Aprendendo com Cingapura

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Aprendendo com Cingapura 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a taxa de homicídios no Brasil é de 26,2 por cem mil habitantes. A mesma fonte nos diz que em Cingapura ela é de 0,5, cinquenta e duas vezes menor. Se tivéssemos a mesma taxa deste país, muitas centenas de milhares de brasileiros não teriam morrido. Não estou falando de um ideal, mas de uma taxa que existe no mesmo planeta onde está localizado o Brasil.
Por que a diferença? A explicação começa na política, passa pelo papel e treinamentos dos juízes e da polícia, passa pela hegemonia política, e atravessa as políticas públicas relacionadas com as armas, as prisões e a duração das penas.
Comecemos conhecendo a história política recente de Cingapura, que era parte da Malásia, e se tornou independente em 1965. Formalmente, Cingapura é uma república parlamentar. Tinha um presidente formal, cerimonial até a Constituição de 1991, quando passou a ser eleito e a ter vários poderes. Atualmente, para entender Cingapura, o presidente tem que estar na equação; antes, não.
No papel, Cingapura é uma república parlamentar. Porém, o People's Action Party (PAP) é hegemônico desde a independência, em 1959. O PAP, depois de uma dissolução do Parlamento, chegou a ter 82 das 84 cadeiras e todos os ministérios. Temos muitas restrições a condições hegemônicas, mas a capacidade de implementar rapidamente políticas públicas não é uma delas. Porém, a velocidade é maior nas situações hegemônicas, mas a qualidade não. Ela facilitou a aprovação de políticas públicas com implicações legais para o crime. Sua implementação passa por etapas concretas, inclusive pelo poder dos juízes e pela eficiência da polícia, restringiu outros poderes e transferiu a condenação para outros loci: não obstante, as sentenças passam pelo poder discricionário dos juízes. Walter Woon é um comentarista político de Singapura que escreveu sobre as mudanças na aplicação, obrigatória por lei, da pena de morte em alguns crimes. O juiz deveria poder decidir entre a pena de morte e a prisão perpétua? A legislação, que é dura, impõe limites ao poder dos juízes. Nos casos em que não há pena obrigatória, os juízes decidem, mas não decidem sobre a condenação: decidem qual a pena. Nesse quesito a autonomia do juiz é grande: podem condenar o réu desde nada, nenhuma pena, até a pena máxima prevista para aquele tipo de crime.
E porque um criminólogo teria interesse em Cingapura? Exatamente devido à baixíssima taxa de crimes. Robert Winslow, da San Diego State University, escreveu um interessante resumo de Criminologia Comparada, com amplos dados. Usa dados da Interpol. Comparei esse país com o Japão (que tem taxas baixas) e com os Estados Unidos (que tem taxas altas).
Tomando um indicador confiável, furtos e roubos de veículos, em 2000 a taxa era de 5 em Cingapura; 44 no Japão e 414 nos Estados Unidos.
A segurança do cotidiano pode ser avaliada pelo Índice de Criminalidade usado pelo FBI, composto por seis crimes. Resultados: 504 para Cingapura, menos de um terço dos 1.710 do Japão, pouco mais de um por cento do valor do Índice para os Estados Unidos, que era de 4.124! A vida em Cingapura é quase cem vezes mais livre de crimes do que nos Estados Unidos!


Outra contribuição para a baixíssima criminalidade de Cingapura é a crescente resolução dos homicídios e a redução na impunidade. Em 1988, 78% dos 44 homicídios foram resolvidos pela polícia até o fim do ano. A maioria é resolvida rapidamente. Num período maior, a percentagem subiu para 81.
Não foi sempre assim: em 1969, a polícia solucionou apenas 44% dos homicídios. É uma percentagem satisfatória por padrões brasileiros, mas em Cingapura foi um atestado da incompetência policial, que ensejou mudanças radicais na polícia e na justiça. Hoje, os criminosos em perspectiva já não apostam na impunidade, como acontece em muitos países.
Esses fatores afetaram a taxa de homicídios: ela, que era baixa, ficou ainda menor: entre 1995 e 2000 baixou de 1,77 para 0,95 por cem mil habitantes.
Quando comparamos o Brasil com Cingapura vemos a magnitude das diferenças. No último ano com dados disponíveis comparáveis (entre 1990 e 1999), houve mais de vinte mil homicídios por jovens (de 10 a 29 anos) no Brasil, e apenas 15 em Cingapura. Vinte mil a quinze! As taxas nacionais de homicídio, de acordo com os critérios da OMS, foram de 26,2 por 100 mil no Brasil e apenas 0,5 em Cingapura.
Por que tanta diferença entre os dois países?
O papel das armas de fogo não pode ser minimizado. Há pouquíssimos homicídios em Cingapura, e os com armas de fogo são ainda menores. A percentagem sobre todos os homicídios, dos que usaram armas de fogo é de 2,6 em Cingapura, em comparação com 40% nos Estados Unidos e 45% na Colômbia. Parte importante da diferença se deve ao fácil acesso a armas de fogo nos Estados Unidos e na Colômbia, em comparação com Cingapura. Voltando à comparação com o nosso Brasil, vemos que o Brasil é um caso extremo: de 1999 a 2008, houve 478.369 homicídios no país. Desses, 70% foram com armas de fogo. Se, no Brasil, a percentagem dos homicídios com armas de fogo fosse igual à de Cingapura, mais de 322 mil pessoas não teriam morrido dessa maneira.



Os dados brasileiros foram calculados a partir do DATASUS e do Censo

Outro fator polêmico se refere às prisões. Enquanto a "linha mole" afirma que há prisioneiros demais no Brasil, 169 por 100 mil, a "linha dura" argumenta que em Cingapura a taxa é 388. A taxa brasileira é menos da metade do que em Cingapura, 44%, parte do sucesso no controle do crime residiria na alta taxa de encarceramento.



Há muitas diferenças institucionais e entre as políticas públicas adotadas nos dois países. Devem ser estudadas em profundidade. Esse artigo se limita a chamar a atenção para um caso exitoso de prevenção, combate e redução do crime: Cingapura.
 
 
GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ
















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