“Apresentação do Livro ‘A Guerra no meio de Nós’ do General Loureiro dos Santos” (2016), Lisboa, Revista Segurança & Defesa nº 33, de Junho, pp. 37-39.

May 30, 2017 | Autor: Nuno Lemos Pires | Categoria: Historia, Relações Internacionais, Estrategia, Historia Militar
Share Embed


Descrição do Produto

Publicado na Revista Segurança & Defesa nº 33, de Junho, pp. 37-39.

Apresentação do livro da autoria do Sr. General Loureiro dos Santos (na FNAC/ Chiado em 14 de Janeiro de 2016):

A Guerra no meio de Nós Nuno Lemos Pires https://academiamilitar.academia.edu/NunoPires

INTRODUÇÃO Que honra, mas que exigência, quando me pedem, para apresentar uma obra de um dos Senadores de Portugal, o Sr. General Loureiro dos Santos. Mais do que apresentar e descrever os vários capítulos, vou fazer de exegeta e tentar interpretar o que se descobre nesta obra. Exegese é uma interpretação que se faz de um texto geralmente de natureza bíblica, jurídica ou literária. Este será o meu atrevimento, fazer-me de um profano exegeta e dar uma opinião sobre a profundidade que este texto, embora seja de leitura muito acessível, apresenta sobre temas de enorme sentido e alcance. Estamos perante uma obra de síntese, de reflexão, de visões únicas. Em cada tema encontramos quadros explicativos sobre situações muito complexas mas que contêm, ainda, uma novidade: para além da problematização apresentam soluções. Apenas possível de ser feito por um académico que também foi operacional. O académico estuda, identifica, analisa e sintetiza o problema e o general apresenta a solução – repito – não a sua mera opinião, não apenas uma síntese ou uma visão mas, correndo enormes riscos e expondo-se à crítica, revela as suas dúvidas e apresenta soluções. São os riscos assumidos, que apenas os senadores podem e sabem correr, e que servem para aconselhar aos atuais decisores da política e da estratégia. Optámos por não descrever todo o rico conteúdo do livro (que os presentes poderão ler em toda a sua extensão) mas por selecionar alguns pontos que consideramos essenciais “extrair” (exegesis), escolhidos subjetivamente (num critério muito pessoal que assumo inteiramente) e irreverentemente, porque sei que o Sr. General aprecia, admite e o permite:

O LIVRO

1

Vivemos em, com e entre conflitos: uma tensão política pode resolver-se pacificamente mas, dada a fragilidade do atual sistema internacional, também pode, rapidamente, desembocar em conflito ou conflitos, internos e externos, globais e regionais, inter e intraestatais, com ou sem fronteiras, simples ou altamente complexos. Apenas existe um conflito entre Estados (Sudão e Sudão do Sul) mas estamos com mais de duas dezenas de conflitos em desenvolvimento, muitos deles com enorme violência e alcance (38 conflitos armados em 24 países e territórios, ou noutra fonte, 45 considerados altamente violentos – 20 considerados como guerras – e 25 como guerras limitadas). Assim está dado o mote nesta obra, podemos e desejamos a paz, mas não é ainda neste nosso Mundo porque, de facto, há e continuará a haver, nos tempos vindouros, conflitos, muitos deles, violentos e intensos. Dos conflitos deduzimos o que os provocam, as ameaças e os riscos. Entre as maiores ameaças, o General Loureiro dos Santos, destaca algumas: a escassez de recursos e o crescimento demográfico, as vulnerabilidades das infraestruturas escondidas no ciberespaço; a inversa distribuição entre recursos e população numa realidade em que as unidades políticas são essencialmente egoístas na busca de soluções. Uma das suas expressões mais usadas é a da “era da informação” e assim, parece natural as referências às “muralhas da Idade da Informação” como as que existem em Israel, entre os EUA e o México, ou em crescimento nos limites do Espaço Shengen. Para além do betão e das redes de arame farpado surgem agora as redes de dados, os drones da vigilância, as polícias transnacionais de fronteiras, a informação e partilha ao estilo do “big brother” para além dos sofisticados dispositivos de deteção e robots. A “Era da Informação” é um paraíso para a estratégia e permite tirar partido dos ambientes e as guerras do caos (que me cita e ao Professor António Telo em obra que escrevemos em 2013). Também demonstra a sintonia com um dos pensadores militares que mais admira (admiramos) e da complementaridade do seu pensamento com o do general Cabral Couto sobre o aproveitamento do uso da informação quer “seja ele acidental (não intencional) ou propositadamente criado”. Ou ainda, relembrando o seu conceito sobre os ECC (Elementos Essenciais de Combate) que são (proteção, choque, fogo, movimento e comando/ ligação) juntando um novo que denomina de “informação” – em que as pessoas estão sempre no centro da dinâmica e são “os principais alvos”. Uma grande parte da sua obra dedica-se à análise dos espaços próximos a Portugal, no que denominou de “cerco à Europa”. Usando a metodologia das direções cardeais desenvolve o seu raciocínio, analisa o mundo como um todo e apresenta vulnerabilidades, opções estratégicas e propõe linhas de ação.

2

Primeiro, e numa clara e global avaliação estratégica sobre o mundo, afirma que a evolução será feita, acima de tudo, pela escolha “conjuntural” dos parceiros entre os principais atores do sistema internacional. Destaca a Rússia, a China, a Índia e o Japão e diz-nos que, embora sendo estes sempre grandes, há outros que rapidamente lhes poderão tirar parte do poder. Como exemplo apresenta os PC – 16 (os pós-China) que se perfilam para substituir o poder de produzir com eficácia e mais barato o que faz a China atualmente. Mas para que não haja dúvidas sobre o poder global clarifica que, indubitavelmente, são cinco as Ilhas do poder global, para além da União Europeia (que não é uma das Ilhas porque ainda não possui os atributos de um poder único) que é análise que faz à parte: EUA e China (plenamente) e o Brasil, a Rússia e a Índia (em transição). Alerta, do ponto de vista nacional, fazendo também uma clara escolha estratégica que - Quanto mais poderoso for o Brasil melhor será para Portugal, destacando esta análise num dos capítulos do livro em que assinala os efeitos positivos dos megaeventos (Mundial de Futebol e Jogos Olímpicos) no Brasil. A Leste, relevando que “as perceções ocidentais estavam erradas”, os Russos intervieram em força e de forma decida tanto na Geórgia como na Ucrânia. Provavelmente, continuarão a intervir de forma híbrida (com uma quinta coluna e com a presença próxima de forças convencionais) “em outros países de forte minoria russa, invocando a sua segurança, como os países bálticos e a Moldávia”. Mesmo que pareça que “não estão a combater a Ucrânia mas a América na Ucrânia” a ameaça é real, intensa e vai persistir pois este grande poder a Leste tem “a língua russa, a cultura russa e a igreja ortodoxa russa” que Vladimir Putin usa com mestria, através de uma genial combinação de “hard e soft power” para atingir e consolidar os seus objetivos. A Crimeia, afirma, já está na Rússia e dificilmente reverterá para a Ucrânia. A Rússia cresce na sua afirmação internacional e isso reflete-se nos seus gastos com defesa em 2016, que serão três vezes mais do que em 2007 (programa a 10 anos de 300 mil milhões de US$ para modernizara a defesa). A sudeste alerta para a criação de um Sunistão e de um Alauitistão a partir de territórios no atual Iraque e Síria. Que o Iémen se poderá dividir em dois em resultado de uma guerra fria que está intensa entre os Xiitas (com a cabeça no Irão) e os Sunitas (com a cabeça na Arábia Saudita). Mas também avisa que a Arábia Saudita poderá desagregar-se em torno de um Wabistitão com várias fraturas tribais em seu redor. Lembra também o papel ambíguo da Turquia, ilustrando com o exemplo de “como foram libertados os 41 diplomatas de Mossul” porque, o seu problema é a formação de um possível Curdistão, com a sua capital em Kirkuk (cuja maior fatia de habitantes se situa atualmente na Turquia). Em grande parte do livro há vários alertas para o “cinturão islâmico do mundo” (que define como constituído pelo Norte de África, Sahel e parte significativa da 3

África subsariana, Médio Oriente, partes da Ásia Central e Ásia do Sul, subcontinente indiano e alguns arquipélagos do sudoeste asiático/ pacífico). Sobre o Daesh, ficamos a saber que a ideia política dos ataques na europa visa, fundamentalmente, transmitir aos seus “apaniguados a ideia de força e capacidade face aos europeus”. Daí que o centro da estratégia salafista se encontra no fortalecimento do califado (que conjuga finalidades messiânicas e ideológicas com fins políticos) e, ao nível do Iraque, feita através da capacidade de “atrair os ex-militares de Saddam para uma aliança”. Daí o reafirmar do princípio huntingtoniano de que existe efetivamente um choque de civilizações, e que se deu “a vitória do improvável”, porque assistimos, pelo menos, a uma espécie de guerra de civilizações, acelerados essencialmente pelos dois grandes erros estratégicos dos EUA – a invasão do Iraque por Bush e o apoio à insurreição Síria por Obama. A Sul os imensos territórios foram “filhos de políticas esquizofrénicas ocidentais” que resultaram em prolongados “invernos árabes”. A líbia, Marrocos e Egipto, o crescimento exponencial dos emigrantes através das rotas – Marrocos-Gibraltar e Turquia – Grécia. Propõe assim uma solução: é necessário, acima de tudo, de “fechar a porta Líbia com uma operação militar (incluindo a parte terrestre). A Europa também está cercada pelo Norte devido ao contínuo degelo e à facilidade crescente de trânsito no Ártico e o consequente acesso aos seus imensos recursos energéticos. Para ilustrar a volatilidade do sistema internacional, aprofunda o estudo sobre a Alemanha. Interroga-se sobre que caminho seguirá esta grande potência, e qual o(s) aliado(s) preferencial(s), se irá inclinar para escolher (como se fosse a chave para decifrar um puzzle, ou numa outra imagem, diria, eu, que par de dança será o favorito neste palco mundial de afirmação?): Pode ser com a Rússia (potenciando a União Euro-Asiática) face à China (que tem a sua cooperação de Xangai) e aos EUA?; pode ser com os EUA, no quadro da NATO e do Tratado Económico transatlântico, face à Rússia e China?; Poderá ser a força de uma centralização europeia fazendo da UE um dos poderes globais? Todos os caminhos estão em aberto mas, de uma forma mais ativa ou de modo mais “relutante”, concluiu que a “Europa necessita da Alemanha na liderança se se quiser manter uma Europa forte e coesa para o futuro. Se a aliança transatlântica se mantiver, ou seja, privilegiando o aliado americano, Portugal estará numa situação geopolítica ideal, mas, se assim não for, pode correr o risco de ser uma mera província no outro extremo do limes romano, na periferia de uma Europa que, por força das opções alemãs, se decide virar para leste. Por último aborda o próprio interior da Europa e o verdadeiro risco da implosão do euro e mesmo da própria UE, do crescimento dos separatismos dentro dos Estados e secessionismos de Estados sobre a UE. Argumenta com os enormes perigos de decadência do continente em virtude de uma 4

demografia em acelerada queda, da radicalização das juventudes, dos efeitos das crises financeiras, económicas, sociais e políticas. Aprofunda esta reflexão sobre, no que denomino, uma determinada ausência de uma política global em face de ameaças intangíveis, quando alerta para a “desesperança quanto ao futuro de milhões de jovens”, que apelida de “desencantados”; “encarcerados” forçados em guetos das zonas desenvolvidas, na crescente “ausência de valores e de sentido de destino”, entre exponenciais “gigantescas desigualdades”. Sobre a globalização económica alerta que a mesma não está regulada pelos responsáveis políticos e que assim será impossível encontrar equilíbrios socias e harmoniosos entre os Estados. Refere ainda o perigo associado à robotização sem regras porque cria “riqueza sem trabalhadores e trabalhadores sem riqueza”. Como consequência, concluiu, crescem as adesões a movimentos radicais extremistas, como os jihadistas e a extrema direita. Entre o muito que afirma ser necessário fazer na Europa lembra que, para se combater o “terror na Europa”; tem de se começar por reforçar a coesão dos cidadãos e de se articular os serviços de informações europeus. Que a recente declaração de guerra de Hollande, é por isso destituída de conteúdo, “são apenas palavras, tudo palavras, para consumo interno”, porque, sintetiza, “o jihadismo combatese na sombra”. A UE não tem os instrumentos para o combate, terá de se reforçar os mecanismos da NATO porque esta é que tem a “estrutura, organização e capacidade de ação”. Mas os europeus têm a sua credibilidade fortemente reduzida em face do seu desinteresse nos assuntos de segurança. Dos custos da defesa, no início da criação NATO, os EUA e a Europa dividiam 50/50 o esforço e a participação mas, para vergonha dos europeus, é atualmente de 75/25. Há uma necessidade urgente, pois, de reforçar o potencial de combate dos países europeus da NATO para se poder, efetivamente, dissuadir as ameaças vindas de leste e, a sul e sudeste, para combater os jihadistas no perímetro exterior da Europa. De forma desassombrada afirma que a NATO errou na definição do seu recente conceito estratégico de 2010 – não devia ir para “fora da área” sem assegurar a coesão de “dentro da área” – que se ignorou, de forma arrogante, o primado da defesa coletiva e das estratégias na proximidade. O conceito Estratégico da NATO errou e, clarifica ainda que, por extensão, também o conceito estratégico da Defesa Nacional português também errou ao ignorar a premência da segurança e defesa interna sobre as ações externas. Por fim analisa sobre a enorme relevância da Instituição Militar Portuguesa como regulador e garante da estabilidade nacional e, enquanto parte em alianças, por ser um bem inquestionável para a garantia da paz no mundo. “Num Estado com insuficiente capacidade militar, a segurança será garantida 5

por outros” ou levará a um “Vazio de poder”. O eterno paradoxo entre a segurança e a liberdade a que responde com clareza: “sente-se livre a pessoa que disponha de liberdade de ação para agir de acordo com as suas convicções” – o que precisamos é de uma “segurança na dose correta”. As Forças Armadas (FFAA) têm de estar preparadas para “colaborar na manutenção da lei e da ordem quando for declarado o Estado de Emergência ou assegurando-as se for estabelecido o Estado de Sítio”. O potencial estratégico tem de estar associado a inteligência estratégica do país – o pior a somar agora seria uma “crise de segurança”. As FFAA, recorda, foram sempre essenciais para a estabilidade na Nação desde a sua fundação em 1143. Como a inteligência estratégica nacional, através de uma população feita Exército, conseguiu edificar uma Nação coesa em 1640. Mesmo com uma enorme crise e divisão política, as FFAA foram credíveis, fiáveis e cumpriram, como ocorreu durante a Grande Guerra de 1914-1918, em que “o Exército, a Marinha e a Força Aérea combatem pela República e não por quem governa, combatem por todos nós”. Ou a forma altamente responsável e com enorme sacrifício de como, na Guerra de África entre 1961 e 1974, as FFAA “estiveram dispostas a cumprir o seu dever para dar condições aos governantes de encontrarem uma solução política”. Quanto às vias de ação das FFAA releva: participar na estabilização de espaços geográficos europeus; ter mecanismos capazes de garantir a mobilização de efetivos significativos; aumentar o produto operacional com a formação de forças complementares a convocar ou a mobilizar quando necessário – “quanto mais reduzidas forem as forças permanentes de um sistema de defesa mais necessários são os mecanismos que permitam aplicar através de mobilização e convocação”; reforçar e aumentar a participação em missões de paz e de cooperação técnico militar. Releva ainda que se deve manter as unidades militares nas proximidades das populações pois assim se favorece o sentimento de segurança, facilita o recrutamento e a concretização de ordens de mobilização e convocação, ajuda na suplementação das Forças e Serviços de Segurança (FSS), simplificando a preparação e o planeamento e a concretização de ações de apoio de emergência, ao desenvolvimento e ao bem-estar das populações. Afirma claramente que o fim dos exércitos conscritos foi um erro. Há uma necessidade, crescente, de voltar ao Serviço Militar Obrigatório porque reduz custos; reforça os valores patrióticos; melhora a capacidade de fazer face a desafios que terão de enfrentar na vida; serve como balanceador regulador do desemprego e desperta vocações. Que não há civis e militares em campos distintos, civis e militares colaboram e entendem-se de forma clara para a afirmação do País como foi o exemplo da permanente colaboração entre o General Loureiro dos Santos e o Político Medeiros Ferreira: Integridade, honestidade, transparência e análise profunda dos grandes temas nacionais levam a soluções equilibradas e bem 6

sustentadas. Que a convivência e o contacto integrado entre civis e militares não só é possível como desejável até porque, como afirmou Medeiros Ferreira, o Exército é mesmo o espelho da Nação “é talvez o corpo nacional mais interclassista e mais representativo da Nação” e que, em áreas estruturais da afirmação nacional, existe, de facto, uma completa dependência e complementaridade entre Política externa e Política de defesa nacional.

No limite do que pode um Oficial do Exército no ativo afirmar - penso que podemos, e devemos, apelar para que a voz dos Senadores seja não apenas ouvida, mas que seja acompanhada sobre o que afirmam e propõem. Temos de ter fora permanentes para implementar as visões que se apresentam, tirando partido da inteligência e da paixão, que são símbolos da maturidade da reflexão profunda, enformadas num equilibrado patriotismo de quem ama o que criou e quer criar para o futuro. Devíamos ter sistemas de implementação que fossem alvo de escrutínio na sua aplicação. Temos de garantir que os Senadores de Portugal, como indubitavelmente o Sr. General Loureiro dos Santos é, a par de grandes pensadores como Professor Adriano Moreira, ou Eduardo Lourenço, sejam ouvidos para o debate na construção e renovação permanente de Portugal. Faltam-nos os fora para a inclusão dos grandes sábios dos nossos tempos e temos de os saber criar. É uma riqueza imensa que desperdiçamos porque ficamos ao sabor da boa vontade de pessoas, como vós, que hoje se deslocaram aqui para esta apresentação, para ler, ver e sentir mais uma obra do nosso Mestre da Estratégia. Este livro pode ser lido, deve ser lido, deve ser refletido, mas é obrigatório que seja acompanhado. Bem-haja à editora “clube do autor” que acarinhou o projeto e Bem-haja Meu General por mais esta obra de excelência que exige que muitas mais lhe sigam!

7

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.