Apresentação do livro \"As Sombras de D. João II\", de Jorge Sousa Correia

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Apresentação do livro CORREIA, Jorge Sousa, As Sombras de D. João II, Lisboa, Clube do Livro, 2014

Livraria Bertrand, Lisboa, 14 de Julho de 2014

Pedro Urbano IHC- FCSH- UNL

Muito boa tarde a todos. Gostaria de agradecer a vossa presença aqui neste final de tarde, por terem dispendido um pouco do vosso tempo para homenagearem o Jorge e o trabalho que ele tem desenvolvido nos últimos tempos. De facto não foi há muito tempo que estive aí desse lado para assistir ao lançamento do seu primeiro romance. Mas é sobretudo ao Jorge a quem devo agradecer o convite para estar aqui hoje, convite que muito me honrou. O Jorge foi meu colega de licenciatura. Desses tempos recordo que, dos alunos trabalhadores, foi, sem dúvida, um dos mais assíduos, muito mais que muitos estudantes que eram apenas estudantes. Esta sua assiduidade demonstrava a sua paixão pela história e que, para além das actividades lectivas que desempenhou, vem novamente ao de cima com a publicação deste segundo romance, dedicado à vida de D. João II, aquele que ficou conhecido para a história como o Príncipe Perfeito. Todavia, não é vida perfeita de um Príncipe que aqui é narrada. Desde logo temos essa impressão pelo título desta obra – as sombras de D. João II. Na verdade este príncipe só é perfeito no sentido maquiavélico, isto é, na acepção em que Nicolau Maquiavel, contemporâneo do monarca português concebeu para o seu Príncipe, aquele

que não olha a meios para atingir os seus fins e com isto atinge a perfeição na arte da governança e da detenção do poder. D. João II nunca leu o Príncipe de Maquiavel, visto esta obra ter sido publicada originalmente em 1532, 37 anos após a morte do rei. No entanto, muitas das teorias concebidas por Maquiavel são as mesmas que vamos encontrar nas acções do rei Português. E é aqui que, na minha opinião, reside a grande mais valia deste livro, que foge ao lugar-comum do Rei de “braços cruzados, que fita além do mar”, nas palavras de Fernando Pessoa, na Mensagem, isto é, do importante papel que este Rei desempenhou nos descobrimentos portugueses e na partilha do mundo em Tordesilhas. Se é certo que os descobrimentos portugueses e o colonialismo que se lhes seguiu marcaram de forma indelével toda a história de Portugal, pelo menos até ao último quartel do século passado, e, ainda hoje, nas relações diplomáticas entre Portugal e as suas ex-colónias, o Jorge pegou noutro aspecto bastante importante que este reinado assistiu e que sem dúvida que D. João II foi um dos seus principais mentores: a construção do Estado, tal como hoje o conhecemos e que, na verdade, se trata da génese, ainda que incipiente, da construção da monarquia absoluta, na qual o Estado era o Rei. Estamos perante uma corte com traços medievais ainda bastante marcados, visível em vários aspectos. Por um lado, a sua enorme mobilidade, deambulando entre Lisboa, Setúbal, Palmela, Évora, Santarém, sendo estes os principais espaços desta narrativa. A corte não estava ainda fixa territorialmente a um único território, a capital. O reino continuava a ser um território no qual o poder central e régio ainda tinha dificuldades em penetrar, apesar dos esforços do Rei em sentido contrário. Numa imagem muito bem conseguida, o Jorge refere-se aos tentáculos do Rei, como se um

polvo se tratasse, cujo poder consegue penetrar nos locais de mais difícil acesso, contrariando assim o fraco poder da administração central na periferia. Por outro lado, a existência de uma nobreza ainda com amplos poderes, não só económicos, mas também judiciais, nas terras que detinham plena propriedade ou usufruto de bens da Coroa é também outra das características medievais, uma vez que faziam concorrência directa ao próprio poder do Rei. E é esta nobreza, com ambições pessoais fortes, com ligações familiares à Casa Real Portuguesa e com uma visão diferente da governança que D. João II tinha dos destinos do Reino, que vai sofrer na pele a perseguição do monarca, tal como aconteceria séculos mais tarde, num episódio talvez mais conhecido, como foi o processo dos Távora, durante o reinado de D. José, em que também teve na sua génese um suposto atentado à vida do Rei. É nesta perseguição, que acabou com a morte dos chefes de duas das principais Casas aristocratas da época, a Casa de Bragança e de Viseu, que não somente se verifica esta demanda pela centralização do poder régio, como também o Jorge vai buscar a inspiração para de certa forma completar o retrato psicológico desta personagem histórica. Por muitas fontes que se utilizem e, apesar de tudo, para esta época não serem tantas como se desejariam, procurar perceber o que as personagens históricas pensavam e sentiam é uma tarefa complicada de se realizar. Todavia, o Jorge conseguiu trazer-nos, de forma honesta e rigorosa, apresentando sempre que possível relatos da época, uma visão muito humana de D. João II, sobretudo nos episódios da morte dos seus principais opositores. Humana, não no sentido então contemporâneo, do renascimento humanista, mas sim da coexistência de sentimentos contraditórios entre si, qualidades e defeitos, anjo e demónio, nas palavras do Jorge. Na verdade, um ser humano como outro qualquer, apesar dos esforços, que são aludidos também neste livro, no sentido de uma

mitificação do Rei como Deus, que passou também pela atenção aos pormenores cerimoniais, que muitos são descritos ao longo da narrativa, dando-lhe um colorido muito especial e puxa o leitor para si, tornando-o um espectador-participante. Finalmente, referir igualmente a atenção que é dada ao próprio papel que Portugal vai conquistando no equilíbrio de poderes da Europa de então e nas suas relações diplomáticas com outros estados, como Inglaterra ou a Santa Sé e, em particular, com os outros reinos vizinhos da Península Ibérica, como Castela e Aragão, que estavam a viver um momento de união, sob a égide dos Reis Católicos. Para além do recurso a uma bibliografia extensa e actual, a narrativa é entremeada com citações das fontes da época, que auxiliadas por um vocabulário cuidadoso e por vezes arcaico, tornam a narrativa mais colorida e pictórica e por isso mais convincente e aliciante, sendo por isso uma grande mais valia. Finalmente, resta-me agradecer ao Jorge por me ter proporcionado algumas horas de uma boa leitura, e me ter transportado para uma época sem dúvida fascinante para a História de Portugal, fazendo votos para que os presentes tenham tanto prazer nesta leitura quanto eu próprio tive. Muito obrigado!

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