Apresentação do livro Bandidos e salteadores, de Renata Senna Garraffoni

September 15, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: History from Below, Historia Antiga, Literatura Latina
Share Embed


Descrição do Produto

1 Publicado em: Pedro Paulo A. Funari, Apresentação, Bandidos e Salteadores na Roma Antiga, de Renata Senna Garraffoni, São Paulo, Annablume/FAPESP, 2002, pp. 1112.

APRESENTAÇÃO DE “BANDIDOS E SALTEADORES: CONCEPÇÕES DA ELITE ROMANA

SOBRE

A

TRANSGRESSÃO

SOCIAL”,

DE

RENATA

SENNA

GARRAFFONI. Qual o sentido do estudo do mundo antigo, em pleno século XXI? Faria sentido perscrutar os documentos, no original em língua latina, para buscar entender a transgressão no mundo romano? A nossa realidade contemporânea, imersa na fugacidade e rapidez da internet, talvez nos leve a considerar seja que nada temos a ver com períodos recuados do passado seja que não precisamos mais estudar outras línguas, em época de (paupérrimos) tradutores eletrônicos. O belo livro de Renata Senna Garraffoni demonstra, ao contrário, tanto a relevância da antigüidade, como a importância de um conhecimento de primeira mão da documentação antiga. O nosso quotidiano atribulado, os conflitos sociais sempre à flor da pele, em um Brasil contemporâneo caracterizado pelas desigualdades sociais das mais iníquas, em toda a face da terra, tudo nos tende a levar a considerar o conflito uma característica significativa da vida social. Não parece ter sido outro o motivo que levou a jovem estudiosa a debruçarse, muito cedo, sobre um tema tão relevante para nossa sociedade: a transgressão social. O impulso contemporâneo induziu a uma reflexão crítica sobre a sociedade antiga, cujo estudo, secularmente, tem sido caracterizado por interpretações infensas ao conflito e às contradições sociais. Contudo, na historiografia e nas ciências sociais, nas últimas décadas,

2 tanto no exterior como no Brasil, tem-se ressaltado o caráter heterogêneo das sociedades e os conflitos sociais gerados pela luta por interesses contrastantes. O estudo do mundo romano também reflete essas tendências, ainda que predominem interpretações que prefiram enfatizar o arreglo e o compadrio, como se as redes de patronato e cooptação social fossem capazes de eliminar os conflitos. Modelos sociológicos de matriz conservadora, baseados em concepções normativas, servem, assim, para justificar um presente e, portanto, um passado sem conflitos ou contradições. Garraffoni, municiada por estudos epistemológicos críticos desses modelos normativos, voltou-se para os documentos originais, em busca das próprias concepções das elites romanas sobre as transgressões. Seu estudo do vocabulário latino permitiu estabelecer relações entre os diversos tipos de transgressão, nas construções discursivas dos autores estudados. Os resultados obtidos demonstram a fertilidade de uma abordagem crítica da sociedade romana, tornada possível, em grande parte, pelo conhecimento aprofundado da documentação antiga. Para além da importante relevância acadêmica do estudo da transgressão no mundo romano, este pequeno volume reveste-se de particular significação no contexto brasileiro hodierno. Por um lado, demonstra que o caminho no estudo da Antigüidade consiste na junção de um conhecimento aprofundado da documentação antiga, de primeira mão e no original, com uma inserção nas reflexões teóricas críticas desenvolvidas nos últimos anos. Por outro lado, o estudo das construções discursivas antigas sobre o conflito social remete aos discursos conservadores em nossa própria sociedade. Em um país tão cheio de contrastes sociais, conflitos e violência, mostrar que a sociedade não é um todo harmônico, uma grande rede de compadrio e cooptação, não deixa de contribuir para uma reflexão crítica sobre nossa própria sociedade, tampouco fundada na aceitação das normas. A leitura

3 desta obra leva à reflexão sobre questões centrais sobre os romanos, mas também sobre nós mesmos, brasileiros. Pedro Paulo A. Funari, Departamento de História, UNICAMP.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.