Apresentação no Museu do Exército (Caves Manuelinas) em 12 de Março de 2012 do Livro: A Logística do Exército Anglo-Luso na Guerra Peninsular, General Gabriel Espírito Santo e Dr. Pedro de Brito

Share Embed


Descrição do Produto

Apresentação no Museu do Exército (Caves Manuelinas) em 12 de Março de 2012 do Livro: A Logística do Exército Anglo-Luso na Guerra

Peninsular, General Gabriel Espírito Santo e Dr. Pedro de Brito1

Nuno Lemos Pires Sinto-me honrado, estimado e assustado com a responsabilidade deste convite. Um Tenente-coronel apresentar o Livro de dois notáveis autores: um dos mais prestigiados Generais do Exército Português e um ilustre historiador da Guerra Peninsular é uma enorme responsabilidade. Mas que aceito com um enorme prazer por 3 razões principais: 1. Porque esta é uma obra que traduz o melhor que a nossa sociedade tem: a permanente colaboração entre civis e militares, entre académicos e operacionais, entre o empreendedorismo e a sabedoria. Entre dois amigos

que

se

correspondência

conheceram entre

os

dois

na

vida

lados

do

militar, mapa

que

trocaram

cor-de-rosa



Moçambique e Angola. Que mantiveram ao longo da vida o gosto pelas ideias, pela história. Que nunca deixaram de pensar, de escrever, de interagir. Que se mantêm jovens, ousados e disponíveis para levar a cabo uma exaustiva e original investigação. Com notáveis percursos de vida continuam hoje com a humildade que só os verdadeiramente “grandes” têm – a vontade de aprender, o sentido crítico da dúvida, o gosto pelas opiniões diferentes e o prazer em partilhar. Bem Hajam! 2. Porque o tema é muito relevante – a Logística na GP – estava em falta há muito e é uma obra pioneira em Portugal e no Mundo. Veremos adiante como muito ficava por explicar se não fosse dado o entendimento “logístico” da GP. Por ser um tema difícil, pouco popular e que obriga a uma investigação muito exaustiva, não encontrávamos 1

http://www.exercito.pt/Noticias/Paginas/LAN%C3%87AMENTODAOBRAALOG%C3%8DSTICADOE X%C3%89RCITOANGLO-LUSONAGUERRAPENINSULAR.aspx

1

obra sobre o mesmo. Sem a logística não entendemos as razões políticas, estratégicas e operacionais e o contrário também é verdadeiro. Em resumo, este é uma obra essencial e não há melhor local para fazer do que o Museu Militar. O mesmo edifício onde se pensa o Exército Português, na presença de S. Exª o Comandante do Exército, General Pina Monteiro, que é onde a história e o futuro do nosso Exército se juntam, se refletem, se estudam e discutem de forma leal e aberta nas inúmeras opções de decisão, entre elas, as condicionantes logísticas para as futuras operações militares que o Comandante do Exército tem de assumir. 3. Porque é escrita em Português e Inglês. Fica disponível para todos os investigadores e curiosos da história. Inclui todos os que participaram: portugueses, britânicos, franceses, espanhóis e referências a outras nações que estiveram presentes. Dá-nos a perspetiva conjunta, combinada e única: a de um Exército de duas Nações verdadeiramente integrado nas operações e coordenado na logística. Não há outros exemplos na história onde dois Exércitos se juntam num só! Há sim exemplos em que forças de países integraram o Exército de outro País. Neste caso foram dois que constituíram o Grande Exército Anglo-Luso de Wellington que se manteve unido e vencedor por 6 anos de uma longa campanha que se desenrolou em Portugal, Espanha e França. Fica a História nas duas línguas que lhe dão o mote – Inglês e Português. E mais uma vez temos de agradecer ao Dr. Pedro de Avillez e à Editora Tribuna da História pela coragem de publicar a nossa história, ainda por cima em ambas as línguas, prestando um enorme serviço a Portugal e à História de todos os Países envolvidos. Mas vamos então apresentar com mais pormenor a obra: Divide-se essencialmente em três grandes capítulos que correspondem a importantes mudanças estratégicas na condução da Campanha: Da Roliça ao Bussaco (1808-1810); Do Bussaco a Salamanca (1810-1812) e De Salamanca a Toulouse (1812-1814).

2

Como podemos ver por esta distribuição temporal é uma obra que cobre o essencial de toda a Guerra Peninsular, pelo que o primeiro comentário que gostaria de fazer é que esta obra é, através do tema “Logística” uma excelente síntese do que foi a Guerra Peninsular. Os principais momentos e decisões estão cá, o fruir e entendimento do desenvolvimento da campanha é apresentado de uma forma simples e muito completa. Para além de lermos sobre a Logística esta é uma excelente forma de entendermos a Guerra Peninsular, em especial, o percurso do Exército Anglo-Luso. Notícias recentes dizem-nos que as operações no Sul do Afeganistão estão seriamente afetadas pelos ataques dos Talibãs às colunas logísticas da NATO, aos locais de passagem junto à fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão e aos armazéns em Cabul. Sem Logística não há operações. Nem hoje nem há duzentos anos, nem há dois milénios. É pois por isso que o Livro começa por estudar o período Romano (com as grandes Legiões) e depois continua pelos principais períodos que a História Militar regista, nomeadamente associado a um aumento significativo de efetivos – Os Tércios Espanhóis nos séculos XV e XVI, o aparecimento das Brigadas na fase final da Guerra dos Trinta Anos no século XVII ou o crescente apoio Naval para os abastecimentos em terra. Na guerra dos 30 anos (1618-1648) aprendemos que 30.000 homens precisavam de 27,6 toneladas de comida e 4.000 cavalos precisavam de 40 toneladas de palha ou forragem, ou seja, para um dia de marcha eram necessárias, sem contar com os abastecimentos em munições, 70 toneladas o que correspondia aproximadamente a 70 carros de transporte (1 por tonelada). É através da Logística que se pensa e planeia a alimentação, a lenha para a confecionar, as munições e o alojamento. Na medida que crescem os Exércitos aumentam as necessidades de Depósitos, de Transportes e a logística evolui para incluir as preocupações com o vestuário, o calçado, a saúde, as tendas, os materiais de sapadores, etc. Indissociável da logística estão as finanças e por vezes confundem-se mas estão intimamente ligadas.

3

O custo das operações militares cresce exponencialmente e sem dinheiro não se pode fazer a guerra. Vemos como as principais potências militares europeias começam a criar estruturas especializadas para lidar com a crescente importância da logística e das finanças: em França é a “Intendência”, no Reino Unido é o “Comissariado”, em Portugal as “Juntas de Víveres”. Depois de sabermos sobre a evolução em Portugal de Terços para Regimentos em 1707, da criação de Batalhões em 1815, que a Cavalaria tinha um vencimento maior do que a Infantaria…, assiste-se à criação de um órgão vocacionado para gestão política dos assuntos militares com a criação em 1736 da Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Estava criado o órgão Político-militar e ao nível do Exército, no final do século XVIII, toma posse o primeiro Quartel Mestre General – responsável pela gestão da logística. Quando o tempo das operações aumenta e o tamanho das forças cresce, naturalmente “dispara” a importância da Logística. De assunto relevante mas secundário até meados da idade média, passa a fundamental e determinante em vésperas das guerras da revolução. A partir do Século XVIII já é claro que um deficiente planeamento logístico poderia significar a diferença entre a vitória e a derrota numa campanha. Neste preâmbulo que os autores dedicam à evolução da logística ficamos a perceber a importância que tem o simples ato de “fazer requisições” em vez de apenas executar “a rapina”. Para além da procura de abastecimentos está a forma de o fazer. Escolher entre a violência pura ou tentar a colaboração com as povoações locais poderá também ditar a forma como as forças são aceites, compreendidas ou hostilizadas. Também na forma reside um dos fatores do sucesso e, como veremos, essa será uma diferença essencial no comportamento futuro dos Exércitos de Napoleão ou de Wellington. Chegamos então à Guerra Peninsular e os autores começam por nos situar na geografia acidentada da Península Ibérica, na falta de boas comunicações terrestres, nos fracos recursos humanos, materiais e nas enormes áreas 4

“desertas”. Wellington que ganhara enorme experiência nas suas campanhas na Índia sabe como é importante respeitar as populações e impõe o pagamento dos aprovisionamentos. Aprofunda os estudos em toda a cadeia logística através da fórmula “seguir o biscoito desde a sua produção à boca do combatente” e dá uma enorme importância a todos os assuntos financeiros e logísticos. A principal fonte de pesquisa usada pelos autores são os milhares de “Dispatches” de Wellington e dos seus principais colaboradores. A correspondência que o Comandante aliado dedica à logística e finanças ocupa grande parte do enorme espólio. Parece que estou a ver o Sr. General Espírito Santo a ler os inúmeros volumes com os “Dispatches” de Wellington e sentir o antigo CEMGFA a recordar a correspondência que teve de fazer com responsáveis nacionais e estrangeiros para garantir o difícil equilíbrio entre a capacidade financeira e a exigência operacional. Quem comanda sente isso todos os dias, quem como o General Espírito Santo o fez desde os mais baixos escalões até ao comando supremo das Forças Armadas, teve a responsabilidade de ocupar o comando superior da Logística no Exército Português como Quartel Mestre General e foi o representante militar português juntos das forças aliadas em Bruxelas, entende Wellington melhor que ninguém. Esse entendimento é percetível ao longo do livro como também é evidente a perceção do “civil” Dr. Pedro de Brito, que foi militar durante algum tempo mas civil na sua grande experiência de vida e entende facilmente o que preocupa a quem toma as decisões políticas, o racional por detrás do financiamento das repartições civis, as delicadas relações entre civis e militares, na campanha propriamente dita ou nas complexas relações comerciais entre as várias nações envolvidas. Mergulhamos na evolução da obra e apenas irei destacar algumas curiosidades para “abrir o apetite”: Os desafios que se colocam a Portugal após a invasão francesa de 1807 prendem-se, entre outras considerações, com o facto de “Portugal apenas produzir o suficiente para 11 meses anuais de consumo” e assim o carácter

5

de dependência externa ser assumido como uma condição fundamental a ter em consideração em qualquer planeamento futuro. A Logística do Exército Anglo-Luso vai evoluindo na forma, na quantidade e forma de prestação dos serviços, que só tomarão uma existência mais consolidada em 1812, aquando da campanha de Salamanca, em que se regista a existência de 37 depósitos em território nacional. Para termos uma ideia das necessidades logísticas de uma grande unidade do Exército – para uma Divisão (incluindo uma Brigada de Artilharia) são necessários três escalões de apoio logístico: junto à unidade com os meios de transporte e abastecimento imediato, na retaguarda e junto aos portos de desembarque e os depósitos intermédios: para o transporte são necessários 400 a 600 muares e vários trens de carros. Para um Exército de 60.000 homens, dimensão média do Exército Anglo-Luso, é necessário o abastecimento diário de 75 toneladas com 150 carros – o equivalente a uma pequena cidade de média dimensão. Wellington manda pagar os abastecimentos e os fornecedores preferem o pagamento dos abastecimentos em moeda, mas a falta de moeda obriga à utilização de papel-moeda o que sempre irá causar transtornos na credibilidade do mesmo. Na Península Ibérica, devido às características já referidas, encontra-se a máxima várias vezes repetida por muitos autores “os pequenos exércitos são derrotados e os grandes morrem à fome”, as soluções serão por isso locais, não podem ser cópias de experiências em outros Teatros de Operações. Além dos grandes Exércitos, atrás de cada força, marcham mulheres e crianças, numa proporção de 6 mulheres para cada 100 homens. A cada mulher e criança está reservada meia ração e estes números são relevantes no planeamento logístico. Pela leitura do Livro apercebemo-nos como a logística, que deveria “servir a manobra operacional” tantas vezes a condicionou. É o exemplo da decisão do General Harry Burrard em 1808 logo a seguir à Batalha do Vimeiro temendo não garantir os abastecimentos para perseguir os franceses; de Wellington no 6

Porto em 1809 que espera a chegada de abastecimentos para continuar em direção a norte e; o atraso de dez dias na campanha em terras de Espanha, Talavera, por aguardar os reforços logísticos e também de forças. Os exemplos também se veem do outro lado quando já na terceira Invasão os franceses ficam na posse de 350.000 rações em Almeida que vai perturbar a “estratégia da terra queimada” delineada por Wellington e depois, face aos permanentes ataques pelas milícias e ordenanças portuguesas Massena se vê obrigado a reforçar a segurança das suas linhas de abastecimento, deixando muitas tropas a guarnecer os pontos mais importantes e a usar efetivos muitos elevados para procurar alimentos. Na terceira Invasão (1810-1811) é possível entender as enormes vantagens logísticas conseguidas por Wellington face às enormes dificuldades do seu adversário no mesmo campo. O Exército Anglo-Luso conta com depósitos nas principais linhas de abastecimentos, carros para fazer o transporte, hospitais em navios na Foz do Mondego e uma mão-de-obra disponível que levanta as formidáveis linhas de Torres Vedras. Massena perde a linha de comunicações em Coimbra, fica isolado a norte de Torres Vedras, impedido de receber reforços ou mesmo de enviar mensageiros, definha em Santarém obrigandose a procurar os abastecimentos a cada vez maiores distâncias com enormes perdas. A Logística, afinal, ditam-lhe a decisão de voltar a terras de Espanha. Embora o Exército Anglo-luso seja um, existe também o remanescente do Exército português não incluído nesta força para além das fundamentais organizações das Milícias e Ordenanças Portuguesas. O apoio logístico é assim assegurado por duas entidades diferentes: o comissariado Britânico e a “Junta de Víveres” Portuguesa. Wellington queixa-se de ambos e sugere que o sistema Português se transforme num sistema de comissariado mas defende a existência simultânea das duas estruturas e incentiva a coordenação permanente, que irá ocorrer. É curioso registar que por Portugal passou um “Clinton” que invadiu a Madeira em 1801 e a partir de 1809 registamos a importância de um “Kennedy” no Comissariado Britânico. Coincidências de nomes. A ligação civil-militar é permanente e Wellington vai depender muito da competência do 7

civil Robert Hugh Kennedy à frente do Comissariado Britânico. Kennedy fora adjunto de John Murray até Junho de 1810 mas a partir dessa data tornara-se o Comissário Geral. Quando Kennedy se ausenta brevemente em 1812, embora contasse com mais 87 comissários e 255 civis no comissariado, Wellington sente os efeitos no apoio às suas forças e só se tranquiliza quando este regressa no início de 1813. Na execução logística dento do seu Exército é outro Murray que tem a “confiança” de Wellington, o quartel-mestre general, George Murray. Outro aspeto fundamental deste livro é o de nos recordar que a Guerra Peninsular só termina efetivamente em 1814 com uma presença enorme de forças portuguesas no Exército aliado até ao último dia de operações. Por exemplo, em 1812, dos 51.000 efetivos presentes na Batalha de Salamanca, 30.000 são britânicos e 18.000 são portugueses. Proporcionais serão também o número de baixas. Mas tal como Moore tinha percebido na Coruña em 1808 e Wellington em Talavera em 1809, uma coisa era a cooperação com Portugal, outra bem diferente eram as condições em Espanha. Diferente também viria a ser a relação com as populações francesas em 1814. Quando a campanha passa de Portugal para Espanha em 1812 muda a cooperação, a coordenação e fundamentalmente, muda a compreensão das populações. No ano de 1812 os portugueses estarão entre as forças que conquistam Madrid e entre as centenas de baixas junto às muralhas de Burgos. Também são razões logísticas que levam ao regresso do Exército aliado à segurança do seu santuário em Portugal, pois para além das grandes dificuldades em estabelecer coordenações logísticas eficazes com o aliado espanhol, para agravar no apoio recebido do Reino Unido, este entra em guerra contra os EUA e vê assim duplicado o esforço de guerra, diminuído o envio dos cereais da América. Só em 1813, e após o “descalabro” de Napoleão na Rússia, estarão criadas as condições para a ofensiva definitiva em Espanha. Nas vésperas da Batalha de Vitória, no verão desse ano, está já estabelecido um trem de logística para assegurar a continuidade do apoio aos 80.000 aliados (dos quais quase 8

30.000 são portugueses). O porto principal de apoio ao Exército anglo-luso é agora Santander. Santander já tinha sido utilizado no ano anterior durante o cerco a Burgos e a partir da Batalha de Vitória, Santander substitui Lisboa como principal porto de desembarque e apoio. Em direção aos Pirenéus o esforço não vai diminuir para os aliados, e na conquista de San Sebastian, Portugal regista 787 baixas (189 mortos). Em França vão entrar 38.000 britânicos, 22.000 portugueses e 22.000 espanhóis. Na fase final da campanha este é um verdadeiro e coeso Exército aliado, com portugueses a ocupar as mais altas responsabilidades: Silveira comanda a Divisão Portuguesa em Vitória, Lecor comanda a 7ª Divisão Aliada (facto não previsto nos estatutos do Exército Britânico mas a competência tinha-se imposto ao problema da nacionalidade) e depois comandará a divisão portuguesa em terras de França. Em Toulouse, Abril de 1814, chega ao fim a Guerra Peninsular mas a logística de fazer regressar um enorme Exército aliado aos respetivos países ainda será gigantesca. As operações do Exército Anglo-Luso foram brilhantes, a estratégia de Wellington eficaz, a tática das forças portuguesas e britânicas nas Batalhas foram corajosas, bem treinadas e muito coesas. A logística não só apoiou, determinou e garantiu a manobra operacional como assegurou o respeito dos soldados e das populações na credibilidade de uma das melhoras forças de sempre em campanha. A Logística na Guerra Peninsular foi um excelente exemplo das relações civis e militares, da coordenação, integração e confiança que tem de existir entre quem governa a política, quem conduz os exércitos e quem apoia a manobra. Entre duas Nações que souberam gerir os seus interesses sem comprometer as suas identidades. Que souberam preservar o mais importante, a dignidade da defesa dos seus cidadãos. Como os autores deste extraordinário livro o demonstram, civis e militares não se distinguem, complementam-se e completam-se.

9

Em síntese, esta obra bilingue é original, fundamental, pensada para ser lida por todos e para todos. É sobre a Logística mas é acima de tudo sobre a nossa identidade enquanto nações aliadas, enquanto cidadãos, com farda ou sem ela. Parabéns aos autores e à Tribuna da História. Temos Obra!

10

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.