Apresentação \"Carreira docente universitária: da precaridade à estabilidade\" - 2014

July 15, 2017 | Autor: Sofia Vale | Categoria: Angola, University, Presentation of Paper in a Seminar, Universidade
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CARREIRA UNIVERSITÁRIA: DA PRECARIDADE À ESTABILIDADE1

Sofia Vale2

Caros colegas, Ao ser convidada para participar neste ilustre evento, convite que muito me honra e que desde já agradeço, fui desafiada pela direcção da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto a abordar o tema da estabilidade da carreira universitária. Mas a questão que imediatamente se me colocou foi a seguinte: em que radica a estabilidade da carreira docente universitária? Para responder a esta pergunta, importa reflectir (hoje, volvidos que estão 35 anos sobre a criação da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto) sobre qual é a função de um docente universitário e quais são as condições que lhe devem ser asseguradas para que bem realize as tarefas de que está incumbido. Para mim, a raiz da estabilidade, mote das intervenções deste painel, não é visível numa dada conjuntura, só o podendo ser através da apreensão da estrutura. E a estrutura importa continuidade e coerência, bem como a construção de linhas de actuação de longo prazo, definidas em função de um rumo previamente gizado, cujos alicerces são os nossos princípios fundamentais e os nossos valores. Uma vez que nos encontramos na Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto que, com muita honra, transporta consigo o nome do fundador da nação angolana, entendi por bem revisitar o pensamento do Presidente Agostinho Neto, expresso nos seus variados escritos, discursos e poemas, para aqui hoje, convosco, reflectirmos em conjunto sobre os valores e os princípios que têm guiado a actuação dos docentes universitários em Angola, e que se espelham Intervenção proferida no âmbito do “Colóquio Internacional Investigar, Ensinar e Praticar o Direito”, realizado pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Agosto de 2014, publicada na Revista Comemorativa dos 35 Anos da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto. 1

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Professora da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola.

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numa linha de continuidade na actuação das instituições onde tais docentes colaboram, constituindo, em meu entender, a Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto o exemplo mais acabado desta forma de estar na academia. Caros colegas, Qual é, então, a função de um docente universitário? Um docente universitário pesquisa, investiga e reflecte, no âmbito da sua área de saber, sobre os problemas com que se depara a sociedade em que está inserido, transmitindo, em primeira linha, aos seus alunos, as conclusões a que chegou sobre o modo como tais problemas podem e devem ser ultrapassados. Como diria Agostinho Neto, “A responsabilidade e as tarefas são grandes. Por onde começar? Ou por onde continuar?”3.“Mas olha à tua volta/ abre bem os olhos/ vês?/ Aí está o mundo/ construamos.”4 Mais do que nunca, a academia de hoje não pode gravitar em torno de si mesma, o conhecimento não é apanágio de alguns eleitos, que apenas o difundem num circuito fechado. Ao invés, os docentes universitários têm a especial obrigação de tornar apreensível o conhecimento produzido na academia, não só para a generalidade dos seus estudantes mas também para os práticos que, em razão das funções que desempenham na nossa sociedade, estão em condições de implementar tal conhecimento, pondo-o em prática para benefício de toda a comunidade. A dialéctica existente entre a academia e a comunidade deve assegurar que a academia se dedica a reflectir sobre os problemas da comunidade e que o fruto dessa reflexão, dessa laboração, permitirá gizar soluções, apontar caminhos, que promovam a permanente evolução e a melhoria das condições socio-económicas da comunidade. Parafraseando Agostinho Neto, “somos o ritmo construtivo/ do novo/ […] / dos caminhos [ainda] sem nome”5.

Agostinho Neto, Discurso proferido no acto de posse dos novos membros da união dos escritores angolanos, em 08/01/1979, disponível em http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 4 Agostinho Neto, “Poema para todos”, poema disponível em http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 3

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E, se assim é, de que condições necessita então um docente universitário para bem exercer as suas funções? Necessita, seguramente, de condições materiais, para que possa realizar uma investigação científica séria, dedicada, isenta. A criação de adequadas condições materiais para o exercício da docência universitária tem vindo a ser, ao longo dos anos, uma das bandeiras empunhadas pelos professores que sucessivamente tiveram a seu cargo a direcção da Faculdade de Direito, e com quem tive a honra de trabalhar: Fernando de Oliveira, José Octávio Van-Dúnem, Raul Araújo e, agora, Carlos Teixeira. “Nas curtas horas realmente longas”6, das aulas de licenciatura, de mestrado ou de doutoramento, tem sido possível expor ideias com o auxílio de um computador e de um projector que permitem ao docente apresentar, em powerpoint, as suas aulas. Pode parecer coisa pequena, mas este é um exemplo emblemático da importância da actualização das condições materiais do nosso ensino ao sec XXI. Estamos a criar condições… Se queremos optimizar o resultado da investigação científica efectuada pelos nossos docentes, de modo a que a investigação já realizada sirva de base à que está em curso, temos de incentivar os docentes a escrever e promover a publicação dos seus trabalhos. Para além da Revista da Faculdade de Direito, pioneira, temos hoje também a Revista de Estudos Avançados, onde são publicados trabalhos realizados no âmbito das formações pós-graduadas. O constante incentivo do Prof. Carlos Teixeira, aliado ao dinamismo da Prof. Elisa Rangel, estão a dar frutos. Mas escrever, hoje, em Angola é ainda muito dispendioso. Vemo-nos forçados a viajar para recolher o material bibliográfico necessário ao nosso trabalho ou, em contrapartida, a passar temporadas relativamente longas em bibliotecas de universidades estrangeiras. Sem prejuízo da boa vontade das instituições, sempre dispostas a dar o seu contributo, estas deslocações só têm sido possíveis graças ao esforço dos próprios docentes. É preciso criar melhores condições…

Agostinho Neto, “Novo Rumo”, poema, 1950, disponível em http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 6 Agostinho Neto, “Nas curtas horas”, poema, disponível em http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 5

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Para escrever é preciso ter, acima de tudo, tempo: tempo para dedicar à investigação, tempo para reflectir. Na cidade mais cara do mundo, tempo é um luxo. Assegurar aos docentes universitários a integração nos quadros das respectivas instituições e a progressão na carreira docente, contribuirá certamente para que possam alocar mais tempo ao exercício da docência e ao desenvolvimento da nossa cultura académica. Vamos fazer com que tal suceda… Como nos ensina Agostinho Neto, “a cultura evolui com as condições materiais, e a cada etapa corresponde uma forma de expressão e de concretização dos actos culturais. A cultura resulta da situação material e do estado do seu desenvolvimento social.”7 Mas para além de condições materiais, um docente universitário necessita de condições, chamemos-lhes, intelectuais. Investigar, reflectir, propor soluções e implementá-las só é possível quando uma condição essencial se verifica: a liberdade. A liberdade de pensar, de aprender a pensar e de ajudar a pensar, que a nossa Constituição preconiza e que a Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto sempre assegurou. Se Agostinho Neto aqui estivesse hoje voltaria certamente a afirmar que o grande propósito da academia reside em “promover e difundir uma educação livre”8. Os estudantes são, por natureza, portadores de mentes esponjosas, que tudo absorvem. Cabe aos docentes universitários assegurar que tais mentes não se limitam a receber informação, problematizando-a, sobre ela reflectindo, contestando soluções que são a nossa certeza de hoje mas o apedeutismo de amanhã. Quão digna é a profissão que acende no firmamento, nas palavras de Agostinho Neto, “estrelas de brilho inevitável/ através do espírito”9. A Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto sempre procurou fomentar uma cultura do mérito. Sendo a pioneira faculdade pública que ensinava o direito, e durante largos anos, a única no país, coube-lhe identificar, dentre os seus estudantes, os mais empenhados, os mais sabedores, aqueles que estariam mais bem preparados para, no exercício da sua profissão, melhor assegurar a implementação dos princípios e dos valores da nossa comunidade. E assim

Agostinho Neto, Discurso proferido no acto de posse dos novos membros da união dos escritores angolanos, em 08/01/1979, disponível em http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 8 Agostinho Neto, Discurso na proclamação da independência de Angola, disponível em http://www.agostinhoneto.org. 9 Agostinho Neto, “Com os olhos secos”, poema disponível em http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 7

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o fazendo, seguia Agostinho Neto, quando este perguntava “Qual é afinal o nosso caminho? O que reconduz à correcta e legítima forma de reconstruir o nosso país, só pode ser um, o da igualdade, da justiça e da compreensão. […] Queremos fazer um país onde não haja lugar a qualquer espécie discriminação.”10 Caros colegas, Aqui chegados, e depois de eu já vos ter maçado em demasia com o que entendo ser a função de um docente universitário, bem como com as condições de cariz material e espiritual que me parecem essenciais para que a docência possa, de facto, ser bem exercida, resta-me tentar dar resposta à pergunta que inicialmente formulei: Em que radica a estabilidade da carreira docente universitária? Já vimos de longe, mas o caminho pela busca de melhores condições materiais para a prestação do serviço docente e para a realização da investigação científica em Angola, nunca terá fim. Os tempos mudarão e novas condições materiais, adaptadas a esses tempos, serão exigíveis e exigidas. Vamos todos empenhar-nos, atentas as nossas funções e atribuições, para que, no tempo em que se tornem necessárias, tais condições materiais sejam uma realidade. A estabilidade da carreira docente, como eu a entendo, radica pouco nas condições materiais, suportando-se, ao invés, no que designei por condições espirituais. A estabilidade da carreira docente assenta na liberdade de pensamento, de construção de ideias, na sua expressão e, consequentemente, na possibilidade conferida ao docente de as implementar. A liberdade de que falo é a plasmada no artigo 2º da nossa Constituição, quando afirma que Angola é um Estado Democrático de Direito, que, nas palavras de Agostinho Neto, se consubstancia na “garantia plena do livre exercício, por parte de cada um, dos direitos inalienáveis e das liberdades sagradas dos cidadãos livres de um país livre.”11 E não há, em meu entender, maior espaço para o exercício da liberdade do que a academia.

Agostinho Neto, Discurso proferido no âmbito do Acordo de Alvor, Portimão, 1975, disponível em http://blogdangola.blogspot.com/2012/02/historias-de-angola-discurso-de.html (consultado em 13.08.2014) 11 Agostinho Neto, Discurso proferido no âmbito do Acordo de Alvor, Portimão, 1975, disponível em http://blogdangola.blogspot.com/2012/02/historias-de-angola-discurso-de.html (consultado em 13.08.2014) 10

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A estabilidade de que um docente universitário mais carece está na certeza de que, no seu diaa-dia, faz acontecer o Estado Democrático de Direito, contribuindo para “a construção de uma sociedade justa e de um Homem Novo”12, palavras estas que, como bem sabem, não são da minha autoria. Muito obrigada pela vossa atenção.

Agostinho Neto, Discurso na proclamação da http://www.agostinhoneto.org (consultado em 13.08.2014) 12

independência

de

Angola,

disponível

em

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