manager Bob Lawson minimiza isto afirmando ao comitê senatorial que os mineiros que queriam trabalhar passavam pelos piquetes sem ser incomodados. "Desta forma ele tentou passar a impressão de que tudo continuava normalmente (business as usual),
200: que 'seus' mineiros estavam contentes e que o sindicato era apenas uma interferência externa menor. Mas Lefevre e seus companheiros trabalhadores e sindicalistas sabiam que o seu esforço para organizar o sindicato estava sendo levado a cabo pondo suas vidas em risco."

- P.ex. a igreja batista negra onde os membros do sindicato se reuniam foi dinamitada e o pastor, que estava na lista negra das mineradoras de carvão, foi expulso do condado.

- Musik, que era reverendo, foi preso, acusado de 'cryminal syndicalism' e expulso do condado. E por aí vai: marcha de mineiros em 1934 brutalmente reprimida por policiais e o reverendo que reclamou expulso da área graças a reclamações da sua congregação de classe média. Em uma música, um membro do sindicato dos mineiros de Louellen fala de dois 'thugs' que batem à sua porta armados e ameaçam estourar seus miolos se ele entrar no sindicato.

- Durante uma greve em novembro de 1934, John L.Smith, um membro negro do sindicato é sequestrado por policiais, chicoteado e jogado na divisa com a Virginia. Musik questiona isso, é ameaçado pelo xerife em 1937 um carro cheio de policiais atira em sua casa matando seu jovem filho Bennett.

201: [A CONTRADIÇÃO] "Lefevre conhecia a família Musik e recorda-se do assassinato e da violência. Ele sabia o que o esperava quando ele se juntou ao esforço de organização do sindicato. É improvável que mineiros como ele tivessem corrido tais riscos se suas condições de vida e trabalho tornassem possível qualquer outra escolha. Todavia, quando descrevendo o campo de Louellen, Lefevre diz que Cornett-Lewis (a companhia proprietária) tinha 'um belo campo, eles [tinham] um bom lugar para viver. Eles [a companhia] mantinham o campo limpo, e aqueles que tinham o quintal mais bonito, ele premiava. Ele acreditava em mantê-lo limpo.' As casas tinham 'eletricidade', e algumas tinham água corrente. Embora feitas de frame (treliça?), pelo menos elas eram embolsadas. 'Eles as mantinham pintadas, você sabe. Eles as pintavam por dentro e por fora. Elas tinham este teto, não tão grosso, somente slapped over, era meio fino. Eram casas muito bonitas.'"

- E pior, quando fala do General Manager Lawson ele diz: 'Oh, he was a good feller. He was good to the man. He knowed, if you would work and do your work every day, he never would say a word to you.' Só era duro com os caras que bebiam no fim de semana e não davam no couro na 2a. feira. 'But if a fellow would work, and do his job, he wouldn't say a word to them.'

- Numa conversa posterior, Lefevre lembra-se que um homem negro morreu de frio na cadeia privada de Louellen. [mais à frente, na p. 203 ele vai dizer que Lefevre só conta isso um ano depois da primeira conversa e com o gravador desligado]

- Mas a sua avaliação é corroborada por seus vizinhos: Debbie Spicer chama Mr. Lawson de "wonderful man" e diz que ele mantinha o campo limpo, sem falar no desejo de que todos fossem bons e na escola dominical e nos prêmios. Hazel King: 'The Mr. Lawson I knew was a very likable person. He was very fatherly like, I would call it, and he knew every one, and all the children.'

202: Até mesmo Julia Cowans, que vivia no setor negro do campo e tinha menos contato com ele, também tem memórias de uma atitude paternalista de Mr. Lawson emprestando dinheiro para seu primeiro marido, completamente bêbado, poder voltar para casa.

III. (202-204): Senhores gentis, trabalhadores orgulhosos
202: Frederick Douglass e o "bom senhor", se comparado aos outros.

"Muitos fatores convergem para geras descrições harmônicas do ambiente social em que conflitos tão dramáticos ocorriam. Dentre os mais importantes estão: ORGULHO PESSOAL, HORIZONTES E EXPECTATIVAS LIMITADOS, A MEDIAÇÃO DOS CONFLITOS DE CLASSE ATRAVÉS DAS RELAÇÕES PESSOAIS; E MANIPULAÇÃO CONSCIENTE LEVADA A CABO PELA DIREÇÃO."

"Comecemos com o orgulho. Os mineiros de Harlan County, assim como a maioria dos trabalhadores americanos, não vêem a si próprios primordialmente como membros de uma CLASSE EXPLORADA - ao contrário, por exemplo, dos trabalhadores italianos, que sempre foram influenciados por algum conceito de LUTA DE CLASSES."

203: - Trabalhador que se recusa a repetir com o gravador ligado as condições de superlotação de algumas casa da companhia mesmo no campo 'modelo' de Lynch. Seria degradante para ele admitir que viveu nestas condições e mais degradante ainda admitir que foi forçado a viver assim.

"Na ausência de uma VISÃO [consciência?] do CONFLITO DE CLASSE, há pouco espaço para a AUTO-VALIDAÇÃO da IDENTIDADE dos trabalhadores. O reconhecimento precisa ser confirmado por 'outros significativos' e a direção é tão 'outro' e tão 'significativa' quanto eles podem ter, especialmente no modelo semi-feudal do campo de carvão."


IV. (204-210): Proprietários absenteístas, vizinhos amistosos
204:

205: "Estas duas passagens exibem a ESTRATÉGIA VERBAL utilizada pelo narrador [Lefevre] de maneira a reconciliar a REPRESENTAÇÃO de UM PODER DE CLASSE ABSTRATO com aquela de RELAÇÕES PESSOAIS HARMONIOSAS no campo. De um lado há um impessoal 'eles' ('eles faziam o que queriam...', 'tinham jagunços armados...'), dotados de um poder distante e total. Do outro, um 'ele' vizinho e pessoal, identificado com o 'Velho Lawson', o mediador visível, que era 'bastante bom para seus trabalhadores' e impedia que eles morressem de fome [permitindo que continuassem a comprar a crédito na lucrativa loja da companhia] mesmo no auge do conflito."

DEFINIÇÃO DE PATERNALISMO: "O quadro combinado é a essência do paternalismo: um vínculo pessoal entre os OPRESSORES e os OPRIMIDOS, que obscurece sob um VÉU de relações humanas, mesmo de afeição e de amizade, a verdade nua e crua (nakedness) da EXPLORAÇÃO e da totalidade do PODER."

206: A "ESTRUTURA VERBAL" da NARRATIVA de Lefevre nos revela acerca de ATITUDES CULTURAIS. É o uso de 'they' (eles) como os responsáveis pela repressão à sindicalização ou pela proibição de fazer compras em outras lojas, o que aparece no relato de outras pessoas também, ao mesmo tempo em que 'he' (ele), ou seja, Lawson, é elogiado, esquecendo-se que ele também era um deles: era sócio da companhia e não somente um empregado que mantinha o campo limpo e distribuía prêmios. Na verdade ele é a parte deles que os trabalhadores vêem e com a qual eles tomam contato. Ele, Lawson, mandava no sistema judicial, dizendo que horas ele e suas testemunhas estariam no tribulnal.

207: - No cotidiano do campo, Lawson era metade patrão e metade vizinho: era membro da igreja, participava nas atividades sociais e ensinava na escola dominical. "Como implicado na etimologia de 'paternalismo' o manager assumia os traços de uma figura paterna: um professor, um pai, um supervisor de moral e um conselheiro." (inclusive com uma palestra na primeira segunda feira do mês)

[AQUI ELE DESMONTA A IDEOLOGIA DO PATERNALISMO, MOSTRANDO O QUE A APARENTE BENEVOLÊNCIA ENCOBRE]
- Os conselhos referentes à segurança no trabalho e os prêmios (um saco de farinha) para os que sabiam se cuidar na mina "parecem implicar que a maioria dos acidentes eram causados pela displicência dos trabalhadores."
x
fato de que até o sindicato chegar as companhias não tinham nenhuma preocupação a este respeito, os trabalhadores é que tinham que 'tomar conta de si próprios' e tinham que ser ensinados a fazê-lo.

[é o que ele chama de MANIPULAÇÃO CONSCIENTE LEVADA A CABO PELA DIREÇÃO]
"Os SUJEITOS SUBORDINADOS de uma RELAÇÃO PATERNALISTA não têm direitos, mas podem receber presentes. A troca do direito a uma mina segura por um saco de farinha está em paralelo com os prêmios para os jardins mais bem-cuidados para famílias que poderiam ser expulsas a qualquer momento de acordo com a vontade da companhia. Esta ESTRATÉGIA promovia a gratidão à administração e a competição entre os empregados."

208: - Além de eventualmente dinamitar [que ironia bem feita por Portelli) as companhias estimulavam a construção de igrejas nos campos, mas feitas com o dinheiro dos trabalhadores (descontos mensais). Quase o mesmo para as escolas: a companhia fornecia o prédio mas os professores eram pagos pelo condado por 7 meses e pelos mineiros 2 meses (também pagavam ao pastor).

208-9: Mesmo o que aparentemente era supervisão moral, como a obrigação de que os casais regulamentassem sua situação matrimonial, na verdade era uma forma de garantia contábil, para impedir que mais de uma mulher viesse a reivindicar a pensão de viúva (o que aconteceu certa vez). E dificultavam ao máximo o pagamento destas pensões colocando para funcionar os advogados da companhia.

209: Segundo o testemunho de James Westmoreland, um mineiro e representante do sindicato, depois que a greve de 1934 terminou e a companhia assinou um contrato com o sindicato, Lawson teria exigido que os mineiros fossem até o seu escritório, onde ele interrogou membros do sindicato e ameaçando-os de demissão (e expulsão do campo) devido aos débitos que tinham com a companhia. Muitos não assinaram. Westmoreland questionou Lawson, que tinha assinado o contrato com o sindicato, a cumprir o que ele, que ensinava na escola dominical, assinara. Lawson responde que não queria saber do sindicato. Castiga com ironia Portelli: "Aparentemente, Lawson se preocupava com o bem estar dos seus trabalhadores desde que eles não tomassem a responsabilidade sobre o mesmo para eles (e talvez desde que esta preocupação os colocasse em débito com a sua companhia)."

- "Lefevre menciona este episódio brevemente, quase que deslizando sobre ele, como se ele não encaixasse na SIMETRIA das RELAÇÕES PESSOAIS e ANTAGONISMO DE CLASSE que ele tinha estabelecido em sua ESTRATÉGIA de MEMÓRIA e NARRATIVA."

210: "Dois fatores, entretanto, deviam estar em funcionamento ao mesmo tempo: medo das represálias da companhia, como mencionado por Westmoreland, e o fato de que mineiros, individualmente falando, achavam mais fácil confrontar coletivamente uma companhia impessoal do que dizer 'Não' pessoalmente ao 'Velho Lawson'."

- Lawson enfatizava a relação 'paternalista': que nem crianças, de vez em quando os mineiros se perdiam mas uma mão firme e um coração que perdoava os traria de volta à razão. Sendo assim, quando Musik e outros sindicalistas vão a julgamento, Lawson oferece seu perdão se eles voltassem para o campo para trabalhar. Depois de seus discursos, o número de trabalhadores que contribuíam para o sindicato começa a cair. Ele faz uma eleição 'secreta' com votos assinados em que a entrada no sindicato perde por 275 a 5 [quem foram os 5 loucos?]


V. (210-215): O presidente quer que você entre no sindicato
[AQUI SE EXPLICA O PLURAL DO TÍTULO: PADRÕES DE PATERNALISMO, POIS HÁ O PATERNALISMO DAS COMPANHIAS E O PATERNALISMO DO SINDICATO]
210: "as origens de uma nova forma de paternalismo que se tornou, anos depois, como resultado destas lutas, ao mesmo tempo um contraponto e um paralelo ao poder das companhias: o PADRÃO PATERNALISTA do sindicato."

211: "O que é notável nestas versões conflitantes não é o seu contraste mas o seu paralelismo: ambos os lados dizem que os mineiros foram forçados seja a entrar em greve seja a trabalhar."

"Algumas das questões de identidade e orgulho, expectativas e horizontes limitados, e tensão entre identificações pessoais e instituições abstratas que identificamos na atitude dos mineiros diante da direção, são transferidas, em uma forma nova mas reconhecível, para a sua atitude diante do sindicato."

212: "Mais uma vez, a ESTRUTURA DOS PRONOMES é a pista. O sindicato nunca é 'we' mas sempre 'it', 'they' ou 'he', significando John L. Lewis. Nunca está na primeira pessoa, mas sempre na terceira. Não se tem a percepção de que os mineiros são o sindicato, mas que eles têm um sindicato ou pertencem a um. O IMAGINÁRIO ESPACIAL vai na mesma direção: o sindicato é percebido como algo que os mineiros 'trouxeram' (brought in) e que portanto existia em algum outro lugar independentemente deles. Os mineiros não parecem ter adquirido poder e autonomia por si próprios; ao contrário, agora existe acima deles outro poder, benevolente e protetor, que equilibra a onipotência das companhias. 'It' faz com que 'them' se comportem e 'sejam bons' - mas os mineiros ainda são 'seus' homens."

- Este tipo de substituição fica clara na questão da segurança: o sindicato impõe medidas de segurança às companhias mas assume o papel didático das companhias junto aos trabalhadores com a mesma estratégia de incentivos competitivos e prêmios. Ademais, embora as taxas de acidentes tendam a cair, a indústria mineira norte-americana tem mais acidentes fatais, que tornam pessoas aleijadas e maior incidência de black lung (pneumoconiosis) do que em qualquer outra nação industrializada do Ocidente.

213: Como os mineiros costumam ignorar o que acontece em outros países, como eles supõem que as condições nos EUA são as melhores do mundo e como eles comparam com o que havia antes, ficam satisfeitos.

- O sindicato é personificado na figura do presidente: John L. Lewis ou 'Daddy John' como é chamado em uma canção e o slogan de que "O presidente quer que você entre no sindicato": "o ato mais auto-afirmativo dos mineiros, entrar no sindicato, torna-se outro ato de obediência."

- Cartas no United Mine Workers' Journal agradecendo ao presidente do sindicato por impedir a fome ou por dez dias de férias e cem dólares

214: "Nas cartas publicadas, entretanto, os mineiros nunca dizem que foram eles - suas lutas, coragem, resistência, a violência que eles sofreram e que cometeram - que pararam com a fome e fizeram de John L. Lewis o presidente de um sindicato poderoso. 'Ele [Lewis] fez com que parassem de trabalhar doze horas por dia', cantou Samuel Boggs."

- Pensões e auxílios não são descritos como direitos conquistados e sim como presentes recebidos do sindicato ou de John L. Lewis, que aparece em muitas capas do jornal do sindicato dando ou assinando cheques de auxílio ou aposentadoria. E até fotos de funcionários do sindicato dando frutas e doces para crianças no campo de Lynch, continuando uma tradição estabelecida pelas companhias mineiras.

- Em 1950, quando se publicavam cartas de agradecimento como a de uma viúva que perdera seu marido em uma explosão resultante do desrespeito a medidas de segurança, J.L. Lewis estava assinando um acordo que trocava centenas de milhares de empregos de mineiros pela consolidação do poder do sindicato nos campos de carvão.

- Os movimentos de contestação, como o Miners for Democracy da década de 1970, muito pouco apoiado em Harlan, foram tratados duramente e "apoiar o sindicato" virou sinônimo de um apoio acrítico dos seus líderes.
- O sucessor de J.L. Lewis, Tony Boyle, alugou jagunços para matar
215: Jock Yablonski o candidato da oposição, bem como sua mulher e filha em 1969 e os fundos para o crime vieram do distrito que inclui Harlan, leal a Boyle até o fim.

"Harlan County foi o último condado do carvão nos Estados Unidos a aceitar a union-shop clause [A union shop is a form of a union security clause under which the employer agrees to hire either labor union members or nonmembers but all non-union employees must become union members within a specified period of time or lose their jobs]. A causa para esta demora foi a impotência dos mineiros, que tornou seus esforços de sindicalização difíceis e perigosos e gerou um sentimento de subordinação, dependência e medo. Parte da impotência que militou contra a sindicalização, todavia, foi continuada dentro do sindicato. A company town e a union shop - ambas fechadas sobre si e literalmente e/ou figurativamente cercadas - restringiam os horizontes e expectativas, e prejudicavam a definição autônoma da identidade e dos direitos."

VI. (215): Conselho paternal
215: Tom de ameaça na autobiografia de George J. Titler ('não é sábio atacar o nome do grande e legendário J.L. Lewis junto aos mineiros de carvão americanos'), a imagem benevolente de Lewis e o laço pessoal com Roosevelt ainda eram utilizados muito depois da morte de ambos para debelar a dissidência e a oposição.

- "Conselho paterno" que George J. Titler dá depois de 59 anos de luta, "não é somente um descendente direto de 'Daddy John', o 'legendário' J.L. Lewis, mas também um herdeiro indireto do paternalismo de 'Old Man' Lawson."

"No neutrals here: the cultural class struggle in the Harlan Miners' Strike of 1931-32" In: PORTELLI,Alessandro. The Death of Luigi Trastulli and other stories: form and meaning in oral histories. New York: State University of New York Press. Pp. 216-238.

I. (216-217): Bandeiras
216: - Batalha de 1921 na Virginia Ocidental: mineiros, exército privado dos proprietários e tropas federais, os três com a bandeira dos EUA.

217: Poema de Molly Jackson: a bandeira dos patrões é grande, vermelha, branca e azul, a deles é banhada em sangue.

II. (217-219): Personagens
217: Apalaches descobertos duas vezes, na virada para o século XX como reservatório natural e cultural e na metade da década de 1960 como um problemático bolsão de pobreza

218: Teoria do sociólogo Thomas R.Ford sobre as características culturais da região: "individualismo e auto-confiança (self-reliance)", "Tradicionalismo e Fatalismo" e "Fundamentalismo religioso".
- Problemas: como são individualistas e fatalistas se muitas vezes se juntaram para mudar seu destino?
- Como é possível ser ao mesmo tempo individualista e também tradicionalista e fatalista?
- A despeito do contexto relativamente igualitário dos Apalaches pré-industriais, estes 'montanheses orgulhosos' não precisavam da ajuda nem da solidariedade de ninguém. "Portanto, ao ingressar no sindicato e empreender ações coletivas (talvez encorajados por seus novos e menos 'individualistas' vizinhos imigrantes), os povos da montanha declararam que essas antigas IDEOLOGIAS não eram mais adequadas."

[E LÁ VEM A ANÁLISE DIALÉTICA...]
"Por outro lado, a documentação empírica dos traços de Ford não pode ser desprezada. Ela pode revelar uma discrepância entre as ATITUDES SUJTETIVAMENTE ARTICULADAS - valores, desejos ou nostalgia - e as PRÁTICAS COLETIVAS. Ou pode refletir o fato de que esses valores são guardados como valores exatamente porque as práticas são necessariamente tão diferentes, as mudanças tão dramáticas e a escolha e a necessidade inextrincavelmente imbricadas. A tradição e a mudança, mais individualismo e solidariedade podem manter uma relação mais complexa [dialética?]
219: do que a simples oposição. A tradição pode fornecer - como na canção de Molly Jackson - as FORMAS LINGUÍSTICAS que permitem a expressão de novas ideias. Por outro lado, a discrepância entre valores e práticas pode retirar aos indivíduos os meios de reconhecer e mesmo de nomear suas próprias ações, e portanto de legitimá-las e consolidá-las."

OBJETIVO:
"Neste ensaio eu tentarei analisar como, diante de condições sem precedentes e vendo-se levados a tomar ações sem precedente, os mineiros tentaram LEGITIMAR suas escolhas em termos da sua CULTURA TRADICIONAL, da religião e do PATRIOTISMO. Os SÍMBOLOS, palavras e FONTES DE LEGITIMIDADE desta CULTURA eram compartilhados com os proprietários, e as instituições estatais. A consequência foi uma feroz LUTA DE CLASSES pelo CONTROLE DO SIGNIFICADO; e este aspecto do conflito influenciou o resultado e as consequências da luta como um todo."

III. (219-222): Direitos constitucionais

[A PERGUNTA]
219: "Os DOMINANTES e os DOMINADOS (rulers and ruled), proprietários e mineiros, parecem compartilhar um SUBSTRATO CULTURAL COMUM, baseado no PATRIOTISMO e na religião na sua modalidade 'fundamentalista' e na LINGUAGEM e SÍMBOLOS associados. Dado o conflito existente, a questão é, todavia, se estes princípios compartilhados significavam as mesmas coisas e operavam da mesma maneira para ambos os lados."

220: Ambos apelam para a Constituição como uma fonte de autoridade e para a democracia como um ideal, mas as interpretam de formas muito contrastivas. O juiz Smith diz acreditar na liberdade de expressão mas não aprova as doutrinas da American Civil Liberties Union nem reconhece os direitos constitucionais de ninguém representando este grupo.

221: Por outro lado: a ideia de que os direitos constitucionais dos homens foram negados aos trabalhadores por juízes injustos, o que choca e enfurece os mineiros.

- Violência contra os membros do comitê que haviam vindo dar assistência aos mineiros e fazendo pouco dos direitos constitucionais.

- Isto leva a um revide na forma de um EXTREMISMO VERBAL por parte de alguns mineiros, um deles dizendo ao juiz que preferia viver na Rússia a viver em Harlan County e outro, comentando a interrupção de uma manifestação dos mineiros portando a bandeira americana que, se não os deixavam marchar sob a bandeira americana eles iriam marchar sob a bandeira vermelha.

- Era mais o som de uma blasfêmia furiosa e intencional do que
222: uma ALTERNATIVA IDEOLÓGICA; eles soava como se estivessem apaixonadamente negando aquilo no qual eles ainda apaixonadamente acreditavam." Um ou outro é que radicalizou de forma mais permanente.

- Exs de radicalismo temporário: Sara Ogan escreve uma canção intitulada I Hate the Capitalist System mas depois muda para Company Bosses. E nem mesmo o mais radical deles jamais sentiu estar rompendo com a América e com o que ela significa.

"A maioria dos grevistas de fato tentou reconciliar as suas ações com o seu patriotismo, ao provar que eles, não os juízes e proprietários, eram os americanos 'de verdade' e que o sindicato cumpria a Constituição - enquanto os juízes e proprietários estavam reivindicando os mesmos valores e autoridades para eles. Sendo assim, eles se envolveram em uma LUTA DE CLASSES ao mesmo tempo MATERIAL e CULTURAL, lutada com SÍMBOLOS ao mesmo tempo que armas. A questão era: quem tem o direito a controlar o SISTEMA COMPARTILHADO de SÍMBOLOS e SIGNIFICANTES? Quem tem o direito de FORMULAR INTERPRETAÇÕES e ATRIBUIR SIGNIFICADOS? Juntamente com a questão 'Quem é dono da terra e da sua riqueza?' a greve levantou também a questão 'Quem é dono dos símbolos da terra?'"


IV. (222-225): Americanos de sangue vermelho

223: No tribunal, os mineiros de Evarts viram o seu uso da bandeira americana ser negado e voltado contra eles pelos juízes: o promotor acusou o líder dos mineiros de carregar a bandeira vermelha no coração. "Era essencial para a promotoria provar que os mineiros grevistas tinham pisado fora das FRONTEIRAS CULTURAIS RECONHECIDAS, e portanto fora da proteção garantida pela autoridade da Constituição e pelo símbolo da bandeira."

- Na verdade, o líder da greve de Evarts, W.B. Jones, não era um "vermelho" e era frequentemente atacado pelos comunistas, mas a estratégia da promotoria era negar a LEGITIMIDADE dos trabalhadores no uso dos SÍMBOLOS NACIONAIS para associá-los a SÍMBOLOS HOSTIS e não americanos. Os trabalhadores eram acusados de não ser 'free americans', o que leva um trabalhador a dizer que 'Se você tem fome, você é um vermelho' e dizer para um vizinho que você tem fome é 'criminal syndicalism'.

- Na verdade os trabalhadores nem sabiam direito quem eram os "vermelhos" e o que era o comunismo (para Tilman Cadle, 90% nem saberiam distinguir entre comunismo e reumatismo).

224: O NMU (National Miners Union, de tendência comunista) concentrou sua ação nas necessidades materiais deixando a ideologia em 2o. plano, embora adotasse os termos "camarada" e "capitalismo".

- O símbolo do "vermelho" foi apropriado de acordo com a CULTURA LOCAL e associado ao sangue, invocado por ambos os lados do conflito.

- Sendo assim, o sangue vermelho foi oposto por Sara Ogan Gunning ao sangue 'azul' dos sujos aristocratas ricos do Kentucky.

225: Conseguem reverter a acusação de não-americanos afirmando-se americanos e Kentuckianos puros de sangue-vermelho, mas por outro lado o uso legítimo de um símbolo nacional (a bandeira) lhes é negado e eles são associados com ideologias estrangeiras e agitadores de fora, com os proprietários reivindicando o direito exclusivo à utilização dos SÍMBOLOS DA IDENTIDADE LOCAL E NACIONAL."

- Jornalistas locais ressentidos contra outsideres que vinham de N.York x fato de que os donos das minas são outsiders.

- A luta se deu no campo e com as regras dos proprietários, os trabalhadores ficaram na defensiva (p.ex. havia mais esforço em provar que a greve não era não-americana do que em provar o não-americanismo dos proprietários). "Isto pode ser parcialmente explicado pelo fato de que os proprietários controlavam a maioria dos lugares do DISCURSO PÚBLICO, de jornais a tribunais e as igrejas mais respeitáveis. Mas também parece claro que, enquanto os grevistas insistiam na ilegalidade dos proprietários, eles realmente se sentiam vulneráveis às acusações de anti-patriotismo lançadas contra eles."

- Grevistas utilizaram recorrentemente um DISPOSITIVO (artifício - device) RETÓRICO: a reivindicação de que seus objetivos eram limitados, que só queriam sobreviver.

- Na verdade, as bandeiras que empunhavam tinham dois lados: por um lado para atrair pessoas para a luta, por outro para provar aos proprietários e à lei que a greve não era de fato suberviva, como se ao provar para os outros pudessem provar a si próprios. Em suma para provar aos proprietários e a si mesmos que não eram subversivos.


V. (226-230): Atravessando o Mar Vermelho

226: A religião foi outro campo de batalha: "outro SIGNIFICANTE COMPARTILHADO que se tornou um campo de batalha na LUTA pelo controle dos SÍMBOLOS e SIGNIFICADOS."
- A Bíblia foi invocada pelos dois lados
- Dois tipos de pastores (embora não seja possível generalizar de forma absoluta): rurais, voluntários e de congregações de classe trabalhadora versus pastores urbanos, bem remunerados e de congregações de classe média.
- Religião da montanha era mais conservadora, de cunho predominantemente pentecostal.

227: Pastores voluntários e eventualmente analfabetos, líderes da luta, da greve x pastores da cidade que ficavam do lado dos proprietários
- Pastores do 1o. tipo eram bem ativos, emprestando as igrejas para reuniões, sopões e mesmo participando da luta, como no caso de um pastor que lidera o saque a uma loja depois de perguntar ao povo quem ali estava com fome.

228: Clichês bíblicos foram usados de ambos os lados

[Novamente as nuances, nada é simples, evita as oposições binárias]
"A RELIGIÃO DOS MINEIROS, de fato, parecia oscilar numa perpétua tensão entre a resignação do outro-mundo e a crítica radical deste mundo, e entre a SUBORDINAÇÃO ao STATUS QUO e a SOLIDARIEDADE IGUALITÁRIA. Estas atitudes podem ser detectadas, por exemplo, nas canções dos mineiros, variando da consolação religiosa pelas mortes nas minas até as REPRESENTAÇÕES do sindicato como uma extensão da igreja e um passo na direção do Paraíso sindicalizado."

- "Em tempos de conflito, a religião 'fatalista' dá lugar, ao menos temporariamente, à religião do sindicato", mas esta nova "religião" é baseada nas formas tradicionais: todas as grandes canções grevistas são baseadas em melodias de hinos religiosos.

228-229: Imagem dos sindicalistas sendo conduzidos pelo Mar Vermelho (pelo NMU que desempenha o papel de Moisés) enquanto os capitalistas se afogam.

229: O sindicato é visto como parte de um plano de Deus e há até quem veja o comunismo como um tipo de igreja

- Alguns chegaram a ter a identidade religiosa bastante abalada, como Chester Hoskins, mineiro e ex-membro da Igreja que diz estar pouco interessado em Deus e pronto a apoiar os comunistas se eles lhe dessem algo para comer. Quando um pastor negro diz a eles que não iria lutar porque suas crenças não permitiam mas que iria rezar por eles, um ativista negro replica que ele não iria obter nada rezando.

- Mas, na verdade, "a igreja permaneceu uma parte essencial da identidade dessas pessoas"

230: "Uma dupla AMBIGUIDADE [um conceito que Portelli adora] caracteriza o papel da religião na greve. Por um lado, a mesma religião cristã tradicional é compartilhada por ambos os lados. Por outro, enquanto os proprietários raramente acalentam alguma dúvida quanto a sua retidão, os mineiros estão novamente incertos, ambivalentes e sentindo a necessidade constante de justificação. A sua religião diz a eles que o que eles estão fazendo é ao mesmo tempo justo e pecaminoso; e esta CONTRADIÇÃO é a alavanca que os proprietários utilizam para enfim quebrar a precária continuidade entre o velho e o novo, as ações e as crenças, deixando os derrotados mineiros CULTURALMENTE IMPOTENTES, pecaminosos diante dos seus próprios olhos."


VI. (230-232): A religião dos trabalhadores

230: Nove sindicalistas sendo julgados em 1932. Primeira pergunta: você acredita em alguma forma de religião? Doris Parks está diante de um dilema: sabe que uma negativa irá por tudo a perder, mas ao mesmo tempo não quer negar suas crenças. Responde que acredita na religião dos trabalhadores. Isso leva à acusação de que o NMU era ateu, o que tem como consequência a saída de metade dos seus membros.

231: Findlay Donaldson não simplesmente falava como um evangélico que acreditava no inferno (como escreveram Theodore Dreiser e John dos Passos), ele era um e para ele a sua rebelião radical estava de alguma forma ligada à ideia de pecado. A greve era um risco não só para o corpo mas também para a alma: quando Donaldson afirmava que queria apenas roubar uma simples refeição os radicais de fora interpretavam isso como um desafio à propriedade privada, mas para Donaldson isto significava também seu caminho para o inferno.

- Os intelectuais, fascinados pelas canções e pela eloquência dos mineiros, não prestaram atenção no que eles estavam dizendo ou atribuíram paternalisticamente à ingenuidade dos mineiros. Por isso, "quando o Partido Comunista começou a levar os líderes grevistas para o norte para treinamento político, os resultados foram desastrosos."

232: Findlay Donaldson prega aos trabalhadores e cidadãos contra o comunismo, cujos ensinamentos destruiriam o governo, a igreja, a bandeira e os lares. E, ainda por cima, afirma que para o PC brancos e negros tinham que casar-se entre si e que se você recusa-se a deixar um negro a fazer companhia à sua filha você não pode ser amigo da União Soviética.

- Comentando seu trabalho de organização na década de 1930, Myles Horton comentou que eles aprenderam que não se pode obrigar as pessoas a fazer o que elas consideram pecado. E que era necessário conhecê-las e saber no que elas acreditavam. Os organizadores vindos do norte não as conheciam nem sabiam no que elas acreditavam, mas as elites locais sim, até porque compartilhavam algumas ideias e crenças.

- "Enquanto eles pensavam que poderiam reconciliar a greve com suas crenças, os mineiros lutavam tanto contra as armas dos policiais quanto contra seus temores (dúvidas) e culpa. Mas quando eles descobriram que essas mesmas ações estavam sendo interpretadas por seus novos aliados como parte de um SISTEMA DE VALORES E CRENÇAS completamente diferente e conflitivo, eles recuaram em pânico."

VI. (232-235): Eu não vou lutar contra o meu governo

232-233: Voltando aos 3 exércitos com a mesma bandeira, um dos líderes da greve escreveu na sua biografia que quando se renderam ao General de Brigada disseram: 'General, nós não estamos lutando contra nosso governo'.

233: John L. Lewis acabou com uma greve afirmando: 'Rapazes, não podemos lutar contra Uncle Sam'

- "O significante compartilhado pode ao final, ser mais poderoso do que significados conflitantes; de fato, em 'rituais' o significante em si tende a tornar-se o significado. Ademais, a maneira pela qual DIFERENTES SIGNIFICADOS ligam-se aos mesmos SÍMBOLOS depende em larga escala do CONTEXTO DAS RELAÇÕES DE PODER. Aqueles sem poder, os pobres, os sem escolaridade vão tateando em busca das suas próprias interpretações, mas são constantemente expostos às PODEROSAS INTERPRETAÇÕES das elites. Eles podem arriscar o esforço solitário e duvidoso de criar seus próprios siginificados; mas quando isto falha é muito fácil e tentador voltar ao afeto e à segurança das INTERPRETAÇÕES AUTORIZADAS que mesmo os insurgentes carregam dentro deles o tempo todo de qualquer forma.'"

234: Mineiros acabam descobrindo que o Deus das igrejas [que expressão genial], o Presidente da nação, na neutralidade unilateral dos poderes, não estavam do lado deles e ajudaram a derrotá-los.

"A extensão pela qual o CONFLITO DE CLASSE CULTURAL é lutado em torno da ATRIBUIÇÃO DE SIGNIFICADOS a TEXTOS e SÍMBOLOS COMPARTILHADOS é uma das especificidades do movimento trabalhista americano."
x
Itália, onde patriotismo, religião e família são importantes na cultura da classe trabalhadora mas uma série de circunstâncias históricas tornaram possível e necessário que os trabalhadores organizados sancionassem suas ações de primordialmente de acordo com UM QUADRO INDEPENDENTE DE SIGNIFICANTES, SÍMBOLOS E TEXTOS.
- Enfim, há uma AUTONOMIA SIMBÓLICA dos trabalhadores italianos que permitiu a eles "preservar algo da sua CONSCIÊNCIA ALTERNATIVA em formas que eram estáveis e auto-suficientes, mesmo que geralmente burocráticas, com um conformismo que lhe é próprio. A maior ameaça a esta autonomia veio, recentemente, dos SÍMBOLOS E SIGNIFICANTES COMPARTILHADOS DA CULTURA DE MASSAS E DA CULTURA DO CONSUMO."

- Findlay 'Red Ore' Donaldson fala que os capitalistas vão aliviar quem está passando fome, atribuindo um novo significado (positivo) para o termo capitalistas, que estariam nessa posição porque nela foram colocados por Deus. Donaldson não sabe como, mas sabe que agora isto não é mais da sua responsabilidade.

235: "Ele tentou por um tempo tomar sua vida em suas próprias mãos; agora ele está seguro de volta às mãos dos 'capitalistas' - uma demonstração de como o 'fatalismo' e outros traços atribuídos às culturas folk não são necessariamente inerentes a elas, mas são frequentemente ativamente criados e implementados pelo ARCABOUÇO DAS RELAÇÕES DE PODER."


VII. (235-237): Você deixaria a sua filha casar com um?

235: Promotor pergunta a Doris Parks se ela deixaria sua filha casar com um negro, recebendo como resposta que ela não diria a sua filha com quem ela deveria se casar, que essa decisão pertencia a ela. RAÇA, outro SIGNIFICANTE COMPARTILHADO.

- Ambos os lados reivindicavam ser 100% americanos e, portanto, automaticamente excluíam negros e imigrantes.

- É claro que por debaixo do pano sempre ocorreram as misturas, sobretudo de homens brancos que procuravam as mulheres negras. Para Julia Cowans, quando queriam criar uma confusão alegavam ter existido a relação de um homem negro com uma mulher branca, o que podia levar ao linchamento.

- Um pastor explica o significado do comunismo:
(1) Ódio a Deus
(2) Destruição da propriedade
(3) Igualdade social e racial e ódio de classe

235-236: Na verdade a questão racial quase não aflorou durante a greve, mas ele acha que ela estava ali implicitamente, pronta para emergir novamente assim que a greve terminasse.

236: Assim como Donaldson, outros ex-membros do NMU e desafetos do movimento listam o casamento interracial como um dos princípios ofensivos do comunismo.

- No que diz respeito à greve, mineiros brancos e negros logo reconheceram que seus interesses eram comuns na luta contra os proprietários do carvão.

- Nesta base, mineiros negros entraram na luta e no sindicato e a UMWA estava na vanguarda dos sindicatos norte-americanos em termos de rejeitar a segregação; muitos mineiros e pastores negros tiveram um papel ativo no movimento de Evarts sendo inclusive incluídos em comitês e delegações.

- "A segregação e o racismo, todavia, era parte da herança da região, embora mais atenuada do que em outras partes do Sul." Havia, por exemplo, muitos lugares onde os negros não podiam comer.

237: "Mesmo entre os mineiros sindicalizados, a integração limitada que ocorreu era restrita ao local de trabalho e ao trabalho sindical." Os comunistas, a despeito dos seus erros, se não insistiram no casamento interracial ao menos insistiram em sopões integrados. Para Portelli, enquanto todos estavam passando fome os mineiros não se importavam em socializar.

"Quando a crise ocorre, a cor volta a ser importante. Donaldson e os outros parecem implicar uma mudança de fronteiras da CLASSE de volta para a RAÇA: do CONFLITO DE CLASSE e INTEGRAÇÃO RACIAL, de volta para DISCRIMINAÇÃO e 'HARMONIA' de CLASSE. (...) Quando a greve entra em colapso, eles reuniram-se àqueles que eram que nem eles em cor e background, mas cujos interesses eram opostos aos deles. Por alguma razão, o fato de que Doris Parks não acreditava em Deus e não ligava que sua sua filha se casasse com um homem negro autorizava a Harlan County Coal Operators Association a continuar seu 'reinado de terror' e fome (starvation)."


VIII. (237-238): Bem longe de Harlan

237: Myles Horton vem a Harlan disfarçado de repórter quando a greve estava quase terminando e quando perguntado acerca do que viu responde: fome.
238: Viu mais: desesperança, desespero, impotência, imobilismo.

238: "A luta em Harlan não foi decidida pela sinceridade mal orientada de Doris Parks ou pelo CHOQUE CULTURAL de Findlay Donaldson. A greve não foi derrotada pela LUTA DE CLASSES CULTURAL - ela provavelmente já estava perdida no momento em que o pessoal do NMU entra em campo. Mas a LUTA CULTURAL derrotou os homens e as mulheres. Não somente perderam a greve, mas perderam as suas razões para ela."

- Seria errado generalizar, pois foi a semente de um radicalismo sólido e real nos Apalaches, tendo radicalizado uma série de pessoas que depois participaram dos esforços para organizar a UMWA alguns anos depois.

- "Outros, talvez os mais politizados - os Garlands, Tillman Cadle, Florence Reece e seu marido Sam - foram forçados a continuar suas vidas e suas lutas em outros lugares, conquistando maior audiência junto a radicais urbanos e intelectuais do que junto a seu próprio povo. Demorou muitos anos até que Jim Garland pudesse retornar a Harlan sem encontrar xerifes e jagunços prontos a 'receber o visitante mandando-o de volta pra casa'."



"Éramos pobres, mas... Narrar a pobreza na cultura apalachiana" In: PORTELLI,Alessandro. Ensaios de História Oral. São Paulo: Letra e Voz, 2010. Pp. 91-109.

Obs: Coloquei os conceitos que aparecem no texto em maiúsculas e negrito.

I. (91-96): Itália e Apalaches: raiva e vergonha

92: "Para ambas [Dolly Parton e Anne Napier], ter roupas decentes não significa apenas proteger-se do frio, mas também poder aparecer em público: a pobreza é sofrimento físico, mas antes de tudo humilhação."
(...)
"A pobreza como humilhação é introjetada desde as primeiras experiências escolares na infância."

93: Na Itália, embora a vergonha também apareça nos relatos, o sentimento predominante é a raiva, raiva de ser pobre.

"O calvinismo de fronteira trata a pobreza como efeito ou como causa da degradação moral, da qual deriva um estigma social e uma perda de auto-estima. Por isso a pobreza é uma condição tão subjetiva quanto material. (...) As privações materiais podem ser compensadas por riquezas imateriais que negam a pobreza."

94: "Toda riqueza de espírito está em uma só palavra: love, amore, amor. É o amor materno e familiar, acima de tudo"
(...)
"Mas também pode ser um gesto das relações de vizinhança e comunidade."

"Este é o conhecido discurso consolador da cultura de massa. Contudo, mesmo se pegarmos uma artista literária de primeira grandeza, a relação entre pobreza e amor familiar não é tão diferente"

"Uma outra compensação frequente é a simplicidade de uma
95: vida natural." (...) "Noah Surgener fala de um outro bem que não é pecuniário: o tempo" (...) "As pessoas falam dos bons tempos que se foram, mas nós tínhamos muito tempo e dinheiro nenhum. Agora temos um pouco de dinheiro e tempo nenhum."
"A resposta à pobreza como humilhação, então, está na busca de uma fonte de orgulho na própria pobreza; um orgulho que vem do fato de ter crescido em condições duras e difíceis"

"O orgulho torna-se fonte de si mesmo: se a pobreza te arranca o respeito, manter o orgulho é, em si, algo de que se deva se orgulhar."

"É uma lição de autonomia: a cultura tradicional apalachiana ensina, em primeiro lugar, a contar com as próprias forças"

II. (96-98): Economia não monetária
96: "A autonomia e o orgulho são vinculados à imagem da fazenda de subsistência (...) os apalachianos não eram efetivamente pobres - no sentido de que, estando fora da economia monetária de mercado, não tinham dinheiro mas também não morriam de fome."
- Em plena década de 50 nos EUA faziam pão, sabão, costuravam roupa e faziam as colchas para a cama.

97: "Aqui entra, naturalmente, a RETÓRICA dos 'orgulhosos montanheses independentes', que sempre se opõe aos estereótipos negativos dos Apalaches e que acaba se transformando em uma glorificação do individualismo ou do familismo - mas também está presente em um resíduo do ideal jeffersoniano, diante do qual a capacidade de sobrevivência resulta da ajuda recíproca."

"Nessas REPRESENTAÇÕES, a autosuficiência entrelaça o caráter 'hard', resultante de um crescimento 'hard', com a estrutura sócio-econômica da empresa agrícola familiar em um contexto genericamente igualitário. A sobrevivência depende da rede familiar e vicinal, mas, à medida que as relações são recíprocas, não se instaura uma situação de dependência e inferioridade. Assim, entende-se como esses orgulhosos montanheses independentes estiveram entre os mais fortes defensores da solidariedade sindical na história do movimento operário americano."

"A memória da autossuficiência rural frequentemente se coloca em oposição às condições de dependência semifeudal da company town, onde a subsistência depende da empresa e as relações, no melhor dos casos, são do tipo paternalista."

97-98: Durante a Grande Depressão, os mineiros reagiram aderindo em massa ao sindicato mas também assegurando a sobrevivência graças ao sustento da terra

98: Mulheres que trabalham no campo mais independentes do que as que vivem nas vilas mineiras a depender do salário dos maridos, mas isso não é uma verdade absoluta porque as esposas e filhas dos mineiros foram protagonistas da greve de Brookside nos anos 1970 e foram importantes nos anos 30.

"No NÍVEL SIMBÓLICO, porém, a imagem da fazenda autossuficiente permanece indissoluvelmente ligada ao senso de autonomia pessoal."
- Talvez sintam mais dor pela destruição e contaminação da terra pelas mineireiras e madeireiras por causa da "memória da terra como fonte de sobrevivência e autonomia."


III. (99-104): Estamos no mesmo barco. Pobreza relativa
99: "'Éramos pobres mas não sabíamos', diz uma outra canção de Dolly Parton."
(...)
"O amigo de Johnny Woodward, portanto, não se deprime por ser pobre, mas por descobrir que é pobre aos olhos dos outros. A pobreza tem uma dimensão comparativa e é menos reconhecível no contexto relativamente isolado e igualitário dos Apalaches tradicionais, onde se presume que a maior parte das pessoas vivam praticamente do mesmo modo."
(...)
"É um MITO [o igualitarismo], claro. Mas nos faz compreender o porquê de Debbie Spicer não reconhecer uma DIFERENÇA DE CLASSE entre a própria família de inquilinos e os proprietários (...) Até nisso existe um mecanismo de defesa da pobreza subjetiva, que consiste na proibição de get above your raising, isto é, de tornar-se diferente, de ir além daqueles que te criaram."

100: "A necessidade de imaginar uma condição conjugada e paritária pode fazer com que os olhos se fechem diante das DESIGUALDADES REAIS. Uma vez que eles se recusam a reconhecer que qualquer pessoa possa ser 'melhor' que eles, muitos resistem à ideia de que outros, dentro desse mesmo contexto, tenham mais riqueza e poder. As ELITES LOCAIS, que realmente surgem quase sempre das mesmas raízes culturais, manipulam esse comportamento em causa própria."

"Com as gerações mais jovens, as coisas se modificam. (...) Enquanto a mecanização das mineiras e a expulsão da força de trabalho, a poluição e a crise da agricultura autossuficiente minavam a base econômica da região, a televisão e a emigração ofereciam a imagem de outros modos de vida exatamente quando o modo de vida deles entrava em crise."

"A região é 'descoberta', no início dos anos 1960, como um 'bolsão de pobreza' e torna-se um dos alvos da 'guerra contra a pobreza' de Lyndon Johnson. (...) ser pobre no país mais rico do mundo, no qual impera o dogma da mobilidade social e da responsabilidade individual, significa ter menos INSTRUMENTOS CULTURAIS para conectar a própria humilhação ao quadro geral da sociedade. Se seus vizinhos também são pobres, isso não quer mais dizer que ninguém é pobre; quer dizer, na verdade, que existe algo no caráter, na cultura, até na identidade dos habitantes da região, que produz a pobreza. Em outras palavras, quer dizer que eles são o problema."

101: "Demonstrar que nem todos os apalachianos são pobres torna-se uma necessidade psicológica mesmo para aqueles que efetivamente o são, e que se ofendem se a pobreza é mostrada ao mundo"

"a ofensa [de um programa de TV sobre Floyd County, Kentucky] consistiu em mostrar a pobreza como um problema social, sugerindo implicitamente que a responsabilidade recai sobre a própria cultura de quem a sofre, estendendo a retórica da vergonha no plano individual ao plano sociocultural: todos os apalachianos são pobres, e são pobres porque são apalachianos."

"Assim, a defesa da identidade apalachiana consistirá na reivindicação de que se enxergue também aqueles que, sendo apalachianos, vivem muito bem: profissionais, políticos, comerciantes, empreendedores"
102: "As ELITES LOCAIS, dessa maneira, tornam-se representantes do orgulho dos POBRES E SUBALTERNOS que elas mesmas desprezam - e que levam essa vida, em parte, pelo papel que essas elites desempenharam historicamente. [AQUI ELE PRATICAMENTE ESTA DESMONTANDO UMA IDEOLOGIA NO SENTIDO MESMO DE FALSA CONSCIÊNCIA, NO SENTIDO MARXISTA CLÁSSICO] As CLASSES RICAS e detentoras do PODER assumem o direito de falar em nome de todos: são eles, não a imprensa, os representantes dos pobres."

"o olhar externo - representado pela TV, executado pelo bem-estar social, reforçado pelas elites locais - trata os pobres como objetos de esmola, alvos de caridade, resultados da própria cultura, incapazes de conseguir algo pelos próprios meios. É a inversão de uma imagem de orgulho e autossuficiência construída e defendida ao longo de gerações."

103: "O mesmo costuma valer para a relação entre os Apalaches e o bem-estar social. 'É uma esmola', diz Robert Simpson, 'e o trabalhador tem seu orgulho'; 'é uma ajuda enorme', mas que não vem de vizinhos e de iguais, e sim de uma autoridade impessoal que faz você se sentir inadequado e te convida a abandonar a si próprio."

- Aqueles ativistas da década de 1970 que vieram com boas intenções mas sem nenhum conhecimento só conseguiram irritar as pessoas:

" 'Me irritava quando um moleque qualquer chegava aqui e me explicava que o senhor Fulano de Tal lá da montanha devia sair dali e entrar no mundo real. Eu dizia: moleque, o Fulano de Tal lá da montanha deve conhecer o mundo real muito melhor que você' (Gladys Hoskins). O fato de que os jovens ativistas dos anos 1970 devessem aprender essa lição com a secretária da Câmara de Comércio é um paradoxo que diz muito sobre a HEGEMONIA e a IDENTIDADE em Harlan. O fato de que todos eles foram pregar, e nenhum deles foi escutar, talvez explique como - nas palavras de Ewell Balltrip, dire-
104: tor do jornal local - 'na guerra contra a pobreza, quem venceu foi a pobreza.' "


IV. (104-106): Sobreviver [OU SEJA, AQUI ELE VAI INVESTIGAR AS CONDIÇÕES MATERIAIS DE EXISTÊNCIA]
104: Survival Center é literalmente um centro de sobrevivência: as pilhas de latas de leite em pó para crianças.

- Para Anne Napier: " 'se você pensar em como chegamos, é um milagre que tenhamos sobrevivido.'"

"Talvez seja por isso, também, que no passado as crianças não ganhavam nome antes que começassem a andar. (...) Sobreviver é, em si, resistir, a LUTA DE CLASSE não se faz mais nas greves e nos sindicatos, mas na luta diária contra a morte."

104: [ANÁLISE DIALÉTICA porque ele vê um aspecto positivo e negativo ao mesmo tempo nos valores culturais tradicionais, que escapam de ser vistos meramente como ideologia no sentido de falsa consciência embora também o sejam em certa medida] "Na medida em que os valores culturais tradicionais de autonomia pessoa e apoio comunitário resistem, eles ajudam as pessoas a
105: sobreviver - mas não a modificar as causas do risco e do sofrimento."
- [ENTRETANTO NÃO SÃO PASSIVOS] Mas eles continuam não só resistindo mas também contra-atacando: o Cranks Creek Survival Center surgiu em 1977 após uma inundação causada pela exploração irresponsável das minas e que devastou 37 casas e causou danos terríveis ao vale de Cranks Creek. Levam a causa até o governo federal e conseguem ser ressarcidos pelos danos e pela limpeza do córrego.

- "Foi um momento extraordinário também do ponto de vista cultural." Pois estas 'mulheres ignorantes de montanha' enfrentaram e derrotaram advogados e peritos das mineradoras.

106: Os advogados tentavam enredá-las em noções como a Providência Divina, sem sucesso: (Annie Napier): "'Você não acha que isso foi uma ação de Deus?'. E eu disse: 'A chuva é uma ação de Deus, mas não foi Deus que colocou aquelas escavadeiras em cima dos morros'"

"Joan Robinette também fala de como é difícil para que os pobres representem-se como cidadãos, façam-se escutar mesmo quando, em teoria, são convidados a falar."

V. (106-109): Eu queria ser alguma coisa
106: Mary Logan, com quem ele conversou em 1989, nascida em 1964, analfabeta e com um casamento complicado,
107: "Logan não possui nem a compensação emotiva das gerações precedentes, nem a militância sociopolítica das subsequentes."

- Para continuar a receber auxílio-alimentação é obrigada a frequentar cursos profissionalizantes, mas não tinha meio de transporte para frequentá-los.

" 'Eu gostaria de ser alguém': a mulher atendida pela assistência pública está tão acostumada a ser tratada pela burocracia como uma não-pessoa que acabou se sentindo assim. Sua fantasia, portanto, consiste no sonho de humanizar o sistema, como ocorria nas antigas relações de ajuda recíproca entre vizinhos. Ela veria o rosto das pessoas; saberia o que alguém sente, pois o compartilharia; e se não pudesse fazer nada no âmbito oficial, ajudaria pessoalmente. Em certo sentido, Mary Logan imagina a si mesma nos dois lados da recepção."

- Obstáculos externos superáveis (Survival Center ou vizinho poderiam lhe dar carona) e internos, mais difíceis: "um problema de controle, de domínio de si mesma"

108: Círculo vicioso: Mary tem baixa auto-estima porque 'perde a paciência' quando zombam dela e zombam dela exatamente por suas explosões de raiva; mas não vê isso como uma defesa da própria dignidade e sim como a prova de um caráter defeituoso (da mesma forma que um psicólogo que afirma que as crianças apalachianas não são bem treinadas para controlar seus impulsos agressivos).

[DIALÉTICA NEGATIVA ou da negatividade] "O mesmo tipo de vínculo se cria na relação entre controle e escritura: Mary Logan ouve que não aprende a escrever porque não sabe se controlar; mas não sabe se controlar exatamente por não saber escrever." E embora fantasie o que faria se soubesse escrever, dá a si mesma uma desculpa: se aprendesse o marido acharia que ela estaria se colocando como melhor do que ele: gets above her raising.

"As AMBIVALÊNCIAS cedo ou tarde virão à tona na relação com a religião: 'Quando você vai à igreja, é uma pessoa diferente'; deve 'renunciar às coisas' e aprender a se controlar. A igreja, espaço social que os apalachianos pobres criaram para si mesmos, pode ser tanto o lugar onde Mary aprende como se controlar quanto aquele onde ela pode encontrar consolo por não ter conseguido fazê-lo."

"A relação de Mary Logan com a igreja é uma metáfora da sua relação com a própria CULTURA. Como vimos, Dolly Parton utiliza a sua cultura (seu manto multicolorido, como uma colcha) para sair e alcançar o sucesso. Annie Napier a utiliza para ficar dentro e empenhar-se para sobreviver e mudar. Mary Logan, quando a entrevistei, estava no meio: podia usar sua cultura (a igreja, o Survival Center)
109: para emancipar-se, ou podia se render refugiando-se no seio da igreja e na ajuda dos vizinhos."

- Jim Garland, durante a dramática greve de 1932 em Harlan contava que não queria os milhões nem o relógio de ouro do patrão mas somente comida para seus bebês e seu emprego de volta.

- Em 1989 durante a vigília natalina, Mary Logan pedia apenas "uma coisa decente" como "uma coberta decente, que seja suficiente no lugar de três ou quatro" e uma casa decente e dinheiro para pagar as contas e ter o que vestir.

"Jim Garland nunca recuperou seu emprego. Apontado como comunista na lista negra, precisou ir embora e não colocou os pés em Harlan por trinta anos. Mary Logan nunca foi à escola - e sua casa ainda é fria no inverno."

[O QUE SIGNIFICA ESTE FINAL? TALVEZ QUE AS COISAS NÃO SEJAM TÃO SIMPLES QUANTO A OPOSIÇÃO RESISTÊNCIA versus PASSIVIDADE]


POLLAK,Michael. "Memória e identidade social", Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, n.10,1992,p.200-212

1. Autor: Michael POLLAK (1948-1992) ver informações no início do artigo

2. Texto: originário de conferência proferida pelo autor no CPDOC em 1988, incluindo os debates com o autor, a partir da p. 207.

3. Estrutura do texto

I. (201-3) Conceitos básicos e os elementos constitutivos da memória
.1. Definição de "fatos de memória"
.2. Da memória como fenômeno coletivo e social
.3. Marcos ou pontos invariáveis da memória
.4. Os elementos constitutivos da memória:
- Tipos de acontecimentos constitutivos da memória individual ou coletiva: "acontecimentos vividos pessoalmente"
" 'vividos por tabela',
"os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo (ou herdados)
- Tipos de pessoas ou personagens constitutivos da memória individual ou coletiva:
"personagens realmente encontradas no decorrer da vida"
"personagens fequentadas por tabela"
"personagens que não pertenceram necessariamente ao espaço-tempo da pessoa"
- Tipos de lugares constitutivos da memória individual ou coletiva
ligados a uma lembrança
lugares de apoio da memória, de comemoração
locais muito longínquos que podem ser importantes
.5. Projeções de outros eventos
.6. O problema dos vestígios datados da memória
.7. Fenômenos de transferência de datas públicas

II. (203-4) Síntese das características da memória
.1. A MEMÓRIA É SELETIVA
.2. A MEMÓRIA É, EM PARTE, HERDADA
.3. A MEMÓRIA SOFRE FLUTUAÇÕES DEPENDENDO DO MOMENTO & É OBJETO DE LUTAS
.4. A MEMÓRIA É UM FENÔMENO CONSTRUÍDO

III. (204-6) A relação entre a memória e o sentimento de identidade
.1. Definição de identidade
.2. Os três elementos fundamentais na construção da identidade
.3. Da memória como elemento constitutivo da identidade
.4. De como a identidade é construída para si e para os outros
.5. Memória e identidade são valores disputados em conflitos sociais
.6. O trabalho de enquadramento da memória
.7. O trabalho de enquadramento em termos de investimento
.8. O trabalho da própria memória em si, que rende 'juros'

IV. (206-7) Conclusões
.1. A relação entre a memória e as identidades coletivas
.2. Definição de identidades coletivas
.3. Os períodos calmos em que a memória e a identidade estão suficientemente constituídas versus os períodos de crise em que há necessidade de rearrumações
.4. A questão para o debate: "por que será que atualmente assistimos a um interesse renovado, nas ciências humanas e na história, pelo problema da forte ligação entre memória e identidade ?"

Objetivo do texto:
- "[o] problema da ligação entre memória e identidade social, mais especificamente no âmbito das histórias de vida, ou daquilo que hoje, como nova área de pesquisa, se chama de história oral"

Palavras-chave (ou conceitos centrais)
- Memória
- Identidade social
- Memória coletiva
- Identidades coletivas
- Fatos de memória
- Lugares da memória
- Enquadramento da memória
- Projeções de eventos
- Vestígios datados
- Transferência de datas públicas

Métodos:
- É um texto bastante didático, típico de palestra, com uma mescla equilibrada de conceitos e exemplos.

Fontes utilizadas
- Usa sobretudo exemplos retirados da história francesa, mormente os ligados às duas grandes guerras, bem como de outras pesquisas realizadas pelo autor.

Conclusões do texto
- A principal (pp. 206-7) é a relação entre a construção social da memória e as identidades coletivas; destacaria, além disso, os inúmeros conceitos formulados no texto e que nos são de enorme valia (ver item 5, palavras-chave)

Questões e críticas: ver questões levantadas durante o debate (pp.207-215)







BOURDIEU, Pierre. "O campo científico"

Estrutura do texto:

I. (122-127): A luta pelo monopólio da competência científica
II. (127-133): A acumulação do capital científico
III. (133-136): Capital científico e propensão a investir
IV. (136-140): A ordem (científica) estabelecida
V. (141-145): Da revolução inaugural à revolução permanente
VI. (145-155): A ciência e os doxófobos


I. (122-127): A luta pelo monopólio da competência científica

122: Não existe universo "puro" da "pura" ciência: a ciência é um campo social como os outros

"A sociologia da ciência repousa no postulado de que a verdade do produto - mesmo em se tratando desse produto particular que é a verdade científica - reside numa espécie particular de condições sociais de produção; isto é, mais precisamente, num estado determinado da estrutrutura e do funcionamento do campo científico. O universo 'puro' da mais 'pura' ciência é um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e estratégias, seus interesses e lucros, mas onde todas essas invariantes revestem formas específicas."

122: Definição de campo científico como espaço de luta e do que está em jogo nele: "o monopólio da autoridade científica" ou da "competência científica"

"O campo científico, enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores), é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial.
O que está em jogo especificamente nesta luta é o monopólio da autoridade científica definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científica compreendida enquanto capacidade de
123: falar e de agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente autorizado."

123: "o próprio funcionamento do campo científicos produz e supõe uma forma específica de interesse"

Não basta "simplesmente romper com a imagem irenista* [i.e. pacífica, harmônica] da 'comunidade científica' tal como a hagiografia científica a descreve"
(...)

"Não é simplesmente romper com a ideia de uma espécie de 'reino dos fins' que não conheceria senão as leis da concorrência pura e perfeita das ideias."

123: Becas e títulos modificam a percepção social da capacidade puramente técnica; é impossível dissociar "pura" representação social e "pura" competência técnica

"tentar dissociar o que na competência científica, seria pura representação social, poder simbólico, marcado por todo um 'aparelho' (no sentido de Pascal) de emblemas e de signos, e o que seria pura capacidade técnica, é cair na armadilha constitutiva de toda competência, razão social que se legitima apresentando-se como razão puramente técnica"

(...)

124: "o augusto aparelho 'que envolve' aqueles a quem chamávamos de 'capacidades' no século passado e de 'competências' hoje - becas rubras e arminho, sotainas e capelos dos magistrados e doutores em outros tempos, títulos escolares e distinções científicas dos pesquisadores de hoje (...) modifica a percepção social da capacidade puramente técnica.
Assim, os julgamentos sobre a capacidade científica de um estudante ou de um pesquisador estão sempre contaminados, no transcurso de sua carreira, pelo conhecimento da posição que ele ocupa nas hierarquias instituídas (as Grandes Escolas, na França, ou as universidades, p.ex., nos Estados Unidos)."

124: A dupla face do interesse: é impossível separar as dimensões política e científica

"Pelo fato de que todas as práticas estão orientadas para a aquisição de autoridade científica (prestígio, reconhecimento, celebridade etc), o que chamamos comumente de 'interesse' por uma atividade científica (uma disciplina, um setor dessa disciplina, um método etc) tem sempre uma dupla face. O mesmo acontece com as estratégias que tendem a assegurar a satisfação desse interesse.
Uma análise que tentasse isolara uma dimensão puramente 'política' nos conflitos pela dominação do campo científico seria tão falsa quanto o parti pris inverso, mais frequente, de somente considerar as determinações 'puras' e puramente intelectuais dos conflitos científicos. P.ex., a luta pela obtenção de créditos e de instrumentos de pesquisa que hoje opõe os especialistas não se reduz jamais a uma luta pelo poder propriamente 'político'. Aqueles que estão à frente das grandes burocracias científicas só poderão impor sua vitória como sendo uma vitória da ciência se forem capazes de impor uma definição de ciência que suponha que a boa maneira de fazer ciência implica a utilização de serviços de uma grande burocracia científica, provida de créditos, de equipamentos técnicos poderosos, de uma mão-de-obra abundante. Assim eles constituem em metodologia universal e eterna a prática de sondagens com amplas amostragens, as operações de análise estatística dos dados e formalização dos resultados, instaurando com medida de toda prática científica, o padrão mais favorável às suas capacidades intelectuais e institucionais. Reciprocamente, os conflitos epistemológicos são sempre, inseparavelmente, conflitos políticos; assim, uma pesquisa sobre o poder no campo científico poderia perfeitamente só comportar questões aparentemente epistemológicas."

Obs [M.A.]: A vitória científica depense de poder e o poder depende da vitória científica, um reforça o outro.

125: Os investimentos (científicos) organizam-se tendo em vista projeções de lucros, o que é importante para ele e para os outros é o que escolhe como tema

Fred Ruif:
'Um cientista procura fazer as pesquisas que ele considera importantes. Mas a satisfação intrínseca e o interesse não são suas únicas motivações. Isto transparece quando observamos o que acontece quando um pesquisador descobre uma publicação com os resultados a que ele estava quase chegando: fica quase sempre transtornado, ainda que o interesse intrínseco de seu trabalho não tenha sido afetado. Isto porque seu trabalho não deve ser interessante somente para ele, mas deve ser também importante para os outros.'

"O que é percebido como importante e interessante é o que tem chances de ser reconhecido como importante e interessante pelos outros; portanto, aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como importante e interessante aos olhos dos outros.

(...)

é preciso supor que os investimentos se organizam com referência a uma antecipação - consciente ou inconsciente - das chances médias de lucro em função do capital acumulado. Assim, a tendência dos pesquisadores a se concentrar nos problemas considerados como os mais importantes se explica pelo fato de que uma contribuição ou descoberta concernente a essas questões traz um lucro simbólico mais importante."

126: Em suma: toda escolha científica é também estratégia política, nada de opor epistemologia e análise externa

"É o campo científico, enquanto lugar de luta política pela dominação científica, que designa a cada pesquisador, em função da posição que ele ocupa, seus problemas, indissociavelmente políticos e científicos, e seus métodos, estratégias científicas que, pelo fato de se definirem expressa ou objetivamente pela referência ao sistema de posições políticas e científicas constitutivas do campo científico, são ao mesmo tempo estratégias políticas.
Não há 'escolha científica' - do campo da pesquisa, dos métodos empregados, do lugar de publicação; ou, ainda, escolha entre uma publicação imediata de resultados parcialmente verificados e uma publicação tardia de resultados plenamente controlados - que não seja
127: uma estratégia política de investimento objetivamente orientada para a maximização do lucro propriamente científico, i.e., a obtenção do reconhecimento dos pares-concorrentes."


II. (127-133): A acumulação do capital científico

127: Umas das especificidades do campo científico é que nele a luta pela autoridade tem como clientes os seus concorrentes - quanto maior for a autonomia do campo só os concorrentes podem fazê-lo de fato e também de direito

"aquele que faz apelo a uma autoridade exterior ao campo só pode atrair sobre si o descrédito"

128: Está sempre em jogo o poder de impor uma definição de ciência (problemas, métodos, teorias) que esteja mais de acordo com os seus interesses específicos

"A definição mais apropriada será a que lhe permita ocupar legitimamente a posição dominante e a que assegure, aos talentos científicos de que ele é detentor a título pessoal ou institucional, a mais alta posição na hierarquia dos valores científicos"

(...)

"a definição do que está em jogo na luta científica faz parte do jogo da luta científica: os dominantes são aqueles que conseguem impor uma definição de ciência segundo a qual a realização mais perfeita consiste em ter, ser e fazer aquilo que eles têm, são e fazem."

128: Existe, a cada momento, uma hierarquia social dos campos científicos e no interior dos mesmos uma hierarquia social dos métodos e dos objetos

128-9: A visão oficial (durkheimiana) da ciência como sistema de normas e valores da comunidade científica é uma representação que os detentores da ordem científica têm interesse em impor, sobretudo a seus concorrentes

130: "Tanto no campo científico quanto no campo das relações de classe não existem instâncias que legitimam as instâncias de legitimidade; as reivindicações de legitimidade tiram sua força relativa dos grupos cujos interesses elas exprimem:

à medida que a própria definição dos critérios de julgamento e dos princípios de hierarquização estão em jogo na luta, ninguém é bom juiz porque não há juiz que não seja, ao mesmo tempo, juiz e parte interessada."

130: "A autoridade científica é, pois, uma espécie particular de capital, que pode ser acumulado, transmitido e até mesmo, em certas condições, reconvertido em outras espécies."

(...)

"no caso particular do campo da física contemporânea, onde a posse de capital científico tende a favorecer a aquisição
131: de capital suplementar e onde a carreira científica 'bem sucedida' torna-se um processo contínuo [grifo do autor] de acumulação no qual o capital inicial, representado pelo título escolar, tem um papel predominante."

deste capital ou reputação dependem:
- a obtenção de fundos de pesquisa
- a atração de estudantes de qualidade
- subvenções e bolsas
- convites
- consultas
- distinções
131: Valor distintivo e originalidade dos produtos são essenciais para conseguir o reconhecimento

"marcado e garantido socialmente por todo um conjunto de sinais específicos de consagração que os pares-concorrentes concedem a cada um dos seus membros"

daí a importância das questões de prioridade (i.e. quem chegou 1o. à descoberta)

"Isto explica a precipitação que certos autores demonstram em publicar seus trabalhos
132: a fim de evitar que sejam ultrapassados."

132: Visibility ou "fazer um 'nome' - a metáfora perceptiva (brilhante, obscuro)"

"espécie particular de capital social: acumular capital é fazer um 'nome', um nome próprio e reconhecido, marca que distingue imediatamente seu portador, arrancando-o como forma visível do fundo indiferenciado, despercebido, obscuro, no qual se perde o homem comum. Vem daí, sem dúvida, a importância das metáforas perceptivas, de que a oposição entre brilhante e obscuro é o paradigma na maioria das taxonomias escolares."

133: O exemplo dos ganhadores do Prêmio Nobel que assinam artigo por último é exatamente para disfarçar esta estratégia: "O mercado dos bens científicos tem suas leis, que nada têm a ver com a moral"

"Arriscamo-nos a introduzir na ciência das ciências, sob diversos nomes 'eruditos', o que os agentes chamam às vezes de 'valores' ou 'tradições' da 'comunidade científica', se não soubermos reconhecer enquanto tais as estratégias que, nos universos onde se tem interesse no desinteresse, tendem a dissimular as estratégias. Essas estratégias de segunda ordem, através das quais nos colocamos dentro das regras, permitem somar às satisfações do interesse bem-compreendido os lucros mais ou menos universalmente prometidos às ações que não têm outra determinação aparente senão a do respeito puro e desinteressado da regra."

III. (133-136): Capital científico e propensão a investir
133: Como se define a estrutura do campo científico a cada momento: "estado das relações de força entre os protagonistas em luta"

133ss.: A relação dialética entre estrutura e estratégias através das disposições (i.e. habitus)

134: "os investimentos dos pesquisadores dependem (...) da importância de seu capital atual e potencial de reconhecimento e de sua posição atual e potencial no campo"

134: O valor do título escolar de origem: comanda a relação com a carreira científica

"De fato, à medida que o título, enquanto capital escolar reconvertível em capital universitário e científico encerra uma trajetória provável, ele comanda, por meio das aspirações razoáveis que ele autoriza, toda a relação com a carreira científica - escolha dos assuntos mais ou menos 'ambiciosos',
135: uma maior ou menor produtividade etc.
De maneira que o efeito do prestígio das instituições não se exerce somente de maneira direta, 'contaminando' o julgamento das capacidades científicas manifestadas na quantidade e qualidade dos trabalhos, maneira indireta, por meio de contatos com os mestres mais prestigiados que a elevada origem escolar garante (frequentemente associada a uma elevada origem social), mas ainda pela mediação da 'causalidade do provável', i.e., pela virtude das aspirações que autorizam e que favorecem as chances objetivas (poderíamos fazer observações análogas a respeito dos efeitos da origem social para títulos escolares de origem semelhantes)."

135: As estratégias científicas que acompanham cada momento da carreira devem ser relacionadas à importância do capital possuído e não a genéricas classes de idade

136: Enquanto nas carreiras 'médias' se observa um decréscimo da produtividade com o tempo, o mesmo não ocorre com as carreiras elevadas

"o crescimento do capital de consagração tende a reduzir a urgência da alta produtividade"
CHECAR O TEXTO ORIGINAL, NÃO FAZ MUITO SENTIDO

IV. (136-140): A ordem (científica) estabelecida

136: A estrutura do campo científico varia entre dois limites teóricos

= "estrutura da distribuição do capital específico de reconhecimento científico entre os participantes na luta"

varia entre dois limites teóricos virtuais ("jamais alcançados"):

"a situação de monopólio de capital específico de autoridade científica"

x

"a situação de concorrência perfeita supondo a distribuição equitativa desse capital entre todos os concorrentes"

136: O campo científico como o lugar de uma luta, mais ou menos desigual

136-7: No campo científico há dominantes x dominados

137: Crescendo os recursos científicos acumulados e portanto a "taxa de inscrição", eleva-se o grau de homogeneidade, alterando e amenizando a disputa pois se tornam menores as possibilidades de grandes revoluções periódicas

Obs: Já que são todos doutores, cria-se o pós-doutorado

137: Dominantes e pretendentes recorrem a estratégias antagônicas em termos de lógica e de princípios:
CONSERVAÇÃO x SUCESSÃO ou SUBVERSÃO
138 (Nota 24): A ação de "filtragem" dos comitês de redação das revistas científicas, isso fora a "auto-eliminação"

139: A invenção já inventada dos sucessores x a invenção herética dos "subversivos" que rompem com as trocas de reconhecimento

139: "a propensão a estratégias de conservação ou às estratégias de subversão é tanto mais dependente das disposições em relação à ordem estabelecida quanto maior for a dependência da ordem científica com relação à ordem social dentro da qual ela está inserida"

140: i.e., segundo o ex: os alunos da escola politécnica tendiam a ser mais conservadores porque logo eram absorvidos por altas funções militares e engenharia civil

141: A própria lógica do campo pode estabelecer afinidade entre os interesses privados e os científicos (para assegurar o controle das relações com o universo exterior, com os leigos)


V. (141-145): Da revolução inaugural à revolução permanente

141ss.: Da revolução inaugural (e.g. Copérnico) à revolução ordenada ou permanente (ou "dogmatismo legítimo"), já prevista pelo método do campo

143: quando "o equipamento científico necessário à revolução científica só pode ser adquirido na e pela cidadela científica"

143 (nota 33): As revoluções inaugurais, quem as faz: quase sempre detentores de capital científico mas que se encontram numa posição de desequilíbrio ==> inclinação revolucionária

145: "A ciência jamais teve outro fundamento senão o da crença coletiva em seus fundamentos, que o próprio funcionamento do campo científico produz e supõe."


VI. (145-155): A ciência e os doxófobos

145ss.: A doxa= conjunto de pressupostos admitido tanto por ortodoxos quanto heterodoxos; estes pressupostos constituem a condição tácita da discussão; esta é a censura mais radical

145: Habitus primário = de classe / Habitus secundário= inculcado pela educação escolar*

* Aqui eu poderia exemplificar com as diferenças que percebo entre os alunos de Arquivologia, Comunicação Social, Produção Cultural, Ciências Sociais e História

146: A questão do "grau de arbitrário social da crença que o funcionamento do campo produz e que é a condição de seu funcionamento"

147: Doxósofos = cientistas aparentes e cientistas da aparência

dependência pela aparência da independência

"só podem legitimar o despojamento que eles operam pela constituição arbitrária de um saber esotérico inacessível ao profano e a delegação que eles exigem ao se arrogarem o monopólio de certas práticas ou a reflexão sobre elas, com a condição de imporem a crença de que sua falsa ciência é perfeitamente independente das demandas sociais e que ela só satisfaz tão bem porque afirma sua grande recusa de servi-las."






PARTE V:

Projeto

FABRICANDO HISTÓRIA





Coordenador: Marcos Alvito


PROJETO FABRICANDO HISTÓRIA
Coordenador: Marcos Alvito

Histórico:
O Projeto Fabricando História surgiu no 2º semestre letivo de 2000 em decorrência de uma obrigação profissional: ministrar um curso de História Oral para os alunos do curso de História da UFF. Em primeiro lugar pela facilidade de que os alunos viessem a realizar um trabalho prático (uma entrevista, no caso) no campo da História Oral. Ademais, há uma carência absoluta de documentação e de reflexão acerca da nossa própria história institucional. Alunos entrevistarem professores tem um significado pedagógico extremamente relevante. O Departamento de História da UFF também tem uma história e o projeto visa contribuir, mesmo que modestamente, com aquela tarefa intelectual básica já enunciada pelo oráculo de Delfos: "conhece-te a ti mesmo".
Até agora foram realizadas 59 entrevistas, em sua maioria com professores atuantes hoje no Departamento, mas também com alguns docentes já aposentados da UFF e/ou lotados atualmente em outras instituições (ver mapa das entrevistas). Cada entrevista foi realizada por um estudante, seguindo um roteiro previamente estabelecido. Os alunos, no entanto, foram orientados no sentido de adaptarem o roteiro às especificidades da trajetória de cada professor, tendo plena liberdade de formular perguntas da sua própria autoria (ver roteiro de entrevista). As perguntas visaram sobretudo traçar a trajetória acadêmica, com um mínimo de perguntas acerca da origem familiar e de classe, pertinentes para entender o processo de escolha da carreira de historiador (ver justificativa e objetivos).
Apesar das dificuldades provenientes de agendas lotadas de compromissos, os professores colaboraram bastante com o projeto e aproveito o momento para agradecer a todos.
Aproveito também para solicitar aos professores já entrevistados que assinem as cartas de cessão, único instrumento que permitirá que a história do Departamento de História pertença de fato a todos. TODAS AS ENTREVISTAS SERÃO DEPOSITADAS NO LABHOI-UFF.
Estou totalmente à disposição dos colegas para esclarecer quaisquer dúvidas:

Marcos Alvito
[email protected]


Obs: Enquanto o LABHOI-UFF termina de depositar as entrevistas, algumas já estão disponíveis no site www.opandeiro.net






Título:
"Fabricando História: História oral de vida acadêmica: os professores do Departamento de História da UFF – 1968-2012"

Justificativa:
Trata-se de examinar de que maneira, em que condições, com que caráter, ao longo de mais de três décadas de existência, o Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, uma das instituições mais importantes no campo científico respectivo no Brasil, formou (no sentido do habitus) professores e pesquisadores; iremos OBSERVAR AS VARIAÇÕES, ao longo do tempo (tentando agrupar gerações ou períodos característicos):

(Objetivos centrais):
nos objetivos da formação (se houve épocas em que predominava a formação de professores ou de pesquisadores)
no predomínio de correntes historiográficas (teóricas) e na variedade de história praticada (econômica, das idéias, política, cultural etc)
na hierarquia acadêmica informal e formal (prof. Catedrático, prof. Titular etc)
nas relações internas de poder (grupos, disputas, projetos diferentes para o curso)
na relação professor-aluno (em geral, p.ex. maior ou menor distanciamento)
nas práticas didáticas (a sala de aula propriamente dita, trabalhos, avaliações)
na composição do corpo discente (quem eram os alunos de história na época em que o professor foi aluno, quem são hoje, na sua visão)
na posição ocupada pelo Depto. de História da UFF no cenário nacional
nas condições da carreira acadêmica e as conseqüências de modificações salariais, no financiamento de pesquisas, na infra-estrutura material e na estrutura da carreira – GED, por exemplo (modificações afetam trabalho acadêmico de que maneira ?)
na percepção do papel social enquanto professor-historiador
na relação entre Universidade e Sociedade em geral e, em particular, no caso do Departamento de História

(Objetivos complementares)
na produção historiográfica em geral (também o que era publicado e o que é publicado hoje)
na relação com outras disciplinas (interdisciplinaridade)
na origem social dos professores (e se há alguma relação com as escolhas temáticas e de áreas de estudo)
na produção acadêmica específica dos professores do departamento (dissertações, teses, livros, artigos etc)
nas posições políticas em geral



Pergunta (s) de corte:
O que significa para o Sr. ser historiador ?
O que significa para o Sr. ser professor ?
O que significa para o Sr. ser do Departamento de História da UFF ?

ROTEIRO DE ENTREVISTA DO PROJETO "FABRICANDO HISTÓRIA"

DADOS PESSOAIS E FAMILIARES:

Professor, o Sr. poderia falar dos seus avós ?
E os seus pais ?
(nestas duas perguntas, observar se as respostas fazem referência:
às profissões
às condições econômicas
à escolaridade)
O Sr. poderia falar da sua família hoje ?
(ou seja, além da esposa e filhos, irmãos etc)
O Sr. percebe alguma relação entre seu ambiente familiar e a sua escolha profissional ?
.......................................................................................................................................................................... ?

FORMAÇÃO ESCOLAR (PRÉ-UNIVERSITÁRIA):

Em que tipo de escola o Sr. estudou ?
Que tipo de aluno o Sr. era ?
Há algum professor deste período que o tenha marcado (i.e. exercido uma influência importante) ?
Sua formação escolar influenciou sua escolha profissional ?
..............................................................................................................................
.................................... ?

A ESCOLHA DA CARREIRA

Como foi que o Sr. escolher cursar História ?
Quais eram seus objetivos ? (pedir, se for o caso, que explicite se o objetivo primordial era ser professor ou pesquisador)
Qual a razão para a escolha do curso da ________ (UFF/UFRJ/outras) ?
Qual foi a reação da sua família ?
..............................................................................................................................
.................................... ?

A GRADUAÇÃO

Qual era o conceito do curso de História da ______ na época ? (apenas se esta pergunta já não tiver sido respondida na resposta à pergunta 13)
Onde funcionava o curso de História ?
Quem eram seus colegas de curso ? (classe social, formação, interesses)
Descreva o ambiente do curso ? (intelectual, social, "festivo" etc)
..............................................................................................................................
.................................... ?
Havia o predomínio de alguma corrente teórica ?
Quais eram os autores e obras mais utilizados ?
Quais os de sua preferência durante a graduação ? (caso ele não o faça, peça que o professor explique o motivo pelo qual preferia estes autores)
Que tipo de aluno o Sr. era ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
Fale sobre os professores
Quais deles foram mais importantes para a sua formação ? (Por quê ?)
Como era o relacionamento entre professores e alunos ? (pergunte se havia conflitos, se ele se lembra de algum)
Como eram as aulas ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
Que tipos de avaliação eram utilizados ?
Naquela época, quais eram as possibilidades de pesquisa para um aluno da graduação ?
O Sr. atuou em alguma monitoria e/ou projeto de pesquisa ? (peça que o professor caracterize qual era o trabalho que realizava)
O Sr. teve alguma experiência de ensino durante a graduação ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
Como o Sr. avalia a sua formação durante a graduação ? (pontos fortes e pontos fracos)
O curso, na sua época, privilegiava a formação de professores ou de pesquisadores ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
39. ..............................................................................................................................
.................................... ?

MESTRADO

Como foi o seu ingresso no Mestrado ?
O que o levou à escolha do tema ?
O que o levou à escolha do orientador ?
Fale sobre a sua dissertação
Como foi a defesa ?

DOUTORADO (se for o caso)

Como foi o seu ingresso no Doutorado ?
O que o levou à escolha do tema ?
O que o levou à escolha do orientador ?
Fale sobre a sua tese
Como foi a defesa ?

NO DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DA UFF:

Como o Sr. ingressou no Departamento de História da UFF ?
Como era o Departamento na época ?
Como é hoje ?
Quais eram as condições de trabalho na época ?
Como são hoje ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
As novas políticas de financiamento à pesquisa e as mudanças na carreira docente afetam seu trabalho ?
Como o Sr. vê a situação da Universidade Pública hoje em dia ?
E a relação entre Universidade e Sociedade ?
Quais suas perspectivas para o futuro ? (profissional)
..............................................................................................................................
.................................... ?
Hoje em dia, quais são as suas principais referências teóricas ?
Fale um pouco da sua produção acadêmica (livros, artigos etc)
Como são suas aulas ? (expositivas ou de debate, que recursos utiliza etc)
Que tipo de avaliação o Sr. utiliza ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
Quem são seus alunos ?
Que tipo de formação o Sr. procura proporcionar a eles ?
O aluno da UFF sai preparado para ser um pesquisador ?
O aluno da UFF sai preparado para ser um professor ?
..............................................................................................................................
.................................... ?
Quais os principais problemas do curso de História da UFF ?
O Sr. se definiria primordialmente como intelectual, pesquisador ou professor? (Por quê)
..............................................................................................................................
.................................... ?

PERGUNTAS DE CORTE:

O que significa para o Sr. ser historiador ?
O que significa para o Sr. ser professor ?
O que significa para o Sr. ser do Departamento de História da UFF ?














E N T R E V I S T A D O
Entrevistador
Trans.
EFH 001 Luiz Carlos SOARES
Fernando HG.Barcellos
27pp.
EFH 002 Virgínia FONTES
Nara Improta
26pp.
EFH 003 Magali Gouveia ENGEL
Richard N.Paula
19pp.
EFH 004 Carlos ADDOR
Leonardo Padilha
22pp.
EFH 005 Rachel SOIHET
Mirella de A. Fontes
23pp.
EFH 006 Carlos Gabriel GUIMARÃES
Gil Baião
14pp.
EFH 007 Paulo KNAUSS
Ypuan Garcia Costa
51pp.
EFH 008 Marcos ALVITO P. Souza
Fábio Reis
39pp.
EFH 009 Mário GRYNSPAN
Agnes Weidlich
18pp.
EFH 010 Márcia Maria M. MOTTA
André Pereira Alvarez
22pp.
EFH 011 Marcelo BADARÓ
Adriana Hassin Silva
35pp.
EFH 012 Ronaldo VAINFAS
Luisa Rauter Pereira
15pp.
EFH 013 Mariza de Carvalho SOARES
Juliana Barreto Farias
17pp.
EFH 014 Marco Antonio MONDAINI
Márcia Silva Amorim
13pp.
EFH 015 Marco SPARANO
Patrícia T. de Sá
22pp.
EFH 016 Ana Maria MAUAD
Raquel Barreto
16pp.
EFH 017 Theo L. PINEIRO
Fernanda R.C.Lomenso
35pp.
EFH 018 Guilherme Pereira NEVES
Rogério Garcia Capelli
17pp.
EFH 019 Ciro F.S.CARDOSO
Eduardo S.Mistura
30pp.
EFH 020 Margarida Souza NEVES
Rômulo Costa Mattos
10pp.
EFH 021 Geraldo BEAUCLAIR
Ilanajara Martinelli
18pp.
EFH 022 Adriana FACINA
Patrícia Duarte
27pp.
EFH 023 Maria Paula GRANER
Leonardo S. dos Santos
19pp.
EFH 024 Gizlene NEDER
Emerson Rocha
sd
















































EFH 025 Ilmar Rohloff de MATTOS
Danilo Spinola
31pp.

EFH 026 Jorge FERREIRA
Mirelle Ferreira
23pp.
EFH 027 Sônia R.R. MENDONÇA
Paulo A. Nogueira
30pp.



EFH 028 Antônio EDMÍLSON M.R.
Affonso Celso
10pp.
EFH 029 Marco Antônio PAMPLONA
Lin Jwo Yunn
10pp.
EFH 030 Martha ABREU
Fernanda Fonseca
13pp.
EFH 031 Jorge Miguel MEYER
Melissa Yaakoub
15pp.








EFH 032 Leandro KONDER
Fábio Pires Bento
10pp.
EFH 033 Ana Maria dos SANTOS
Sésiom França de Carvalho
20pp.
EFH 034 Vânia Leite FRÓES
Erika Silva Ferreira
16pp.
EFH 035 André Luiz de Vieira CAMPOS
Pedro Castanheira de Freitas
21pp.
EFH 036 João FRAGOSO
Paula Gioia
24pp.
EFH 037 José Pedro Pinto ESPOSEL
Vagner Corrêa de Lima
21pp.
EFH 038 Sônia Regina REBEL DE ARAÚJO
Leandro Rosetti de Almeida
29pp.
EFH 039 Francisco José Calazans FALCON
Rafael Maul de Carvalho Costa
29pp.
EFH 040 Luís Cezar BITTENCOURT
Márcio André Koatz SUKMAN
28pp.




EFH 041 Maria Regina CELESTINO
Gustavo A.A. Ferreira
28pp.
EFH 042 Manuel ROLPH
Cabeceiras
Luiz Anselmo Bezerra
36pp.
EFH 043 Ronald RAMINELLI
Theou Cunha
27pp.
EFH 044 Sheila S. de C. FARIA
Alexandre Carvalho
21pp.
EFH 045 HILDIBERTO R.C. de A. Jr.
Fábio Wilson Fernandes Póvoa
20pp.
EFH 046 Daniel BARREIROS
Salomão Pontes Alves


EFH 047 Dylva MOLITERNO
Paulo Roberto S. Martins
22pp.
EFH 048 Pedro FREIRE Ribeiro
Vinicius Lopes Felix da Silveira
11pp.
EFH 049 Cecília da Silva AZEVEDO
Fabiano G.F.
17pp.
EFH 050 Luciano RAPOSO
Beatriz Sogas Moreira Militão
29pp.
EFH 051 Marcio SCALERCIO
Gabriel Buchmann
19pp.
EFH 052 Almir CHAIBAN E.K.
Marcelo do Prado Ramos de Melo
11pp.
EFH 053 Ruth ALAIZ
Débora Renault Pereira de Medeiros
16pp.
EFH 054 GLADYS Sabina Ribeiro
Alexandre Vieira
23pp.
EFH 055 FRANCISCO JOSÉ S. Gomes
Emanoel Campos Filho
23pp.
EFH 056 HEBE Maria Mattos de Castro
Simone Santana da Silva
26pp.
EFH 057 Edgard S. LEITE
Renato

EFH 058 Carlos Eduardo MANHÃS
Andrea Garcia
16pp.
EFH 059 Mário Jorge BASTOS
Márcio Luiz Mello Soares da Silveira
51pp.













































DEPOENTE
ENTREVISTADOR
Trans.
Fitas
Cóp.
Cessão
Cad. de camp
Fich de entr.
Dsk
Data da entrevista
CF



Luiz Carlos SOARES
Fernando HG.Barcellos
27pp.
03
03
OK
OK
OK
OK
19/12/2000

EFH
01
Virgínia FONTES
Nara Improta
26pp.
01
01
OK
OK
OK
OK
09/12/2000

EFH
02
Magali Gouveia ENGEL
Richard N.Paula
19pp.
02
02
OK
OK
OK
OK
08/12/2000

EFH
03
Carlos ADDOR
Leonardo Padilha
22pp.
02


OK
OK
OK
04/12/2000

EFH
04
Rachel SOIHET
Mirella de A. Fontes
23pp.
02

OK
OK
OK
OK
06/12/2000

EFH
05
Carlos Gabriel GUIMARÃES
Gil Baião
14pp.
01
01
OK
OK
OK
OK
14/12/2000

EFH
06
Paulo KNAUSS
Ypuan Garcia Costa
51pp.

02


OK
OK
01/12/2000

EFH
07
Marcos ALVITO P. S.
Fábio Reis
39pp.
03
03
OK

OK
OK
04/12/2000

EFH
08
Mário GRYNSPAN
Agnes Weidlich
18pp.





OK


EFH
09
Márcia Maria M. MOTTA
André Pereira Alvarez
22pp.
01
01
NÃO
OK

OK
04/12/2000

EFH
10
Marcelo BADARÓ
Adriana Hassin Silva
51pp.
03
02
OK
OK
OK
OK
06 & 22/12/2000

EFH
11
Ronaldo VAINFAS
Luisa Rauter Pereira
15pp.
01
01

OK
OK
OK
15/12/2000

EFH
12
Mariza de C. SOARES

Juliana Barreto Farias
17pp.
02

NÃO
OK
OK
OK
15/12/2000

EFH
13
Marco Antonio MONDAINI
Márcia Silva Amorim
13pp.
01
01
OK
OK
OK
OK
07/12/2000

EFH
14
Marco SPARANO
Patrícia T. de Sá
22pp.
02
02
OK
OK
OK
OK
18/12/2000

EFH
15
Ana Maria MAUAD
Raquel Barreto
16pp.
01

Labhoi
OK

vírus
15/12/2000

EFH
16
Theo L. PINEIRO
Fernanda R.C.Lomenso
35pp.
03
03
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OK
OK
OK
19/12/2000

EFH
17
Guilherme Pereira NEVES
Rogério Garcia Capelli
17pp.
02
02

OK
OK

19/12/2000

EFH
18
Ciro F.S.CARDOSO
Eduardo S.Mistura
30pp.
02
02
OK


OK


EFH
19
Margarida Souza NEVES
Rômulo Costa Mattos
10pp.



OK




EFH
20
Geraldo BEAUCLAIR
Ilanajara Martinelli
18pp.
01
01
OK com r.
OK
OK
OK
06/12/2000

EFH
21
Adriana FACINA
Patrícia Duarte
27pp.








EFH
22
Maria Paula GRANER
Leonardo S. dos Santos
19pp.
02

OK


OK
07/12/2000

EFH
23
Gizlene NEDER
Emerson Rocha
16pp
01
01

OK
OK
OK
18/12/2000

EFH
24
Ilmar Rohloff de MATTOS
Danilo Spinola
31pp.



OK

OK


EFH
25
Jorge FERREIRA
Mirelle Ferreira
23pp.
01
01


OK
OK
08/12/2000

EFH
26
Sônia R.R. MENDONÇA
Paulo A. Nogueira
30pp.


SÓ A FITA


OK


EFH
27
Antônio EDMÍLSON
M.Rodrigues
Affonso Celso
17pp.
02
02

OK

OK
15 & 22/12/2000

EFH
28
Marco Antônio PAMPLONA
Lin Jwo Yunn
15pp.



OK




EFH
29
Martha ABREU
Fernanda Fonseca
13pp.

01

OK

OK


EFH
30
Jorge Miguel MEYER
Melissa Yaakoub
15pp.
02
02



OK


EFH
31












Leandro KONDER
Fábio Pires Bento
10pp.





vírus


EFH
32
Ana Maria dos SANTOS
Sésiom França de Carvalho
20pp.






16/05/2001

EFH
33
Vânia Leite FRÓES
Erika Silva Ferreira
16pp.






11/05/2001

EFH
34
André Luiz de Vieira CAMPOS
Pedro Castanheira de Freitas
21pp.
02
02



OK
1o. /06/2001

EFH
35
João FRAGOSO
Paula Gioia
24pp.






11/05/2001

EFH
36
José Pedro Pinto ESPOSEL
Vagner Corrêa de Lima
21pp.






31/05/2001

EFH
37
Sônia Regina REBEL DE ARAÚJO
Leandro Rosetti de Almeida
29pp.






15/05/2001

EFH
38

Francisco José Calazans FALCON
Rafael Maul de Carvalho Costa
29pp.






31/05/2001

EFH
39
Luís Cezar BITTENCOURT
Márcio André Koatz SUKMAN
28pp.








EFH
40
Maria Regina CELESTINO
Gustavo A.A. Ferreira
28pp.




OK
OK
11/05/2001

EFH
41
Manuel ROLPH
Cabeceiras
Luiz Anselmo Bezerra
36pp.


OK


OK


EFH
42












Ronald RAMINELLI
Theou Cunha
27pp.








EFH
43
Sheila S. de C. FARIA
Alexandre Carvalho
21pp.





OK
05/06/2001
OK

EFH
44
HILDIBERTO R.C. de A. Jr.
Fábio Wilson Fernandes Póvoa
20pp.



OK

OK
28/05/2001

EFH
45
Daniel BARREIROS
Salomão Pontes Alves






OK


EFH
46
Dylva MOLITERNO
Paulo Roberto S. Martins
22pp.








EFH
47
Pedro FREIRE Ribeiro
Vinicius Lopes Felix da Silveira
11pp.



OK

OK


EFH
48
Cecília da Silva AZEVEDO
Fabiano G.F.
17pp.





OK
23/05/2001

EFH
49
Luciano RAPOSO
Beatriz Sogas Moreira Militão
29pp.





OK
28 & 30/05/2001

EFH
50













Marcio SCALERCIO
Gabriel Buchmann
19pp.






07/06/2001

EFH
51
Almir CHAIBAN E.K.
Marcelo do Prado Ramos de Melo
11pp.






31/05/2001

EFH
52
Ruth ALAIZ
Débora Renault Pereira de Medeiros
16pp.
01
02
OK c/restr.

OK
OK
06/06/2001
OK
EFH
53
GLADYS Sabina Ribeiro
Alexandre Vieira
23pp.




OK
OK


EFH
54
FRANCISCO JOSÉ S. Gomes
Emanoel Campos Filho
23pp.






25/05/2001

EFH
55
HEBE Maria Mattos de Castro
Simone Santana da Silva
26pp.





OK


EFH
56
Edgard S. LEITE
Renato







27/05, 01/06
e 02/06/2001

EFH
57
Carlos Eduardo MANHÃS
Andrea Garcia
16pp.





OK
04 e 06/05/2001
OK
EFH
58
Mário Jorge BASTOS
Márcio Luiz Mello Soares da Silveira
51pp.






10/06/2001

EFH
59
























EFH
60











EFH
61











EFH
62











EFH
63











EFH
64











EFH
65











EFH
66

ÍNDICE DA APOSTILA

Capa: ..................................................................................................... 001

PARTE I: DEFINIÇÕES de História Oral/ As 3 modalidades de H.Oral ....... 002

Definições de História Oral ................................................................. 003
As três modalidades de História Oral ................................................ 007

PARTE II: CRONOLOGIA / BIBLIOGRAFIA / Sites .................................... 012

História Oral no Brasil - Cronologia .................................................... 013
Bibliografia específica sobre a história da História Oral ................. 016
Bibliografia ........................................................................................... 018
Sites de interesse ................................................................................. 023

PARTE III: A ENTREVISTA ............................................................................... 024

Pré-entrevista ....................................................................................... 025
A entrevista propriamente dita: como realizá-la ............................ 026
Pós-entrevista passo a passo ............................................................. 028
Cronograma ........................................................................................ 030
Ficha de entrevista Projeto Fabricando História ............................. 031
Sumário - exemplo (Proj. Fado Tropical) .......................................... 033
Orientação acerca do comentário das entrevistas ...................... 034

PARTE IV: FICHAMENTOS dos textos: ............................................................ 035

Portelli, 1996: "A filosofia e os fatos" ................................................... 036
Portelli, 1991: "What makes Oral History different" ........................... 037
Portelli, 1997a: "Tryin to gather a little knowledge: some thoughts on the ethics of Oral History" .............................................................................. 039
Portelli, 1991: "The death of Luigi Trastulli: memory and the
event ............................................................................................................... 048
Portelli, 1991: "Uchronic dreams: working-class memory and
possible worlds" .............................................................................................. 052
Bourdieu, 1998: "A ilusão biográfica" ................................................ 057
Portelli, 1991: "The Best Garbage Man in Town: Life and Times
of Valtèro Peppoloni, Worker" ...................................................................... 059
Portelli, 1991: "Patterns of paternalism" ............................................. 070
Portelli, 1991: "No neutrals here: the cultural class struggle in
the Harlan Miners' Strike of 1931-32" ............................................................. 079

Portelli, 2010: "Éramos pobre, mas ... Narrar a pobreza na
cultura apalachiana ..................................................................................... 088
Pollak, 1992: "Memória e identidade social" ................................... 095
Bourdieu, 1983: "O campo científico" ............................................... 097

PARTE V: PROJETO FABRICANDO HISTÓRIA ............................................... 107

Histórico do projeto (esclarecimento aos professores) .................. 108
O projeto propriamente dito ............................................................. 109
Roteiro de entrevista ........................................................................... 111
Listagem dos professores já entrevistados ....................................... 114
Mapa geral do projeto ...................................................................... 117

ÍNDICE DA APOSTILA: ..................................................................................... 121

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