APRENDER FAZENDO: O DESAFIO DE PLANEJAR E DESENVOLVER UM CURSO EM AMBIENTE VIRTUAL COMO ESTRATÉGIA PARA APRENDER A FAZER EaD

May 28, 2017 | Autor: Daniela Serra | Categoria: Tecnologías de la información, Ambientes virtuais de aprendizagem
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APRENDER FAZENDO: O DESAFIO DE PLANEJAR E DESENVOLVER UM CURSO EM AMBIENTE VIRTUAL COMO ESTRATÉGIA PARA APRENDER A FAZER EaD

Simão Marinho, Wolney Lobato, Danilo Abdala, Patrícia Araújo, Margarida Câmara, Alessandra Marinho, Helenice Santos, Jorge Schulman, Daniela Serra, Geisa Mendes Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Brasil [email protected] [email protected]

A aplicação das novas tecnologias de informação e comunicação [TIC], mais especificamente as tecnologias digitais [TD], em novos cenários de educação ainda está longe de alcançar os níveis para ela potencializados. A simples disponibilidade dessas tecnologias nas escolas por si só não garante e nem garantirá o uso dessas ferramentas e, o que é mais importante, o seu uso adequado (Marinho, 1998). Certamente essa adequação virá na medida em que os profissionais da educação se tornem mais competentes para selecionar as ferramentas e adequá-las aos projetos pedagógicos nas mais diversas áreas do saber. Enquanto a escola, da educação básica, que atende crianças e jovens, ao ensino superior, ainda se vê enfrentando problemas para incorporar a TD nos processos de ensino-aprendizagem, surge a questão d o s ambientes virtuais como novos espaços ou estratégias para a educação a distância [EaD], na organização de comunidades virtuais de aprendizagem, seja na formação continuada, seja como suporte à chamada educação presencial. A EaD não é coisa nova. Mas agora temos para ela uma nova realidade, trazida pelo uso de computadores interligados na Internet que lhe oferecem um novo suporte, no surgimento de salas de aulas virtuais, “salas de bits” para um ensino on-line, contrastando com a antiga “sala de tijolos”. Os conceitos de curso e aula precisarão estar sendo revistos. (Moran, s.d). Diante desse novo cenário, a universidade não pode se manter distante e indiferente, principalmente quando pela primeira vez no Brasil, de forma explícita, a EaD consegue o status de modalidade integrada ao sistema de ensino, por conta da Lei 9.394/96, como parte de um amplo e contínuo processo de mudança na educação do País. (Neves, 2002). E essa nova realidade, como bem destaca Camas (2002), “torna cada vez mais necessária a compreensão da atuação do professor no ensino superior em contextos educacionais que utilizem as ferramentas tecnológicas de informação e comunicação.” Mas pouco tem sido feito e pouco se tem investido nos profissionais da escola que devem utilizar essas ferramentas nos processo educativos (Azevedo, s.d.). Possivelmente haverá concordância em que a EaD não poderá ou deverá ser tratada, principalmente no Brasil, como uma questão meramente técnica ou de opção ou não por uma prática, digamos, moderna de formação. A EaD, no nosso país, deverá ser entendida, antes de tudo, como uma importante opção social e política. Trata-se, pois, de questão complexa e que seus resultados vão depender do atendimento de uma série de exigências. Dentre elas se destaca a necessidade da formação de docentes capazes de planejar, desenvolver e avaliar projetos de EaD, principalmente os realizados em ambientes virtuais de aprendizagem. Modelos em EaD Duart & Sangrà (1999) reconhecem três modelos organizacionais básicos de EaD, diferenciados pelo centro da ação. Existe o modelo centrado no professor, o centrado na tecnologia e aquele centrado no aluno. No modelo centrado no professor, a ênfase está no docente. É o ensino a distância, com a ênfase colocada no papel do professor, que ensina embora à distância. Sua principal característica é que está baseado na transmissão de informação, adotando-se apenas uma ferramenta tecnológica como suporte para essa transmissão. Esse modelo repete a abordagem pedagógica do chamado ensino presencial. Por se tratar de uma prática antiga na escola, não é inconseqüente imaginar que, se vários cuidados não forem tomados, essa tenderá ser também a prática dominante na EaD em ambiente virtual. Muitas escolas estão se limitando a transpor, para o ambiente virtual, adaptações de seus cursos e aulas, aulas multiplicadas e disponibilizadas, com o predomínio de interação “fria” (Moran s.d.). Essa constatação não deve causar espanto. Afinal de contas, os professores foram formados nessa abordagem, nela vêm desenvolvendo sua ação pedagógica, enfim, nela estão acostumados. É a cultura da escol.a atual, cultura que agora se virtualiza, que alcança o ciberespaço.

No modelo centrado na tecnologia, como a própria denominação sugere, a importância é dada à ferramenta adotada; ao professor e aos alunos caberia um papel secundário. O professor seria o fornecedor de conteúdo e os alunos seus utilizadores. Nesse modelo, a tecnologia teria o papel de “transmissor de conhecimento”. O modelo centrado no aluno é, para Duart & Sangrà (1999), uma tendência atual das instituições. Na discussão de novos paradigmas em educação (Moraes, 1998), reconhece-se a importância do processo estar centrado no aluno, construtor do conhecimento, e não no professor que, nem por isso perderá sua importância (Marinho, 2002). Contudo, para Duart & Sangrà (1999), esse modelo é ainda mais uma intenção, uma vontade, do que uma prática real. Certamente essa questão de ser mais intenção do que prática cotidiana tem razão de ser no despreparo dos professores para atuarem como moderadores de aprendizagem, pela sua incapacidade de criarem estratégias de aprendizagem. A prática docente dominante, da educação básica à pós-graduação stricto sensu é a da transmissão, na oralidade, de conteúdos para os alunos. É um modelo unidirecional, com o professor, ator principal, como emissor, e os alunos, secundários, como receptores. Em se tratando de prática antiga, arraigada, uma mudança que possa levar à adoção de modelo de educação baseado no aluno ainda é esperança. O modelo centrado no aluno teria suas bases na auto-formação e na auto-aprendizagem dos alunos (Duart & Sangra, 1999). E, com certeza, é o modelo mais adequado para ambientes virtuais de aprendizagem, onde o foco deve estar na aprendizagem e, portanto, no aluno. Haverá, pois, de se pensar na adoção desse modelo também nas ações que visam a preparação de docentes para que possam atuar nos espaços virtuais de aprendizagem. Uma portaria, suas implicações e desafios O Ministro da Educação brasileiro, através de um instrumento normativo, a Portaria 2253, de 18/10/2001, autorizou as instituições de ensino superior, credenciadas como universidades ou centros universitários, a modificarem o projeto pedagógico de seus cursos superiores reconhecidos para oferecer disciplinas que, em seu todo ou em parte, utilizem método não presencial. (Brasil, 2001) Segundo a referida Portaria, essas disciplinas não poderão exceder a vinte por cento do tempo previsto para integralização do currículo. Ainda de acordo com esse instrumento normativo, “até a renovação do reconhecimento de cada curso, a oferta de disciplinas previstas [...] corresponderá, obrigatoriamente, à oferta de disciplinas presenciais para matrícula opcional dos alunos”. Uma leitura mais atenta dessa Portaria mostra que a questão que se coloca para as instituições de ensino superior não é a de fazer necessariamente uma opção por uma educação a distância em detrimento do antigo modelo, presencial. Se em alguns casos a educação a distância continuará sendo oferecida, principalmente numa perspectiva de formação continuada, para aquele estudante que não pode estar indo à escola por questões de espaço [distância] ou tempo [disponibilidade], os alunos do curso superior estarão se confrontando com uma proposta de educação que se organizará num misto do modelo presencial, com alunos e professores numa sala de tijolos, em determinados horários na semana, com o novo modelo de EaD, virtual, na “sala de bits”, cada um sua casa, no seu tempo, conectado na Internet. Há mesmo quem antecipe que o virtual provavelmente superará o presencial nos cursos médios e superiores (Moran, s.d). A educação superior brasileira estará, em mais ou menos tempo, fazendo com que coexistam dois modelos de escola numa só formação, momentos de educação presencial que se integram aos momentos da educação a distância. Quanto mais as novas TIC de base digital forem interpenetrando nossa cultura, tanto mais elas deverão estar sendo incorporadas nos processos de ensino e de aprendizagem. O que se pode antever, sem muita dificuldade, são essas tecnologias de base digital complementando, como forma de educação a distância, a assistência regular que o professor oferece na chamada aula presencial. Essa evidência ou tendência, traz um desafio enorme para as universidades: a capacitação docente para lidar com essas tecnologias digitais, seja enquanto recursos auxiliares na aula presencial, seja como base para a educação a distância. O fato de que, há mais de vinte anos as tecnologias digitais, de alguma forma, estão presentes, em maior ou menor grau, com mais ou menos resultados, nas escolas brasileiras, pouco afetou a formação inicial dos professores. A licenciatura, matriz dos professores, pouco ou, principalmente, nada fez ou faz para preparar os futuros profissionais do magistério para o uso adequado das TD nos processos de aprendizagem de seus alunos. Um dos motivos para isso é, com certeza, o fato de que os professores das licenciaturas ainda não são capazes de incorporar as TD na sua prática docente; não foram “digitalmente alfabetizados” e possivelmente nem o pretendem ser. Ocorreria assim uma tecno-ausência na formação dos professores, cuja superação se mostra árdua tarefa para a universidade (Marinho, 2000). Outros fatores se associam a esse para impedir ou pelo menos dificultar a incorporação das TD na formação inicial dos professores.

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E se preparar o professor para lidar com o computador é coisa quase que impossível, hoje, na licenciatura, como ficará a formação dos docentes que atuarão em ambientes virtuais, atuando como mediadores de comunidades virtuais de aprendizagem? Se a escola está mudando, os cursos que formam professores precisam, urgentemente, passar por mudanças radicais. A universidade, que não forma professores para lidarem com a TD na escola e não tem professores capacitados para incorporarem a TD na formação desses futuros professores de repente se vê na oportunidade ou necessidade de adotar estratégias de EaD na formação de seus alunos. E essa possibilidade traz preocupações. Não fica difícil imaginar o problema com o qual estamos já nos defrontando: aqueles professores que, de maneira geral, fizeram até agora um ensino tradicional, de base instrucionista, marcado quase que exclusivamente pela transmissão de informações para os alunos e aulas expositivas, agora serão “ciberdocentes”. Sim, porque a universidade dificilmente vai deixar passar a oportunidade criada pela Portaria 2253/MEC, não só porque talvez, inevitavelmente, esse seja caminho, mas até porque a perspectiva de aumentar o número de seus alunos sem ter que construir uma só sala de aula certamente soará como uma oportunidade tentadora. Assim, a universidade que ainda não prepara os futuros professores para lidarem com as TD na educação tem novos desafios: preparar os futuros professores, na formação inicial, para desempenharem sua função em ambientes virtuais, novos cenários de educação onde estarão atuando, e preparar seus próprios docentes, numa formação continuada, em serviço, para poderem também atuar nesse novo ambiente, fazendo EaD para os alunos da graduação, em que cursos estejam. Muitos docentes e possivelmente muitos gestores de universidades poderão pensar que para ser professor num ambiente virtual bastará ao indivíduo dominar um conteúdo e ter intimidade com o computador e com a Internet. A virtualização das escolas não será fácil assim; ingênuo será quem acreditar nisso. E essa virtualização, para que seja feita de forma a agregar valores à educação dos alunos, exigirá uma formação docente orientada para o novo cenário de educação. Ainda predomina, inclusive no ensino superior, uma educação essencialmente baseada na comunicação oral, onde o professor atua como emissor e o aluno, passivo, nada mais é do que um receptor. A educação no ambiente virtual exigirá de pronto uma mudança – passaremos de um paradigma predominantemente oral para um predominantemente escrito. Hábitos desenvolvidos dentro de um paradigma, arraigados nos sujeitos, não serão facilmente abandonados pelos professores. Sem formação, os novos docentes no ciberespaço levarão para lá a mesma lógica que permeia sua atual prática na chamada educação presencial – colocarão, nos textos, que serão vistos em tela, a sua fala atual; continuarão emissores e apenas terão agora mais distantes os receptores. Uma outra mudança está na mudança do foco do ensino para a aprendizagem. Ensinar no espaço virtual – e, na verdade, não só nele – será algo diferente do que tem sido, exigirá uma nova postura, novos processos. Será ressignificado, pois, o papel do professor. Essa mudança também não se dará sem uma formação, sem que os professores sejam preparados para a nova função docente. Contudo será ingenuidade acreditar que todas as universidades estarão assumindo integralmente a responsabilidade de preparar seus docentes para que possam desempenhar sua função também em ambientes virtuais, na virtualização de disciplinas e cursos. Provavelmente caberá à maioria dos docentes do ensino superior, assumir, por conta própria, a responsabilidade pela formação que o capacite a atuar em ambientes virtuais de aprendizagem. Mas estarão sendo oferecidos cursos para isso? Como ficará a questão dos custos dessa formação para os professores? Terão eles disponibilidade de tempo para freqüentarem os cursos? Os cursos conseguirão atender às suas necessidades, tendo em vista seus contextos de atuação docente? Uma alternativa para essa formação, que reduziria custos e teria ainda a vantagem da contextualização, já que usaria a própria escola como espaço de formação (Kullok, 2000), poderia estar na auto-organização dos professores em grupos para que possam desenvolver as novas competências e habilidades necessárias para atuar em espaços virtuais de aprendizagem. No grupo, num trabalho cooperativo, possivelmente interdisciplinar, os docentes agregariam saberes, suas atuais competências e habilidades, de modo que, com a soma das contribuições trazidas por cada um, construiriam capacidade de atuar em ambientes virtuais de aprendizagem. Para testar essa possibilidade, em 2002 definiu -se pela organização de um projeto com diversificados objetivos, no Programa de Pós-graduação em Educação da PUC Minas. Uma concepção de formação num Programa de Pós-graduação O Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Geras, PUC Minas, implantado em 1998, já em 2000 criava uma linha de pesquisa em Educação, ciências e tecnologias, onde um eixo temático sobre educação e tecnologias digitais foi definido, um caminho na área de concentração do Mestrado que é o saber docente e a formação escolar.

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Nos projetos de pesquisa desse eixo, incluindo os de alunos e alunas do Mestrado em Educação para as suas dissertações, a questão da formação de recursos humanos capazes de utilizarem a TD de forma a agregar efetivamente valores na formação dos alunos tem sido preocupação principal. Os novos cenários da educação, nos quais se destacam a possibilidade e/ou necessidade de criação e consolidação de comunidades virtuais de aprendizagem, apontavam a necessidade de trazermos, como objeto de reflexões, temas de cursos e disciplinas e motivos para projetos de investigação, a questão das alternativas de EaD com base em TD. Estávamos convencidos de que precisávamos investigar sobre EaD, principalmente a desenvolvida no ambiente virtual, que não pode ser visto como “um mero recurso, mas um instrumento diferenciado e singular que propicia a representação do pensamento, a interação recursiva, a construção do conhecimento, a troca de informações e experiências, permitindo visualizar e refletir sobre o caminho epistemológico“ (Almeida, M. E., 2001, p.25). E investigar EaD no ciberespaço significava também buscar alternativas para a formação de docentes que possam atuar na “sala de bits”. De acordo com a proposta no Programa, um docente deve ser formado para se responsabilizar por projetos de educação que atentem para novas realidades sociais. E nessa formação contemporânea dos docentes não se pode deixar de atentar para o fato de que o perfil do profissional de educação vem sofrendo mudanças significativas, submetido a uma ressignificação (Marinho, 2002; Moran, s.d.). Para nós, qualquer proposta de formação de professores, seja na inicial, seja na continuada, deverá levar em conta alguns princípios ou condições, dentre os quais destacam-se a autonomia; a capacidade investigativa; a relação teoria-prática; a ação cooperativa, numa formação marcada pela partilha do saber; a necessidade constante da capacidade crítica e o exercício da criatividade. O Projeto EAAV Na perspectiva de criar espaço de formação e investigação em EaD em ambiente virtual, implantou-se, em 2002, o Projeto Educação Ambiental em Ambiente Virtual - EAAV. É uma proposta interdisciplinar envolvendo dois eixos temáticos da linha de pesquisa “Educação, ciências e tecnologias” do nosso Programa de Pós-graduação: Educação e Tecnologias Digitais e Educação e Ciências do Ambiente. Decidiu-se por uma ação interdisciplinar, somando aqueles que de alguma maneira, enquanto usuários ou pesquisadores, já estão envolvidos com a TD nos processos de aprendizagem, com aqueles que têm a educação ambiental como foco de suas reflexões, pesquisa e estudos. Educação ambiental é, com certeza, uma questão interdisciplinar; TD na educação é, sem dúvida, uma questão de qualquer professor. Foram reunidos e desafiados licenciados em Biologia, Geografia e Pedagogia, graduados em Comunicação, Serviço Social e Turismo, para, como recomenda Almeida (2000, p.10), extrair “a interdisciplinaridade de sua inocente abordagem que crê que basta um tema ser discutido por diferentes professores de áreas distintas para que ela surja como por mágica”. O projeto tem como objetivo central verificar uma alternativa de formação de docentes, que hoje atuam em diferentes níveis da educação presencial, alunos do Mestrado em Educação, para que possam atuar em ambientes virtuais de aprendizagem. O objetivo é testar a possibilidade de uma auto-formação, em grupo, por isso não se justificaria a oferta de um curso presencial, à distância ou misto, uma estratégia ou percurso mais ou menos natural quando se fala em educação contínua. Optou-se por colocar um desafio, que é a “alma” do projeto: os alunos têm planejar, organizar e oferecer um curso de formação contínua para professores de escolas públicas da educação básica em educação ambiental. Aprender pelo fazer, numa realidade concreta, é o que o Projeto propõe. Ensinar, função docente, é organizar situações de aprendizagem (Almeida, M, 2001); planejar e oferecer o curso é a situação que promove a aprendizagem, tarefa de alunos. Julgou-se conveniente que os alunos trabalhassem, no Projeto, sob uma perspectiva da andragogia (Knowles, 1990). Dessa forma, cabe aos docentes do Programa desempenhar o papel de facilitadores, dar apoio e suporte, enquanto a responsabilidade pela aprendizagem recai, em maior medida, sobre os próprios aprendizes. Criar o curso e oferecê-lo é responsabilidade principalmente dos alunos, pois esse é o saber que construirão. Adota-se a estratégia da solução de problema: dar conta do curso é o problema que deve ser resolvido de forma cooperativa e interdisciplinar pelos alunos, numa formação que é reflexiva, praxiológica e emancipatória. A solução de problema enquanto recurso de aprendizagem se mostra bastante adequada, principalmente quando se trata de formação de adultos. Para resolver o problema que o desafia, o aluno é obrigado a lançar mão de conjunto de dados que domina - o que sabe – e confrontá-lo na situação que por outro lado cria problema - o que ele não sabe. Trata-se de um jogo presença/ausência de conhecimento/ignorância que suscita o desejo e põe o sujeito em ação numa tarefa que ele não pode realizar sem que efetue uma aprendizagem precisa. E exatamente essa aprendizagem é o verdadeiro o objetivo da situação-problema, aprendizagem que se dá quando aluno vence o obstáculo na realização da

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tarefa (Meirieu, 1998). E nesse desafio, o aluno, na interação, se desestabiliza e se reestabiliza por conta de alterações introduzidas pelo professor. E é nessa interação que se constrói, muitas vezes irracionalmente, a racionalidade. Por força dos dispositivos regimentais, na observância da organização curricular, o projeto está estruturado na forma de disciplinas de inscrição/matrícula optativa, denominadas tópicos especiais. O Projeto prevê seis tópicos especiais, dois no 2o semestre letivo de 2002, dois no 1o semestre de 2003 e mais dois no 2º semestre de 2003. O primeiro tópico tratou dos fundamentos da EaD. Ali se discutiu desde a história da EaD, passando pela legislação brasileira sobre o assunto, até as formas mais atuais, nos ambientes construídos no ciberespaço. No Tópico II, o planejamento de cursos à distância foi o tema. Procurou-se principalmente discutir a viabilidade de uma estratégia de planejamento por objetivos, a partir dos quais se definem temas a serem abordados, metodologias de aprendizagem, formas de avaliação e materiais a serem utilizados. Era o momento do design do curso. Discutiu-se do objetivo à avaliação da aprendizagem, passando por público-alvo, material e estratégias para a aprendizagem. Ainda nesse Tópico, vários ambientes virtuais foram analisados numa perspectiva de conhecer os recursos que oferecem aos professores e alunos. Ainda no desenvolvimento desses dois tópicos iniciais, atividades em ambientes virtuais foram adotadas, como seminários, de modo que os alunos, responsáveis pela futura organização de um curso sobre educação ambiental, pudessem estar criando maior intimidade com os elementos desse novo cenário, potencializando seus eventuais usos, avaliando possíveis riscos e analisando todas as implicações possíveis. Por uma questão estratégica, já que o curso a ser organizado será oferecido para professores de escolas públicas sem que isso represente qualquer ônus para eles, a equipe do projeto foi orientada a utilizar, preferencialmente, material já disponível na Internet, evitando à coordenação do projeto despesas com gravação de CD e impressão de material e com seu envio e, para o cursista, despesas com aquisição de livros. Certamente essa opção pode ser questionada. Mas foi uma opção para procurar atentar para uma realidade e que também serviu para evitar que os alunos, responsáveis pela oferta do curso, sucumbissem à tentação de produzirem os textos a serem utilizados, fazendo uma transposição, para o papel, daquilo que seria sua fala num curso presencial tradicional. O fato de que os encarregados do curso têm que estar buscando na própria WWW as fontes de informação a serem utilizadas, pelos cursistas, como material referencial traz a vantagem de obrigá-los a buscas na rede e ao exercício da capacidade crítica sobre qualidade e adequação dos textos. O 3o Tópico, em oferta no início de 2003, é o da organização de todo o material a ser utilizado no efetivo desenvolvimento do curso, a definição pelas estratégias de aprendizagem a serem adotadas e a seleção dos recursos do ambiente virtual a serem utilizados. Também é o momento da integração entre os diferentes módulos de aprendizagem que comporão o currículo do curso. O 4o Tópico, em desenvolvimento no 1o semestre de 2003, trata especificamente da avaliação da aprendizagem dos alunos no curso. Uma discussão ampla sobre avaliação, não se restringindo a ambientes virtuais, é o foco desse Tópico, na perspectiva de definição dos procedimentos que serão adotados. O Tópico de número 5 será o da efetiva oferta do curso. O último tópico cuidará da avaliação final do projeto. Pretende-se que essa avaliação, que caberá em grande parte aos alunos do Mestrado que farão os recortes que mais lhe interessam ou lhe aguçam, venha a integrar o relatório final do projeto, que se pretende na forma de um livro a ser publicado. Cada dupla de alunos do Mestrado envolvidos no projeto – são oito alunos, em quatro duplas – estará responsável pela oferta de um módulo de aprendizagem. Cada uma dessas duplas deverá produzir um capítulo para o livro que se pretende ver publicado até 2004. O ambiente virtual Para a oferta do curso, optou-se pelo ambiente Learnloop, um projeto de código aberto/Open Source (GPL), cuja primeira versão foi desenvolvida pelo Viktoria Institute, em conjunto com o The Council For IT in Education, da Gothenburg Business School, Göteborg University, da Suécia. Há mais de dois anos, o Learnloop vem sendo modificado e adaptado pela equipe do Laboratório de Projetos do Instituto de Informática da PUC Minas. O Learnloop vem sendo usado, na PUC Minas, pelos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Ciência da Informação como uma ferramenta para combinar EaD e educação presencial. Foi, para o Instituto de Informática, uma opção para resolver os problemas de comunicação entre professores e alunos em disciplinas de cursos presenciais. O ambiente permite que, através das páginas das disciplinas, os alunos tenham conhecimento de todos os textos utilizados, exercícios sugeridos pelo professor, calendário de programação de seminários e

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outras atividades. Além disso, o Learnloop vem sendo utilizado para patrocinar o intercâmbio de experiências entre os vários campi e unidades da PUC Minas. O projeto EAAV seria o primeiro, na PUC Minas, a utilizar o Learnloop apenas como ambiente para EaD. De interface amigável, bastante intuitiva, o ambiente permitiu aos alunos do Mestrado, professores encarregados do curso a ser oferecido em ambiente virtual, o perfeito domínio de seus recursos, com pouco se exigindo em termos de suporte. A equipe do Instituto de Informática desenvolveu um tutorial sobre o ambiente que permite ao usuário docente eleger recursos e prepará-los para uso sem maiores dificuldades. Além disso, os relatos apontam uma grande facilidade de uso do ambiente por alunos. Essas facilidades, tanto para o docente como para o discente, pesaram na opção pelo ambiente. Também influenciou fortemente na opção pelo Learnloop o fato de não exigir qualquer pagamento por conta de direito de propriedade. Essa economia, que não é possível em outros ambientes, é um aspecto essencial no projeto, haja vista que o compromisso era de oferta de um curso sem custo para os alunos, professores de escolas públicas. Por ser ambiente/sistema de código aberto, O Learnloop se mostra também muito indicado no projeto por permitir que alguns recursos sejam incorporados à sua estrutura de forma a atender às necessidades do curso, nas demandas dos professores. Impactos iniciais do Projeto Embora o Projeto ainda não tenha sido concluído, a avaliação do processo de seu desenvolvimento permite identificar, quando se levam em conta os impactos sobre a prática de organização para a autocapacitação, facilitadores e dificultadores, que podem ainda ser categorizados a nível individual, que diz respeito às características de cada membro do grupo, sua prática nele, sua história e seus saberes, e coletivo, quando emergem da própria ação do grupo. Entre os facilitadores identificaram-se o sentimento de equipe, com cada membro do grupo se sentindo efetivamente parte dele, sujeito de ações individuais e coletivas; a disposição para a cooperação, entendida na perspectiva de fazeres múltiplos com um objetivo comum compartilhado; uma autodisciplina, tanto na ação individual, como na coletiva, numa liberdade responsável perante a si mesmo e o grupo; a disponibilidade para trocas recíprocas e a intimidade com as tecnologias digitais. Ajudam ainda na construção de um projeto como esse, que seus atores tenham uma certa facilidade de comunicação, principalmente caracterizada pela clareza, e uma disponibilidade para um diálogo crítico. São importantes ainda o exercício das habilidades individuais em benefício da ação coletiva. Uma disponibilidade para aprender sempre, mas também um compromisso de ensinar em alguns momentos são elementos críticos numa prática da formação de si e do outro. Por outro lado, alguns dificultadores puderam ser registrados. Um deles é a comunicação entre sujeitos com formação inicial distinta, com suas linguagens próprias e com olhares com vieses distintos para um mesmo objeto, como fruto dessa formação. Tensões de ordem emocional, aliadas às questões educacionais, tais como compreensão clara dos objetivos do projeto, rompimento de paradigmas e sintonia dos participantes com a proposta de trabalho, podem comp rometer o trabalho cooperativo. Nota-se uma tendência à manutenção de práticas arraigadas que se fazem hegemônicas, e seu rompimento não é fácil, principalmente quando o tempo é curto. O fato de ser um trabalho cooperativo, que se estrutura a partir de ações também isoladas, exige um grau de confiança muito grande entre os participantes. Certamente existem ritmos e motivações diferentes que devem ser respeitados, desde que não comprometam a ação coletiva. Sem despersonalizar os atores, cuidados devem ser tomados para assegurar um ambiente de confiança mútua. Por exemplo, a ausência freqüente de algum membro nos encontros periódicos do grupo de trabalho pode gerar uma desconfiança na capacidade desse sujeito cumprir suas tarefas em tempo e na forma adequados, tarefas que se articulam com as dos demais colegas grupo. Por isso, passa a ser tarefa de todos, embora podendo constranger a uns e outros, a chamada às responsabilidades, no cumprimento dos prazos das tarefas e no assegurar de sua qualidade. Cada membro de um grupo o monitora e é por ele monitorado. Isso não significa quebra nem desconsideração da autonomia, mas uma chamada para um prática autônoma que se integra e é também condicionante da ação coletiva e de seus resultados. Considerações finais O projeto tem como referencial uma tríplice articulação: a teoria, a pesquisa e a formação. O projeto é também rico porque articula os pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão. Constitui-se como espaço de ensino-aprendizagem, pois enseja formação contínua de docentes em diferentes níveis, os alunos do Mestrado e os professores das escolas públicas a serem envolvidos no projeto, e também formação inicial, de alunos de licenciatura, integrados como monitores, um

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envolvimento considerado relevante. E se trata de aprendizagem transformadora (Palloff & Pratt, 2002), baseada na reflexão e interpretação de experiências, numa formação reflexiva (Schön, 1999). É pesquisa, na qual o objeto de investigação vem a ser a própria prática do docente. Mas não uma prática anterior e sim uma prática que se constrói na medida em que o projeto avança. É a prática do próprio pesquisador, enquanto administrador, professor, educador. O projeto cria espaços e oportunidades de pesquisa, oferece como objeto de investigação aspectos inéditos sobre ambientes virtuais e formação docente. Pesquisa e formação docente aliadas, inclusive porque pesquisa é princípio educativo. Pesquisa necessária para a formação crítica, para que se desenvolvam habilidades criativas e uma capacidade de tomada de decisões. Pesquisa como atitude cotidiana de aprender a aprender, do saber pensar para melhor agir (Arouca, 2001. p.87). Mas o projeto é também extensão, estreitando os laços entre a universidade e a comunidade, contribuindo para a educação fundamental na formação de docentes de escolas públicas. É uma estratégia de formação técnico-científica que atenta para as exigências do mundo do trabalho, numa perspectiva ética e humanística que enxerga, acima de tudo, o cidadão do mundo atual, da Sociedade da Informação. E o projeto é também aventura. Adentramos “mares nunca dantes navegados”. E o interessante é que descoberta de “novos mundos” se dá quando o objeto da investigação é o ambiente virtual, de base na Internet, o novo espaço dos navegantes. Busca-se, com esse projeto, uma auto-formação contínua dos docentes, num fazer cotidiano. No Projeto, os alunos têm que construir seu próprio objeto de estudo, que também é seu objeto de pesquisa. O desafio é aprender a fazer, fazendo, construindo a ponte entre o velho e o novo, buscando na escola que já existe os alicerces de uma nova educação. Mas toda essa construção definitivamente não é fácil. Como seria de se esperar, a reunião de indivíduos com histórias de formação tão diversas ao mesmo tempo em que desafia, cria obstáculos que, por vezes, fazem os atores e autores do projeto pensarem que ele não será possível. Trabalho interdisciplinar quando não banalizado não é fácil como pode supor alguém. São várias as barreiras, mas jamais poderão ser vistas como intransponíveis, sob o risco de se inviabilizar qualquer projeto de autoformação. O Projeto é marcado pela elaboração própria, no coletivo a partir do individual, e pela capacidade de intervenção. São as atitudes do aprender a aprender e do aprender fazendo como processos educativos emancipatórios, práticas que de maneira geral estão ausentes da educação tradicional. São novos fazeres, que desafiam inclusive por conta da própria historicidade de cada sujeito do Projeto. É o desafio concreto de ter que identificar a essência do novo e fazê-lo a partir do velho. É o aprendiz se desafiando e construindo estratégias para vencer esses desafios. O Projeto busca que seu atores e autores enxerguem as possibilidades que se abrem para a educação numa sociedade fortemente marcada pelas tecnologias, pensando nas formas de incorporá-las evitando o risco de apenas virtualizar uma escola que se mostra inadequada para o seu tempo. Sim, porque as diferenças entre a sala de aula tradicional e a virtual são muito mais comple xas do que se pode imaginar, são maiores do que alguns querem fazer acreditar. Referências bibliográficas Almeida, F. J. (2001) Aprendizagem colaborativa: o professor e o aluno ressignificados. In: ALMEIDA. F. J. (Coord.). Educação a distância: formação de professores em ambientes virtuais e colaborativos de aprendizagem – Projeto NAVE. São Paulo: s.n. p.9-19. Almeida, M.E. B. de. (2001). Formando professores para atuar em ambientes virtuais de aprendizagem. In: ALMEIDA. F. J. (Coord.). 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