Apresentação: Pós – Trans -humanismo: uma introdução (Post e trans-humanism: an introduction - Sorgner & Ranish, 2014)

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Post – and Transhumanism: an introduction (Pós e trans-humanismo: uma introdução) Além do Humanismo: trans e pós-humanismo1 Magda Vicini2 Torna-se uma tarefa difícil selecionar alguns autores que fazem parte desta coletânea de textos do livro e comentar sobre eles, pela diversidade e qualidade dos pensamentos expostos, uma vez que, como pesquisadora, estou iniciando nos estudos sobre o conteúdo que esta obra aborda: pós e trans-humanismo. Mas não hesitei em me oferecer para ler e escrever sobre “post-and transhumanism: an introduction”, pela admiração e respeito aos pesquisadores que construíram o conteúdo do livro. Muito obrigada ao Professor Stefan Lorenz Sorgner, por esta oportunidade e confiança. Proponho com este texto, apresentar alguns tópicos que, acredito, possam ter a função de aguçar o interesse de pesquisadores da língua portuguesa sobre o tema pós e transhumanismo. Um dos editores do livro, Ranisch, é membro do Centro Internacional para a Ética nas Ciências e Humanidades da Universidade de Tübingen e no Centro de Ética da Universidade de Jena (ambas na Alemanha); e Sorgner é filósofo meta-humanista, diretor e fundador do site “Beyond Humanism” e professor de Filosofia na Universidade Cabot em Roma. O livro, publicado em inglês, pelo número de autores e diversidade de temas, soa como significativo arquivo de profundas reflexões sobre o ser humano e as possibilidades/não possibilidades (?) de interação efetiva com as tecnologias e suas implicações em todas as áreas do conhecimento científico. As passagens dos artigos com textos filosóficos, teóricos, históricos e propositivos, bem como ensaios críticos, colocam-nos frente a frente com a realidade do pensamento humano. Sim, porque se trata de pensamentos advindos de humanos que vislumbram, sugerem e posicionam-se criticamente a respeito de nosso devir interagindo com robôs, softwares, ciborgues, engenharia genética, entre outras tecnologias. Nos textos encontramos principalmente referências filosóficas em Platão, Aristóteles, Hegel, Kant, Agambem, Pico, Heidegger, Nietzsche, Habermas, entre outros, em momentos de confronto, comparações, afirmações, questionamentos que, com maestria, nos propõem pensar o agora, em relação às tecnologias, às instituições, às narrativas, à ética, à natureza e a duvidar de nosso raciocínio, de nosso conhecimento em relação à nossa condição humana.

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Editado por Robert Ranisch e Stefan Lorenz Sorgner – Editora Peter Lang, Frankfurt am Main, 2014. Magda Vicini - Doutora em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Professora - Artista Plástica Pesquisadora do Instituto Federal do Paraná – IFPR - Palmas. Magda apresentou sua tese de doutorado sobre Joseph “Beuys - conceito de Escultura Social como tradução criativa” na Vª Conferência Beyond Humanism em Roma (Itália), 2013; apresentou artigo “Levantando Reflexões: arte e pós-humanidade – Vendem-se Infâncias” durante a VIª Conferência ´Beyond Humanism´em Mytilini (Grécia), em 2014. Apresentou também sua pesquisa “Projetos de Reforma de residências de crianças em vulnerabilidade social” no Glocal Symposium – Posthumanism and Society, em Maio de 2015, organizado pelo Grupo de Pesquisas em Pós-Humanismo da Universidade de Nova Iorque (EUA). 2

2 No Brasil, uma das primeiras pesquisadoras a escrever sobre o pós e trans-humanismo foi a professora Lucia Santaella (PUC-São Paulo) no livro “Cultura e Artes do Pós-humano” em 2003. Também disponível em solo brasileiro, o livro “Cybercultura e Pós-humanismo”(2008) do Professor da PUC-RS, Francisco Rüdiger. Como exemplifico, existem poucos livros brasileiros acerca do assunto, e acredito que este (editado em 2014), de produção alemã, surge para propor um pensamento atualizado e abrangente sobre a compreensão da filosofia e movimento cultural pós e trans-humanista, latentes na Europa e Estados Unidos. Os textos no livro abrangem os temas: religião, filosofia, utopias, ficção, política, moral, ciência, utopia, ética, ontologia, natureza, evolução, corpo, bioarte, arte e mídia, literatura ficcional e ficção científica, cinema e música. Na tessitura destes textos, cada autor procura definir pós e trans- humanismo de forma que pode até parecer exaustiva ou, por vezes, repetitiva, contudo justifica-se sempre esta ênfase em esclarecer, pela fundamentação empreendida a cada assunto discutido. A introdução elaborada por Stefan Lorenz Sorgner - editor do livro juntamente com Ranish-, procura mapear a amplitude de divergências e confluências entre pós e trans-humanismo, preparando o leitor para uma profunda viagem nos três tempos: passado, presente e futuro de reflexões e questionamentos filosóficos. Dentre as trezentas e dez páginas do livro, ressalto alguns aspectos a seguir. Steve Fuller (Universidade de Warwick - Inglaterra), falando sobre “Evolução”, define no livro que “o típico ponto de partida para a discussão de pós e trans-humanismo é a geral insatisfação com o atual estado da humanidade e o sentimento de que – por melhor ou pior e por concepção ou não - estamos a um passo de mudança ontológica, de forma que seremos seres fundamentalmente diferentes de nós mesmos” (p.201). O autor apresenta fundamentos a partir de Darwin, Lamarck, Galton em conexão às propostas pós e trans-humanistas. Na percepção de Hava Tirosh-Samuelson (Universidade do Arizona), a noção de religiosidade trans-humanista pode ser compreendida como todas as concepções religiosas, pois persegue a perfeição e o melhoramento humano, eliminando o mal-estar social como pobreza, doenças e sofrimentos; mas que o sentido de “transcendência” difere do que se conhece como religião. Qual religião não busca esses mesmos objetivos propostos pelo trans-humanismo? Samuelson situa o trans-humanismo como tendência religiosa, mas não como religião em si. Segundo ele, alguns autores e adeptos luteranos, cristãos ortodoxos, igreja dos santos dos últimos dias apoiam este movimento, sendo esta aceitação voltada ao princípio da theosis, o conceito de progresso eterno dos humanos, e o conceito de um Deus avançado. Há uma compreensão de que o homem seria partícipe criador da continuidade do universo, uma vez que foi-nos concedido o livre-arbítrio por Deus. Um dos filósofos que formam as bases destes dois movimentos culturais ou filosofias em questão no livro é Friederich Nietzsche que, na visão do professor de filosofia da Universidade de Nova Iorque, Yunus Tuncel, o pensamento de Nietzsche influenciou muitas interpretações por filósofos, escritores, artistas e ideólogos, promovendo ecos em diversas áreas do conhecimento. Sua percepção o leva a demonstrar no livro as conexões e divergências da filosofia do poder de Nietzsche que podem ser vistas como uma visão ancestral do pós-

3 humanismo e do trans-humanismo. Em relação ao pós-humanismo, Tuncel (p.86) acredita que “se possa estabelecer uma conexão entre a filosofia do poder em Nietzsche, com as reflexões sobre o poder no pós-humanismo, da mesma forma que se estabelece em Deleuze, Foucault e outros, na relação entre a imanência do poder, formas de poder ativo e reativo, poder como afetação, problemas disciplinares de poder, e, ainda, e que as relações de poder são constituídas em relação ao conjunto de conhecimento e princípios de verdade dentro de seu próprio contexto histórico”. Outro aspecto que vale ressaltar dentre os capítulos do livro, são as reflexões de Ranish (p.165), no sentido de seu questionamento sobre a moralidade e ética em relação aos conceitos de pós e trans-humanismo: “O que, apesar de tudo, poderia significar melhorar a “moralidade” biotecnologicamente? Mesmo que fosse possível influenciar o comportamento humano em um caminho desejável, manter-se-ia uma questão aberta com a organização moral”. Muito instigante, no contexto desta publicação, é também a discussão de autores que evidenciam a extensão da vida, ou seja, formas de perpetuar, estender o tempo de permanência de uma vida sobre a terra. Os professores Dickel (Universidade de Munique) e Frewer (Universidade de Erlangen) apresentam essas ideias, seja com a nano-medicina, uploading de memórias ou mentes ou a partir da criogenia, como defende a proposta transhumanista. As interlocuções na maioria dos textos do livro são dadas considerando autores oponentes, ou até mesmo a favor de banir alguns dos objetivos, como por exemplo, do trans-humanismo, apresenta Martin G. Weiss falando sobre a Natureza. Weiss expõe o ponto de vista de alguns opositores do trans-humanismo, como Fukuyama, Resnik e Georgen Annas, este último afirma serem “as tecnologias de melhoramento humano como “armas de destruição em massa”, qualificando como um perigo à natureza e dignidade humanas” (Annas, 2000, p.773, apud Weiss, p. 192). Assim como Ranish, falando sobre Moralidade, contrapõe versões em direção à ideia de mudança e escolha genética para os filhos, questionando entre outros pontos as noções de autenticidade, a partir da proposta trans-humanista sobre a engenharia genética. A filósofa italiana, professora da Universidade de Nova Iorque, Francesca Ferrando (p. 220), em seu texto, introduz a noção de corpo em relação às concepções pós e trans-humanistas. Para autora, “o Pós-humanismo abre radicalmente a alteridade e as extensões de diversidade e, portanto, reflete em uma personificação humana alternativa”. Enquanto que, na concepção trans-humanista, o corpo pode receber e melhorar as habilidades humanas, como a medicina regenerativa, extensão radical da vida, uploading de mentes, engenharia genética e técnicas cirúrgicas como realiza a artista trans-humanista Vita More (p.222). Tendo surgido a filosofia e movimento pós e trans-humano há cerca de 30 anos, a arte não poderia ficar distante de uma análise e uma produção que expresse uma reflexão e atitude diante de ideias em algum sentido radicais, mas ao mesmo tempo, que anunciam um “vir a ser” de nosso planeta e dos seres humanos. Neste sentido, o professor Andy Miah (Universidade Oeste da Escócia), apresenta os possíveis entrelaçamentos dos artistas pós e trans-humanistas à Bioarte, apresentando seus possíveis limites para conseguir defini-la. Miah cita artistas como o grego Stelarc, o brasileiro Eduardo kac, a inglesa Kira O´Reilly, os trabalhos

4 dos designers e professores ingleses Dunne & Raby´s e Michael Burton, podem ser relacionados com pós e trans-humanismo. Ressaltando de forma simplificada, segundo o próprio autor, a prática artística que defende a transgressão dos limites biológicos, (ciência e tecnologia) seria típico da arte trans-humanista, enquanto aqueles trabalhos de arte focados no aprofundamento de relações biopolíticas (consequências sócio-políticas) são mais caracterizados como arte pós-humanista”. O autor considera a bioarte uma prática que tem criado relações colaborativas entre cientistas e artistas/designers, ampliando a expressão criativa e o desenvolvimento de conhecimento sobre o campo da biologia. Nesse sentido, Myah ressalta que o trabalho do brasileiro Eduardo Kac faz parte de artistas que rejeitam ser chamados de bioartistas, mas que suas obras são consideradas arte transgênica. Com o título de New Media Art, a professora de Arte da Universidade de Aegean (Grécia), Evi Sampanikou, indica os predecessores da arte pós e trans humanista, citando por exemplo, a arte conceitual de Joseph Beuys (1921-1986), além de Bill Viola (1951) e Nam June Paik (19322006). Para situar o estado atual da arte pós e trans-humanista, Sampanikou destaca Shirin Neshat (Iraniano, 1957), William Kentridge (sul-africano, 1955). Este último, voltado para a animação, ressaltando questões raciais, conflitos e a transformação da sociedade, declara que seu interesse é a arte política [...] a arte de gestos inacabados e certo fim. As linguagens da literatura de ficção, apresentado por Domna Pastourmatzi e de cinema, por Dónal P. O´Mathúna estão definidas, nestas breves frases abaixo, para poder dar ao leitor uma breve noção do tom dos textos, a partir das concepções pós e trans-humanistas: Ficção científica é um veículo de ideias e um fórum para debate; ela pode facilitar a recepção ou estimular uma avaliação crítica dos novos paradigmas científicos e os movimentos tecnocráticos radicais, os quais cativam tecnoentusiastas (como empresários e cientistas no Vale do Silício e NASA). [... ] Em geral, a literatura especulativa, como qualquer outra atividade intelectual, pode ser explorada por escritores com uma posição ideológica para promover desafios ou derrubar as fantasias, convicções e valores de tendências fortes e movimentos como o trans-humanismo e póshumanismo.” (PASTOURMATZI, p.282) “Os filmes discutidos aqui (no livro), geralmente levantam a questão de Deus. Não, como poderia ser esperado, no sentido de que as tecnologias estariam brincando de Deus. [...] Frankenstein está direcionado a encontrar seu criador. Os replicantes em Blade Runner querem encontrar seu fabricante, para entender e prevenir a morte. [...] Vida longa com melhora de capacidades deixa questões de significados sem resposta. Em Surrogates, O profeta aponta para diferentes buscas de significado. {...} Ficção científica questiona as velhas questões sobre a vida. [...] Pós e trans-humanismo são as últimas tendências em uma longa linha de propostas”. (O´Mathúna, p.204)

No desenvolvimento de seus textos no livro, além da introdução e do texto “Pediree”, o filósofo Sorgner enfatiza seu posicionamento sobre o meta-humanismo, isto é, a aproximação de interpretações entre o pós e o trans-humanismo, a partir também da produção musical.

5 Sorgner inicia relacionando a perspectiva do filósofo de arte Wolfgang Welsch, o qual refere que todas as linguagens da arte contemporânea apresentam um caráter de não dualidade: razão/paixão, natureza e cultura, ou mente e corpo, entre outras, mas que a partir da visão de Nietzsche sobre esta não dualidade, a música representa melhor a perspectiva não dual. O autor passa pelo inglês Neil Harbisson, as instalações de Chico MacMurtrie e seu grupo Amorphic Robot Works, Philip Glass entre outros. Na perspectiva musical, Stefan Sorgner apresenta uma análise sobre o músico Michel Nyman, como exemplo explícito de reflexões trans-humanistas, as quais se transformaram na opera Facing Goya (2000), sobre a ética médica, na pretensão de ser criado um clone do artista espanhol. O livro “Post- and Transhumanism: an introduction” pode ser considerada uma leitura obrigatória para nos situarmos no pensamento da filosofia e cultura que estamos construindo (?) para a formação/construção humana, que inseparavelmente está ligada a todo o universo natural e artificial, assim como às próteses, hardwares, softwares e engenharia genética. E faznos duvidar quanto à tradicional afirmação de que nossa formação ainda está ligada à ontologia, ou seja, ao ser total. Minha crença neste sentido se apoia à concepção póshumanista, no sentido de perceber criticamente o ser social e transcendental que (ainda) somos. Mas os textos do livro editado por Sorgner e Ranisch nos subsidiam e motivam a acreditar neste universo de seres, pensamentos, criações, dúvidas e contradições da natureza humana, considerando o universo, não mais antropocêntrica.

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