Apropriações de Paulo Coelho por usuários de uma Biblioteca Pública : leitura popular, leitura popularizada.

July 3, 2017 | Autor: Richard Romancini | Categoria: Popular Culture, Reading, Paulo Coelho
Share Embed


Descrição do Produto

Richard Romancini

Apropriações de Paulo Coelho por Usuários de uma Biblioteca Pública: leitura “popular”, leitura popularizada

Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Ciências da Comunicação, na área de concentração Comunicação e Estética do Audiovisual

Orientadora: Profª Drª Anna Maria Balogh

São Paulo 2002

ard Romancini

Apropriações de Paulo Coelho por Usuários de uma Biblioteca Pública: leitura “popular”, leitura popularizada Richard Romancini

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito parcia

l para a obtenção do título de mestre em Ciências da

i

Richard Romancini

Apropriações de Paulo Coelho por usuários de uma biblioteca pública: leitura “popular”, leitura popularizada

Banca Examinadora

Membros

______________________________________________ Profª Drª Anna Maria Balogh - orientadora

______________________________________________ Profª Drª Maria Immacolata Vassallo de Lopes

______________________________________________ Prof. Dr. Juan Guillermo Droguett

ii

À P.H.A.

iii

Agradecimentos O número de pessoas que colaborou para a realização deste trabalho, desde nosso ingresso no Programa de Pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes, é grande, o que sem dúvida demonstra que a atividade de pesquisa é bem menos solitária do que pode parecer. A todas essas pessoas dedicamos sinceros agradecimentos. Em primeiro lugar gostaríamos de mencionar a Profª Drª Anna Maria Balogh, orientadora deste trabalho, não só pela confiança nesta pesquisa e por colaborações importantes, mas também por ser (junto com o Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa, a quem também agradecemos) responsável por nosso ingresso no ambiente da pesquisa acadêmica e na pós-graduação. Os membros de nossa banca de qualificação, o Prof. Dr. Juan Guillermo Drogett e a Profª Drª Maria Immacolata Vassallo de Lopes fizeram sugestões e críticas, que melhoram o trabalho final, o que registramos aqui. À professora Immacolata devemos ainda exemplos de generosidade na transmissão do conhecimento, em sala de aula e no convívio em pesquisas coordenadas pela professora, das quais tivemos o orgulho de participar. Um agradecimento especial deve ser feito aos leitores que aceitaram colaborar com este trabalho, bem como aos funcionários e à chefia da biblioteca em que localizamos os leitores. São importantes também as menções dos seguintes nomes: Prof. Dr. Aníbal F. A. Bragança, Prof. Dr. Alberto Efendy Maldonado e família, sra. Belina Antunes (do Instituto Paulo Coelho), editor Ernesto Emanuele Mandarino, Profª Msª Cláudia Lago, Cristina Yamasaki, Cristine Vargas Pereira, Prof. Dr. Daniel Moreira, Eliany Salvatierra Machado, Profª Msª Fatimarlei Lunardelli, Franco Marino, Profª Drª Isabel Travancas, Jane Marques, Profª Drª Jiani Adriana Bonin, Lílian Escorel, Luís Henrique Manhães e Levy de Araújo Mota, Profª Drª Márcia Abreu, Profª Msª Maria Ataíde Malcher (ajuda providencial, como sempre), Profª Msª Maria Isabel Orofino Schaefer, Mariana Zanata Thibes, Profª Drª Marisa Lajolo, Marcelo do Couto (do IPC), Mirian Zanate Villalba e Sueli Rodrigues (funcionárias das ECA, que simbolizam a dedicação de uma série de outros deles), Paulo Coelho, Pedro Lopes (do sebo 264), Profª Drª Sandra Reimão, Sylvio Passos (do Raul Rock Club), Prof. Dr. Rui Coelho Barros Filho (in memoriam), Profª Drª Tânia Piacentini, Valéria Bari e Valéria Zanchitta. Agradecemos também à CAPES, pela bolsa de mestrado, imprescindível para a realização deste trabalho.

iv

Resumo

A pesquisa objetivou analisar as formas de apropriação de produções ligadas a Paulo Coelho, por parte de um grupo de leitores. Esta preocupação dirigiu-se no sentido de buscarmos elementos para compreensão de fatores explicativos dos vínculos entre este produtor e certo tipo de receptor – no caso da investigação qualitativa realizada, usuários de uma biblioteca pública. Este nexo foi escolhido, pois poderia projetar uma “leitura popular” do autor em análise. O sentido da “leitura popular” neste trabalho relacionou-se às formas de apropriação (Chartier) características do grupo. Ao mesmo tempo, a pesquisa contextualiza Paulo Coelho dentro do mercado editorial e das práticas de leitura no Brasil, mostrando como a trajetória do escritor relaciona-se a um processo de profissionalização dos agentes do livro e ao maior acesso da população a este produto. Por isso, correlacionando estes elementos com os dados da pesquisa empírica com leitores, propomos a hipótese de reflexão de que a forte presença de Paulo Coelho no mercado editorial local deve-se em grande parte ao que chamamos “novos leitores”. Os quais seriam atraídos por um texto com forte legibilidade e capaz de propiciar “prazer” e “conhecimento” aos leitores.

v

Abstract

This research aimed at analyzing the ways a group of readers make the “appropriation” (as Chartier puts it) of Paulo Coelho’s literature. In this qualitative research, elements were searched in order to understand the links between the writer and a certain type of receptor: the user of public libraries. This relationship was chosen for it could reveal a “popular reading” of the referred author. “Popular reading” in this context is related to the the ways of “appropriation” that are typical of the group. Apart from that, the research places Paulo Coelho in the context of editorail market as well of the Brazilian readings inhabits. It also shows how the writer’s trajectory is related with the both the processes of turning book agents professionals and the of providing the population with a greater acess to the product. We connect these elements to the data gathered thourgh the empiric research made about the redears and then propose – as a hypothesis to be thought about – that Paulo Coelho’strong presence in the local editorial market is to large extent due to what we call as “new readers”. These “new readers” would fell atracted by strong legibility wich is able to provide them witn “pleasure” and “knowledge”.

vi

Mas onde o aparelho científico (o nosso) é levado a partilhar a ilusão dos poderes de que é necessariamente solidário, isto é, a supor as multidões transformadas pelas conquistas e pelas vitórias de uma produção expansionista, é sempre bom recordar que não se devem tomar os outros por idiotas. Certeau (1996, 273)

vii

Sumário INTRODUÇÃO..................................................................................................

1

O percurso para a construção da problemática da pesquisa........................................

1

A importância dos referenciais metalingüísticos.........................................................

5

Os objetivos da pesquisa.............................................................................................

8

A estrutura da pesquisa................................................................................................

10

CAPÍTULO 1 - Leitores, receptores: entre liberdades e contingências............

19

Concepções sobre a apreensão da leitura....................................................................

21

Apropriação.................................................................................................................

27

Mediação.....................................................................................................................

31

Cultura popular e cultura massiva...............................................................................

35

Literatura popular, leitura popular...............................................................................

39

CAPÍTULO 2 - Leitores, modos de pesquisar, modos de compreender.............

45

O universo de trabalhos e a composição da amostra...................................................

49

Objetivos e perspectivas das pesquisas.......................................................................

57

Para quê e como são mobilizados os “leitores empíricos”..........................................

60

A incorporação dos trabalhos na pesquisa..................................................................

64

A estratégia metodológica da investigação com leitores.............................................

69

CAPÍTULO 3 - Paulo Coelho, um autor singular: da “cultura das bordas” ao “centro” ......................................

79

Os primeiros livros e o encontro com Raul Seixas.....................................................

80

Auto-edição, edições “populares”: traços da “cultura da bordas”...............................

89

Da “cultura das bordas” ao “centro”, de “mago” a “escritor”.....................................

102

CAPÍTULO 4 - A construção de um público: contextos, instâncias profissionais e textos ..............................

107

O contexto do mercado editorial e da leitura no Brasil e Paulo Coelho.....................

108

A profissionalização do escritor e a construção de público........................................

117

Análise dos primeiros sucessos de Paulo Coelho........................................................

124

viii

CAPÍTULO 5 - Leitores de uma biblioteca pública paulistana.........................

147

Os leitores: o universo e a amostra da pesquisa..........................................................

153

Contextos da leitura: trajetórias e modalidades...........................................................

159

Consumo de Paulo Coelho: prazer e conhecimento...................................................

165

CONSIDERAÇÕES FINAIS- Complexo, mas não caótico...............................

169

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................

172

ÍNDICE DOS QUADROS ILUSTRATIVOS Quadro Ilustrativo 1: A telenovela Brida.......................................................................

16

Quadro Ilustrativo 2: Paulo Coelho na grande imprensa: alguns paratextos.................

17

Quadro Ilustrativo 3: Imagens do autor.........................................................................

18

Quadro Ilustrativo 4: Práticas editoriais ligadas ao neo-esoterismo..............................

43

Quadro Ilustrativo 5: A editora ECO: espiritismo, ocultismo, magia... e literatura......

44

Quadro Ilustrativo 6: Os primeiros livros de Paulo Coelho..........................................

104

Quadro Ilustrativo 7: A parceria com Raul Seixas........................................................

105

Quadro Ilustrativo 8: Os primeiros sucessos editoriais de Paulo Coelho......................

106

Quadro Ilustrativo 9: As mutações do texto e os produtos derivados...........................

144

Quadro Ilustrativo 10: Diferentes livros para diferentes públicos; estratégias editoriais...

145

Quadro Ilustrativo 11: Os livros de Paulo Coelho desde O diário de um mago................

146

ÍNDICE DOS QUADROS DESCRITIVOS Quadro Descritivo I: Pesquisas sobre práticas específicas de leitura............................

55

Quadro Descritivo II: Pesquisas sobre práticas de leitura de modo geral.....................

56

Quadro Descritivo III: Remissões entre os trabalhos analisados...................................

64

Quadro Descritivo IV: Estrutura de enredo dos livros de Paulo Coelho analisados.....

129

Quadro Descritivo V: Estrutura de textos e paratextos nos livros analisados...............

132

Quadro Descritivo VI: Oposições axiológicas nos livros analisados............................

138

Quadro Descritivo VII: Universo de leitores de Paulo Coelho na biblioteca................

154

ix

ANEXOS Anexo 1: Formulário básico de acesso aos leitores.......................................................

181

Anexo 2: História de vida de leitura (roteiro e exemplo)..............................................

182

Anexo 3: Relato de leitura.............................................................................................

195

Anexo 4: Questionário sobre o nível socioeconômico do leitor e seu consumo cultural.....................................................................................

196

Anexo 5: O consumo de Paulo Coelho e a compreensão sobre seus livros (roteiro)....

201

Anexo 6: Dados Gerais sobre os Usuários da Biblioteca..............................................

203

Anexo 7: Entrevista com Paulo Coelho.........................................................................

204

Anexo 8: Dados sobre o Mercado Editorial e a Leitura no Brasil.................................

207

x

Introdução

Pesquisar a interação, as formas de apropriação e recepção de um grupo de leitores de Paulo Coelho com determinadas produções que envolvem este autor – especificamente os livros que garantiram ao escritor grande aceitação de público, O diário de um mago (1987), O alquimista (1988) e Brida (1990) – é o objetivo principal da pesquisa relacionada à nossa dissertação1. A partir desta ancoragem, fizemos determinados recortes que deram forma à investigação, reforçando a importância da análise da prática de leitura, situada num determinado contexto social, como instância de legibilidade para algumas das relações entre a literatura de Paulo Coelho e leitores “populares” nos dias de hoje. Com efeito, elementos da investigação proposta – adiante detalhados –, como a reconstrução histórica da trajetória do autor ou a análise de alguns de seus trabalhos, não só convergem para a questão da leitura, mas têm origem e são conformados por ela. Foi com o propósito de aproximar-se do objeto para compreendê-lo, que assumimos o fato de que estes aspectos possuem dimensões estreitamente vinculadas à recepção. A estruturação da pesquisa foi uma etapa complexa, intrinsecamente ligada ao nosso amadurecimento relativo à atividade de investigação acadêmica. Procuramos, no próximo tópico, relatar este percurso.

O percurso para a construção da problemática da pesquisa O processo de construção da problemática da investigação implicou, tanto em efetivas tomadas de decisão, a partir de modelos teóricos incorporados, da análise da experiência alheia, quanto em eventos ou circunstâncias casuais, que, de formas diversas, influíram decididamente no processo de estruturação da pesquisa. O exemplo mais evidente deste último aspecto é o fato de que, no princípio, nossa intenção era cotejar a recepção de uma adaptação de Paulo Coelho para a televisão, no 1

Observações: Optamos por traduzir todas as citações em língua estrangeira, ao longo do trabalho; no caso de textos eletrônicos cuja citação textual ocorre a partir deste suporte, o número que se segue à data de publicação corresponde ao parágrafo do trecho citado, o que é indicado pelo sinal §.

1

formato de uma minissérie, com o envolvimento desta audiência com os textos deste autor. A adaptação, que provavelmente coincidiria com o prazo desta pesquisa, conforme notícias publicadas na imprensa2, não foi feita, o que ensejou uma série de reestruturações. Conhecíamos, é claro, a adaptação feita pela Rede Manchete, em 1998, do livro Brida para o formato de telenovela. No entanto, esta primeira tentativa de adaptar Paulo Coelho para a televisão apresentou problemas, devido às dificuldades econômicas enfrentadas pela emissora na época. Assim como, pela incapacidade da produção em agradar e conquistar os leitores de Paulo Coelho e outras audiências, a despeito da ampla campanha publicitária que cercou o produto, envolvendo anúncios em jornal, do marketing ligado ao fato de representar a primeira adaptação para TV de Paulo Coelho (ver Quadro Ilustrativo 1, p. 16) e da direção ter sido deixada a cargo de Walter Avancini, um diretor bem conceituado na área da teledramaturgia. A relativa simplicidade da ficção do autor (que será discutida, posteriormente, no capítulo 3) não se coaduna ao esquema tradicional de “estrutura sinusoidal” (Eco, 1970) que preside, em geral, as telenovelas. Isto exigiu a criação de tramas paralelas que, conforme verificamos num levantamento com leitores de Paulo Coelho, fugiram ao que era entendido o “estilo” do autor. “Achei completamente fora do livro”, “Não acredito nesse tipo de adaptação, ainda mais quando soube que no livro tinham (sic) seis personagens e na novela, 47”, foram as opiniões correntes sobre a produção, por parte de alguns fãs que responderam a um pequeno questionário enviado por nós pela Internet. O questionário foi remetido quando a novela era transmitida a leitores que faziam menção a Paulo Coelho em páginas da rede. De modo geral, as respostas foram bastante lacônicas, entretanto a rejeição à adaptação mereceu mais comentários, como os citados. Além dessa percepção da ocorrência de um baixo nível de “fidelidade” ao universo do autor, os problemas econômicos da emissora também afetaram a qualidade do produto3.

2

Entre outras matérias: “Paulo Coelho marca ponto na Manchete e na Globo” (O Estado de S. Paulo, 16 de agosto de 1998), “Paulo Coelho faz ‘Globo Repórter’” (Folha de S.Paulo, 7 de junho de 1999). Em 2001, foi informada a possibilidade da Rede Globo retomar o projeto, já que os direitos para a adaptação pertencem a esta emissora (cf. “Globo volta a planejar ‘Diário de um Mago’”, Folha de S.Paulo, 4 de setembro de 2001).

3

Na época em que coletamos os dados expostos, o segundo semestre de 1998, cursávamos, na categoria de aluno especial, a disciplina “As adaptações de obras literárias brasileiras, no cinema, TV e vídeo”, ministrada pela Profa. Dra. Anna Maria Balogh, nossa orientadora, e utilizamos estas informações, na monografia final do curso, para discutir o insucesso da adaptação.

2

Em resumo, tanto do ponto de vista da audiência e repercussão, quanto das qualidades intrínsecas da telenovela, a idéia de estudar a produção, conforme os objetivos expostos, ficou prejudicada e foi abandonada. No entanto, fazendo um reexame dos momentos pelos quais passou este projeto, desde o seu primeiro esboço até as posteriores reescrituras, é possível dizer que foi mantida uma coerência num ponto central: a importância dada ao pólo receptor. É este fator que fez com que a pesquisa, seguindo pistas e trajetos sobretudo da área da comunicação, adotasse o formato de um estudo de caso de recepção de caráter exploratório – no caso, de uma comunidade de leitores de uma biblioteca pública do município de São Paulo. (Ressaltamos, por outro lado, que este movimento ganhou complexidade, na medida em que indagar a recepção, mesmo que de um grupo específico, implica apreendê-la sob diversos ângulos: o que na produção remete à recepção, nas condições materiais de acesso ao livro, nos circuitos do mesmo, etc. Isto foi se tornando cada vez mais claro conforme o trabalho era desenvolvido e acreditamos que demostraremos a importância deste passo no decorrer do trabalho.) Voltando à trajetória da pesquisa, diríamos que as reformulações da proposta, propriamente teóricas e metodológicas, acabaram fortalecendo-a no sentido de entender o consumo de Paulo Coelho por determinado grupo social. Posteriormente discutiremos os supostos e hipóteses teóricas que sustentam a relevância desta decisão. Aqui gostaríamos simplesmente de destacar estes dois pontos: de que a realização de qualquer pesquisa é um longo (e por vezes penoso) trajeto, no qual está envolvida a aquisição de um saber básico para a execução da tarefa. E que este aspecto, por sua vez, implica na própria redefinição do que havíamos entendido sobre a natureza do empreendimento. Assim, ao avaliar este duplo movimento, percebemos que uma série de pré-noções ou definições demasiado “operatórias” foram abandonadas (por exemplo sobre a natureza da literatura de auto-ajuda ou quanto as práticas de leitura “popular”). Do mesmo modo que passamos a levar em conta aspectos que não haviam sido inicialmente visualizados (como a mediação editorial). A respeito de tudo que foi dito, vale a pena notar: não éramos leitores de Paulo Coelho. Isto não é dito nos termos de um álibi cultural – e a necessidade deste enunciado já diz muito sobre a posição ocupada por Paulo Coelho no sistema cultural brasileiro.

3

Interessa, sim, observar que, em primeiro lugar, ninguém fica alheio à circulação de diferentes discursos sobre o autor. As estratégias envolvidas na transformação do autor em best-seller (como as campanhas de lançamento de livros, participação do autor em eventos de televisão) e a veiculação de um grande número de textos mediáticos sobre ele, diferentes “paratextos”4 (ver Quadros Ilustrativos 2 e 3, p. 17 e p.18) tornam isso inviável. Era, portanto, impossível não formar algum tipo de opinião sobre ele. O problema representado por isso não é quanto à existência de pré-noções, inevitáveis, mas que elas permanecessem sempre neste estado e não fossem problematizadas. De modo que foi importante tentar recuperar nosso olhar inicial sobre o objeto de investigação. Assim, notamos que, tal como foi formado nosso conhecimento sobre Paulo Coelho, os traços mais marcantes estavam relacionados ao que poderíamos chamar de “discurso de perplexidade”. Em outras palavras, como é que, a partir de uma suposta baixa qualidade literária e de um contexto no qual pouco se lê, ocorre um sucesso deste tipo? Ao abordarmos mais concretamente o objeto, estas pré-noções foram reconstruídas em termos mais pertinentes, tais como: no que consiste a suposta “baixa qualidade” de Paulo Coelho, ou o que é entendido como um nível baixo de leitura? Por outro lado, o fato de Paulo Coelho não ser uma leitura corrente da nossa parte conduziu a um certo cuidado, senão mesmo respeito5. A partir de preocupações, como as mencionadas, foi interessante notar, igualmente, que o estudo feito por um admirador de Paulo Coelho atingiria dimensões que escapariam ao nosso olhar6. Isso era um dado, cujo 4

O termo “paratexto” refere-se a “toda a série de mensagens que acompanham e ajudam a explicar determinado texto – mensagens como anúncios, sobrecapa, título, subtítulos, introdução, resenhas, e assim por diante”, conforme Genette (apud Eco, 1994, 150). Ele é análogo, mas menos amplo, que termos, utilizados em relação a produtos audiovisuais, como “paraserialidade” (cf. Balogh, 1996, 136-138) e “intertextualidades” (Fiske, 1987, 108-109). O termo “paratexto” é utilizado por nós, num primeiro momento, num sentido amplo, pois como se observa no Quadro Ilustrativo 2 (p. 17), os “paratextos” jornalísticos podem abordar não só as obras de Paulo Coelho, mas sua biografia, posição dentro do mercado e outros temas. Assim, mais do que “explicar” o sentido de algum texto, eles irão agregar-se aos elementos com os quais o leitor construíra o sentido sobre a obra. No caso da análise dos livros, realizada no Capítulo 4, porém, utilizamos a dimensão mais restrita do termo, ou seja, os textos do volume que não fazem parte do texto principal do mesmo. 5 É possível aproximar essa postura ao “calafrio epistemológico”, expressão utilizada por Martín-Barbero ao referir-se à sensação que teve ao assistir um melodrama num cinema de periferia, com seus alunos. Quando o professor e os alunos, entediados, começaram a conversar, foram repreendidos pelo público, de “homens emocionados até as lágrimas, vivendo o drama com um prazer formidável...”. Esta observação resultou numa pergunta-chave, quanto à “necessidade de ler a cultura de massa a partir de outro ‘lugar’ [...]: o que, na cultura de massa, responde não à lógica do capital, mas sim a outras lógicas?” (Martín-Barbero apud Mattelart e Mattelart, 1988, 119-120). 6 Ver Freitas (1998), no entanto, a autora, que se coloca desde o início como admiradora do autor, pouco trabalha este elemento como uma perspectiva de investigação rigorosa. Ao invés de utilizar o ponto de vista do fã para (des)construir as categorias de análise pertinentes ao objeto, este discurso foi inserido na investigação sem a devida mediação. Retomaremos alguns pontos desta e outras pesquisas que abordam leitores, no segundo capítulo. 4

reconhecimento poderia contrabalançar qualquer tentação de afirmar uma “superioridade” sobre o objeto e seus consumidores. Procuramos, portanto, assumir um sentido de relativismo cultural, que não se confundisse com a ausência de senso crítico ou complacência. O estudo de Paulo Coelho e seus leitores foi sendo, então, construído, em vários sentidos, contra a aparência de evidência que o “sucesso” dessa produção pode apresentar. Impôs-se, por isso, a preocupação em problematizar aspectos de interesse sobre o objeto. Em outros termos, conhecê-lo melhor e buscar categorias analíticas pertinentes.

A importância dos referenciais metalingüísticos Para que o exposto não se assemelhe a um discurso repleto de boas intenções, mas que está dissociado de uma prática efetiva de investigação, seria interessante mencionar alguns exemplos. Eles ilustram como o questionamento de pré-noções, a partir do uso de categorias teóricas e modelos de inteligibilidade, revela-se não somente útil, mas imprescindível. Como é possível observar no Quadro Ilustrativo 2 (ver p. 17), um dos tópicos mais destacados pela imprensa a respeito de Paulo Coelho é a qualidade de “fenômeno” atribuída a seu êxito mercadológico. Da maneira como o discurso jornalístico desenvolve este assunto, de modo geral, são negligenciados uma série de temas que fazem com que, menos do que um “fenômeno”, o caso apresente características típicas de uma estratégia editorial bem sucedida. Nesse sentido, a categoria de “mediação editorial”, que tem nas formulações de Chartier (1998) o principal apoio, foi da maior importância para questionar esta noção de sucesso “espontâneo”, atribuída ao autor em análise. Foi a reflexão sobre esta categoria que conduziu a pesquisa para um rastreamento das primeiras edições do autor, bem como para a compreensão das práticas editoriais ligadas a estes produtos. Já nos parecia importante, no início, analisar este temas, através do estudo da materialidade7 de alguns livros. Esta decisão terminou, entretanto, sendo realçada, à medida que a investigação dos livros passou a revelar um circuito de leitura bastante diverso do atual e, dessa forma, toda a pertinência da estratégia. 7

Por “materialidade”, nos referimos a todos os elementos que compõem o objeto livro: tipografia, grafismos e sua disposição; fatores relacionados à constituição física do volume (papel, acabamento), etc. 5

Em menor grau, nesse sentido, a proposta de estudo do livro como um “meio de comunicação”, feita por Darnton (1998), que destaca o papel dos diferentes agentes do livro (autores, mas também editores, produtores, etc.) e públicos, foi também importante. Ela permitiu problematizar a crença de que o êxito ou fracasso de um produto editorial possa estar separado de um determinado circuito cultural, específico e histórico. Destacaríamos, por fim, que tais questões refletem-se igualmente no estudo dos próprios leitores, pois fornecem dados para compreender os receptores presumidos pelos livros, aqueles aos quais eles objetivaram dirigir-se, em algum momento. Ao mesmo tempo em que o estudo diacrônico evidencia mudanças nos protocolos de leitura e edição elaborados para estruturar as produções de sentido e, por conseguinte, os próprios públicos. De outro lado, este conhecimento baliza o conhecimento que se pode obter a partir dos próprios leitores, estabelecendo parâmetros entre suas leituras e os textos e materialidades (vide nota 7) aos quais eles têm acesso. Como observa Chartier (1998, 7071, os destaques são nossos): todo leitor diante de uma obra a recebe em um momento, uma circunstância, uma forma específica e, mesmo quando não tem consciência disso, o investimento afetivo ou intelectual que ele nela deposita está ligado a este objeto e esta circunstância. [...] há múltiplas experiências que são diretamente ligadas à situação do leitor e ao objeto no qual o texto é lido.

Assim, o questionamento sobre estes e outros aspectos ligados à pesquisa nos conduziram à convicção de que, em sua “banalidade”, a literatura de Paulo Coelho apresenta uma série de desafios para pensar a cultura brasileira hoje. Pois coloca perguntas da maior importância: por exemplo, Paulo Coelho representa um capítulo a mais da chamada “crise da leitura”, ou é justamente este viés de interpretação que pode ser questionado por literaturas à margem do sistema literário “legítimo”8, como a do autor? E quais são os elementos que colocam Paulo Coelho à parte deste sistema; em suma, o que entendemos por literatura? O que nós entendemos por experiência literária e o que os leitores de Paulo Coelho entendem por isso? Devemos, à maneira positiva, mas também condescendente, encarar este fato literário como um “degrau de acesso” a formas 8

“Legítimo”, porque aprovado pelas instâncias responsáveis pela definição do que é “literatura”: a crítica especializada, a academia. A este respeito ver Lajolo (1972, 17-19). Exemplar sobre o caráter histórico da definição do “literário” é a análise de Eagleton (2001, 23-73) sobre o que era compreendido nessa categoria na Inglaterra dos séculos XVIII ao XX. Neste caso, mostra o autor, ocorre uma modificação do conceito, com uma progressiva “ascensão do inglês” (isto é, de autores desta língua anteriormente fora do cânone literário), no contexto de uma luta discursiva que redefiniu o âmbito de estudo da literatura, com a inclusão de certos autores e gêneros e a exclusão de outros.

6

superiores – ou também aqui este próprio suposto inicial apresenta dificuldades? Ou ainda, em termos bastante práticos, quanto ao que podemos pensar sobre políticas de ação educativa: Paulo Coelho deve (oficialmente) ser lido na escola, e à medida que já possa ser, o que isso representa? Não temos, é evidente e devemos ressaltar, a pretensão de responder cabalmente a todas estas questões, assim como a muitas outras que estão subjacentes ao fato cultural representado por Paulo Coelho e seu largo consumo. No entanto, chamar a atenção para estes pontos tem sua importância: revela que o objeto é bem mais complexo do que pode, à primeira vista, parecer. Ao mesmo tempo, conforme expressaremos ao reiterar os objetivos do trabalho, intentamos obter algumas informações importantes sobre este consumo cultural. Elas provavelmente não fornecerão todas as respostas sobre os significados desta prática, mas, sem dúvida, trarão elementos para que a reflexão sobre questões, como as mencionadas, sejam melhor conduzidas. Um olhar mais minucioso sobre o objeto revela, portanto, muitos ângulos pertinentes ao entendimento da configuração do relacionamento entre os receptores e Paulo Coelho. Assim, da mesma forma que Meyer (1997) afirma que o folhetim é um fenômeno “poliêdrico”9, parece ser o caso também aqui. E é por isso que se deve, no nosso entender, recusar explicações demasiadamente simplificadoras, como as que colocam em foco somente consumidores ingênuos em busca de consolação, ou que projetam no campo cultural diretamente as transformações ocorridas no âmbito sociopolítico, para explicar o sucesso mercadológico de Paulo Coelho. Como ocorre, em grande medida, na análise sobre o autor em questão realizada por Maestri (1999), em trabalho que discutiremos adiante. Percebemos, portanto, uma complexidade, a partir da qual, paradoxalmente, um discursivo monocausal tem facilidade em instaurar-se. Assim, o caminho mais adequado parece ser o de manejar com cuidado as categorias implicadas na análise. Isto está relacionado, certamente, a uma delimitação do campo de pesquisa – e esta é definitivamente uma pesquisa em Comunicação e não em Teoria Literária, por exemplo. Ainda que muitos ângulos do problema remetam a interfaces com outras áreas, as

9

Em verdade, Meyer endossa a avaliação de Gramsci, que, em suas observações sobre a “literatura popular” (Gramsci, 1968), utilizou pela primeira vez o termo “poliêdrico”, em relação à multidimensionalidade de aspectos envolvidos na ampla aceitação do folhetim europeu. 7

apropriações subordinam-se à perspectiva exposta e devem ser feitas com as maiores precauções. O que significa, efetivamente, assumir esta posição no caso de nossa pesquisa? Significa compreender o campo da comunicação como um espaço privilegiado para a convergência de saberes que colaborem para problematizar, esclarecer e ajudar a interpretar questões sobre o objeto de estudo. Porém, a partir de critérios de pertinência ao entendimento do trabalho de Paulo Coelho como um fenômeno que instaura um processo de comunicação massivo complexo, multidimensional, como vimos. Assim: “Estudar a (cultura) comunicação requer converter-se em um especialista de intersecções” (GarcíaCanclini apud Lopes, 2001)10. Estamos interessados, pois, nos nexos entre a produção de um bem simbólico massivo e seu consumo, mais que em outros pontos, apesar de reconhecermos a amplitude do objeto. Daí a perspectiva exposta, a partir da qual focalizamos o problema e buscamos contribuições em diferentes campos.

Os objetivos da pesquisa Cabe agora, expormos novamente, e com maior clareza, os objetivos da pesquisa, a partir do recorte básico que foi elaborado no decorrer da investigação. Ele limita nosso âmbito de interesse e, conforme desejamos, dá maior solidez à proposta. Assim, do ponto de vista de uma sociologia da comunicação, ao mesmo tempo em que nos voltamos para a recepção de Paulo Coelho por leitores dos dias de hoje, elegemos como categoria-chave de análise o caráter “popular” desta leitura. Como é discutido com mais detalhes no próximo capítulo, tal enfoque está ligado a uma forma específica de apropriação, que em termos da pesquisa empírica correspondeu à escolha de um grupo de receptores com um traço mínimo de identidade (leitores de biblioteca pública) para o estudo de recepção.

10

As reflexões de Lopes (1998, 2001) sobre o “estatuto transdisciplinar” do campo da comunicação são, sem dúvida, inspiradoras de nossa postura. A autora nota, por um lado, que, no tempo histórico da sociedade global, “qualquer análise envolve necessariamente várias ciências” e que a “prática transdisciplinar pode se produzir através de movimentos de convergências e apropriações mútuas, tais como a partir da Comunicação são trabalhados processos e dimensões que incorporam perguntas e saberes históricos, antropológicos, estéticos” (Lopes, 1998, 3 e 6). 8

Há, como percebemos no desenvolvimento da pesquisa, e mesmo, como era esperado, clivagens nesse grupo (níveis diferentes de escolaridade, renda, idade). Confirma-se, contudo, um núcleo comum propício aos nossos objetivos, ou seja, os indivíduos situam-se em posições distantes do topo da escala socioeconômica e, no plano simbólico, têm concepções diferentes daquelas que estruturam os sistemas culturais “dominantes” – que, entre outras características, dedicam as maiores reservas ao consumo de Paulo Coelho. São leitores “comuns”, por assim dizer, de médios e baixos recursos econômicos. O objetivo geral da pesquisa é, pois, analisar as formas de apropriação de produções ligadas a Paulo Coelho por parte destes leitores. Tal objetivo explica-se no sentido de buscarmos elementos que possam explicar os vínculos entre este produtor e certo tipo de receptor – aquele que poderia projetar uma “leitura popular” desta produção. Ao procurarmos entender os vínculos entre esta produção e o grupo de leitores referido, temos então três objetivos secundários: 1) Identificar determinados modos pelos quais a produção literária de Paulo Coelho procura aliciar seus consumidores, deduzindo a modelização de leitor em alguns de seus livros e as estratégias textuais e editoriais que são postas em prática por um conjunto de produtos significativos. 2) Caracterizar o espaço ocupado pela recepção de Paulo Coelho, no grupo de leitores estudados, em relação a outras atividades de consumo cultural realizadas pelos mesmos. O que é importante, à medida que se parte da idéia de que apropriação e construção de sentido a partir da leitura de Paulo Coelho articulase a uma vivência de outras experiências culturais. 3) Descrever os sentidos correntes dados pelos indivíduos a esta atividade, tendo em mente que as representações dos leitores sobre esta atividade nem sempre correspondem a uma prática efetiva. Entretanto, estas representações, em si mesmas, podem ser um material útil para uma análise, desde que sejam caracterizadas como tais e analisadas a partir de questões definidas e pertinentes aos problemas da pesquisa.

9

A estrutura da pesquisa No primeiro capítulo do trabalho, procuramos apresentar as incorporações teóricas que estruturam nosso olhar sobre o objeto. Assim, se a pesquisa volta-se para o estudo, do ponto de vista sociológico do consumo cultural, da interação entre Paulo Coelho e leitores/ receptores, procuramos indicar os conceitos que estão permitindo nortear a pesquisa nesse sentido. Por outro lado, privilegiando como categoria-chave de análise o caráter “popular” da leitura, igualmente, indicamos a definição que adotamos a respeito dessa categoria. Como se sabe, há uma variedade de concepções que definem o que seria a “cultura popular”, a despeito de que os atores sociais nunca nomeiam suas práticas dessa forma. Por isso, deve-se saber que a definição da qual se parte é sempre construída. Isso implica em explicitá-la, tanto quanto justificar o que o entendimento assumido pode propiciar para o conhecimento do objeto em análise. Esta tarefa é realizada, neste primeiro capítulo, principalmente através dos aportes do próprio Chartier, em sua visada histórica sobre o conceito, que centra seu entendimento do “popular” menos em produtos do que em práticas, e de García-Canclini, que, mais voltado para a situação contemporânea, contribui no sentido de explorar as relações entre as dimensões massivas e “populares”, aspecto para o qual recorremos também ao conceito de “mediação”, elaborado por Martín-Barbero. Ainda neste capítulo, a idéia do consumo cultural como produção é discutida a partir das contribuições dos dois autores já citados, que desenvolveram conceitos importantes. Abordamos, então, a categoria de apropriação, formulada por Chartier, e a de mediação, proposta por Martín-Barbero. Procuramos aproximar tais conceitos e, ao mostrar alguns elementos de convergência das propostas, discutir a possibilidade das mesmas propiciarem instrumentos conceituais para nossa investigação. A respeito do trabalho teórico e de sua articulação com o nível empírico de nossa pesquisa, é importante destacar um ponto central. No nosso entender, o conceito de “mediação” possui um alto nível de complexidade. Ele aponta para uma série de aspectos importantes, configurando uma perspectiva de pesquisa em comunicação, em desenvolvimento. Seu enfoque integral dos processos comunicacionais11 é certamente original e, no nosso entender, fecundo. No entanto, por determinadas razões preferimos utilizar uma noção mais restrita de “mediação”, antes como uma possibilidade de perceber 11

Como já sugerimos e discutiremos adiante, a categoria ultrapassa a idéia da recepção como um “momento” destacável de outra etapa do circuito da comunicação, para efeito de análise.

10

determinados aspectos do objeto para o qual o conceito chama a atenção (em particular a articulação entre produtos massivos e o universo popular) do que como “o” enfoque da pesquisa. Os motivos que nos levam a esta decisão são basicamente três. Em primeiro lugar, a perspectiva das mediações é provavelmente melhor desenvolvida em trabalhos de equipe, o que não é o caso de nossa pesquisa. Isso ocorre devido à característica deste modelo de assinalar os diversos âmbitos ligados a esta categoria – as “mediações múltiplas”, nos termos de Orozco-Gómez (1997) – relacionados aos vínculos entre produtores, produtos e público. Um segundo ponto destaca o fato de que ainda há uma faixa de debate sobre os limites do conceito e mesmo sobre sua pertinência. Esta discussão é importante, porém, recuperar todas as posições sobre o tema, tentar confrontá-las, produzir uma conclusão e ainda desenvolver a investigação do objeto empírico é um trabalho que escapa, em muito, aos limites de nossa dissertação. Preferimos, pois, assumir alguns pontos ligados ao conceito que, no nosso entender, resultam em maior legibilidade sobre o objeto em estudo (tais aspectos são apontados no primeiro capítulo). Por fim, existe outro aspecto que justifica nossa opção: as principais propostas relacionadas à articulação entre mediação e recepção dirigem-se para o estudo da audiência de televisão. Dessa forma, Orozco-Gómez (1997), por exemplo, elabora uma operacionalização do conceito de “mediação” para a pesquisa empírica, baseada também em outras ancoragens teóricas (como a teoria da estruturação de Giddens). No entanto, nosso trabalho acabou dirigindo-se principalmente para a questão do consumo do livro – ainda que nos interessemos também pelas outras formas, através das quais os leitores estabelecem um contato com o “texto” (multimediático) de ou sobre Paulo Coelho. Seria possível, ainda que difícil, tentar adaptar o modelo para o nosso estudo da recepção, mas isso exigiria um esforço que, mais uma vez, sentimos que talvez fosse excessivo e com resultados, até certo ponto, incertos. Considerar o conhecimento (inclusive sobre o objeto de pesquisa) e o tempo que se tem para a realização de uma investigação é, no nosso entender, uma atitude conseqüente. Ora, percebendo o quanto tivemos que aprender sobre a atividade de pesquisa, sobre o objeto de estudo e as diversas questões suscitadas por ele, assumimos o caráter “exploratório” de nossa investigação. Aqui o termo não tem o sentido de experimentação, laboratório de proposições (como, por exemplo, em Lopes, 2000). O que destacamos é, de 11

modo mais simples, a tentativa de obtenção de um conhecimento inicial, mas rigoroso, sobre nosso objeto. Esse objetivo levou-nos a indagar como os leitores são pesquisados no Brasil, pois este conhecimento poderia, tanto ajudar na estruturação metodológica de nossa pesquisa, quanto propiciar dados sobre a recepção e o consumo do livro no Brasil. Os resultados desta investigação bibliográfica encontram-se no Capítulo 2, Leitores: modos de pesquisar, modos de compreender. O que resulta deste capítulo, no nosso entender, não é exatamente uma “revisão de literatura” sobre esta questão, à medida que a aproximação entre estes trabalhos está ligada a uma construção e a um interesse, já expostos. E tais questões não são em si mesmas dadas, mas sim relacionadas à nossa investigação, em seu objetivo de investigar leitores de Paulo Coelho. A partir daí, intentamos perceber, em primeiro lugar se e depois, em caso positivo, como os leitores são investigados em diferentes disciplinas, inclusive em comunicação, sob um viés de interesse, que denominamos como investigações de “enfoque sociocultural”. Ressaltamos que não era evidente a existência dessa produção, como mostraremos já significativa, sobre a recepção do livro no contexto brasileiro, posterior ao pioneiro trabalho de Bosi (1972). Este fato prejudica a idéia mais tradicional de “revisão de literatura”, que está ligada, em geral, à avaliação de um conhecimento já relativamente estabelecido e articulado. Desta forma, acreditamos que a discussão dos trabalhos expostos neste capítulo enseja uma contribuição, ao mesmo tempo específica à economia da investigação, na medida em que a informa, e também à própria reflexão na área, quanto ao conhecimento que tem sido produzido. Um dos resultados mais importantes que se evidenciam, em nosso juízo, é quanto ao fato de que não precisamos nem devemos “inventar a roda” a todo o momento. A respeito de vários aspectos, como as práticas de leitura dos grupos “populares”, das relações entre família/escola e consumo do impresso, entre outros, os trabalhos analisados trazem contribuições, que podem balizar avanços. É por isso que, a partir da discussão dos trabalhos realizada neste capítulo, juntamente com os conceitos trabalhados anteriormente, apresentamos, no final do Capítulo 2, a estratégia metodológica do trabalho, bem como as técnicas de pesquisa que traduzem-se em determinados protocolos metodológicos (em anexo).

12

Já no Capítulo 3, Paulo Coelho: um autor singular: da “cultura das bordas” ao “centro”, procuramos explicitar o contexto de condições histórico-sociais que envolvem a produção de Paulo Coelho, sobretudo no seu período inicial, e que fazem com que ele tenha

determinadas

peculiaridades

no

âmbito

do

mercado

cultural

brasileiro,

principalmente. Nesta parte, evidencia-se a trajetória de um produtor cultural múltiplo, e profundamente ligado ao desenvolvimento do mercado simbólico local, como jornalista, compositor, produtor musical, editor ou escritor (nem sempre voltado a públicos amplos). Destacamos, entre os diversos movimentos relativos a esta trajetória, aquele que permite perceber como a construção da “popularidade” de Paulo Coelho enquanto escritor configura-se fortemente a partir de uma mudança de circuito que vai de uma presumível “cultura das bordas” (Ferreira, 1992, 1996) até o centro de uma indústria cultural, em que o livro e as práticas de leitura ocupam lugar importante. Este tipo de análise mostra como a questão da leitura, os diferentes “circuitos” do livro, permeiam nossa investigação. Na seqüência, no Capítulo 4, A construção de um público: contextos, instâncias profissionais e textos, procuramos contextualizar a produção de Paulo Coelho quanto ao mercado editorial brasileiro e a situação relativa à leitura no país. Utilizamos para tanto dados estatísticos sobre o mercado, informações sobre o escritor e, depois, descrevemos alguns dados da recém divulgada pesquisa Retrato da Leitura no Brasil. A partir deste conjunto de informações, procuramos inferir determinados elementos interpretativos pertinentes ao objeto. É também importante, nesse momento, a discussão relativa aos próprios dados sobre a atividade da leitura no Brasil – sua incompletude e deficiências, agravadas por interpretações apressadas. Determinadas análises, como mostraremos, não condizem com interpretações preocupadas com o contexto social. Ao finalizar esta discussão, projeta-se a idéia de que Paulo Coelho passou a ocupar um espaço que aguardava autores interessados em produzir para um público amplo – com tudo o que isso implica em termos de linguagem e de profissionalização da figura do escritor. Neste sentido, em seguida, abordamos a questão do caráter profissional que a atividade de Paulo Coelho configura. Assim, as reflexões e descrições do trabalho do escritor, nesta parte, dão continuidade ao movimento de saída de um espaço pouco

13

profissional (“cultura das bordas”) em direção a uma profissionalização da atividade de escritor, dificilmente alcançada antes no Brasil. Ainda no Capítulo 4, procuramos analisar alguns trabalhos do autor, descrevendo elementos do “leitor modelo” de alguns livros – os três primeiros best-sellers do escritor – e da estrutura narrativa dos mesmos, utilizando o modelo proppiano, centrado nas funções narrativas. Esta análise teve como objetivo destacar as estratégias de atração de leitores e construir hipóteses sobre o objeto, que foram em parte confrontadas com os discursos enunciados pelos leitores pesquisados. O quinto capítulo apresenta os dados coletados por nós, e sintetiza uma análise dos mesmos. Descrevemos a biblioteca, comparando os perfis dos usuários da mesma e dos leitores de Paulo Coelho que colaboraram com a pesquisa. Caracterizamos, quanto a este indivíduos, o espaço ocupado por Paulo Coelho em relação ao seu consumo cultural – principalmente em relação às práticas de leitura. De outro lado, conforme um de nosso objetivos, buscamos evidenciar os sentidos dados pelos sujeitos à leitura de Paulo Coelho. Nesta direção, nossa análise articula dois grandes temas, modos de apropriação: o “prazer” e a obtenção de “conhecimento” como elementos constitutivos da recepção de Paulo Coelho pelos leitores pesquisados. Em outros termos, marcas de sua “leitura popular” do autor. A descrição de elementos do quadro de referência sociocultural dos leitores e dos modos de utilização e interpretação dos textos lidos por eles, reforçará, conforme nossa análise, a idéia de que o leitor de Paulo Coelho – pelo menos no âmbito analisado – caracteriza-se como um “leitor recente”, quanto ao consumo de livros. Isto, tanto em termos de trajetórias familiares, quanto de possibilidades educacionais e econômicas dos próprios indivíduos, em relação ao acesso ao impresso. Dessa forma, é notável, que menos que o aspecto “esotérico” dos textos de Paulo Coelho, os receptores destaquem, de modo geral, sua legibilidade, bem como elementos de prazer narrativo e conhecimento obtido através dos livros. A respeito deste capítulo, seria interessante fazer três breves comentários: um sobre a relevância que é dada aqui à aquisição de um conhecimento em primeira mão, isto é, a partir de informações obtidas dos leitores, sobre o consumo de Paulo Coelho. Esta operação possibilita a coleta de dados básicos (quem lê, como lê, quanto, etc.), sobre esta atividade – e mesmo que estejamos produzindo basicamente dados qualitativos, estes são

14

também importantes. Apesar de elementares, as informações referidas nos faltam, quando nosso conhecimento sobre elas não é relativamente limitado. O teor qualitativo dos dados tem em si, por sua vez, características úteis, no sentido de coletar informações em contexto. Evidentemente, as generalizações não são o objetivo deste tipo de estudo – no entanto, ele produz parâmetros que podem ser úteis como pontos para reflexão e aprofundamento por outras investigações. Deste modo, no nosso entender, o ponto de convergência de todos os movimentos deste estudo de caso termina sendo a hipótese de reflexão a respeito do “novo leitor”, como um elemento central para a compreensão do consumo ampliado de Paulo Coelho. Concluímos o trabalho realizando algumas Considerações Finais sobre a natureza da pesquisa, suas dificuldades, aspectos positivos e os possíveis eixos de investigação para os quais ela aponta.

15

Quadro Ilustrativo 1

A telenovela Brida

Abertura da telenovela Brida

Cenas de Brida Rede Manchete - 1998

Rede Manchete - 1998

Anúncio do livro Brida veiculado em intervalo da produção de TV Outubro de 1998

Anúncio da telenovela Brida Jornal Folha de S.Paulo 18 de agosto de 1998 27 x 19cm

Acima, imagens da telenovela Brida, dirigida por Walter Avancini e tendo no elenco, entre outros, Carolina Kasting, no papel-título e Rubens de Falco, interpretando o feiticeiro Vargas, um dos muitos personagens criados para a adaptação. Conforme pode-se observar, o nome de Paulo Coelho foi colocado com destaque nos créditos de abertura da telenovela. A popularidade do escritor não impediu, entretanto, que os baixos índices de audiência e os problemas econômicos enfrentados pela emissora conduzissem a produção a um final abrupto: uma voz off narrava o que iria acontecer com os personagens. Enquanto isso, eram mostradas cenas anteriormente gravadas, já que os atores estavam em greve. Como mostra a capa do Caderno TV Folha, à direita, a Rede Manchete esperava mais da produção. O texto do Caderno fala no investimento “em trama esotérica para recuperar audiência [satisfatória] de ‘Xica da Silva’”. Brida foi uma das últimas produções da emissora, que pouco depois foi repassada a outro grupo controlador. O anúncio da telenovela em jornal, acima à esquerda, omite o nome de Paulo Coelho, seguindo uma tendência apontada por Reimão (1999) na publicidade impressa de telenovelas adaptadas. O estudo mostra como a centralidade que a televisão passou a ter no sistema cultural brasileiro fez com que fosse possível prescindir da chancela de legitimidade dada pelo nome de um “escritor consagrado”. É possível pensar que a consagração de Paulo Coelho seja basicamente em termos do sucesso de público, mas este foi também o caso de Maria José Duprè, cujo livro Éramos seis deu origem a quatro telenovelas. E, no anúncio da terceira adaptação, feita em 1977, o nome da escritora era destacado, como mostra Reimão (1999, 518), o que já não aconteceu no caso da última, em 1994. Uma hipótese igualmente interessante para explicar a omissão do nome de Paulo Coelho no anúncio é a presunção do autor da publicidade de que ele fosse bastante conhecido, e associado à obra Brida.

Caderno TV Folha Folha de S.Paulo 9 de agosto de 1998

Caderno Telejornal O Estado de S. Paulo 25 de outubro de 1998

16

Quadro Ilustrativo 2

Paulo Coelho na grande imprensa: alguns paratextos

O Globo

Folha de S.Paulo

República

Veja

3 de agosto de 1987

20 de maio de 1990

Ano 1 - nº 5 - Mar. 1997

Ano 31 - nº 15 - Abr. 1998

IstoÉ Gente

Época

Ano 1 - nº 28 - Fev. 2000

Ano 3 - nº 106 - Maio 2000

Jornal da Tarde On-line - 12 de julho de 2001

Folha de S.Paulo 7 de agosto de 2001

Começamos a recolher reportagens sobre Paulo Coelho para nos familiarizarmos com um material ao qual possivelmente teriam acesso os leitores. Ainda que não tenhamos procurado analisar em profundidade estes textos, foi possível detectar certos conteúdos preferenciais. Por outro lado, foi possível observar modificações no tratamento dado pela imprensa, na medida em que Paulo Coelho passou a ter um êxito comercial cada vez mais expressivo. Notamos ainda que o período em que ele foi editado pela ECO não recebeu atenção, apesar das boas vendagens (ver Capítulo 3). As primeiras reportagens sobre o autor demonstram certa “estranheza” (“Quem é Paulo Coelho?”, pergunta a Revista d’) perante o sucesso do “mago-escritor consagrado”, conforme O Estado de S. Paulo, ao mesmo tempo em que recuperam dados biográficos sobre ele, como sua parceira musical com Raul Seixas, o trabalho em multinacionais do disco e referem-se, naturalmente, a aspectos “esotéricos”, ligados ao escritor e também ao contexto editorial da época. Nesse aspecto, então, ele é visto como um continuador de autores como Shirley Mclaine e Carlos Castañeda. A figura de Paulo Coelho, após um primeiro momento, continuou atrativa, porém, o tom das reportagens modificouse. O “sucesso mundial” passou a ser um dos elementos mais destacados na cobertura da imprensa. E, não por acaso, quando da morte de Jorge Amado, Paulo Coelho foi convidado para escrever sobre o outrora maior vendedor de livros do país no exterior (acima, à direita, na Folha de S.Paulo). Das capas de revista desta página, a única que não aborda este aspecto é a de República. O sucesso mercadológico faz com que veículos como Veja (na Carta ao leitor da edição acima) ao mesmo tempo em que negam qualidades literárias ao autor (“os livros de Paulo Coelho são pobres”) sintamse justificados para tematizá-lo. Isso remete a um ponto de tensão freqüente, mesmo em reportagens mais celebrativas. No caso de IstoÉ Gente, por exemplo, na edição acima, a última página da revista mostrava uma charge de Spacca (ver Quadro Ilustrativo 3) com o mesmo sentido crítico. Outro aspecto a notar é que, gravitando numa órbita de “sucesso”, Paulo Coelho ingressa no circuito dos “olimpianos” (nos termos de Morin, 1984). Assim, os aspectos biográficos ganham mais realce ainda, inclusive, no âmbito das suposições, como o “caso” do escritor com a mulher do ex-presidente argentino, Carlos Menem. 17

Quadro Ilustrativo 3

Imagens do autor A charge de Spacca, à esquerda, exemplifica um modelo de representação comum do estatuto de escritor de Paulo Coelho, no qual ele enquadra-se no âmbito de uma “literatura industrial”, que pode obter muitas coisas, mas não legitimidade literária. A imagem de “bruxo” reforça o caráter outsider do autor e serve para criar um efeito irônico quando associada a instituições tradicionais como a ABL, no caso da capa do JT, abaixo.

Charge de Spacca IstoÉ Gente - Ano 1 - nº 28 – Fev. 2000

Jornal da Tarde Fev. 2001

As tiras de Laerte, à esquerda, são uma boa amostra não só da popularidade de Paulo Coelho, mas também do efeito de humor provocado por um sutil questionamento da qualidade do escritor. Mutuca, aspirante a cartunista, afirma ter “talento”, enquanto caberia a Paulo Coelho a “fama”. Tiras de Laerte Folha de S.Paulo - Março 2001

18

Capítulo 1

Leitores, receptores: entre liberdades e contingências [...] o objeto fundamental de uma história ou de uma sociologia da cultura compreendida como uma história da construção do significado reside na tensão que articula as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades com os constrangimentos, as normas e as convenções que limitam [...] o que lhes é lícito pensar, enunciar, fazer. Chartier (1995: 190)

No romance 1984 (1949), de George Orwell, no qual, como se sabe, vive-se sob a égide de um Estado totalitário, há um trecho que talvez simbolize bem um suposto (hipótese ou por vezes ainda uma conclusão) da maioria dos estudos de recepção das últimas décadas. Trata-se da cena em que o personagem principal observa uma mulher do povo cantar um música elaborada e difundida pelo regime. O personagem espanta-se pela capacidade da mulher em infundir beleza, um tom peculiar, àquela melodia, em si mesma banal e alienante. O que chama a atenção aqui é a idéia, por assim dizer, retomada pelos estudos do receptor, de que o consumo cultural é também uma produção – uma “produção silenciosa”, conforme Certeau (1994) – e que, nem sempre, caracteriza-se pelas mesmas qualidades dos produtos culturais aos quais é uma resposta. Entender, então, os sentidos que correspondem às “mudanças de tom”, e também as restrições que elas encontram, passa a ser uma indagação central. Não é nosso desejo aqui, deve-se ressaltar, tomar Paulo Coelho, ou a indústria cultural da qual ele faz parte, como um novo Grande Irmão. O sistema dos meios de comunicação vincula-se antes a uma forma de desenvolvimento capitalista, da qual ele é a expressão no plano simbólico, do que a algo externo às demais estruturas sociais, um aparato com fins únicos de manipulação ou alienação. Isso não desobriga o olhar crítico sobre este sistema e seus produtos, mas faz com que relativizemos seus efeitos e conseqüências, produzindo uma reflexão talvez mais equilibrada. Este sistema é, ainda, como deve ser reconhecido, fonte de facilidades (informativas, culturais etc.), prazeres e, sem dúvida, novas formas de arte e experiência

19

cultural, das quais ninguém precisa alienar-se. “É inútil manter um discurso de rejeição total, absoluta, como se a qualidade fosse por essência estranha à cultura de massa”, observa com propriedade Chartier (1999, 145). Portanto, o ponto de vista principal deste estudo sobre a recepção de Paulo Coelho vincula-se ao suposto de que os leitores do referido autor não são uma massa indiferenciada e ingênua. O “leitor” (sem dúvida já uma abstração) de Paulo Coelho não deve ser visto como um conjunto de indivíduos facilmente seduzido, por determinado mecanismo textual, imagem ou topos que povoa este universo literário ou paisagem mediática configurada pela contínua exposição do autor aos diferentes meios de comunicação (ver Quadros Ilustrativos 1 a 3, pp. 16-18), ou ainda o indivíduo sem defesas culturais e com baixa autonomia frente a uma indústria capaz de criar e impor necessidades. A sedução e o prazer certamente existem, bem como as diversas “razões práticas” que conduzem um leitor a um livro12, e as estratégias, no campo da produção, que concorrem para criar uma demanda. Entretanto, para entender os aspectos que estão ligados a estes fatores, deve-se precaver contra simplificações excessivas. Em primeiro lugar, é necessário precisar os limites da abstração do leitor. Quer dizer, reconhecer que o “leitor” de Paulo Coelho não existe, em si, fora de uma construção heurística. Existem, sim, leitores de diferentes grupos sociais, condições de vida, competências culturais e com interesses variados13 e, portanto, de acordo com postulados teóricos

assumidos

aqui,

produções

significativas

diversas.

Ainda

que

todas,

evidentemente, encontrem diferentes formas de restrição, ancoradas tanto nos domínios 12

“Na realidade, lê-se um livro levado por impulsos práticos (e deve-se pesquisar a razão pela qual certos impulsos generalizam-se mais do que outros) e se relê levado por razões artísticas”, observa Gramsci (1968, 120), ao criticar a idéia de que exista uma diferença essencial entre as motivações para a leitura da “literatura artística” e outras formas literárias. 13

É interessante ressaltar o fato de que o conhecimento adquirido na pesquisa documental e empírica permite dar uma dimensão concreta à diversidade postulada. É possível visualizar o primeiro, e inesperado, circuito do livro, que foi aparentemente responsável pelo êxito editorial de Paulo Coelho (através da análise das edições do autor – ver Capítulo 3). E, da perspectiva da investigação com leitores, observamos que os indivíduos, do ponto de vista das demarcações sócio-econômicas, encontram-se distantes do modelo de consumidor de “classe média”, que seria o típico consumidor da produção massificada, conforme os termos utilizados por Alfredo Bosi (1993). Isso deve ser naturalmente relativizado em função da natureza qualitativa da amostra, no entanto, como afirma Ginzburg, nos estudos deste teor, deve-se ter em mente que “mesmo um caso limite [...] pode se revelar representativo, seja negativamente – porque ajuda a precisar o que se deva entender, numa situação dada, por ‘estatisticamente freqüente’ – seja positivamente – porque permite circunscrever as possibilidades latentes de algo” (Ginzburg, 1987, 27-28). Por outro lado, no survey realizado com leitores de Paulo Coelho por Freitas (1998), os âmbitos profissionais e faixas de renda de parte dos pesquisados sugerem igualmente uma leitura diversificada. Assim, 46% dos leitores pesquisados ganham até cinco salários mínimos. A despeito das críticas, feitas a este levantamento no Capítulo 2, esta é uma indicação sobre uma atividade de leitura, pouco conhecida com maior profundidade.

20

textuais quanto da experiência social. Discutiremos adiante as construções teóricas que alicerçam esta perspectiva sobre pluralidade da recepção, a partir, principalmente dos conceitos de apropriação e mediação. Por ora, é importante retomar a idéia de “construção do leitor”, que está na base de qualquer pretensão explicativa ligada a práticas de recepção do impresso (ou mesmo de qualquer bem cultural). Esta concepção relaciona-se diretamente aos pressupostos teóricos e objetivos de qualquer investigação. Iremos ilustrar esta situação a partir de três exemplos: a pesquisa de Rüdiguer (1996) sobre a literatura de auto-ajuda, a de Maestri (1999) sobre o próprio Paulo Coelho e a investigação de Ferreira (1992, 1996) sobre O livro de São Cipriano (na verdade, os diversos livros que atualizam a legenda).

Concepções sobre a apreensão da leitura No primeiro caso, tendo como objetivo “compreender a maneira como [a literatura de auto-ajuda] vem problematizando a tendência ao individualismo verificada em nossa civilização” (Rüdiger, 1996, 21), o autor adota procedimentos hermenêuticos de interpretação dos textos, preocupado, especificamente, não com os conteúdos dos mesmos, “mas [com] a possibilidade de compreender, através deles, como se articula um conjunto de práticas sociais, anônimo e disperso, que circunscreve um território de conhecimento, ação e exercício de poder e projeta um regime de governo e auto-governo em nossa sociedade” (idem, ibidem). Rüdiger procura ainda analisar, a partir do objetivo exposto, as práticas ligadas a esta produção dentro de seu contexto histórico, que vai de fins do século dezenove até os nossos dias. Ao explicar a opção por não analisar propriamente a recepção, o autor argumenta que sua “pesquisa não está procurando saber qual é a leitura social desses textos. Para sabê-lo precisaríamos necessariamente perguntar às pessoas, descobrir o que elas fazem com estes livros, ao invés de tentar saber o que estes manuais estruturam na sociedade” (Rüdiger, 1996, 22). O leitor e a leitura destes textos, é claro, não desaparecem. A partir de uma citação de Elizabeth Long, Rüdiger (1996, 255) expõe, indiretamente, a concepção básica sobre estes âmbitos: argumentarei – em resumo – que, embora as interpretações sobre os livros variem de indivíduo para indivíduo, elas [também] são estruturadas em si mesmas por eles. Com isso, quero dizer que as novelas [e manuais de auto-ajuda] são artefatos simbólicos que se 21

referem ou baseiam em convenções lingüísticas, literárias e culturais enraizadas [pelo tempo] no terreno dos sentidos comuns que torna possível a intersubjetividade. (...) E embora minha leitura não seja a mesma que a dos leitores de best-sellers, argumentarei que ela é diretamente relacionada, de modo que é plausível fazer inferências [históricas e categoriais] sobre o que os leitores retiram dos best-sellers [e manuais de auto-ajuda, acrescento].

É possível inferir, portanto, que, para capturar o movimento que vai do leitor à leitura, deve-se deduzir um “tipo ideal” de receptor de possibilidades interpretativas até certo ponto padronizadas e ancoradas em “sentidos comuns”. Este empreendimento tem validade – como comprova o rigor e a qualidade do trabalho de Rüdiger –, entretanto, a generalidade implicada na abstração do leitor tem também o seu preço. É possível, em resumo, dizer que este tipo de esforço interpretativo está mais preocupado com grandes tendências de determinada prática, com seus componentes macroestruturais. Isto faz com que as “atualizações” das mesmas não sejam visualizadas – estejam, em grande medida, fora de questão. Em nosso entender, é esse ponto, aliado à natureza do empreendimento e pressupostos teóricos do autor, que explica a estratégia de pesquisa e conseqüente concepção de leitor/leitura. Quanto aos supostos teóricos adotados, depreende-se deles que a uma padronização da produção corresponda outra, a dos significados14. Estes fatores são mais convincentes do que o argumento de que pesquisa dos próprios leitores só possa produzir truísmos (como desenvolve o autor, cf. Rüdiger, 1996, 23-24), para explicar o percurso metodológico adotado. Um exemplo pertinente a esta discussão é o modo como, a partir do estudo de comunidades neo-esotéricas paulistanas, Magnani (1999) chega a uma conclusão que está longe de ser um truísmo. Qual seja, que as atividades e espaços analisados

14

O percurso teórico adotado pelo autor, complexo, articula diferentes autores, destacando, no início, como um suposto básico, que os sistemas de ação à disposição dos indivíduos, resultantes da modernidade, conduzem a uma situação precária para o desenvolvimento da subjetividade. Este processo torna-se – no caso específico da literatura de auto-ajuda – um fenômeno de cultura de massa. Esta, por sua vez, é abordada nos termos frankfurtianos da “indústria cultural como indústria da consciência” (Adorno e Horkheimer). Ainda que Rüdiger (1996, 15) critique uma “leitura apressada dos escritos da teoria crítica [que] consagrou o entendimento de que o indivíduo é passivo”, contrária à sua interpretação da teoria crítica, que destaca o fato de que o “indivíduo conserva uma margem de liberdade” frente a indústria cultural, na reflexão frankfurtiana o eixo da produção é o que determina os significados dos produtos ou, em outros termos, quem controla o processo é o produtor, senão o sistema capitalista de produção. A questão da recepção como elemento subordinado do processo é a tônica, de modo geral, dos autores da Escola de Frankfurt, ainda que Rüdiger ou Cohn (1998) afirmem a possibilidade de pensar a respeito dos consumo dos produtos da indústria cultural, a partir destes teóricos. 22

ilustram uma forma particular de prática cultural e comportamento, permitindo a formação de pequenos grupos e redes, cenário que em nada lembra a fragmentação, atomização e individualismo, traços comumente atribuídos ao ambiente dos grandes centros urbanos. (Magnani, 1999, 133)

Em outros termos, tal prática remete, principalmente, a uma nova forma de sociabilidade urbana. Interessa aqui notar, como é expresso ainda que de passagem nesta pesquisa (Magnani, 1999, 20, 102, 115), que tais grupos fazem uso de uma das modalidades da literatura de auto-ajuda, a “nova espiritualidade” (discutida, aliás, por Rüdiger). Paulo Coelho é, por vezes, incorporado nesta vertente, como ocorre, de acordo com a pesquisa de Magnani, para parte do grupo pesquisado (exemplos deste tipo de prática, no campo da produção, encontram-se no Quadro Ilustrativo 4, p. 43)15. Esta “atualização” de uma prática de uso do impresso de auto-ajuda, situada num tempo e num espaço específico, contrapõe-se à tendência mais geral, detectada por Rüdiger, que vincula este consumo ao desenvolvimento do individualismo. Isto não invalida a conclusão do autor – de fundo macroestrutural, repetimos, preocupada em compreender o que os textos “estruturam na sociedade”. Entretanto, isso demonstra certamente um dos limites de concepções menos preparadas para admitir, desde o início, a abertura da recepção para diferentes formas de apropriação. E sugere cautela ao se introduzir sempre, ou de antemão, o tema do individualismo na prática de leitura relacionada a Paulo Coelho. O trabalho seguinte, do qual também interessa perceber a concepção de leitor, é o de Maestri (1999), significativamente intitulado Por que Paulo Coelho teve sucesso, e que se propõe a “contribuir para o necessário desvelamento das razões sócio-histórico-culturais da eclosão dessa literatura e a melhor compreensão de sua atual evolução” (Maestri, 1999, 24). Dessa forma, após uma análise que caracteriza com propriedade elementos da ficção de Paulo Coelho (como os enredos lineares e a linguagem simples), Maestri dirige-se para o estudo de fenômenos sociais e culturais que explicariam, no entender do autor, de fato, o êxito desta literatura. Pois, conforme argumenta Maestri (1999, 34), os recursos literários mobilizados não “explicam, por si só o seu [de Paulo Coelho] sucesso literário”, já que estes procedimentos são ou foram utilizados por outros autores, sem o mesmo êxito.

15

A opção pelo termo “neo-esoterismo” para agruparmos diferentes conjuntos textuais no Quadro Ilustrativo 4 objetiva, seguindo Magnani (1999, 13), utilizar um termo que não é utilizado por nenhum grupo praticante específico. Porém, ao contrário deste autor, não pretendemos discutir os contornos de nenhum “circuito neoesotérico”. Procuramos, sim, apontar para alguns modos como Paulo Coelho é apropriado por essa produção, bem como mostrar sua diversidade. 23

A partir do exposto, o autor afirma que, por um lado, “Paulo Coelho obteve grande acolhida porque pôs à disposição de um imenso público, sobretudo pouco habituado ao consumo de literatura, uma produção ficcional de fácil consumo”. E, de outro, que esta literatura “encontrava[-se] em profunda consonância com as transformações sociais, culturais e ideológicas em curso, no final dos anos 1980” (Maestri, 1999, 43). Tais transformações seriam sintetizadas pela “forte corrente neomágica que, nos anos 1980, se desenvolveu e foi alimentada pela vitória mundial das soluções neoliberais sobre as propostas de organização solidária e racional da sociedade” (idem, ibidem, 44-45). Segue-se, conforme o percurso argumentativo do autor, uma descrição da feitiçaria na antigüidade, a qual é contraposta à “magia yuppie” de Paulo Coelho, que da mesma forma rompe radicalmente com a magia e o exotismo orientalizantes, alternativos, feministas e terceiro-mundistas dos anos 60-70, à moda Carlos Castañeda, que registravam as pressões ideológicas da luta anticapitalista e antiimperialista sobre o pensamento mágico e irracionalista. (Maestri, 1999, 54-55)

Esta caracterização da literatura de Paulo Coelho parece bastante persuasiva, desde que se conheça o repertório que permite delinear e compreender as oposições propostas. O que talvez não seja o caso de grande parte dos leitores comuns, ou das diferentes comunidades de leitores de Paulo Coelho. É a partir deste sistema que se torna plausível falar em um certo tipo de esoterismo de essência neoliberal. Assim como, aceitar tal determinação como o elemento central do significado social da recepção de Paulo Coelho16. Esta articulação entre esse viés esotérico e o contexto político-social “neoliberal” é a única possível? No nosso entender, provavelmente não. É possível também construir 16

Se é possível fazer ao trabalho de Maestri a crítica que Eco (1991, 41) formula a “tantas sociologias da literatura em clave de marxismo ‘vulgar’”, que colocam “uma obra em contato direto com as estruturas econômico-sociais que a determinariam num sentido único”, deve-se reconhecer a efetiva aproximação ao objeto, existente em seu trabalho. O que ocorre, por exemplo, na análise de obras de Paulo Coelho – Maestri leu o autor. Disto resulta que a interpretação proposta seja, conforme nosso juízo, em muitos aspectos, pertinente e esclarecedora. Isto não ocorre, em geral, no trabalho de Bars (2000), também sobre Paulo Coelho, pois a utilização de uma armadura teórica como a da Escola de Frankfurt foi simplificadora, neste trabalho. Ocorre, então, um descolamento entre o que é próprio ao objeto e a interpretação. Em outros termos, a teoria não é utilizada como perspectiva de legibilidade às questões da investigação, mas antepõe-se fortemente ao que se quer conhecer. O problema decorre não tanto da utilização de conceitos como “indústria cultural” (nos termos frankfurtianos), mas sim da falta de reflexividade relativa à articulação entre o uso dos conceitos e o objeto de pesquisa. Assim, o autor julga demonstrar que “o sucesso de Paulo Coelho é decorrente da cultura pós-moderna e produto direto das forças do capitalismo atrelado à indústria cultural” (Bars, 2000, 13), porém, tais categorias são pouco trabalhadas no contexto próprio do trabalho do escritor e, portanto, não configuram ou reforçam esta “conclusão”.

24

outros sistemas de oposições, bem como problematizar outras analogias – mas isso, naturalmente, questiona a idéia de um sentido social dado de modo tão uniforme e exterior aos sujeitos. O próprio Maestri nota, aliás, um ponto importante para perceber a possível abertura dos textos de Paulo Coelho a diferentes interpretações, que é a questão genérica17. Os textos de Paulo Coelho encontram-se nas prateleiras de auto-ajuda, de livros esotéricos, sobre ocultismo ou ainda de “ficção/literatura”. A partir da classificação destes livros em qualquer uma destas categorias são visualizadas determinadas homologias, que são eventualmente diferentes das propostas pelo autor18. O que entendem os leitores sobre estas categorias e como enquadram Paulo Coelho? Estas são questões centrais, e que possivelmente não recebem uma resposta unívoca. É por isso que os estudos que procuram identificar, ou pelo menos ter em mente, os circuitos de comunicação dos bens culturais são importantes. Eles são um passo para identificar os códigos a partir dos quais um texto cultural pode ser lido. Neste ponto, é interessante novamente citar Magnani (1998, 54), desta vez a partir de seu trabalho sobre os circos de periferia e seu público: “Para que um circuito discursivo qualquer se complete, é preciso que haja algum tipo de adequação entre suas significações e o sistema de representação dos receptores”. Em caso contrário, nota o autor, haverá uma incompatibilidade que fará com que “o discurso possa ter sentido, mas não ‘fará sentido’ – será inverossímil – para os receptores”. Ora, é bastante possível pressupor uma compatibilidade, ainda que baseada em diferentes interpretações, entre sistemas de significação dos leitores de Paulo Coelho e a produção ligada ao autor. E que talvez vão além das modalidades de leitura mais

17

Assim, se o autor trata a produção de Paulo Coelho como “literatura ficcional em prosa” (Maestri, 1999, 28), nota também a proximidade de algumas passagens dos livros com a “auto-ajuda”, que, entretanto “não modificam essencialmente o caráter dessa literatura” (Maestri, 1999, 65). A dúvida é sobre a possibilidade de atribuir um único “caráter” a esta literatura – isto é, um código de leitura a partir do qual todos os leitores interpretem Paulo Coelho. Neste ponto, à guisa de hipótese, é interessante pensar numa observação de Fiske (1987) sobre a popularidade de certos programas de televisão. Para o autor, a fim de atingir uma grande audiência o “texto de televisão tem que ser lido e apreciado por diversos de grupos sociais, assim seus significados devem ser inflexionados de diferentes modos. O texto de televisão é, dessa forma, mais polissêmico e mais aberto do que os primeiros teóricos supunham” (Fiske, 1987, 66). Os programas, por isso, seriam potencialmente vistos a partir de diferentes códigos genéricos, por exemplo. 18 A questão do gênero dos livros de Paulo Coelho será retomada no Capítulo 3 e também, posteriormente, a partir das informações dos leitores sobre seus sistemas particulares de classificação. Notaríamos aqui somente uma ironia dos sistemas de classificação: ao procurar em sebos edições dos livros de Paulo Coelho encontramos num deles, na sessão de “ocultismo”, justamente o livro de Maestri.

25

descomprometidas voltadas ao lazer e à evasão19. Assim, situar os livros em seu contexto social, seus âmbitos de circulação, é uma tarefa importante. Deter-se no estudo de Ferreira (1992) sobre as diversas versões d’O livro de São Cipriano, é neste aspecto esclarecedor. Em seu trabalho, a autora preocupa-se, inicialmente, em caracterizar o espaço social de circulação dos textos, e a partir daí deduzir um público, ainda assim variado, pois além de alcançar um público popular esparso por várias cidades brasileiras, ele visa a um público de migrantes vivendo nas grandes cidades [...], mas pode-se dizer que ele vai avançando, atinge pessoas de classe média, de maior poder aquisitivo e, em geral, filiadas a crenças espíritas. (Ferreira, 1992, XVII)

Esta operação ressalta que aspectos d’O livro de São Cipriano como as “fórmulas e conselhos, que às vezes nos parecem ridículos, canhestros, arcaicos [...], têm, no entanto, muito a ver com as razões sociais e das pessoas que utilizam estes textos” (Ferreira, 1992, XX). Dessa forma, embora a autora opte por não estudar diretamente a recepção do livro, “o caminho para a observação [isto é, a análise dos diversos textos] é seguido para chegar ao entendimento do universo de onde ele provém, e qual a direção que segue” (idem, XXII). Disso resulta uma rica interpretação, evidenciando que entre o livro e seus consumidores não existe apenas uma relação de imposição cultural. Há também uma articulação entre “antigas estórias, que vêm de um lastro de memória, e partem para uma outra denotação da sede de ouvir e narrar” (Ferreira, 1992, 145). Esta análise não autoriza dizer que entre Paulo Coelho e seus leitores ocorra exatamente o mesmo tipo de relacionamento. Entretanto, quando se descobre que os primeiros livros de maior sucesso editorial de Paulo Coelho surgiram numa editora “espiritualista”, que editou várias versões de O livro de São Cipriano20 (ver Quadro Ilustrativo 5, p. 44), descortina-se uma pista importante para se pensar a respeito das articulações entre massivo e popular que podem estar ocorrendo neste caso. Ao mesmo tempo, reforça-se o potencial da crítica à “abstração” do leitor e da atividade concreta de recepção, que é sempre situada em contextos específicos e nem sempre uniformes.

19

Sobre este tema, a reflexão de Hoggart (1973) é ainda fundamental, pois suas formulações acerca do “olhar oblíquo” das classes populares inglesas sobre os produtos da indústria cultural relativizam em muito a crença no “poder” dos meios de comunicação. Ainda que o tom geral do livro seja bastante pessimista. 20 Trata-se da editora ECO, do Rio de Janeiro, sobre as edições de O livro de São Cipriano realizadas por ela ver Ferreira (1992, 12-22).

26

Além disso, o destaque a possível contiguidade entre popular e massivo, no caso de nosso objeto de estudo, indica a relevância da categoria de “mediação”, proposta por Martín-Barbero, abordada em tópico próximo. Entretanto, tendo destacado até aqui os aspectos da relação leitor/leitura e as pressuposições, implícitas ou explícitas, que envolvem a interpretação das práticas de recepção, iremos inicialmente destacar o conceito de “apropriação”, proposto por Chartier. Ao situar as práticas culturais em seus contextos e admitir desde o início a liberdade relativa dos consumidores, a categoria oferece importantes marcos a nossa investigação.

Apropriação O conceito de “apropriação”, conforme a proposta de Chartier (1995, 1998a, 1999a, 1999b), serve como um modelo de inteligibilidade das práticas sociais, enfatizando o caráter ao mesmo tempo ativo, construtor de sentido, e estruturado das mesmas. Assim, quanto à leitura, principalmente, ou outro tipo de consumo cultural, o conceito chama a atenção para “o espaço próprio de sua recepção, do seu uso e da sua interpretação” (Chartier, 1995, 186), notando que os leitores apropriam-se e produzem significados a partir dos textos, com a mediação do “mundo do texto” e também de sua experiência diferenciada da realidade social. Como observa Pécora (1998, 15), o “conceito-chave de Chartier refere-se à ‘apropriação’ do livro pela leitura e não a expropriação do leitor pelo livro”. Dessa forma, enraizando os processos de formação do sentido no contexto de práticas específicas, Chartier opõe-se à idéia de que as interpretações possam ser presumidas a partir de categorias invariantes, sejam filosóficas ou fenomenológicas. Ao ignorar as trajetórias históricas, tais reconstruções projetariam uma significação universal, oposta à particularidade e pluralidade prezada pela categoria de apropriação, de acordo com a proposta do autor21. Contra o postulado de que a leitura está inscrita no texto, Chartier (1999, 11) afirma que “um texto só existe se houver um leitor para lhe dar significado”.

21

Assim, como o próprio Chartier (1995, 185) observa, há uma distância entre sua proposta e o conceito de “apropriação social dos discursos”, de Foucault, que destaca os procedimentos pelos quais as instituições procuram exercer controle sobre os discursos.

27

Entretanto, a pressuposta variedade de práticas culturais e das leituras não deve ser pensada nos termos de uma “liberdade ilimitada”, já que esta liberdade “é limitada pelos códigos e convenções que regem as práticas de uma comunidade de dependência. Ela é limitada também pelas formas discursivas e materiais dos textos lidos” (Chartier, 1999, 14). Da mesma forma, o esquema conceitual proposto não nos autoriza a percebermos na diversidade “um sistema neutro de diferenças”. Adotar esta postura “significaria esquecer que tanto os bens simbólicos como as práticas culturais continuam sendo objetos de lutas sociais onde estão em jogo sua classificação, sua hierarquização, sua consagração (ou, ao contrário, sua desqualificação)” (Chartier 1995, 184). É por isso que, ao articular o conceito da apropriação ao de “cultura popular”, Chartier observa que o espaço desta situa-se nos enfrentamentos entre dois tipos de dispositivos: de um lado, os mecanismo de dominação simbólica, cujo objetivo é tornar aceitáveis, pelos próprios dominados, as representações e os modos de consumo que, precisamente, qualificam (ou antes desqualificam) sua cultura como inferior e ilegítima e, de outro lado, as lógicas específicas em funcionamento nos usos e modos de apropriação do que é imposto. (Chartier, 1995, 185)

É interessante notar que, ao salientar esta tensão e remetê-la à distinção entre táticas e estratégias, Chartier, conforme as propostas de Certeau – pensador, aliás, na qual esta abordagem inspira-se –, desvia-se das derivações mais “populistas” feitas a partir das reflexões deste autor. Chartier, como é possível notar, está longe de ser um dos que destacam em Certeau somente a liberdade dos usuários/receptores22. Não se trata, é claro, no caso da categoria de “apropriação”, de avalizar modelos nos quais o sentido último das práticas encontra-se sobredeterminado por esquemas de produção ou estruturas sociais. A questão é reconhecer que toda apropriação se dá a partir de objetos culturais dados, tanto quanto o “mundo do leitor” é estruturado por determinadas possibilidades e competências. Por outro lado, admite-se, desde o início, que existem diferentes lógicas envolvidas nos usos e apropriações dos produtos culturais. A categoria de apropriação visa, dessa forma, “a elaboração de uma história social dos usos e interpretações, relacionados às determinações fundamentais e inscritos nas práticas específicas que os constroem” (Chartier, 1995, 185).

22

Esta é uma crítica freqüente, por exemplo, a um autor como Fiske, que retira de Certeau basicamente a idéia de liberdade quase infinita, “rebelde”, dos receptores. Ver, entre outros, Lull (1997), que critica o caráter “politicamente correto” deste tipo de leitura.

28

Assim, segundo Chartier (1999a, 24), uma história da leitura e dos leitores deve considerar que: o “mundo do texto” é um mundo de objetos ou de formas cujas estruturas, dispositivos e convenções sustentam e constrangem a produção do sentido [...] igualmente, que o “mundo do leitor” é constituído pela “comunidade de interpretação” (segundo a expressão de Stanley Fish) a que ele pertence, que se define por um mesmo conjunto de competências, usos, códigos e interesses. Daí a necessidade de uma dupla atenção: à materialidade dos objetos escritos e aos gestos dos sujeitos leitores.

A seguir, apresentamos um quadro esquemático da proposta de Chartier, no qual procurarmos evidenciar os constrangimentos representados pelo “mundo do texto” e pelo “mundo do leitor” à atividade de leitura. Entretanto, os usos e apropriações nunca subordinam-se totalmente a estas esferas, o que implica em interpretações por meio das quais o leitor “toma posse” do texto. Leitura

Materialidade estrutural da obra (formas textuais, objetos, “mundo do texto”)

Apropriações / Usos

Estrutura X

Gesto de interpretação do leitor (competências, possibilidades, “mundo do leitor”) Estrutura Y

Interpretação

É interessante notar que, da perspectiva do historiador – é preciso lembrar que a categoria de “apropriação” surge neste âmbito –, projetam-se variadas estratégias metodológicas para aumentar a inteligibilidade dos modos como ocorrem os cruzamentos entre “mundo do leitor” e “mundo do texto”. A reconstituição dos “protocolos de leitura” de cada texto, o estudo de documentos ou depoimentos sobre as práticas de escrita e leitura, a análise de representações iconográficas desta atividade são algumas das estratégias utilizadas

23

. É no âmbito historiográfico, pelas próprias características dos

objetivos das investigações – o conhecimento de práticas culturais do passado –, que elas são mais mobilizadas. Não é, pois, somente por ironia, que Chartier afirma que os leitores 23

Contemplando todas estas estratégias, Chartier (1999, 12) esboça um programa de estudo mais elaborado, que compreende três dimensões: a análise de textos, a história do livro e o estudo das práticas.

29

da bibliotèque Bleue “não disseram nada acerca de suas leituras – ou pelo menos não disseram nada que tenha sido conservado pelos historiadores” (Chartier, 1995, 187). Por isso, não é possível a um historiador fazer perguntas aos leitores, como o foi na pesquisa de recepção realizada por Radway (1987), citada pelo autor. Isso significa que a categoria de “apropriação” tem utilidade apenas no âmbito da história? Com certeza, não, no entanto, ter em mente os contornos disciplinares nas quais ela foi instituída permite reconhecer suas peculiaridades, o que pode tornar o trabalho interdisciplinar mais fecundo. Em outros termos, sem fazer um uso inconseqüente de determinada categoria, é possível adaptá-lo para um uso menos comum. Desde que efetivamente ligado às preocupações de uma investigação que se relacionem àquelas que originaram o conceito24. Por conseguinte, retemos do conceito de “apropriação” sua atenção para a presumível pluralidade da interpretação, sua ancoragem em situações sociais específicas, assim como o fato de que os textos e materialidades pré-figuram sentidos. É por isso que no próximo capítulo procuraremos realizar uma análise “material” e da narrativa de determinados livros escritos por Paulo Coelho. Entretanto, conforme o exposto, ressaltamos que o projeto historiográfico de Chartier privilegia “reconhecer os traços das práticas no cerne das próprias representações e seus suportes” (Pécora, 1998, 14). Assim, ele objetiva mapear os elementos da estrutura dos objetos culturais que determinam índices de apropriação, mais ou menos desviados. Daí que Chartier (1999, 27) fale do “paradoxo fundador de toda história da leitura”, uma vez que ela “deve postular a liberdade de uma prática da qual só podemos capturar as determinações”. Nosso trajeto não segue esta via, pois poderemos, e é nossa intenção, articular o eixo de representações25 ao das práticas de modo diferente – mas não incompatível – com 24

Uma observação de Orozco-Gómez (1997, 65) expressa também a preocupação exposta: “Temos que estar conscientes dos matizes que dão substância a nossa própria terminologia de investigação. Isto para qualquer trabalho que procure ir mais além de uma disciplina. [...] o início da interdisciplinaridade está em sermos capazes de ter a clareza suficiente, expressar esta clareza, de modo a que possa ser posta em público e que possamos ver em que aspecto coincidimos e a partir do que podemos relacionar-nos ao trabalho interdisciplinar”. 25 É importante precisar, dada a polissemia do termo “representação”, que o sentido que ele tem em Chartier (ver Chartier 1988 e 1991) remete aos esquemas intelectuais de classificações, divisões e limitações produzidos pelos grupos sociais (cf. também Andrades, 1999, 7). Entretanto, daí a mais clara ambigüidade semântica, estas “representações” são resgatadas por meio de outras – no sentido mais comum do termo. Assim, Chartier (1999, 26) afirma, por exemplo, que as “representações literárias, pictóricas ou autobiográficas, constituem dados essenciais para uma arqueologia das práticas de leitura”.

30

o do historiador. Isto é, investigando leitores reais, consumidores de um produto cultural contemporâneo. Em todo caso, o conceito de “apropriação” permite alocar o sentido do consumo cultural nas suas formas concretas de utilização, modos de interpretação, e ressaltar o contexto social no qual ocorrem. É por isso que sua aproximação com a categoria de “mediação” pode ser feita, conforme é exposto a seguir. O que ancora a investigação no marco do estudo dos usos que os receptores fazem de um produto cultural.

Mediação É possível dizer que o conceito de “mediação cultural” ou “mediações”, que tem em Martín-Barbero (1997) seu principal teórico, é mais amplo que a proposta de estudo histórico da atividade de leitura, de acordo com o modelo de Chartier, a partir das “apropriações”. A proposta ligada às mediações é, talvez, um enfoque menos formalizado, razão pela qual autores como Orozco-Gómez procuram desenvolver crítica e metodologicamente a proposta – sobretudo quanto ao estudo da recepção de televisão. Entretanto, há uma notável convergência entre as categorias de “apropriação” e “mediação”, devido à ênfase no estudo dos usos, ancorado em pressupostos comuns sobre a recepção, bem como na definição de cultura que lhes é subjacente. O campo de similaridades entre estas perspectivas é o que nos interessa, enquanto possibilidade de explorar a recepção de um autor como Paulo Coelho, em primeiro lugar. Em seguida, a articulação promovida, a partir da categoria de “mediação”, entre o que se pode entender por “cultura popular” e a “cultura massiva”. Reconhecer estes pontos é importante, na medida em que a abrangência conceitual do termo “mediação” ultrapassa a questão da recepção. Como observa Ortiz, esta noção, conforme as formulações da principal obra teórica em que ela é proposta (Martín-Barbero, 1997), se aplica a universos diversos: indivíduos, grupos populares, produtores da indústria cultural etc. O que Martín-Barbero denomina de “mediação” se aproxima em muito ao que denominamos muitas vezes de relações sociais e culturais. O processo de produção e de difusão de bens culturais industrializados só pode ser entendido quando contraposto às diversas instâncias da sociedade moderna. (Ortiz, 1999, 72-73)

Reconhecida esta dimensão múltipla que o conceito de “mediação” em MartínBarbero possui – a qual se desdobra em desenvolvimentos do próprio autor e diferentes

31

posições de outros pesquisadores sobre o tema das “mediações”26, é interessante fazer algumas observações. Inicialmente resgatamos da proposta de Martín-Barbero aquilo que vincula o termo “mediação” com um campo privilegiado para a compreensão da interação entre recepção e produção. Este aspecto faz com que a análise da comunicação privilegie sua dimensão cultural. Ao mesmo tempo, corresponde a outro ponto importante que delimita nossa investigação. Depreende-se das propostas de Martín-Barbero que a relação produção/recepção é estruturada por uma série de dimensões mediadoras. Assim, para “traçar um novo mapa das mediações, das novas complexidades nas relações constitutivas entre comunicação, cultura e política”, Martín-Barbero (1998, 6) propõe um elaborado esquema conceitual no qual, em um eixo diacrônico, situam-se as “matrizes culturais” e os “ formatos industrias” e, em um eixo sincrônico alocam-se as “lógicas de produção” e as “competências de recepção ou consumo”. Tais âmbitos são interligados por uma complexa rede de categorias, como “institucionalidade”, “socialidade”, “tecnicidade” e “ritualidade”. Por si só esta descrição dá uma medida da complexidade operacional da perspectiva das mediações em investigações concretas. É por isso que pesquisas com equipes multidisciplinares (como em Lopes, 2000) sejam um meio natural para abarcar esta complexidade teórica. Por outro lado, é possível também fazer algum tipo de recorte, como trabalhar a partir da seleção de um grupo de mediações ou dimensões que configurem mediações (por exemplo, Bonin, 2001) ou procurar indutivamente (a partir dos dados de pesquisa empírica) desvendar a mediação “por excelência” de determinado processo de comunicação (cf. a discussão de pesquisas empíricas que adotam esta postura em Santos e Nascimento, 2000). Todas estas vias, no nosso entender, são válidas e têm trazido contribuições para o entendimento das práticas culturais, a partir da comunicação. Porém, nos limites de nosso estudo de caso, procuramos reter da categoria de “mediação”, menos do que um marco geral para a pesquisa, determinados fundamentos explicativos que vinculam a

26

Assim, se em Dos meios ás mediações (Martín-Barbero, 1997, 291-298), são propostas como “hipóteses” de mediações para o consumo da telenovela três lugares (a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural), em formulação mais recentes do autor, como exposto no texto acima (Martín-Barbero, 1998), sugere-se um esquema conceitual mais elaborado.

32

comunicação à cultura – no caso, vale sublinhar, de um consumo cultural que tem forte interface com o universo do impresso. Este ponto é importante, pois há, como já dissemos, uma preponderância de estudos sobre a televisão dentro desta perspectiva teórica. Assim, não é por acaso que o modelo das “mediações múltiplas” de Orozco-Gómez, uma das mais desenvolvidas operacionalizações do conceito de mediação, volta-se para este meio27. Para especificar a articulação entre comunicação e cultura na proposta das “mediações”, podemos indicar que seus efeitos no campo da comunicação são similares ao da categoria de apropriação, em outro âmbito. Assim, a conhecida fórmula-síntese de Martín-Barbero, “dos meios às mediações”, redefine a problemática da disciplina, menos quanto a meios ou aparatos de comunicação, do que ao estudo das práticas culturais, a partir de sua natureza comunicativa. Em outros termos, o marco teórico estruturado pelas “mediações culturais”, dirige o estudo da comunicação para a análise do caráter de processo produtor de significações e não de mera circulação de informações [da comunicação], no qual o receptor, portanto, não é um simples decodificador daquilo que o emissor depositou na mensagem, mas também um produtor. (Martín-Barbero, 1997, 287)

O efeito desta operação na crítica a abordagens que encaram os processos de comunicação como meios de persuasão – caso do funcionalismo –, manipulação – a partir principalmente dos frankfurtianos –, ou transmissão de informações – caso dos modelos informacionais –, já foi bastante evidenciado. O que é importante salientar aqui é a convergência entre Martín-Barbero e Chartier no pressuposto de que o receptor é também um produtor de sentidos. Pode-se observar, inclusive – e daí parte da similaridade entre os autores –, que Martín-Barbero reporta-se também à reflexão de Certeau sobre o caráter criativo, mas também estruturado, das práticas de consumo, lugar de uma luta que não se restringe à posse dos objetos, pois passa ainda mais decididamente pelos usos que lhe dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais. (Martín-Barbero, 1997, 290)

27

A proposta de “mediação múltipla” de Orozco-Gómez (1994) envolve uma tipologia de mediações, que são originadas por diferentes “fontes” (a cultura, a política, a economia, o gênero, a idade, entre outras). As mediações sugeridas por Orozco-Gómez são quatro: a mediação individual (provinda da individualidade dos sujeitos), a situacional (relativa a situação de interação entre os indivíduos e a televisão), a institucional (isto é, os âmbitos, como a família e a escola, em que o indivíduo participa) e a tecnológica (voltada à especificidade dos modos de produção da mensagem de televisão).

33

Há, pois, nas duas categorias, uma problematização da crença em que exista um sentido único, alocado nos produtos culturais, e que não seja (ou tenha sido) atualizado em práticas específicas. É por isso que Orozco-Gómez (1993) situa a proposta de MartínBarbero no âmbito do “uso social dos meios”, distinguindo-a de outras vertentes do estudo da recepção. Por outro lado, aprofundando as similaridades entre as proposições de MartínBarbero e Chartier, a significação do termo “cultura” ao qual os autores remetem é expandida ao compreender não somente as obras que imaginamos requerer uma apreciação estética. Existe uma coincidência entre os autores ao incluírem no espaço próprio da cultura as “práticas comuns ‘sem qualidades’, que exprimem a maneira através da qual uma comunidade [...] vive e pensa a sua relação com o mundo, com os outros e com ela mesma” (Chartier, 1999, 8-9). Em Martín-Barbero esta dimensão da cultura, de forte extração antropológica, remete ainda a uma história das práticas culturais, radicadas em espaços (como o bairro) ou produtos culturais (como a telenovela), que seriam facilmente encobertos ou omitidos por concepções mais elitistas ou restritivas sobre a natureza da cultura e de suas relações com a comunicação. De modo que em Martín-Barbero, por meio destas rupturas e definições, o eixo da análise cultural pode superar o âmbito puramente ideológico e reprodutor, dirigindo-se para o contexto das relações sociais. Estas relações não são isentas de conflitos, mas a perspectiva de análise permite visualizá-las antes como espaços de “negociação de sentidos” do que como de pura imposição. Quanto a este ponto, a pedra de toque foi a operacionalização do conceito de “hegemonia” (Gramsci) efetuada por Martín-Barbero, que faz ver o processo de dominação social não como algo exterior aos indivíduos. É, sim, um “processo vivido, feito não só de força mas também de sentido, de apropriação do sentido pelo poder, de sedução e de cumplicidade” (Martín-Barbero, 1997, 104). Feitas estas considerações, e reservando a discussão da relevância da categoria “mediação” para a reflexão sobre a “cultura popular” ao próximo tópico, o desafio que se coloca é quanto à relação entre as incorporações teóricas e a estratégia de nossa investigação. Esta discussão não teria sentido sem vinculá-la a este propósito. Reservamos tal passo, de modo mais dirigido à investigação, para o próximo capítulo, no qual procurarmos articular as incorporações teóricas a uma análise de trabalhos que pesquisaram leitores. 34

Realizar este último movimento, de análise da produção local, foi importante em vários aspectos. Antes de tudo, por termos obtido uma clara noção de que há uma trajetória de pesquisa empírica nessa área, da qual podemos tirar proveito. Ora, na medida em que nos afastamos da idéia de operacionalizar a categoria “mediação”, pelos motivos expostos, discutir a experiência alheia nos pareceu uma tarefa útil. Assim, procuramos analisar estes trabalhos, sob alguns parâmetros de interesse e, depois, propor a estratégia metodológica que irá orientar a pesquisa.

Cultura popular e cultura massiva O qualificativo “triste êxito” dado por García-Canclini (1987, 5) ao termo “popular” remete à sua ampla circulação e aceitação, nos termos de uma pluralidade semântica, cujo exame evidencia que esta categoria serve mais como uma construção ideológica, que permite aglutinar diferentes situações de subalternidade, do que um objeto de estudo cientificamente delimitado. Assim, seguindo García-Canclini (1987, 1997), é possível definir o “popular” de diferentes modos, conforme os interesses dos agentes que o mobilizam. Ele pode remeter à dimensão do tradicional, do exótico, dos hábitos, costumes e produções relacionados a populações subalternas vistas como “comunidades” sem desigualdades internas, à maneira do folclore. O auge da idealização, nesta via de acesso ao popular, conduz à noção de “povo” enquanto instância fundadora da nacionalidade, memória esquecida ou guardiã do passado (Ortiz, 1992, Chauí, 1986, García-Canclini, 1987, 1997). O essencialismo de tal operação, por si só, provoca uma dificuldade de entender as modalidades sincréticas assumidas pela cultura das classes populares, na modernidade, em função das transformações sócio-econômicas que afetam o modo de vida de tais grupos. Daí, a própria exclusão, nas descrições e análises neste eixo, do âmbito das relações sociais nas quais se configuram as práticas e produtos que poderiam ser enquadrados como “populares”. O conceito chave que dá conta destas transformações é o de “massificação social”, como nota García-Canclini (1987, 1997). Um processo histórico amplo, que em absoluto se resume a uma questão de meios de comunicação. Ele diz respeito a uma reconfiguração de diferentes estruturas sociais: de trabalho, moradia, educação, entre outros âmbitos, e

35

das, por conseguinte, complexas alterações no plano cultural que ocorrem, cuja natureza vai além da emergência de uma “cultura de massa”. A tradição crítica de reflexão sobre essas transformações, no plano comunicacional, é empobrecida pelo abuso das teses manipulatórias sobre a natureza da cultura de massa, relacionada com o poder da indústria cultural. As análises terminam, assim, definindo o popular na sociedade moderna como o alienado, integrado nessas estruturas, por se preocuparem exclusivamente com o pólo da produção, percebido como um bloco monolítico. Do ponto de vista do mercado, entretanto, o “popular” resulta simplesmente da capacidade de determinados produtos atingirem grandes faixas de público, torna-se portanto um sinônimo de popularidade. “Com isso é produzida uma distorção simetricamente oposta à folclórica: o popular é dado de fora ao povo” (García-Canclini, 1997, 261). Igualmente aqui, como na tradição crítica, há uma crença na capacidade de ilimitada adesão e onipresença das mídias. É possível dizer, de acordo com GarcíaCanclini (1997, 272), que tais enfoques, por sua incompatibilidade, colocam o estudo do popular na sociedade moderna numa situação pré-paradigmática. Esta conclusão – e a própria linha de raciocínio que a estrutura – é similar à de Chartier (1995), que ao analisar especificamente o uso do conceito no contexto histórico, observa duas posturas de descrição e interpretação opostas quanto à natureza da “cultura popular”. Uma concebe-a como “um sistema simbólico coerente e autônomo, que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e irredutível à da cultura letrada”. Já a outra vertente, preocupada em “lembrar a existência das relações de dominação que organizam o mundo social” (Chartier, 1995, 179), enfatiza a relação de carência e dependência entre a cultura popular e a cultura dos grupos dominantes. Estabelecer estes modelos, naturalmente simplificados e esquemáticos, como reconhece Chartier, tem a vantagem de evidenciar duas grandes linhas de força, recorrentes, que contrastam autonomia e dependência. Podemos ver, para cada uma das situações apontadas anteriormente, maior proximidade com uma ou outra tendência, embora isso nem sempre seja fácil. É possível que um mesmo trabalho utilize alternativamente ambas as concepções, caracterizando diferentes movimentos de interpretação. De modo que, “mesmo sendo lógica e metodologicamente contraditórias, estas definições da cultura popular não são por isso fundadoras de um princípio cômodo de classificação das pesquisas e dos pesquisadores”, observa Chartier (1995, 180). 36

Voltamos, pois, à questão das incompatibilidades e mesmo incoerências internas sobre o tema do “popular”, desta vez, de uma visada mais larga – não ligada apenas à contemporaneidade. A esta situação, certamente insatisfatória, correspondem, desde pelo menos os anos 70, tentativas de reconfigurar o conceito, dentro de um marco teórico que possibilite entender o que pode significar a noção de “popular”. Iremos nos deter aqui, dentre os aportes da renovação teórica então efetuada, ao enfoque gramsciano, um dos mais produtivos, em nosso juízo, para entender esta categoria, tendo em vista as peculiaridades da situação moderna. É por isso que ela é por nós utilizada como a via principal para pensar o que há de “popular” em Paulo Coelho. Por outro lado, as propostas de Chartier e Martín-Barbero, anteriormente expostas, podem acoplar-se a esta perspectiva, complementando-a, como procuraremos mostrar. Assim, antes de mais nada, deve-se notar que há uma vinculação entre “popular” e “subalterno” em Gramsci, de modo que, conforme as formulações deste autor, falar em cultura ou culturas das classes populares corresponde a uma posição dinâmica desta cultura frente aos elementos hegemônicos numa dada sociedade. É, neste sentido, uma posição relacional, na qual as tradições deixam de associar-se automaticamente com o popular, pois podem ser o eco do hegemônico ou do lugar que o poder assinala às classes subalternas [...] (pensemos na “popularidade” do machismo). Ao contrário, o massivo, que tão eficazmente contribui para a reprodução e expansão do mercado e da hegemonia, também dá a informação e os canais para que os oprimidos superem sua dispersão. (García-Canclini, 1987, 10)

Dessa forma, o “popular” é entendido como aquilo que, em termos de formações ideológicas e práticas sociais responde tanto a aspirações quanto a modos de vida dos grupos dominados, colocando-se em contraposição a um pólo dominante. Por isso, não se define primordialmente por sua origem, tradições ou essência, exteriormente atribuída às classes populares, mas por sua “posição – construída de forma complexa e conflituosa – frente ao hegemônico. Nesse sentido, o popular não deve ser concebido como um todo homogêneo que se opõe monoliticamente, a outro, erudito, culto ou de massa”, como afirma Borelli (1996, 35). Tal interpretação do enfoque gramsciano procura justamente não enrijecer a polarização entre os termos hegemônico/subalterno, de modo a possibilitar a compreensão

37

sobre os processos complexos de interpenetração entre ambos, do qual resultam, na análise de García-Canclini (1997), fenômenos híbridos28 na experiência cultural contemporânea. Martín-Barbero (1997) igualmente desenvolve, a partir de Gramsci, perspectivas de investigação da cultura popular em sua interação com a cultura de massa. É nesse sentido que retomamos a categoria de “mediação”, conforme este autor, naquilo em que ela aponta para o cruzamento entre massivo e popular. De acordo com Martín-Barbero, o processo de gestação do massivo não é exterior ao popular. Assim, por um lado, o autor ressalta, do mesmo modo que García-Canclini, o fato de que a “massificação” não se resume a uma questão de meios de comunicação. Por outro lado, Martín-Barbero enfatiza o papel estratégico que estes têm em “mediar” uma nova existência do “popular”, isso porque os meios (como o rádio, televisão) ou formatos (como o folhetim e o melodrama) que produzem o “massivo” processam-se apelando a dimensões populares. Isto é, os produtos da indústria cultural recuperam, apoiam-se e interpelam imaginários, matrizes culturais e interesses populares29. Dessa forma, Martín-Barbero (1997, 108) observa que “a razão secreta do êxito e a do modo de operar da indústria cultural remetem fundamentalmente ao modo como esta se inscreve em e transforma a experiência popular”. É exatamente este tipo de relação, inclusive referindo-se a Martín-Barbero, que Ramos (1990, 1993) tem em mente ao utilizar o termo popular de massa. Neste caso, o termo volta-se para o campo de produtos da indústria cultural configurados pela interação entre eixos “compostos por elementos seculares e outro mais ligado com a cultura urbana, industrial e internacionalizada das sociedades que se modernizam” (1990: 257). Esta

28

O termo “hibridação”, segundo (García-Canclini, 2000, 62), remete a “processos culturais em que estruturas ou práticas isoladas, que existiam em forma separada, combinam-se para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Em nosso trabalho, não temos a preocupação de operacionalizar este conceito e os demais aos quais ele está implicado, como “interculturalidade”, “sincretismo”. A despeito desta opção, que se explica por acreditarmos que o eixo de interesse quanto às relações entre popular-massivo é recoberto pelas categorias já referidas, notamos que este conceito (ainda em desenvolvimento como reconhece o próprio García-Canclini, 2000) teria potencial para ser utilizado em dimensões de nosso objeto das quais não os ocupamos, como, por exemplo, a recepção “mundializada” de Paulo Coelho. 29 As análises do autor em relação a processos específicos são bastante esclarecedoras, um exemplo interessante, em nosso caso, é o do folhetim: “em que sentido o folhetim é popular se já é de massa? Numa aproximação pela negativa, diríamos que ele o é pelo menos na medida em que configura uma experiência literária acessível às pessoas que têm um mínimo de experiência literária prévia enquanto leitoras”, entretanto, e mais importante, há também uma dimensão afirmativa, na qual o “popular poderia significar a presença de uma matriz cultural através, neste caso, da ‘narração primitiva’ [...] em que as formas aparecem fortemente codificadas” (Martín-Barbero, 1997, 189).

38

categoria seria averigüável pela análise dos modos de configuração dos produtos que são “acionados para promover o diálogo com os setores populares” (Ramos, 1993, 169). Voltando a Martín-Barbero, o outro ângulo da relação entre popular/massivo é o uso que os grupos populares fazem dos produtos desta esfera, ou seja, em termos muito próximos aos de Chartier, as formas de apropriação que estão em jogo no processo de consumo dos produtos da indústria cultural. Daí a importância, para dissociar a categoria de enfoques essencialistas, da proposição segundo a qual o “popular” deve ser visto não só enquanto “aquilo que culturalmente produzem as massas, mas também o que consomem, aquilo de que se alimentam” (Martín-Barbero, 1997, 62). O que de imediato leva à recusa em assinalar somente uma pretensa “pureza” da categoria e, principalmente na situação dos países latino-americanos, a pensar o popular na cultura não como algo limitado ao que se relaciona com seu passado – e um passado rural –, mas também e principalmente o popular ligado à modernidade, à mestiçagem e à complexidade do urbano. (Martín-Barbero, 1997, 62)

É importante frisar que Martín-Barbero (1997, 18) não deixará de criticar “o que no massivo é mascaramento e desativação da desigualdade social e portanto dispositivo de integração ideológica”, no entanto, isso não o impede, como vimos, de procurar perceber o que nele diz respeito “não só aos requisitos do mercado, mas de uma matriz cultural e de um sensorium que enoja as elites enquanto constitui um ‘lugar’ de interpelação e reconhecimento das classes populares”. Esta é uma formulação que encaminha bem a discussão sobre o modo como é entendido o termo “literatura popular” por Gramsci. A partir daí, poderemos retornar a Chartier, reforçando, uma vez mais, a importância do conceito de “apropriação” para entender o consumo de Paulo Coelho.

Literatura e leitura popular A partir do entendimento gramsciano – e de suas derivações expostas – sobre a cultura popular, não é estranho perceber que este autor possa ver no folhetim (Gramsci, 1968) uma das manifestações dessa cultura, ao ressaltar que há nele um vínculo entre este produto e seus consumidores, com base em um “comprometimento que é estabelecido com certo nível de aspirações da camada social [das classes populares] para o qual se dirige”

39

(Goldfeder, 1980, 17). De modo que certas demandas simbólicas destes grupos seriam atendidas por esta produção literária, o que poderia constituir um fator explicativo do alto consumo desta literatura. O campo da “literatura popular” portanto desloca-se daquele que remete unicamente a uma literatura feita e lida (ou ouvida) pelos segmentos populares, para um muito mais abrangente de “transfiguração expressiva de realidades vividas,

conhecidas e

identificáveis, cuja interpretação pelo artista e pelo povo coincidem” (Chauí, 1990, 88). Assim, não há uma contradição no fato de que Gramsci coloque nesta categoria uma literatura que nomeia como “não-artística” (o folhetim), atravessada por lógicas comerciais de uma nascente indústria cultural, junto com autores que valoriza esteticamente como Shakespeare e Tolstói. E que, igualmente, ao falar dos tipos de cantos popular, afirme que eles possam ser majoritariamente colocados na categoria dos que não foram compostos pelo povo nem para ele, “mas adotados por este, pois adequados à sua maneira de sentir e pensar” (Gramsci, 1978, 190). O campo da leitura popular, então, seria aquele que comporta todas as práticas de leitura relacionadas a este tipo de “literatura popular”? Sim, mas não de um modo simples, pois, já a partir de Gramsci, percebe-se a dialética entre leitor e escritura, na qual essas duas dimensões estão profundamente imbricadas. É claro que o vínculo estabelecido entre leitor e o texto pode ser constituído a partir de uma estratégia comercial, como a recorrência do “super-homem” no folhetim, que propicia o atendimento simbólico a um desejo de justiça. No entanto, ele pode ser também a remissão a uma competência narrativa “popular” (vide nota 29) ou um modo desviado de leitura (Martín-Barbero, 1997, 97-98)30, no qual a interpretação do leitor é feita a partir de códigos diferentes daqueles que estruturam o texto. Assim, num exemplo extremo de “leitura desviada”, os homens do povo que declaravam participar das barricadas parisienses de 1848 devido à leitura de Os mistérios de Paris ignoraram o convite à “pacificação social e à consolação” do folhetim de Eugène Sue, preferindo interpretá-lo como uma chamada à ação (cf. Eco, 1970)31. Esse é um exemplo extremo, mas mostra bem

30

O autor recorre ao exemplo clássico do moleiro medieval Menocchio, estudado por Ginzburg (1987), para referenciar este tipo de prática interpretativa. Vale notar a similaridade desta estratégia com a chamada “leitura aberrante” (Eco, 1970, 166-168). 31

Neste aspecto é possível discordar da proposição de Chauí, exposta anteriormente, quanto à identificação do modo de ver do autor e do leitor. 40

a dimensão operativa da apropriação, conforme o sentido que esse termo tem em Chartier, isto é, como índice de formas de uso e compreensão. É neste ponto, inclusive, que se encontra o principal alicerce da crítica de Chartier à perspectiva de que determinado bem cultural seja considerado “popular” em si mesmo (como as diferentes littératures de colportage). A inutilidade de querer identificar a cultura popular a partir da distribuição supostamente específica de objetos ou modelos culturais, argumenta Chartier (1995, 183-184), decorre do fato de que tais formas não são radicalmente diferentes das dos grupos da elite. Além disso, os bens e modelos culturais são freqüentemente compartilhados por meios sociais diferentes. A repartição social é uma questão complexa e não se deve “aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição que supõe implicitamente que à hierarquia de classes ou grupos corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos culturais” (Chartier, 1995, 184). Assim, o popular é melhor visualizado quando qualifica, antes de mais nada, um tipo de relação, um modo de utilizar objetos ou normas que circulam na sociedade, mas que são recebidos, compreendidos e manipulados de diversas maneiras. Tal constatação descola necessariamente o trabalho do historiador, já que o obriga a caracterizar não conjuntos culturais dados como “populares” em si, mas as modalidades diferenciais pelas quais eles são apropriados. (Chartier, 1995, 184)

No caso de Paulo Coelho isso parece bastante apropriado à primeira vista: não se trata de uma produção voltada primordialmente a este ou aquele público específico. O preço comum do livro não indica uma leitura que possa sustentar-se unicamente por públicos de pequenos recursos, pelo menos dada a alta escala de vendagens do autor. (É evidente a necessidade de um maior conhecimento sobre este ponto, mas talvez a comparação com a telenovela não seja descabida quanto ao consumo ocorrer provavelmente em faixas de público socialmente diferenciadas.) Existem, entretanto, estratégias bastante claras de maximização e diversificação de leitores, que promovem determinadas (e relativas) repartições. São ofertados, por exemplo, textos de imprensa e edições econômicas, ao mesmo tempo em que livros mais bem acabados, sofisticados e de preço menos acessível, para diferentes setores de público (estes aspectos são analisados com maior detalhe no Capítulo 4). Sem dúvida, ler O alquimista na edição ilustrada por Moebius é uma experiência diferente da que ocorre quando ele é lido em uma edição econômica. No entanto, tão importante quanto as reconfigurações da materialidade dos textos de Paulo Coelho é a diversidade de experiência trazida pelos leitores para sua atividade interpretativa, para cada

41

uma das modalidades propostas. Em outros termos, a tensão existente na proposição de um texto (ainda que em suportes diversos) a leitores numerosos “e as formas de recepção deste texto, que se estendem, freqüentemente a registros completamente diferentes” (Chartier, 1995, 187). Estas relações de consumo/recepção apresentam elementos conflitivos, como já notamos a partir do próprio Chartier, quanto ao consumo e à posse desigual de bens culturais. Mas justamente aqui se encontra a diferença que dota de sentido a expressão “leitura popular”, de acordo com o entendimento exposto. Ou seja, ao mesmo tempo em que se deve reconhecer o ganho de atribuir a categoria “popular” a modos de ler e não a classes de textos, é necessário ter em mente que as formas populares das práticas nunca se desenvolvem num universo simbólico separado e específico; sua diferença é sempre construída através das mediações e das dependências que as unem aos modelos e às normas dominantes. (Chartier, 1995, 189)

É a partir deste ponto de vista que Chartier afirma que cada prática “popular’ poderá ser vista, tanto a partir de sua autonomia, quanto em seus elementos mais dependentes; ou que as análises possam concentrar-se majoritariamente em uma ou outra dessas dimensões. No entanto, o elemento relacional, da mesma forma que em Gramsci, ultrapassa a idéia de total integração ou negação do “popular”. Esta diferença – que resulta de determinadas posições sociais, econômicas, educacionais – modulará uma variedade de apropriações, modelos de uso e fruição para com o “texto” de Paulo Coelho por parte de grupos “populares”. Em nosso caso, isso corresponde ao estudo de leitores de biblioteca, em busca dos modos de uso e apropriação deste autor. Leituras criativas, desviadas, dependentes, mais ou menos autônomas, “populares”? Sem dúvida, inventariar e analisar os modos de apropriação de um grupo de leitores é um meio útil para desvendar alguns nexos entre os receptores e Paulo Coelho, porém, isso exige a construção de uma estratégia metodológica coerente e realizável. No próximo capítulo, portanto, discutiremos pesquisas sobre leitores, em busca de pistas para articular os modelos teóricos expostos até aqui à proposição de uma estratégia própria, a ser realizada na pesquisa empírica com leitores. Quadro Ilustrativo 4

42

Quadro Ilustrativo 4

Práticas editoriais ligadas ao neo-esoterismo

Sexto Sentido

Cartazes de rua

Sexto Sentido

Ano 1 - nº 1 - Ago. 1999

Avenida Vital Brasil - SP - Ago. 1999

Ano 2 - nº 17 - Dez. 2000

Vida Fantástica - Especial Revista com CD-ROM biográfico sobre Paulo Coelho Capa, contracapa e detalhes da capa Ano 1 - nº 1 - S.d.

Almanaque do Pensamento Editor: Ricardo Ridel São Paulo: Pensamento 90ª ed. [?]- 2001 - 13,5 x 21cm Capa: Nilza Agua

Muitas periódicos dedicam-se a atender um público interessado em temas “neoesotéricos” e, dentro dessa abordagem, destacam o trabalho de Paulo Coelho. A temática da “nova espiritualidade” parece ser, entretanto, bastante aberta, sobretudo nos veículos de maior veiculação. Desse modo, pode abarcar desde o Santo Daime, as profeciais de Nostradamus, a astrologia, entre outros pontos. Ao mesmo tempo, não entra em choque com certas tendências da religiosidade tradicional, assim, a revista Vida Fantástica - Especial veicula publicidade de outra de suas publicações, desta vez sobre padres cantores. Aparentemente, estas editoras atingem um bom nível de profissionalização no âmbito destas práticas editoriais. Utilizam, por exemplo, cartazes para divulgar-se, escolhendo um autor conhecido como Paulo Coelho, caso do primeiro número de Sexto Sentido, que pouco mais de um ano depois volta a tematizar o autor. Outro exemplo de estratégia mercadológica é dado pelo “esquecimento” do informe da data de publicação de Vida Fantástica - Especial, que pode então ser relançada, mais de um ano depois, com um preço bem menor, conforme nota-se nas imagens dos detalhes. As práticas editoriais “neo-esotéricas” dirigem-se também para o mercado do livro, e aqui há também o mesmo tipo de variedade observada nos periódicos. Editoras tradicionais como a Rocco e a Pensamento (que edita o popular Almanaque do Pensamento) disputam espaço com outras, como a Maya. A paixão segundo Raul Seixas, desta editora, é um romance semi-biográfico, no qual o autor, que conheceu Paulo Coelho, dedica parte do trabalho a ironizar as escolhas do escritor “Pedro Cordeiro”, o pseudônimo de Coelho no livro.

A Paixão Segundo Raul Seixas Autor: Toninho Buda São Paulo: Maya 1ª ed. - 1999 - 14 x 21cm Capa: Selma Sena/Eliane A.de Oliveira

As Vidas de Chico Xavier Autor: Marcel Souto Maior Rio de Janeiro: Rocco 1ª ed. - 1999 - 14 x 21cm

43

Quadro Ilustrativo 5

A editora ECO: espiritismo, ocultismo, magia... e literatura Selo da Editora ECO, inserido geralmente na segunda página das edições

O Livro Negro de São Cipriano

O Senhor das Sombras

Rio de Janeiro: ECO 1ª ed. [?] - S.d.- 14 x 21cm Capa: Christina Oiticica

Autor: Joaquim V. Guimarães Rio de Janeiro: ECO 3ª ed. - S.d.- 14 x 19cm Capa: sem crédito

Autor: A. M. Casabranca (pseud.) Rio de Janeiro: ECO 1ª ed. [?] - S.d.- 14 x 21cm Capa: Jorge Cassol

A Livro da Verdadeira Cruz de Caracava

Cerimônias da Umbanda e do Candomblé

O Diário de um Mago

Autor: sem crédito Rio de Janeiro: ECO 5ª ed. - S.d.- 11,5 x 16cm Capa: Suely Marella

O Livro Encarnado de São Cipriano Autor: Maria H. Farelli (coord.) Rio de Janeiro: Pallas 8ª ed. - S.d.- 14 x 21cm

Autor: José Ribeiro Rio de Janeiro: ECO 3ª ed. - S.d.- 14 x 21cm Capa: sem crédito

Como Fazer Simpatias Autora: Maria B. F. dos Santos Rio de Janeiro: ECO 14ª ed. - S.d.- 14 x 21cm Capa: Nilton M. Mendonça

A Misteriosa Magia dos Sentimentos Autor: Jackson Saboya Rio de Janeiro: ECO 1ª ed. [?] - S.d.- 14 x 21cm Capa: Jorge Cassol

O Livro do Medium Curador Autor: José Lhomme Rio de Janeiro: ECO 6ª ed. - S.d.- 13,5 x 18cm Capa: Suely Marella

A editora carioca ECO especializou-se em temas ligados ao espiritismo, umbanda, ocultismo e magia. Seu catálogo é bastante amplo, nesses assuntos. Além de livros como esses, em menor volume, a ECO editou ficção – caso de A misteriosa magia dos sentimentos e O senhor das sombras (acima) – o que atenua a estranheza quanto ao fato de O diário de um mago e O alquimista terem sido publicados, inicialmente, por ela. É interessante observar neste quadro, além do tipo de livro ao qual estiveram associados os primeiros sucessos de Paulo Coelho, a relativa semelhança entre as capas de edições de O livro de São Cipriano (ECO e Pallas), de O livro da verdadeira oração de caracava, da própria ECO, e a de O diário de um mago. Várias editoras têm dedicado-se ao filão “espiritualista”, entre elas a Pallas e a Madras, porém, procuram dar um padrão gráfico mais sofisticado aos livros do que a ECO. A relação entre esta editora e Paulo Coelho é discutida no Capítulo 3 deste trabalho. 44

Capítulo 2

Leitores, modos de pesquisar, modos de compreender

No curso desta investigação, tivemos a grata surpresa de ver que um de nossos supostos era infundado. Imaginávamos que a pesquisa brasileira sobre “leitores empíricos” contemporâneos, a partir do que chamaremos de um ponto de vista sociocultural, havia sofrido uma interrupção desde o importante trabalho de Bosi (1972). No entanto, a pesquisa bibliográfica fez ver a existência de trabalhos que voltam a tematizar, com ênfase, os leitores dentro do circuito do livro e das dinâmicas da cultura – constituindo, assim, uma interface com a área da comunicação, quando não realizados dentro deste campo. Com efeito, ressaltamos que a delimitação de nosso âmbito de interesse diz respeito aos estudos nos quais “leitores empíricos” são mobilizados para ampliar a compreensão sobre práticas efetivas de apropriação do impresso, situadas em determinado contexto social e cultural, na medida em que isso poderá proporcionar auxílio à estruturação de nossa pesquisa. Há certa proximidade, nos trabalhos a seguir arrolados, com a tradição de “estudos de recepção” em comunicação, nos quais são feitas também análises dos processos de comunicação derivados de determinada mensagem. Assim, interessa, nas vertentes mais atuais dessa área, interrogar o pólo da recepção, articulado, conforme o grau de complexidade da investigação, às relações de produção e circulação, para “estudar em profundidade os processos reais através dos quais os discursos dos meios de comunicação são assimilados pelos discursos e práticas culturais das audiências” (Jensen, 1993, 170). Há neste tipo de abordagem alguma sintonia com correntes literárias preocupadas com o leitor32, principalmente com a sociologia da leitura – na qual, por exemplo, podemos 32

Conforme mostra Zilberman (1989, 11-28), correntes como o estruturalismo tcheco, o reader-responde criticism e a estética da recepção (Jauss) ou do efeito (Iser) preocupam-se também com o leitor, no entanto este é uma construção intratextual, ao contrário, geralmente, da sociologia da leitura. É pertinente, porém, apontar para o trânsito de conceitos, como os de “horizonte de expectativa” (Jauss), “comunidade interpretativa” (Fish), destas tradições mais voltadas ao texto para investigações de enfoque sociológico e/ou empírico. Este movimento não se dá sem risco ou de modo simples – retirados de seus contextos epistemológicos originais, tais conceitos exigem reconfigurações e cuidados na sua utilização em objetos e com objetivos não contemplados pelo campo de origem. Um exemplo claro é o uso produtivo que Sarlo 45

alocar o trabalho de Bosi – e sua preocupação em perceber “o fato literário no cotidiano de sua existência, caracterizado por sua circulação e consumo” (Zilberman, 1989, 18). Este enfoque é diversificado, e compreende, entre outros, esforços de constituição de uma “sociologia da literatura”, nos moldes de Escarpit, ou propostas de estudo da história do livro como um “meio de comunicação” (Darnton, 1990), considerando, tanto a complexidade do circuito comunicativo do livro, quanto sua “abertura” às influências externas (contexto econômico, social, intelectual, etc.). Há nestes dois tipos de tradições de pesquisa (comunicação e sociologia da leitura) uma preocupação com os elementos contextuais que modelam a recepção e sua implicação com as temáticas específicas de pesquisa; daí a opção pela realização de análises com determinados grupos de leitores, ancorando a situação comunicacional em uma dinâmica cultural. É a esta grade de significação que remetemos a um nível de análise que chamamos de “sociocultural”. O filtro dado pelo termo “leitores empíricos”, por sua vez, marca uma outra delimitação e exige considerações. Nos voltaremos somente para os estudos da atividade de leitura, próximos à intenção de nosso estudo de caso, isto é, pesquisas que admitiam retorno entre pesquisador e sujeitos pesquisados, desde o mais baixo nível de mediação (interação pessoal) até aqueles nos quais ainda era possível e necessário produzir o dado (aplicação de questionário, por exemplo). Daí o sentido de “contemporâneo” (ao pesquisador) ao qual se associam. Não existe nessa opção um caráter valorativo – enquanto eco de alguma fé empirista na “transparência do real”. Trata-se, sim, de uma estratégia de ordenação de trabalhos, a partir de um eixo de interesse, com este nível básico de similaridade. Por outro lado, exclui-se a tentativa de apreender a leitura, exclusivamente, através de textos e protocolos de edição. Pode-se ainda, como se sabe, estudar o leitor empírico por outras vias: cartas, inventários, entre outros, sem mencionar a já aludida reconstrução do leitor embutido nos textos. O modo aqui escolhido implica, entretanto, em certas peculiares, que podem aportar contribuições próprias para o estudo da leitura no Brasil,

(1985) faz do conceito de “horizonte de expectativa” no estudo da recepção de novelas populares argentinas, que estariam desde logo fora da preocupação da estética da recepção. Nesta, a reconstituição de tal horizonte serve a uma delimitação do valor de uma obra literária, medida pelo distanciamento entre o horizonte de expectativas do público e a obra. A “literatura culinária” está francamente fora dos planos da estética da recepção. Outro exemplo, aparentemente mais problemático, é o uso do conceito de “comunidade interpretativa” nos estudos em comunicação (cf. Varella, 2000). 46

razão pela qual estranhávamos o caráter a um só tempo pioneiro e isolado da pesquisa de Bosi (1972) com leitoras operárias. Os trabalhos que constituem o corpus analítico deste texto sobre a pesquisa com leitores empíricos, no qual situamos esta tendência de pesquisa são variados. Eles têm em comum o fato de terem procedência acadêmica (dois deles foram publicados, até agora), refletindo diferentes níveis de amadurecimento dos pesquisadores. Nossa preocupação principal, quanto a análise dos trabalhos, é perceber com que fins os leitores são mobilizados nas pesquisas e quais os meios utilizados, assim como, os resultados destes estudos e com que grau de coerência elas chegaram a suas conclusões. Procuramos, por conseguinte, discernir a estruturação teórica e metodológica das pesquisas, notando como estas opções guiaram a investigação empírica, bem como as estratégias utilizadas nesta fase. Por fim, cabe salientar, como já dito na Introdução, que a análise desses trabalhos não deve ser confundida com um texto que procure traçar um “estado da arte” da pesquisa sobre leitores, neste aspecto, principalmente por dois motivos. Em primeiro lugar, o universo do qual se partiu dificilmente satura os campos em que este tipo de pesquisa reside, sobretudo por ela transitar por várias disciplinas. Este fato, que dificulta um mapeamento global da produção, será evidenciado no tópico seguinte; assim, devemos ressaltar o caráter exploratório deste levantamento. Por outro lado, como o universo da pesquisa bibliográfica é bastante amplo, incluímos ainda outros critérios para justificar a escolha de algumas investigações e a exclusão de outras na constituição de nosso corpus. Estes se dividem em dois grupos: os que são diretamente derivados dos critérios básicos aqui expostos, ou de ordem mais pragmática. Quanto ao primeiro grupo, escolhemos apenas investigações nas quais é dada uma centralidade, ou forte ênfase, na pesquisa com leitores. Ao mesmo tempo, nossa preocupação com um nível de análise voltado à relação comunicação/cultura e a problemas que possam ser abordados por este viés, implicou na exclusão de produções que se encaminham para sondagens, levantamentos ou verificações do hábito da leitura, gostos, preferências, habilidades, desempenho e compreensão na atividade de leitura, questões que possuem vasta produção, principalmente quando voltadas para leitores escolares ou para os presumíveis responsáveis (professores, bibliotecários) pela transmissão de alguma destas habilidades/características. Nestes casos, é interessante

47

notar, não há uma descontinuidade na produção de pesquisas com o uso de investigação empírica com leitores, conforme observa-se no levantamento realizado por Ferreira (1999), pelo contrário, é um ramo de estudos bastante regular. Outro ponto problemático e que provavelmente torna o corpus incompleto é o fato de que muitas investigações estão em zonas de fronteira quanto ao nosso interesse imediato. Assim, se em princípio tenderíamos a excluir trabalhos mais ligados à educação, observamos que alguns voltam-se decididamente para o entendimento da questão da leitura não só no ambiente escolar, mas no contexto cultural cotidiano mais amplo no qual se dá a atividade. Agregamos tais pesquisas, porém somente após termos acesso à íntegra do trabalho, e, uma vez lido, observamos que correspondiam aos parâmetros formulados. No entanto, e esta já é a primeira questão pragmática que afeta a composição da amostra bibliográfica, não tivemos acesso a todos os trabalhos em sua integralidade. E apenas pelo título ou pela conjugação de título e resumo, talvez não tenhamos captado todas estas pesquisas nas quais, embora o foco pareça estar claramente voltado para a escola, para a leitura escolar, há também uma problemática situada em proximidade às análises de foco sociocultural mais típicas, nos termos estabelecidos. Infelizmente, também ocorreu o oposto: encontramos resumos que indicariam uma provável inclusão neste âmbito de pesquisas33, no entanto, não pudemos consultá-las. Um último ponto é quanto à opção, também pragmática, por analisar apenas teses e dissertações, mesmo quando encontramos artigos que pareciam resumir pesquisas mais amplas e próximas ao nosso interesse34. Optamos por isso principalmente por razões de comparabilidade entre os trabalhos e, novamente, em função de nosso interesse de pesquisa.

33

Casos de ABDALLA, Clarice V. C. 1995. Partilhando saber: um estudo etnográfico sobre uma comunidade de leitoras. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro: Faculdade de Educação – PUC-RJ e ZEN, Maria Isabel H. D. 1991. Histórias de leitura na vida e na escola: uma abordagem lingüística, psicológica e social. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: Faculdade de Educação – UFRGS.

34

Por exemplo, STRÔNGOLI, Maria Thereza Q. G. 1985. Lembranças de leituras de idosos em sua infância e juventude, confrontadas com a dos jovens de hoje. Leitura: Teoria e Prática, Campinas: Mercado Aberto/ALB, ano 4, nº 5, pp. 44-47. A despeito de não abordarmos tal trabalho (que, como os demais não apropriados diretamente, não foi inserido nas Referências Bibliográficas) salientaríamos a criatividade teórico-metodológica desta pesquisa, ao abordar a leitura a partir dos ângulos da memória dos idosos e dos dados obtidos dos jovens. Além destes textos, depois da redação deste capítulo encontramos um trabalho (Pereira, 1998) que investiga leitores de Paulo Coelho, de um ponto de vista qualitativo, preocupado em compreender a relação desta prática de leitura com concepções religiosas. Portanto, este é outro campo (antropologia urbana e da religião) que utiliza a pesquisa com leitores.

48

Apesar destas questões, acreditamos que a descrição e discussão dos trabalhos levantados indica o crescimento de uma tendência de pesquisa, claramente interdisciplinar, e que pode estabelecer um diálogo com a investigação em comunicação.

O universo de trabalhos e a composição da amostra Os trabalhos a seguir arrolados e que indicam um “retorno ao leitor” foram localizados por nós a partir dos seguintes procedimentos: inicialmente tivemos acesso ao mapeamento de teses e dissertações da área da comunicação, entre 1994 e 1998, feito na pesquisa NUPEM/COMPÓS (Lopes, 2001). Ao mesmo tempo, utilizamos serviços de busca na Internet, de bibliotecas de Universidades brasileiras (utilizando como termos de busca “leitor” ou “leitura”, por exemplo), consultamos a coleção completa da revista Leitura: Teoria e Prática (nº 0, dez. 1982/nº 35, jun. 2000) e também recebemos indicações de colegas. Chegamos, depois de utilizar estes meios, aos trabalhos de Ferreira (1999 e 1999a), que arrolam e discutem a produção discente dos programas brasileiros de pós-graduação em Letras/Lingüística, Biblioteconomia, Comunicações, Educação e Psicologia sobre leitura, entre os anos de 1980 a 1995. A autora utiliza os resumos dos trabalhos como base para descrever a trajetória do campo de conhecimento dedicado à temática. Lista 189 trabalhos (156 dissertações e 33 teses), e propõe uma classificação a partir de sete tipos de entrada, na nomenclatura adotada, “focos de interesse” dos pesquisadores: 1) compreensão/ desempenho em leitura (com 76 trabalhos), 2) proposta didática e análise do ensino de leitura (61), 3) leitores - preferências, gostos, histórias e representações (25), 4) leitores - preferências, gostos, histórias e representações: o caso do professor/bibliotecário como leitor (15), 5) texto de leitura usado na escola (8), 6) memória da leitura, do leitor e do livro (6) e 7) concepção de leitura (3). Esta sistematização foi útil para nossos objetivos, mas, igualmente, acabou reforçando a dificuldade e talvez os limites atuais de levantamentos globais. Isso porque ao cruzarmos dados deste levantamento com os da pesquisa NUPEM/COMPÓS (apenas em comunicação) observamos que trabalhos que poderiam ser recobertos por Ferreira não o foram, enquanto outros talvez não tenham sido em função dos critérios adotados35. 35

Quanto ao primeiro tipo, há o trabalho de Silva (1994), a seguir abordado, e o de BRAGANÇA, Aníbal F.A. 1995. Livraria Ideal: a trajetória de um imigrante italiano, de engraxate a livreiro (1935-1966). 49

No primeiro caso trata-se, provavelmente, de problema relativo à recuperação/ coleta do dado – questão, aliás, discutida pela autora quanto às dificuldades desta etapa (Ferreira, 1999, 24-25). Em relação ao segundo ponto, coloca-se o entendimento sobre o que é a pesquisa em leitura. Não seria aqui o espaço para discutir este aspecto – assim como, a constituição das categorias por Ferreira –, mas, especificamente quanto à área da comunicação, pode-se notar que há um número expressivo de trabalhos sobre a produção editorial, o livro e a leitura com uma interface com a pesquisa em leitura (vide nota 35). A despeito dos inegáveis méritos do trabalho de Ferreira, ele parece requerer complementações advindas das próprias áreas – inclusive com uma ampliação das mesmas. Nota-se que a não inclusão dos programas de História e Ciências Sociais faz com que, provavelmente, muitas investigações não sejam cobertas. Pesquisas parciais poderão ser mais acuradas, agregando mais dados sobre a pesquisa na área. Finalmente, o corpus da análise é constituído pelos seguintes trabalhos (em ordem cronológica): 1)

Leitores sem textos. 1990. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras UFRJ, de Maria das Graças Rodrigues Paulino. (Orientador: Manuel Antônio de Castro.)

2)

Os usos sociais da escrita no cotidiano de camadas populares. 1991. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Educação - UFMG, de Marildes Marinho Miranda. (Orientadora: Magda Becker Soares. Co-orientadora: Tânia Dauster.)36

3)

As leitoras indiscretas visitam as bancas. 1994. Dissertação de mestrado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes - USP, de Paulo Sérgio Silva. (Orientador: Celso Loge.)

4)

Educação e sedução: normas, condutas, valores nos romances de M. Delly. 1995. Tese de doutorado. São Paulo: Faculdade de Educação - USP, de Maria Tereza Santos Cunha. (Orientadora: Jerusa Vieira Gomes.)37

5)

O imaginário feminino e a opção pela leitura de romances de séries. 1998. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Escola de Comunicação - UFRJ/IBICT, de Lígia Maria Moreira Dumont. (Orientadora: Nice Menezes de Figueiredo.)

6)

Um best-seller na mira do leitor: “O alquimista”, de Paulo Coelho. 1998. Dissertação de mestrado. São Paulo: FFLCH - USP, de Octacília Rodrigues de Freitas. (Orientadora: Lígia Chiappini Moraes Leite.)

Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA-USP, que poderia ser incluído no foco sobre a “memória da leitura”. Fora da área da comunicação, há a pesquisa de Cunha (1995), também analisada a seguir. Já quanto ao segundo grupo (não inclusão devido ao critério adotado), a pesquisa NUPEM/COMPÓS indica, entre outros, trabalhos como os de SILVA, Kátia Maria de C. 1995. A Cidade das Revistas: Imprensa feminina no Rio de Janeiro, anos 20. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: ECO-UFRJ, e de WYLER, Lia Carneiro da C. A. 1995. A Tradução no Brasil. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro. ECO-UFRJ. Uma análise dos dados da pesquisa NUPEM/COMPÓS indica que há 57 trabalhos (39 dissertações e 18 teses) que voltam-se ao campo da Produção Editorial (21 trabalhos), do Livro/Impresso (21) e da Leitura (15), o que representa 5,4% da produção entre 1994-1998 (cf. Romancini, 2001). O que é interessante ressaltar aqui, além da diversidade da produção, é o número de trabalhos que poderiam ser agrupados em levantamentos mais amplos. 36 Um artigo da revista Leitura: Teoria e Prática resume um capítulo deste trabalho, ver Miranda, 1992. 37 Publicado pela editora Autêntica, com modificações para o formato livro, ver Cunha, 1999.

50

7)

Práticas de leitura na escola e nas famílias em meios populares. 1999. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Educação - UFMG, de Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo. (Orientadora: Maria das Graças de Castro e Sena.)38

8)

Leituras e leitores: a magia das letras, imagens e vozes. 1999. Dissertação de mestrado. Juiz de Fora: Faculdade de Educação – UFJF, de Regina Barra Tarocco. (Orientadora: Geysa Silva.)39

Destes 8 trabalhos, a metade situa-se de 1990 a 1995, no entanto, nenhum destes foi agrupado no trabalho de Ferreira (1999), provavelmente pelos motivos já expostos. Ainda que não seja possível, e nem é a intenção, fazer extrapolações sobre os dados, alguns aspectos merecem ser destacados: - A forte presença de trabalhos vindos de Faculdades de Educação (4), seguidos pelos da área de Letras e Comunicação (ambas com 2). - A relativa variedade institucional dos estados que geram esta produção: 2 são do Rio, 3 de São Paulo e outros 3 de Minas Gerias. Sabendo-se que os 2 do Rio tiveram a pesquisa de campo realizada em Minas, a importância deste estado cresce, e percebese maior variedade estadual em função de Cunha ter realizado o trabalho de campo em Santa Catarina. - Este tipo de estratégia de pesquisa com leitores é utilizada nos dois níveis da pósgraduação. Nos trabalhos citados, as dissertações são em número de 5 e as teses, 3. - A leitura das classes populares e dos “leitores comuns” é destacada como objeto de estudo, assim como a literatura excluída da cultura hegemônica (romance feminino, Paulo Coelho). - A despeito da cautela necessária, sustentamos a idéia de que existe a emergência de uma tradição de pesquisa com leitores empíricos, nos termos expostos, na década de 90, quando surgiram todos os trabalhos acima e outros (ver nota 29). Os leitores são pesquisados também durante a década de 80, no entanto, o centro da investigação é principalmente a escola e a biblioteca, e geralmente com outros interesses (desempenho, compreensão, etc.). Quanto ao lugar que estes trabalhos poderiam ocupar na classificação proposta por Ferreira, parece claro que a maioria, senão todos, estaria no foco sobre “leitores: 38

Há um artigo, disponível pela Internet, que resume aspectos deste trabalho, ver Araújo, 2000. No caso deste trabalho, infelizmente, não tivemos acesso à dissertação, somente ao livro produzido a partir da mesma (ver Tarocco, 1999). Os problemas principais foram relativos à impossibilidade de saber se ocorreram acréscimos ou supressões e também os descuidos da edição (falta de textos de notas, ausência ou erro em referência bibliográfica). Há uma síntese desta pesquisa em http://www.powerline.com.br/ jung/link809.htm. 39

51

preferências, hábitos, interesses, histórias de vida e representações”, nos quais os estudos voltam-se para o leitor “através do mapeamento de seus interesses, gostos, preferências, expectativas, hábitos, representações, condições de leitura e de estudo, critérios de seleção de obras” (Ferreira, 1999, 91-92). A análise feita por Ferreira sobre o desenvolvimento desta linha de pesquisa, vista a partir de três momentos, reforça nosso argumento quanto à importância da década de 90, nas pesquisas com leitores com as características aqui privilegiadas. Assim, nota a autora que: Nos anos de 80 a 85 encontram-se dissertações e teses que, focalizando o leitor na escola e nas bibliotecas públicas, discutem preferências, hábitos, interesses e os fatores interferem na formação desse leitor. De 86 a 90 persistem pesquisas nessa perspectiva, mas surgem outras que se voltam para a discussão da formação do leitor, discutindo-a e rastreando as relações históricas entre literatura, educação e cultura. No terceiro período, o leitor é, além das outras perspectivas, estudado pelas imagens e representações construídas por ele em suas relações com a leitura, com o livro e com outros leitores. (Ferreira 1999, 93)

É possível pensar (a classificação de Ferreira admite mais de uma entrada) que o trabalho de Cunha também estivesse no foco sobre “memória da leitura”, devido a seu caráter historiográfico ou que os trabalhos de Miranda, Araújo e Tarocco fossem inseridos em algum dos focos mais ligados à educação. No entanto, é evidente, mesmo nestes trabalhos, a preocupação de estudar o leitor em seu contexto de recepção. Observa-se nos trabalhos arrolados uma clara distinção entre os que se voltam para a análise de práticas específicas de recepção (Silva, Cunha, Dumont e Freitas), aproximando-se do estudo de caso de recepção, e os que se dirigem para as práticas de leitura de modo geral (Miranda, Araújo e Tarocco). A pesquisa de Paulino coloca-se num espaço intermediário, por motivos que exporemos adiante. Assumimos, num primeiro momento, esta distinção, nos dois quadros-resumo, que se seguem (colocando o trabalho de Paulino, para efeito de simplificação, junto ao segundo grupo). Os quadros foram construídos a fim de que sinteticamente pudéssemos descrever as pesquisas, isolando os elementos de mais interesse. Dessa forma, nos preocupamos em 1) caracterizar a pesquisa como um todo quanto a: 1a) os objetivos manifestados pelos autores para a feitura da investigação; 1b) apontar a “perspectiva teórica” base do trabalho, isto é, o campo teórico principal ao qual se apela para cumprir os objetivo propostos; 1c) os autores e respectivos conceitos incorporados (por razões de clareza, restringido-se aos mais importantes para o trabalho), anotando o(s) “modo(s) de leitura” verificados. Distinguimos esta categoria em dois tipos de leitura: “extensiva” e “intensa”, a primeira remete a uma verificação sobretudo quantitativa das incorporações bibliográficas – o

52

número de autores citados, presentes em referências incidentais ou não, bibliografia, etc. –, já a “leitura intensiva” vincula-se não ao número de apropriações, mas à reflexão a partir dos trabalhos e conceitos dos autores apropriados40. Por fim, terminando esta apresentação dos trabalhos, 1d) registramos as conclusões dos autores. A seguir, nos voltamos para a 2) pesquisa empírica com leitores, e nela 2a) buscamos perceber o “método técnico” da investigação, que operacionalizou a coleta de dados e também as razões apontadas pelos autores para sua escolha; 2b) descrevemos o modo como a investigação empírica acopla-se ao trabalho de modo global, entendendo por AC+AR, trabalhos nos quais se utiliza um modelo usual da pesquisa de recepção em comunicação (ver Jensen, 1993), quando os pesquisadores desenvolvem análises de conteúdo do material cuja recepção se analisa, antes, depois ou concomitantemente ao estudo do público. Nem sempre, porém, as pesquisas restringem-se a este modelo, utilizamos então termos mais descritivos. Depois, 2c) registramos os critérios de amostragem dos sujeitos pesquisados e 2d) as técnicas para a pesquisa empírica. Na última coluna, 3) evidenciamos qual o uso e o conhecimento da pesquisa sobre leitura realizada no Brasil demonstrado pelos autores dos trabalhos abordados. Esta preocupação dirige-se a mostrar a, por assim dizer, “rede de intertextualidade” construída nesta área por cada um dos pesquisadores quanto à pesquisa local. Por fim, duas observações: a análise concentra-se na metodologia, no plano da prática da pesquisa, dos trabalhos. A partir de Lopes (1990, 87), utilizamos uma “noção ampla e não tecnicista de método, [na qual] este aparece como uma série de opções, seleções e eliminações que incidem sobre todas as operações metodológicas no interior da investigação”. Porém, devido aos limites objetivos do capítulo e ao número de pesquisas é 40

Os termos leitura “intensiva” e “extensiva” guardam apenas analogia com o uso, efetivamente teórico e descritivo, usual. Cabe então notar, para dar mais clareza à classificação, que o caráter “extensivo” do modo de leitura (apresentado em todos os trabalhos) remete não só ao vasto número de autores citados, mas também ao fato de que eles são de diferentes âmbitos teóricos/disciplinares. Assim, observa-se que nenhuma das pesquisas abrange apenas um universo temático, muito menos são trabalhos monográficos, que admitiriam – por isso, grifamos o termo sobretudo – o agenciamento de várias obras de um mesmo autor e títulos de comentadores. Em outros termos, a “extensividade” é francamente horizontal. Por outro lado, a leitura “intensiva” caracteriza-se por “apropriações conceituais”, isto é, incorporações onde se dá maior ênfase ao trabalho com os conceitos dos autores citados, estabelecendo um diálogo com os mesmos, por vezes, visando uma superação da visão proposta, enquanto as “apropriações incidentais” remetem a menções breves, ou mais longas, porém de caráter descritivo, geralmente procurando referenciar informação, reforçar argumentos ou mapear o campo de estudo. Retomaremos a idéia de modo de apropriação ao descrever o uso da pesquisa local sobre a leitura em cada um dos trabalhos. Devemos a idéia do uso do termo “apropriação” (Chartier), neste sentido, ao trabalho de Pereira et al. (2000), que, ao analisar a recepção de Bourdieu no Brasil, diferenciam apropriações “incidentais”, “tópicas” e ainda “do modo de trabalho” deste sociólogo, nos trabalhos por eles analisados.240

53

inviável atingir um alto nível de detalhamento na análise41– intentamos, com os quadros que se seguem, pelos menos quanto à descrição dos trabalhos, contornar o problema.

A seguir, nos voltamos para a 2) pesquisa empírica com leitores, e nela 2a) buscamos perceber o “método técnico” da investigação, que operacionalizou a coleta de dados e também as razões apontadas pelos autores para sua escolha; 2b) descrevemos o modo como a investigação empírica acopla-se ao trabalho de modo global, entendendo por AC+AR, trabalhos nos quais se utiliza um modelo usual da pesquisa de recepção em comunicação (ver Jensen, 1993), quando os pesquisadores desenvolvem análises de conteúdo do material cuja recepção se analisa, antes, depois ou concomitantemente ao estudo d

o público. Nem sempre, porém, as pesquisas restringem-se a este modelo, utilizamos então termos mais descritivos. Depois, 2c) registramos os critérios de amostragem dos sujeitos pesquisados e 2d) as técnicas para a pesquisa empírica. Na última coluna, 3) evidenciamos qual o uso e o conhecimento da pesquisa sobre leitura realizada no Brasil demonstrado pelos autores dos trabalhos abordados. Esta preocupação dirige-se a mostrar a, por assim dizer, “rede de intertextualidade” construída nesta área por cada um dos pesquisadores quanto à pesquisa local. A seguir, nos voltamos para a 2) pesquisa empírica com leitores, e nela 2a) buscamos perceber o “método técnico” da investigação, que operacionalizou a coleta de dados e também as razões apontadas pelos autores para sua escolha; 2b) descrevemos o modo como a investigação empírica acopla-se ao trabalho de modo global, entendendo por AC+AR, trabalhos nos quais se utiliza um modelo usual da pesquisa de recepção em comunicação (ver Jensen, 1993), quando os pesquisadores desenvolvem análises de conteúdo do material cuja recepção se analisa, antes, depois ou concomitantemente ao estudo do público. Nem sempre, porém, as pesquisas restringem-se a este modelo, utilizamos então termos mais descritivos. Depois, 2c) registramos os critérios de amostragem dos sujeitos pesquisados e 2d) as técnicas para a pesquisa empírica. Na última coluna, 3) evidenciamos qual o uso e o conhecimento da pesquisa sobre leitura realizada no Brasil demonstrado pelos autores dos trabalhos abordados. Esta preocupação dirige-se a mostrar a, por assim dizer, “rede de intertextualidade” construída nesta área por cada um dos pesquisadores quanto à pesquisa local A seguir, nos voltamos para a 2) pesquisa empírica com leitores, e nela 2a) buscamos perceber o “método técnico” da investigação, que operacionalizou a coleta de dados e também as razões apontadas pelos autores para sua escolha; 2b) descrevemos o modo como a investigação empírica acopla-se ao trabalho de modo global, entendendo por AC+AR, trabalhos nos quais se utiliza um modelo usual da pesquisa de recepção em comunicação (ver Jensen, 1993), quando os pesquisadores desenvolvem análises de 41

Foi esta razão que nos fez desistir de aplicar o modelo metodológico proposto por Lopes (1990) às pesquisas. Além disso, nosso objetivo de verificar e discutir o modo como são utilizados os leitores empíricos nas pesquisas é mais limitado. Porém, aspectos discutidos pela autora estiveram presentes durante o desenvolvimento deste texto. Destacamos, neste sentido, a adequação entre teoria-metodologia-objeto e a necessidade que o pesquisador tem em justificar suas tomadas de decisão, enquanto elementos essenciais da produção científica (cf. Lopes, 1990, 88-90). 54

Quadro Descritivo I - Pesquisas sobre práticas específicas de leitura Pesquisa como um todo

Níveis / Trabalhos

Objetivos

Entender o fenômeno social da leitura de romances femininos (séries como Sabrina). (p. 1)

Silva (1994)

Estudar o romance de M. Delly como dispositivo de educação feminina; fonte de representações de normas, condutas e valores, passíveis de educar e seduzir. (pp. 2-3 e p. 7)

Cunha (1995)

Dumont (1998)

Freitas (1998)

Perspec. teórica base

Princip. autores incorporados – modo de leitura

Psicologi a Social

Adorno (ind. cult.), Aristóteles (catarse), Jung (herói), Freud (caráter de fantasia da lit.)

Leit. extensiva Chartier

História Cultural

(apropriação, materialidade do livro), Darnton (livro e história),

Berger & Luckmann (socialização)

Leit. extensiva e intensiva

Avaliar os prováveis efeitos da leitura de romances de série sobre o leitor. (p. 7)

Informação Social

Entender o fenômeno editorial Paulo Coelho (p. 14), o que faz com que uma determinada obra se torne um best-seller. (p. 144)

Explicitação insuficiente

Chartier (apropriação, circ. da cult.), Eco (lit. pop.), Gurvitch (determinismos), Garfinkel (etnometodologia)

Leit. extensiva e intensiva

Adorno, Chartier, Darnton Leit. extensiva

Investigação empírica com leitores Articulação c/ pesq.

Conclusões

“Método técnico” / razôes-justificativas

Leitoras têm necessidade de fantasia, leitura produz prazer consolador que funciona como “reificador do macrocosmo social”. (pp. 157-163)

“Pesquisa qualitativa” – “fato empírico permite [...] aprofundar [n]a análise do indivíduo concreto, considerando a imbricação entre as relações grupais, de linguagem e pensamento, e ações na definição de características fundamentais para a análise psicossocial”. (p. 21)

M. Delly funcionou como forma de educação/ “socialização secundária”, interiorizando normas, valores e condutas; embora não se possa falar em absorção total, leitura ofereceu principalmente evasão, trabalhando com a universalidade das emoções. (pp. 238-244)

História Oral – “busco nos testemunhos Articupessoais um complemento para lação exemplificar os diferentes discursos entre provenientes da leitura de um mesmo constr. texto [...] suas [das entrevistas] inserções teórica no trabalho visam ilustrar como uma e pesq. multiplicidade de sujeitos se apropria de empímaneira diversa de textos escritos”. rica (p.10)

Ainda que de forma enviesada e embutindo determinismos sociais, os livros trazem benefícios (novas informações, lazer, desenvolvimento da criatividade, entre outros). (pp. 218-235)

As instâncias do mercado e do público leitor determinamse mutuamente. (p. 144)

Critérios de amostragem e amostra

Uso/conhec. de

Técnicas

pesq. local sobre leitura

Intencional:

AC+AR

Dez leitoras, idade e classe social variada, em comum, o gosto pela leitura

Entrevista estruturada

Intencional: Seis professoras, brancas, de classe média, entre 48 e 66 anos

Etnometodologia – “verificar através do ato de ler romances publicados em série, o sentido social que o sujeito está Intencional: colocando nesta ação [...] se esse tipo 15 leitoras de literatura está contribuindo para a sua adultas, que alienação ou se, ao contrário, possibilita só retiravam AC+AR de alguma forma a construção de um livros de série sujeito livre, questionador e criativo” (p. em carro146), “proposta da etnometodologia é biblioteca na investir no estudo da atitude natural da periferia de BH vida cotidiana”, assim, poderia contribuir para entender o ato da leitura e seu papel na vida das pessoas. (p. 165) Semi-aleatória “Pesquisa quantitativa” – “busquei [por /represent.: meio da pesquisa empírica] investigar Baixa Envio de 1.300 um leitor brasileiro que me ajudasse a articuquestionários entender a natureza do meu projeto.” lação e retorno de (p. 65) 300

Entrevista semiestruturada

Entrevista semiestruturada

Questionário

Sim: Bosi, Prado Apropriação incidental

Sim: Soares, Meyer, Bosi, Prado Apropriações incidentais e conceituais

Sim: Meyer, Lajolo & Zilberman, Bosi, Paulino, entre outros Apropriações Incidentais e conceituais

Sim: Lajolo & Zilberman, Rudiger Apropriação incidental

55

55

Quadro Descritivo II - Pesquisas sobre práticas de leitura de modo geral Pesquisa como um todo

Níveis / Trabalhos

Objetivos

Produzir modelo de legibilidade ficcional, levando em conta recepção de grupos populares (p. 1), refletir sobre “interação texto/ leitor em termos concretos, assim como à sua falta como um problema”. (p. 17)

Paulino (1990)

“Simplificadamente, o que nos interessa é [estudar] a circulação de material escrito e os seus usos nas relações sociais” (p. 34), no contexto de uma Vila (favela).

Miranda (1991)

Compreender a concepção de leitura da escola e sua relação com as práticas de leitura do ambiente familiar, analisando turma de alunos de escola pública (p.18).

Araújo (1999)

Compreender como o sujeito se constitui como leitor, investigando a leitura de crianças, em seu cotidiano, suas práticas efetivas e as influências do contexto. (p. 15)

Tarocco (1999)

Perspec. teórica base

Princip. autores incorporados – modo de leitura

Investigação empírica com leitores Conclusões

“Método técnico” / razôes-justificativas

Articulação c/ pesq.

Critérios de amostragem e amostra

Técnicas

Uso/conhec. de pesq. local sobre leitura

1ª Pesq.:

Iser e Jauss (esTeoria Literária

tética da recepção), Kato (psicolingüística), Peyart (socio. lit.)

Leit. extensiva e intensiva

Bourdieu (“popu-

Antropologia

lar”, ling. / rel. de poder), Berger & Luckmann (ling. / constr. soc.),

Chartier (representações)

Leit. extensiva e intensiva Bakhtin (linguagem),

Educação

Soares e outros (letramento), A..M. Chartier (leit. e escola)

Leit. extensiva e intensiva

Educação

Bakhtin (dialogismo), Freire (diálogo), Iser e Eco (leitor) Leit. extensiva e intensiva

Produção literária para iniciantes deve incluir modelo teórico de legibilidade e sedução, mas sem “transformar diferenças de gosto em idiotice”. Não se chega a “receita de produção para os leitores sem textos, porque é um trabalho em curso, pesquisa continua”. (pp. 180-184) Grupo lê (+) e escreve (-) no cotidiano, mais que imaginado, numa gama de níveis e práticas; leitura não implica em posse de livros; hipótese de que há vários usos do impresso, mas dos mesmos textos, daí a relação da leitura com real; escola é responsável por construção de concepções sobre escrita. (pp. 189-199) A representação que a escola tem sobre alunos nem sempre corresponde à realidade, por desconhecer práticas de leitura na família (resquício de teoria do déficit cult.); família legitima discurso escolar, busca adaptar-se a ele: escola é uma mediação fundamental na formação de leitores. (pp. 172-178) A família é a principal mediadora na formação das atitudes fundamentais dos filhos com a leitura; escola exerce papel relevante, podendo ocupar papel central em algumas situações, quanto à formação do leitor. (p. 152)

Pesqs. “Estudos de casos” – “sem pretensão empíriquantitativa” (p. 79); “minha pesquisa cas distentou buscar os leitores em seu dia a cutem dia, recuperando parcialmente a hipóteconcretude de suas vidas com ou sem ses teóleitura literária. [...] Tentei recorrer contra ricas soa estaticidade de uma teoria pura e bre legifechada demais”. (p. 83) bilidade

Intencional: 100/32 adultos, capazes de ler com fluência mas sem o hábito, com algum poder aquisit., sem 2º grau

2ª Pesq.: Intencional: 80/52 adultos, capazes de ler com º fluência, sem 2 grau, com certas atividades prof.

1ª Pesq.:

Entrevistas semi-estruturadas (?) 2ª Pesq.:

Entrevistas estruturadas e aberta

Intencional: Etnografia – “Em decorrência da proposArticuta de buscar o significado das represen‘Vila”, com lação Observatações, do ponto de vista do outro, é que moradores de ção particientre optei por uma metodologia que propiciconstr. “classes popupante e asse apreender o cotidiano das relações lares”, com teórica Entrevista sociais que engendram esse significado” e pesq. certa uniformi- semi-estru(p. 12). Articulação entre linguagem/ dade (renda, empíturada universo social do pesquisado/escrita moradia, rica como objeto cultural. (p. 32) escolaridade) Estudo de caso – “investigação recaia sobre caso particular, embora não fosse ArticuIntencional: Obserlação Classe escolar, singular”, daí contempla “possibilidades vação apontadas pelo objeto em estudo, por entre “mediana”, com (escola) e visar a descoberta, enfatizar a ‘interpre- constr. auto-nomia no Entrevista tação em contexto’, buscar retratar a rea- teórica uso da linguasemi-estrulidade em sua multiplicidade de dimen- e pesq. gem escrita; turada sões com utilização de variadas fontes empífamílias de 16 (família) entre 19 alunos de informação e utilizar uma linguagem e rica uma forma mais acessíveis”. (p. 47) Intencional:

Estudo de caso – a pesquisa qualitativa possibilita “focalizar a realidade com lentes adequadas para captar, estudar e compreender o fenômeno envolvido na questão, isto é, a constituição do sujeito leitor”. (p. 21)

Baixa articulação

Cinco famílias, Observacom caracterís- ção particiticas diferentes, pante e mas com uma Entrevista criança (4 a 14 aberta anos) com hábito de leitura

Sim: Silva, Lajolo e Zilberman, Coelho, Kato, Bosi, Apropriações Incidentais e conceituais

Sim: Soares, Sena, Pinto, Zilberman, Castanheira Apropriações Incidentais e conceituais

Sim: Soares, Miranda, Evangelista, Lajolo, Batista entre outros Apropriações Incidentais e conceituais Sim: Kato, Martins, Lajolo, Geraldi Apropriações Incidentais e conceituais

56

56

Objetivos e perspectivas das pesquisas No primeiro grupo, da análise do que chamamos práticas específicas de leitura, nota-se que o mais evidente recorte dado à pesquisa de uma atividade de leitura, quanto aos seus objetivos, ocorre no trabalho de Cunha em sua vinculação com a educação feminina. Há certa similaridade entre objeto (romance de série), principalmente, e as problemáticas das pesquisas de Silva e Dumont. O trabalho de Freitas singulariza-se por analisar (texto e recepção), de fato, um único livro (O alquimista), procurando, a partir daí, compreender o êxito comercial de Paulo Coelho. No segundo grupo, das práticas de leitura de modo geral, há também semelhança entre duas pesquisas, pois tanto Tarocco quanto Araújo voltam-se para a família e a escola, estudando, além disso, leitores em formação. Entretanto, o objetivo elaborado por Araújo é mais específico. Miranda focaliza o uso da escrita no cotidiano de moradores de uma Vila (favela). A já mencionada dificuldade em classificar o trabalho de Paulino neste ou no outro grupo diz respeito ao fato de que, ainda que ocorra uma análise de textos, estes são escolhidos e oferecidos pela pesquisadora e o interesse principal desta estratégia é a produção de um modelo de legibilidade e, em conseqüência, de textos para leitores iniciantes. Portanto, não há uma análise, textual ou da recepção do leitor empírico, de uma prática usual, já que o interesse era estudar leitores sem leituras literárias42. Quanto à caracterização da perspectiva teórica base dos trabalhos, ressaltamos a dificuldade ocorrida para que fosse estabelecida uma única fonte. Tentamos, no procedimento de classificação, articular este passo à verificação da construção da problemática de pesquisa em termos teóricos, aos autores mobilizados para tanto. Mas, ao mesmo tempo, percebe-se que as questões suscitadas exigiram o recurso a perspectivas interdisciplinares, o que se reflete no grande número de apropriações feitas pelos trabalhos. Há uma consciência geral sobre este aspecto, exemplificada em argumentações como a de Dumont (1998, 46): “Concebida como ação, e não como ato passivo, [a leitura] pressupõe uma abordagem interdisciplinar, pelas diversas facetas do processo dinâmico do ato de ler” ou de Paulino (1990, 21): “A leitura, pois, de qualquer ângulo por onde a enfoquemos, constitui um fenômeno que cuja complexidade exige uma interdisciplinaridade”.

42

O sentido que a autora dá a esta expressão é o que integra, além do “pacto discursivo”, que institui a ficcionalidade, outros dois “elementos mínimos”: “o envolvimento verbal prazeroso e a co-produção de sentidos outros, transformadores dos já normalizados na tessitura social dos discursos, que preside as interferências pessoais” (Paulino, 1990, 7-8).

57

Assim, devemos relativizar nossa escolha por uma única base teórica. Isso nos pareceu desejável, entretanto, para efeito de demonstração de campos nos quais se desenvolve a pesquisa com leitores. Desta forma, o trabalho de Silva é colocado no âmbito da Psicologia Social, pela discussão, ainda que em nível elementar, de autores da área ou que representam contribuições nesta linha (como a psicanálise). Nota-se, porém, um caráter predominantemente extensivo no modo de leitura do autor, as apropriações são incidentais, tendendo ao descritivo. Pode-se dizer que uma junção de fichamentos acaba tomando o lugar de um trabalho teórico mais desenvolvido. Ocorrem, por vezes, incompatibilidade entre aportes teóricos diferentes43. Cunha, ao contrário, utiliza-se com propriedade de autores da História Cultural, construindo um olhar sob este enfoque, sendo que, ademais, sua pesquisa sem dúvida está ligada a uma experiência de educação passada, num sentido peculiar e justificado (ver Cunha, 1995, 2-4). Da mesma forma, Dumont explicita claramente a opção pelo viés da Informação Social, que age como um catalisador de múltiplas contribuições – em geral, com adequado trabalho teórico, isto é, desenvolvendo os conceitos e justificando sua adoção na pesquisa. No trabalho de Freitas percebe-se uma dificuldade em construir uma problemática teórica, as citações ocorrem basicamente a título de informação ou, quando poderiam contribuir para demarcar um ponto de vista, pecam pelo forte esquematismo e falta de problematização dos termos utilizados, quando não por uma interpretação discutível de certos autores44. Isso, a despeito da existência de uma bibliografia atualizada, pelo menos na área da leitura (Chartier, Darnton e outros). Em Araújo e Tarocco a preocupação com a formação do leitor indicia o âmbito do estudo em Educação. No caso da primeira, como já afirmado, há uma delimitação bastante clara, sugerida pela teoria, no foco da pesquisa em relação aos vínculos entre as práticas de leitura na escola e na família, enquanto Tarocco parte de um horizonte mais amplo, para

43

Assim, se é enunciada, a partir de Lopes (1990), a relevância do estudo do modo como as culturas subalternas conformam a indústria cultural no caso brasileiro e, a seguir, sejam feitas críticas ao pensamento dos frankfurtianos (cf. Silva, 1994, 15-16), surpreendentemente, logo depois, o autor afirma que: “A extensão e a influência que a cultura de massa exerce sobre a platéia visa somente a afirmar e preservar o status quo” (Silva, 1994, 18), ou retoma, com ênfase, idéias de Adorno sobre o prazer (alienado) proveniente da cultura de massas (Silva, 1994, 37). 44 Talvez o exemplo extremo: “Eu acreditava na massa dos leitores como força propulsora, geradora de mudanças sociais. E confirmava minhas preocupações lendo, dentre outros autores, os teóricos da Escola de Frankfurt e, finalmente, Jean Baudrillard através de seu livro À sombra das maiorias silenciosas” (Freitas, 1998, 11).

58

chegar ao espaço escolar. Observa-se um vínculo mais coerente entre quadro teórico e a investigação como um todo em Araújo, uma vez que os conceitos mobilizados são retomados com organicidade durante a pesquisa empírica. Embora haja a preocupação em delimitar conceitos e discuti-los, Tarocco quase não os retoma ao descrever e interpretar os dados da pesquisa, ponto ao qual voltaremos. A pesquisa de Miranda apresenta uma interface com a Educação. A autora inclusive nota, ao apresentar as conclusões, que tem o professor como interlocutor (Miranda, 1991, 189). A despeito deste fato, a ênfase dada à cultura cotidiana, à interpretação contextual das práticas de escrita aloca o trabalho sobretudo no campo da Antropologia. O trabalho relaciona-se igualmente com a área disciplinar da Educação, mas a análise se dá principalmente a partir do viés apontado. Cabe ainda notar que neste trabalho, que demonstra múltiplas apropriações, existe uma preocupação constante da autora em justificar os aportes conceituais e discuti-los quanto à pertinência para a investigação45. Neste e em outros aspectos, a pesquisa de Miranda é modelar. Por fim, Paulino, no trabalho mais antigo do grupo, tendo como pressuposto a idéia de que a leitura literária não ocorre no Brasil “porque nossa literatura desenvolve processos por demais rigorosos de seleção de leitores” (Paulino, 1990, 4), formula uma crítica a estes processos. Objetiva, a partir daí, configurar “uma teoria da leitura literária, através da integração das contribuições de várias áreas de reflexão” (Paulino, 1990, 61). Desta forma, são mobilizadas várias contribuições – no âmbito da Teoria Literária, reconhece-se na “estética da recepção” um marco; a Psicolingüística colabora na questão da compreensão da escrita; a Sociologia literária francesa (Peyart) oferece um modelo de leitura literária a partir do lugar social do leitor, entre outras. No entanto, os enunciados da pesquisa centralizam a reflexão sobre a leitura literária, o que se reflete na pesquisa empírica.

45

Entre outros exemplos, a discussão sobre “classes populares” e “cultura” ou quanto ao “clientelismo” como sistema de relações sociais existente na Vila (cf., respectivamente, em Miranda, 1991, 14-23 e 69-70).

59

Para quê e como são mobilizados os “leitores empíricos” Preferimos retomar as conclusões dos trabalhos neste item, pois assim discutiremos a sua adequação quanto ao desenvolvimento integral da investigação, incluindo a pesquisa com leitores. Há nas pesquisas analisadas, de modo geral, discussões sobre o “método técnico” – justificativas sobre a adoção do mesmo; critérios claros de amostragem quase sempre intencionais; discursos que o articulam à teoria. No caso de Silva, porém, a maior parte destes critérios é apenas deduzida, e em Freitas a descrição dos dados empíricos toma o espaço da reflexão teórico-metodológica. Neste trabalho há a única diferenciação quanto à forma de abordagem dos leitores, aproximando-o de uma mensuração quantitativa. Entretanto, a validade externa (generalização dos resultados) a propósito dos leitores é prejudicada, por vários motivos, por sinal, um deles é apontado pela autora. Trata-se do fato de que o universo de que se partiu foi composto por cadastros da editora e de Paulo Coelho, o que prejudica a possível representatividade da amostra. Freitas (1998, 72) apenas menciona esta questão sem discuti-la suficientemente quanto aos objetivos da pesquisa. O principal problema, porém, é a crença positivista na força dos dados “neutros” para configurar a problemática da investigação e, por isso, a falta de crítica das técnicas. Mesmo em nível básico esta questão é central: sem isso, os dados “falam”, mas “significam” pouco. Com efeito, aparentemente com ou sem pesquisa empírica, a conclusão de Freitas seria a mesma. É uma pena que isso ocorra numa investigação em que é evidente o envolvimento da pesquisadora, que tem intuições pertinentes – por exemplo, sobre o papel dos editores na popularização de Paulo Coelho, assim como a própria idéia de investigar quantitativamente leitores46. 46

Este último ponto, somado à constatação da hegemonia qualitativa verificada, merece debate: a abordagem qualitativa estaria se transformando numa “solução à procura de problemas”? Em outros termos, não construímos conhecimentos relevantes sobre a leitura com base em dados quantitativos não somente por critérios epistemológicos, mas também pela dificuldade em fazê-lo (em razão dos custos da pesquisa, da ausência de uma competência específica, isto é, de formação dos pesquisadores para tanto)? Em princípio, os objetivos da maioria das pesquisas (“entender”, “avaliar”, “estudar”), parecem indicar acerto na escolha de metodológicas qualitativas – voltadas à compreensão, procura do significado em contexto. Isso, porém, não resolve plenamente as questões. Ademais, com a precaução necessária, nada impediria projetos com metodologias integradas. Por outro lado, observamos que foi só após a finalização desta parte do trabalho que ocorreu a divulgação da pesquisa Retrato da leitura no Brasil (CBL/Bracelpa/Snel/Abrelivos, 2001), que é um marco fundamental em termos da utilização da abordagem quantitativa para pesquisar leitores. Financiada por instituições da área, esta pesquisa pode colaborar para o conhecimento sobre as práticas da leitura no Brasil, mas desde que os índices sejam submetidos a interpretações efetivamente ancoradas no

60

Este tipo de crítica à estratégia metodológica (sua baixa reflexividade) pode ser feito também à pesquisa de Silva, pois o objetivo de entender o fenômeno social da leitura do romance de série é frustado por uma análise de recepção que se volta apenas para características individuais dos sujeitos. Os aportes teóricos não são retomados na fase de interpretação dos dados. Assim, há uma clivagem entre a pesquisa empírica e o todo, além disso, a análise de conteúdo do romance é prejudicada pelo impressionismo. Não por acaso, o modo predominante de leitura encontrado nos trabalhos de Freitas e Silva é extensivo. E, se ambos demonstram algum conhecimento da produção local sobre leitura, a apropriação é incidental. A outra pesquisa que faz uma análise de conteúdo de material impresso é a de Dumont, sendo que a autora opta por examinar diversos exemplares de publicações em série, editadas em diferentes épocas, [...] [para] deduzir que existem indicadores, característicos da literatura de massa, sempre presentes e repetitivos, permitindo a identificação entre texto e leitor, que podem ser classificados como determinismos sociais. (Dumont, 1998, 133)

As críticas que podem ser feitas a esta estratégia, que se dispersa quanto ao que é efetivamente lido, é que ela acaba ignorando a diversidade existente mesmo no seio da literatura de massa47. E, principalmente, a análise textual encaminha-se para um nível genérico, sendo difícil acompanhar os procedimentos de interpretação. Ao contrário, existe uma preocupação em discutir e exemplificar questões ligadas à coleta e análise dos dados qualitativos obtidos dos leitores. A autora mostra igualmente ter mapeado o campo de estudos – merece destaque a atenção dada à produção local sobre leitura –, embora não atinja os desenvolvimentos teóricos latino-americanos sobre a questão da recepção e do popular (Martín-Barbero, García-Canclini e outros), os quais poderiam ser úteis na construção teórica do trabalho, que recusa os postulados “apocalípticos” frankfurtianos. Entretanto, a boa articulação entre teoria e dados faz com que as conclusões, de modo geral, se imponham. A pesquisa supera a mera descrição dos dados e atinge um nível interpretativo.

dados e na realidade social. Destacamos este ponto, pois, em tópico do próximo capítulo, iremos utilizar dados deste trabalho para contextualizar o trabalho de Paulo Coelho no universo da leitura no Brasil e, ao mesmo tempo, discutir a projeção de representações do senso comum sobre a atividade de leitura no país, a partir justamente desta pesquisa. 47 O próprio Gramsci (1968, 112) já notara a diversidade da literatura popular no início do século vinte, propondo-se a elaborar uma tipologia dos romances, e mesmo pesquisas sobre formas literárias ainda mais industrializadas, e de um único gênero, como o romance feminino, analisado por Radway (1987, no primeiro capítulo), destacam este ponto.

61

O mesmo pode ser dito da pesquisa de Cunha. Neste trabalho o uso de leitoras, para desvelar uma prática de leitura do passado, foi sem dúvida criativo e conseqüente. Entretanto, quanto à utilização da pesquisa empírica duas observações podem ser feitas: as vozes das leitoras poderiam ser mais utilizadas, em certas situações. Por exemplo, Cunha faz uso de determinadas fontes (como matérias de jornal) para descrever o contexto no qual se dava o consumo de M. Delly (ver Cunha, 1995, 45-47); sem abandonar estas formas, ela poderia enriquecê-las pela triangulação com os depoimentos. A outra questão é quanto ao fato das informantes serem professoras. A escolha em si é interessante, dada a problemática, no entanto este aspecto foi pouco explorado. Tais questões, porém, não invalidam esta contribuição a uma história das práticas de leitura no Brasil. O uso da etnografia na pesquisa empírica de Miranda é singular, pelo grau de densidade apresentada, neste conjunto de trabalhos. Quanto a este aspecto merece destaque a discussão da integração da pesquisadora no grupo, tanto quanto a sua preocupação em compreender as conseqüências trazidas por isso. A consciência por parte da autora quanto a possível parcialidade e incompletude de seu relato é uma força de sua etnografia. Por outro lado, a observação é guiada por preocupações teóricas, que problematizam os dados, ou seja, existe um trabalho de interpretação que colabora com o desenvolvimento de hipóteses teóricas sobre o objeto em estudo. Dessa forma, já no início da década de 90, obtivemos um conhecimento sobre a variedade de práticas de escrita em meios populares muito importante, e alheio ao senso comum. Entre as conclusões deste trabalho encontramse também as recomendações ainda válidas de que é preciso articular projetos de pesquisa, desse teor, com mais pesquisadores e melhor infraestrutura, outrossim, há problemáticas que podem ser recortadas num limite menor o que permitirá, num conjunto maior de pesquisas, uma visão mais ampla e mais consistente. (Miranda, 1991, 196)

Salientamos este ponto pela implicação que ele parece demonstrar face ao conjunto de trabalhos analisados. Pode-se dizer que os mais bem-sucedidos conseguem delimitar melhor a área de estudos do que os que se dispersam excessivamente. Dessa forma, nota-se que o trabalho de Araújo, sem dúvida, dá continuidade à linha de preocupação de Miranda aproveitando-se dos resultados desta pesquisa e aprofundandoos num contexto específico. Assim, na pesquisa de Araújo, o estudo de caso proposto é desenvolvido com rigor e concentração, a partir de uma problemática teórica definida, o que faz com que as conclusões remetam logicamente ao estado de conhecimento da área. É

62

isso que faltou ao trabalho de Tarocco, que mesmo discutindo conceitos que poderiam ser mobilizados na interpretação dos dados, manteve a análise basicamente no nível descritivo (sem integrá-la ao plano teórico). Dessa forma, não se atingiu a proposta de “descrição densa” (Geertz), que é interpretativa. A conclusão praticamente retoma idéias já consolidadas na área, a despeito de um grande trabalho na coleta de dados (que poderão ainda ser melhor analisados) e da proposta interessante de trabalhar com famílias de nível socioeconômico variado. Paulino talvez tenha sido a autora com a proposta mais ambiciosa quanto à colaboração da pesquisa para seus objetivos, relacionados à constituição de uma teoria literária de foco mais amplo. No entanto é possível questionar certos aspectos da realização da pesquisa empírica, como é feito numa observação de Dumont, no sentido de que Paulino “indica os livros aos leitores pesquisados, não trabalhando com textos por estes escolhidos” (Dumont, 1998, 151). Isso está relacionado, no nosso entender, à definição de leitura literária adotada. Ao rejeitar a literatura de massa, embora afirme o potencial histórico e contextual das interpretações (cf. Paulino, 1990, 24-28), a autora incorre numa contradição. E a solução encontrada para este problema desenvolve-se exteriormente, a partir da proposta de constituição de uma outra literatura. Assim, o impasse teórico, complexo, – como alargar as fronteiras do que entendemos como experiência literária (no plural) sem dilui-la – detectado pelo trabalho não se encaminha para uma resolução em seus próprios termos. É por isso também que, nas duas pesquisas feitas pela autora48, não se percebe interesse maior em indagar se os indivíduos pesquisados têm alguma leitura que possa constituir um tipo de experiência literária. As pesquisas empíricas mantiveram-se, pois, num plano da verificação de hipóteses sobre a legibilidade literária, detendo-se principalmente na sintaxe narrativa, sem a profundidade requerida pelo estudo de caso (conforme a proposta explícita), a “concretude” da existência dos sujeitos é recuperada num nível muito parcial. Isso não invalida conclusões (sobre a legibilidade) do estudo, mas o impasse teórico permanece. 48

A primeira pesquisa teve como objetivo “detectar as razões textuais da consecução ou recusa da leitura literária de ficção pelo leitor de poucas letras” (Paulino, 1990, 100), e utilizou os livros, Feliz ano velho e A lâmina do espelho, cuja recepção foi analisada. Já a segunda pesquisa foi realizada em função do problema representado pela interrupção da leitura, por muitos leitores, dos livros citados. A autora então criou um conto, a partir dos critérios teóricos sobre legibilidade e adequação temática ao leitor visado, que foi motivo de investigação, utilizando questionários fechados e, depois, uma entrevista aberta (cf. Paulino, 1990, 135161).

63

A incorporação dos trabalhos na pesquisa Observando-se as utilizações do leitor empírico nas pesquisas dos trabalhos citados, percebemos uma grande variedade: problemáticas sociológicas, históricas, relativas à educação e ao âmbito literário foram construídas e utilizaram esta estratégia de pesquisa. Verificou-se ainda (ver quadro abaixo) que o “mosaico científico”49 (Becker, 1992), já configurado pelas remissões dos trabalhos entre si, possui baixa integração. Isso deve ser lamentado, no mínimo, pelo fato, observado em nossa leitura, de que algumas remissões traduziram-se em tomadas de posição e reflexões importantes nas pesquisas arroladas (ver principalmente a discussão do trabalho de Bosi em Paulino, 1990, 79-81, ou as retomadas de argumentos de Miranda por Araújo, 1999, 60, 113, 124, 175). Em muitos casos, entretanto, a citação é informativa ou protocolar (o “clássico de Bosi etc.”). Quadro Descritivo III - Remissões entre os trabalhos analisados Bosi (1972)

Paulino (1990)

Miranda (1991)

Silva (1994)

Cunha (1995)

Dumont (1995)

Freitas (1998)

Araújo (1999)

Tarocco (1999)

Deste aspecto retiramos a primeira importante implicação a respeito de nossa pesquisa: a incorporação desta produção, para produzir avanços na área, deve passar pela avaliação crítica destes trabalhos, que, como procuramos mostrar, possuem uma série de qualidades, e que mesmo em suas possíveis limitações apontam para questões relevantes. Quanto aos aspectos imediatamente positivos estão o nível de informações que cada uma das pesquisas apresenta, em relação aos problemas pesquisados. O que, de um lado, estabelece parâmetros para pesquisas similares e, de outro, aponta para um necessário nível comparativo. Assim, por exemplo, o predomínio da pesquisa com leitores 49

A analogia construída por Becker refere-se à possibilidade de que, em um campo de estudo, diferentes pesquisas possam colaborar para elucidar determinadas áreas, de modo a, assim, esclarecer o problema mais amplo. Ao mesmo tempo, acrescentamos que isso cria a possibilidade de uma criticidade interna que pode influir na discussão sobre a validade do conhecimento gerado e no direcionamento da produção. Esta preocupação é similar a expressa, em outros termos, por Miranda, conforme nota-se na citação de sua dissertação feita na página 62 deste trabalho.

64

“populares” exige conhecer aquilo que distingue esta forma de apropriação daquela realizada por outros grupos sociais (o que, aliás, é intentado em alguns dos trabalhos). É claro, que a densidade do diálogo entre os trabalhos posteriores e esta produção deverá ser maior entre aqueles de temáticas parecidas. Entretanto, a própria estruturação das pesquisas é um elemento que pode ser, senão sujeito a algum tipo de reprodução, discutido e capaz de fornecer sugestões a determinada pesquisa. Neste sentido, o conhecimento que obtivemos quanto a esta produção foi sem dúvida importante e objetivamos fazer com que o mesmo tenha reflexo na própria perspectiva relacionada à nossa pesquisa empírica. Notamos, assim, que a lógica das decisões metodológicas, ao expressar de modo coerente face aos problemas das pesquisas, como ocorre na maioria dos trabalhos, conduz a melhores resultados do que quando há um baixo nível de crítica interna nesta instância. Investigar leitores é bastante trabalhoso, e os resultados podem ser maximizados quando se tem consciência da importância de articular os objetivos de pesquisa às suas estratégias. Ao mesmo tempo, explicitar esta questão conduz à discussão sobre a pertinência das técnicas utilizadas e sobre a validade dos dados coletados e do conhecimento produzido. Todos estes pontos estão ligados aos pressupostos teóricos dos quais partem os pesquisadores. Os conceitos mobilizados servem como modelos de leitura da realidade que se quer investigar. Como vimos, nem sempre isso é evidente, entretanto, os ganhos que existem em construir teoricamente a problemática da investigação são relevantes. Não por acaso, as investigações mais bem conduzidas, no grupo analisado, preocupam-se com esta questão e procuram fazer com que os conceitos dialoguem com a prática da pesquisa. Esta é outra lição que se obtém da análise destes trabalhos, e que vale a pena aprofundar. A operacionalização da investigação empírica não deve ser separada de hipóteses, objetivos, problemas e aportes teóricos realizados durante a investigação. Ela não se processa de modo “espontâneo”, o dado é sempre construído. Em outros termos, o método – no sentido de uma maneira racional e planejada a partir do qual buscamos conhecer algo – escolhido pelo pesquisador é, como nota Oliveira (1998, 17), sempre um percurso escolhido entre outros possíveis. [Mas] Não é sempre que o pesquisador tem consciência de todos os aspectos que envolvem este seu caminhar; nem por isso deixa de assumir um método. Todavia, neste caso, corre muitos riscos de não proceder criteriosa e coerentemente com as premissas teóricas que norteiam seu pensamento. Quer dizer, o método não representa tão somente um caminho qualquer entre outros, mas um caminho

65

seguro que permite interpretar com a maior coerência e correção possíveis as questões sociais propostas num dado estudo, dentro da perspectiva abraçada pelo pesquisador.

Neste aspecto deve-se ressaltar a importância da discussão metodológica que ultrapasse a descrição burocrática do trabalho realizado; isso ocorre, por vezes, na maioria dos trabalhos. Entretanto, é incomum a discussão – existente no trabalho de Miranda – a propósito das limitações e dificuldades da pesquisa. Isso é relevante, por demonstrar um importante índice de criticidade, que aumenta o nível de validade interna da pesquisa. E, à medida que, conforme notamos, há uma forte tendência ao uso de metodologias qualitativas para pesquisar leitores, esta questão é importante. A reflexão sobre o caminho seguido, os desvios realizados e os impasses enfrentados instituem uma postura ativa perante a investigação e reforçam a idéia de “método” como instância de crítica da pesquisa. Este aspecto reflete-se também na questão do trabalho interdisciplinar. Como afirmam os autores dos trabalhos, os problemas suscitados pela pesquisa da leitura são amplos, estabelecendo diferentes interfaces disciplinares. Esse nível de complexidade é próprio do objeto, e a consciência sobre ele é fundamental, porém, isso não deve ser um obstáculo à concentração, integração dos aportes realizados aos objetivos da investigação. Em outros termos, o trabalho interdisciplinar, como propõe Lopes (2000, 22), Exige o domínio de teorias disciplinares diversas integradas a partir de um objetoproblema. Assim, é importante destacar que não se trata de “dominar tudo”, mas de um “uso útil” de teorias e conceitos de diversas procedências, um uso que seja sobretudo bem fundamentado e pertinente à construção do objeto teórico.

Novamente aqui, os trabalhos mais bem acabados aplicam, implicitamente, este princípio, o que reforça a validade do mesmo. Procuramos, por sua vez, também utilizá-lo em nossa construção da problemática teórica da pesquisa, no capítulo precedente. Entretanto, como discutimos, isso é de pouca valia se, na análise dos dados, a discussão teórica não é retomada, se não existe a preocupação em atingir um nível interpretativo na análise. Em relação aos aspectos ligados aos dados informativos trazidos pelos trabalhos, podemos novamente destacar a questão da variedade da leitura dos grupos populares que alguns trabalhos indiciam. Ter desde o início esta hipótese em mente é útil para contrabalançar uma possível idéia de que os sujeitos pesquisados não lêem nada ou lêem muito pouco. Ora, o que as pesquisas indicam (principalmente Miranda e Araújo) é que

66

esta questão envolve as próprias pressuposições do pesquisador sobre o que é a leitura, e a operacionalização da pesquisa. Com efeito, ao entendermos esta atividade como algo que envolva apenas o consumo de “grandes obras”, produziremos resultados diferentes de um olhar mais plural (e de acordo com a situação específica de pesquisa) sobre as práticas de leitura usuais, que se objetiva mapear. Este ponto é importante, mesmo no estudo de práticas específicas de leitura, pois, como argumentamos, a leitura enquanto forma de apropriação desenvolve-se sempre a partir de um quadro de referência (que envolve outras leituras). Assim, aquilo que eventualmente entendemos – a partir de um repertório amplo – como redundância, repetição ou clichê, a respeito de uma literatura como a de Paulo Coelho, pode representar para outro tipo de leitor, o contrário, isto é, informação nova. É o que, em relação ao seu objeto, demonstra a pesquisa de Dumont, por exemplo. Este ponto aparece, aliás, em termos diferentes da pesquisa de Bosi (1972) quanto à questão do consumo da literatura de massa. E, portanto, reafirma a importância do debate a respeito dos resultados aos quais chegam as pesquisas, frente a um conhecimento já produzido e às perspectivas teóricas dos pesquisadores. Nesse sentido, faremos aqui um breve comentário sobre a pesquisa de Bosi, que representou uma importante referência na análise do conjunto visto aqui. Isto não só por seu pionerismo, mas também por suas qualidades. Entretanto, estas características não devem impedir que as aproximações a este trabalho envolvam um diálogo efetivo. Assim, em nosso entender, um dos pontos mais importantes e admiráveis desta pesquisa é o alto nível de reflexividade da pesquisadora50. A utilização do método dialético faz com que diversos aspectos do problema estudado sejam visualizados, ainda que mostrem eventuais limites às conclusões do trabalho. O que ocorre, entre outros momentos, quando Bosi (1991/1972, 173) discute a possibilidade de que o exame do passado dos grupos analisados talvez permita “transcender a pseudoconcreticidade dos dados empíricos”, por meio da captura de aspectos não visualizados no momento da pesquisa. Ao mesmo tempo, a interpretação dos dados da pesquisa, obtidos a partir de duas técnicas básicas – questionário e entrevistas (relatos de leitura) –, mantém coerência com o 50

O que se reflete, por exemplo, no fato de que a autora objetive reelaborar formulações, decorrentes de sua investigação, sobre a responsabilidade social do pesquisador no texto Sobre a cultura das classes pobres, que passou a fazer parte do livro Cultura de massa e cultura popular – leituras de operárias, a partir da quinta edição do mesmo. Observação: a pesquisa de Bosi foi originalmente uma tese de doutorado, defendida no Instituto de Psicologia da USP, em 1971.

67

a construção teórica do trabalho. Nesta, a “cultura popular” é entendida como uma, vivência comum do grupo operário; possibilidade de emancipação e, enquanto tal, segundo os pressupostos assumidos, uma instância que deve ser contraposta à cultura dominante, personificada não só pela cultura erudita, mas também pela então emergente cultura de massa. A partir da discussão realizada anteriormente sobre o termo “cultura popular” e a imbricação entre massivo e popular, que explicitou a perspectiva de nosso trabalho a respeito destes temas, verifica-se uma diferença entre nossos pressupostos. O que faz com que concordemos com Borelli (1996, 37) em sua crítica – que enfoca estudos como o de Bosi, entre outros – da “segmentação bipartida do campo cultura: [na qual] a luta cultural é apenas o espelho, distorcido de luta maior travada entre classes sociais, entre cultura dominante e dominada”. Dessa forma, entende-se a preocupação muito parcial no trabalho de Bosi quanto aos usos das publicações massivas feitos pelas leitoras. No nosso entender, os relatos sobre as leituras obtidos preocupam-se antes com o que é lido, do que com as formas de ler, ou seja, as apropriações. Estes presumíveis modos não escapam à preocupação da autora, mas são reconstruídos principalmente através da interpretação feita por ela em relação aos dados empíricos. E estes nem sempre são fontes de evidência plenas, devido às preocupações que estruturam sua coleta, pouco preocupadas com o aspecto exposto. Retomando a discussão das pesquisas com leitores empíricos, há uma última questão que seria interessante abordar, que diz respeito ao nível de diálogo dos mesmos com a área da comunicação. Em outros termos, principalmente em relação ao estudo de recepção realizado na área, para o que apontam as pesquisas? O diálogo com as tendências recentes do estudo do receptor em comunicação é quase inexistente, não há incorporação de autores locais ou latino-americanos (como Orozco-Gómez, Martín-Barbero)51, nem de trabalhos internacionais (como os de Morley, Radway e outros). O principal diálogo com a área da comunicação, tanto nos trabalhos vindos dela (Silva e Dumont), quanto de fora (Paulino, Freitas) é com autores da escola de Frankfurt. Isto acarreta geralmente discussões teóricas nas quais a tônica (quanto à interface com a comunicação) é o discurso de crítica e negação, pois há uma preocupação em buscar alternativas a este referencial. Aportes como o de Chartier (de modo próximo ao nosso trabalho) e, em menor escala outros autores, 51

Uma exceção, em parte, é o trabalho de Miranda que se apropria de Leal (1986), trabalho de âmbito antropológico, mas influente nos estudos em comunicação e que compartilha preocupações da área.

68

como os ligados à estética da recepção, subsidiam, então, perspectivas de estudo dos leitores. A partir daí, admite-se maior margem de autonomia ao campo da recepção. Como destacamos, o diálogo entre os próprios trabalhos é baixo. Isso pode estar relacionado à concomitância que ocorre na realização de muitos, assim como em função de questões ligadas à circulação e divulgação das pesquisas. Devido a estes fatores, trabalhos como os feitos aqui adquirem outra utilidade: promovem o conhecimento sobre o que tem sido produzido. Ao mesmo tempo, não temos dúvidas quanto ao caráter interessado (conforme expressamos) de nossa análise, tanto quanto de sua possível parcialidade. Dessa forma, esperamos que os resultados aqui expostos integrem-se também ao debate sobre a pesquisa na área de leitura no Brasil, sob um foco específico. Foi possível aprender muito, por termos conhecido e analisado os trabalhos citados: fomos beneficiados pela experiência alheia. Esperamos que ao apresentarmos a estratégia metodológica da pesquisa com leitores, a seguir, isso possa transparecer.

A estratégia metodológica da investigação com leitores Iremos aqui expor as estratégias elaboradas para pesquisarmos leitores, no entanto, vale a pena retomar, brevemente, outros aspectos que dão forma ao estudo de caso proposto. A importância desse passo está em permitir visualizar o esquema integral da pesquisa. Ao mesmo tempo, na medida em que um dos aspectos mais freqüentes na literatura relativa ao estudo de caso ressalta sua possibilidade de abordar um objeto a partir de diversos enfoques – que ajudam a explicar o todo –, é importante retomá-los. Em nosso caso, destacamos a convergência existente nas etapas da pesquisa em relação à leitura de Paulo Coelho. Assim, buscamos caracterizar a trajetória histórica do autor e de suas edições – situando-as no contexto nacional (Capítulo 3), bem como analisar do ponto de vista da materialidade do livro e das funções narrativas (Capítulo 4) determinados trabalhos. Quanto ao primeiro aspecto, utilizamos, tanto a pesquisa documental, quanto entrevistas com agentes da produção do livro (livreiros, o editor da ECO). Inicialmente não pensávamos recorrer ao autor, entretanto, vários pontos conflitantes a respeito de Paulo

69

Coelho surgiram no decorrer da pesquisa52. A partir destas dúvidas enviamos um questionário ao autor. O mesmo foi respondido por ele (e encontra-se no Anexo 8) e auxiliou-nos na elaboração desta parte do trabalho. Em relação ao estudo da materialidade, incorporamos as sugestões de autores como Chartier, que destacam fatores como os formatos dos volumes, a tipologia e os paratextos da edição para caracterizar os “protocolos de edição”. De outro lado, a análise textual busca no modelo proppiano um modelo de representação da narrativa de Paulo Coelho, de um modo análogo ao que fizeram Radway (1987) e Sarlo (1985)53. Utilizamos também propostas de Eco (1986), a respeito do “leitor-modelo”, assim como dele e outros autores para discutir um tipo de ficção como a de Paulo Coelho. A partir daí obteremos certos indicadores relativos aos “protocolos de autoria”. Ambos, protocolos de edição e de autoria, implicam determinada intencionalidade significativa, e, sob a perspectiva de entender as leituras que fogem aos sentidos mais evidentes do texto, merecem algum tipo de mapeamento. A análise dos dados obtidos com os leitores tem neste trabalho alguns parâmetros. Dessa forma, o esquema do estudo de caso exposto aproxima-se do modelo de “análise de conteúdo + análise de recepção” (Jensen, 1993). Entretanto, reforçamos a centralidade da leitura, razão pela qual nos concentramos em investigá-la por meio de vários instrumentos, elaborados conforme objetivos complementares. Gostaríamos, antes de expor as técnicas de coleta de dados, de destacar, dirigindose especificamente à nossa investigação, três aspectos que nos parecem relevantes e que foram reforçados pela análise dos trabalhos sobre a pesquisa com leitores feito há pouco: 1) a importância da articulação problema/métodos de pesquisa, bem como do que podemos chamar de 2) “concentração” no problema e 3) a utilização de estratégias metodológicas não somente variadas, mas também coerentes e utilizadas reflexivamente pelo pesquisador – inclusive durante a fase de aplicação das técnicas, no campo. Neste momento, elas devem ser criticadas e o pesquisador deve perguntar-se se elas realmente colaboram da

52

Por exemplo, o ano exato de determinadas edições, que aparecem com diferentes datas e número de edições, conforme a fonte. 53 Pensamos em utilizar o modelo de Propp antes de conhecer estes trabalhos, a utilização feita por Magnani (1998) deste modelo era então uma referência, ainda que o autor analise espetáculos teatrais de circo. O que é interessante destacar é a recorrência com que o esquema de Propp é usado na análise da ficção que tende a seguir determinados padrões. Este modelo torna o eventual padrão bastante evidente.

70

maneira como havia sido pensado, ou não. Portanto, pressupõem uma flexibilidade suficiente para serem reconstruídas e reelaboradas, quando não descartadas. A respeito do primeiro aspecto, retomamos o objetivo geral da pesquisa: analisar formas de apropriação de produções ligadas a Paulo Coelho, para identificarmos elementos de uma “leitura popular” deste autor. Por isso, foram elaborados três objetivos secundários, relacionados: o primeiro envolve a fase de identificação de estratégias relativas à produção, para gerar uma demanda; o segundo, preocupa-se em caracterizar a leitura de Paulo Coelho frente a outras formas de consumo cultural e, por fim, descrever o sentido dado pelos leitores à atividade de consumo do autor em questão. Os conceitos-chave aqui são o de apropriação, principalmente, e de mediação. Em ambos, o que é mais destacado por nós são os elementos ligados aos “usos” (formas concretas de utilização e de interpretação) relacionados ao consumo de Paulo Coelho. Dessa forma, quanto à pesquisa empírica, nossa preocupação dirige-se à produção de indicadores dessas apropriações, de um lado. De outro, a “criatividade” dos leitores é sempre contida por certos fatores – antes de mais nada, o próprio texto, mas também aspectos atinentes aos leitores, como o seu nível educacional, condições sócio-econômicas, sexo etc. Esta questão é bastante salientada pelas categorias de apropriação e mediação. Assim, observamos que já existe um ponto que pré-estutura minimamente a pesquisa e sua amostra: o fato da investigação ser realizada com usuários de uma biblioteca pública. Entretanto, afora este nível de identidade, preferimos não realizar mais nenhum recorte na amostra; será um papel da investigação perceber outros níveis de compatibilidade e diferença, notando inclusive se é possível ver no grupo uma unidade interpretativa. Para tanto, pesquisamos, tanto o que podemos chamar de estratégias de interpretação dos leitores e formas de uso do produto cultural, quanto o quadro de referência sociocultural dos leitores. Esta construção permite-nos enfatizar o eixo de interesse da pesquisa e, portanto, centraliza seu interesse. Ao mesmo tempo, esta clareza colabora com o desenvolvimento de técnicas. Nesse ponto, vale ressaltar o papel da elaboração de instrumentos múltiplos que sejam capazes de complementarem-se e permitir avaliar a consistência das informações obtidas. Por isso procuramos elaborar diferentes técnicas, cada qual mais direcionada à construção de um tipo de indicador. A repetição ocorrida por vezes entre elas, em relação a seus objetivos, colabora para a obtenção de um material mais rico.

71

Antes ainda de descrevermos as técnicas elaboradas, gostaríamos de explicitar os critérios de amostragem. Como notamos, a escolha da biblioteca vincula-se à preocupação de sondarmos uma “leitura popular” de Paulo Coelho, seria interessante, porém, acrescentar que nosso estudo não tem como locus a biblioteca. Em outros termos, nossa preocupação nunca foi pesquisá-la, na verdade, utilizar este espaço serviu como um modo pelo qual procuramos dar alguma unidade à amostra. Afirmamos isso não apenas como uma forma de explicar nossos critérios, mas também como uma sugestão para que outros pesquisadores realizem trabalhos sobre este espaço de circulação da cultura. Nos períodos em que passamos neste local54, notamos a grande utilidade que pesquisas como estas poderiam ter para, por exemplo, tornar mais evidentes certas possibilidades de inserção desse local no seu entorno social. E, ao mesmo tempo, destacar sua importância, que vai muito além do empréstimo de livros, como um núcleo de uma identidade local, para todos os grupos sociais que a utilizam55. A respeito da biblioteca fazemos outra observação, optamos pelo anonimato total, tanto de seus leitores, quanto dela mesma. O primeiro aspecto é de praxe; quanto ao segundo, o que o justifica é, principalmente, o fato de que há normas do funcionalismo público que impedem que sejam fornecidos dados a pesquisadores56, conforme explicounos a chefe da biblioteca. Como nosso interesse não se dirige à biblioteca em si, mas à sua condição de “tipo” (biblioteca fora do centro da cidade ou de seus bairros mais economicamente bem situados, com bom índice de leitores de Paulo Coelho), a questão do anonimato é irrelevante. A esta intencionalidade da amostra somou-se o critério de que o leitor retirasse os livros de Paulo Coelho na biblioteca. A partir desses pontos e do acesso ao leitor, aspecto discutido adiante, sondamos a possibilidade de que ele participasse da pesquisa, salientando o caráter voluntário e anônimo da colaboração. Chegamos dessa forma a cinco leitores, de um universo de vinte. O número é adequado em função de que iremos produzir um número relativamente extenso de dados sobre cada um, o que tem implicações na 54

Desde que iniciamos a pesquisa empírica estivemos cerca de 30 vezes no local, passando, por vezes, o dia inteiro nele. 55 Poderíamos narrar uma série de situações, presenciadas por nós, que reforçam o que afirmamos, entretanto, isso é uma tarefa de uma pesquisa mais aprofundada – voltada diretamente para o espaço da biblioteca. (Infelizmente, nosso conhecimento na bibliografia da área não é vasto e é possível, pois, que tal pesquisa já exista.) 56 Entre eles, os dados que estão no Anexo 6 deste trabalho, sobre os usuários gerais da biblioteca, o que servem como uma instância de comparação com os leitores de Paulo Coelho.

72

análise dos mesmos. Ao mesmo tempo, sabemos que na composição de amostras em pesquisas qualitativas, “os indivíduos não são escolhidos em função da importância numérica da categoria que representam, mas devido ao seu caráter exemplar” (Ruquoy, 1997, 103), que é justamente o que se objetiva, por meio da escolha de leitores de biblioteca. E, ao mesmo tempo, relaciona-se a um fator central na abordagem qualitativa, que é a preocupação em situar as informações que os receptores dão sobre suas práticas ao contexto sócio-histórico em que eles vivem (ver Jensen, 1993, 178-180). É esta ancoragem de significados em situações específicas (e não a questão estatística) que permite desenvolver uma interpretação mais coerente, a partir da utilização de metodologias qualitativas. Nesse sentido, as características da abordagem qualitativa são apropriadas para o objetivo, na medida em que sua epistemologia relaciona-se à busca da compreensão dos fenômenos (Orozco-Gómez, 1997, Lindlof, 1995) através de “interpretações sucessivas com a ajuda de instrumentos e técnicas, que permitem [ao investigador] envolver-se com o objeto para interpretá-lo de forma mais integral possível” (Orozco-Gómez, 1997, 83). Até aqui, falamos dos porquês da estratégia de pesquisa, que é uma etapa logicamente antecedente ao como. Assim, podemos passar agora a esta instância. As técnicas de pesquisa elaboradas podem ser visualizadas no quadro que se segue. Elas foram compostas com o objetivo de apreender as dimensões que pretendemos mapear, de modo exploratório. Descreveremos, após o quadro, cada uma delas (e no Anexo deste relatório encontram-se todos os instrumentos aqui descritos). Cabe ainda notar que a ordem da tabela corresponde ao momento da pesquisa em que cada técnica foi utilizada, especificamente em relação aos leitores.

Eixos de Interesse Técnicas de Pesquisa

Indicadores de Apropriação/Mediação Formas de utilização

Interpretação

Questionário de acesso aos leitores História de Vida de Leitura

Quadro de referência sociocultural X

X

Relato de Leitura

X

Formulário sobre o nível socioeconômico do leitor e seu consumo cultural

X

Entrevista sobre o consumo de Paulo Coelho e a compreensão de seus livros

X

Observação participante durante contatos/ entrevistas e na biblioteca

X

X X

73

Questionário de acesso ao leitores Por meio deste questionário procuramos entrar em contato com os leitores da biblioteca. Para tanto, fomos ajudados pelas bibliotecárias do local, que solicitavam aos leitores de Paulo Coelho, os quais emprestavam ou devolviam livros deste autor, que preenchessem o instrumento. Depois de preenchidos, elas recolhiam-no. Um aspecto importante desta técnica é o fato de que pedimos às funcionárias para que não fosse explicitado o interesse na leitura de Paulo Coelho. Os termos do questionário são igualmente genéricos (pedem auxílio a uma pesquisa sobre leitura). Agimos da mesma forma quando abordávamos leitores (em nossos períodos na biblioteca) e os convidávamos a preencher o formulário e, depois, a que participassem da pesquisa. O objetivo deste procedimento foi fazer com que estes possíveis participantes da pesquisa não “teatralizassem” o consumo de Paulo Coelho (lendo outros livros do autor, em função da pesquisa, por exemplo). Este instrumento de pesquisa possibilita, ainda, que comparemos o “leitor médio” de Paulo Coelho ao da biblioteca, a partir do cotejo com dados fornecidos por ela (idade, sexo, profissões dos usuários, entre outras informações). O mesmo tipo de comparação é feito entre todos os leitores de Paulo Coelho que responderam a este questionário e os que participaram integralmente da pesquisa.

História de vida de leitura Espaço de distinção e de demarcações culturais, o campo das práticas de leitura apresenta, devido a estes fatores, dificuldades específicas para qualquer pesquisa que vise mapear esta atividade de recepção (a esse respeito ver a discussão de Chartier e Bourdieu, 1998b, 236-237)57. Antes de mais nada, a questão diz respeito ao significado que o termo tem para o próprio pesquisador, como já discutimos, pois isso terá reflexos na natureza do dado obtido. Dessa forma, buscamos fugir de um entendimento restrito sobre o termo. Isto corresponde ao objetivo de especificar diferentes práticas, que perfazem o contexto cultural, do ponto de vista da experiência letrada, no qual se dá o consumo de Paulo 57

Neste debate com Chartier (1999b, 236), Bourdieu enuncia uma proposta da qual, sem dúvida, estamos próximos: “à idéia do livro que se pode [...] seguir a circulação, a difusão, a distribuição, etc., é preciso substituir a idéia de leituras no plural e a intenção de buscar indicadores de maneiras de ler” (grifo nosso).

74

Coelho. Estabelecer algum tipo de hierarquia de “legitimidade”, no plano da leitura, seria uma atitude potencialmente limitadora e exterior às práticas dos indivíduos pesquisados. A leitura, o ato de ler, portanto, significaram, implícita e explicitamente, na abordagem dos leitores, o consumo do impresso nas suas variadas formas. Daí, outro motivo pelo qual não enfatizamos a leitura de Paulo Coelho, num primeiro momento. É por isso também que optamos pela utilização do que chamaremos de “história de vida de leitura”. Neste tipo de entrevista, a partir de uma pergunta geradora (“conte-me sua história de vida como leitor, desde o ponto mais recuado que você consegue lembrar, até os dias de hoje”), procuramos obter dados sobre o contato com o impresso, por parte dos leitores, articulados ao contexto no qual esta prática desenvolveu-se. Ao mesmo tempo – o que é central na escolha da técnica da “história de vida” – sem projetar esquemas exteriores à questão em estudo. Esta utilização da técnica da “história de vida”, em nosso trabalho, apresenta diferenças em relação ao seu uso mais comum, preocupado com a integralidade de uma trajetória de vida. A nomenclatura é menos importante que a intenção, entretanto. Poderíamos chamar o trabalho que tem sido feito de coleta de “depoimentos pessoais sobre a leitura”, mas desde que seja salientada a idéia da “liberdade” do informante, no exato sentido em que Bastide (1991) fala da história de vida como “técnica da liberdade”, isto é, quando o pesquisador limita sua intervenção ao mínimo possível. Este procedimento pode permitir ou colaborar com a “descoberta de novas facetas do real; crítica dos dados já colhidos por outras técnicas; a auto-crítica do pesquisador, diante das revelações do discurso do informante”, conforme discute Queiroz (1991, 79). Quanto ao último ponto abordado por Queiroz, vale dizer que há uma instância de crítica na aplicação da técnica que é realmente fundamental, como notamos. Assim, ao realizarmos as primeiras entrevistas, percebemos que os sujeitos dificilmente conseguiam estruturar um relato dentro de parâmetros tão livres. Era freqüente a necessidade de intervir. Ao escutar as gravações e ler as transcrições observamos que isso, sem dúvida, ocorria. Porém, transparecia, em certos momentos, a ansiedade de um jovem pesquisador que, por vezes, tolhia a livre expressão do discurso do outro. A percepção deste fato da pesquisa refinou nossa aplicação da técnica em dois sentidos. Por um lado, foi possível avaliar recorrências nos relatos (como a questão da

75

leitura e da escola, por exemplo), que sugeriram uma estruturação à entrevista – ainda mantida em termos muito livres (este aspecto é demonstrado no Anexo 2). De outro lado, procuramos manter fidelidade à essência da história de vida, controlando nossas intervenções. Este é um elemento da técnica muito sutil, mais facilmente vivido do que descrito. Em outros termos, é apenas através do treino que se adquire a sensibilidade para distinguir em alguns segundos de silêncio, no intervalo da fala do informante, o que pode ser o fim de uma comunicação ou o rememorar de experiência, através de uma pausa de reflexão. É importante, por fim, salientar três outros aspectos. O primeiro diz respeito à pertinência de aplicarmos uma técnica, que parece exigir certo nível de intimidade com os sujeitos pesquisados, num momento tão inicial da pesquisa. Esta possível crítica é mais válida para as histórias de vida tradicionais, no sentido de que o viés adotado (a problemática da leitura) tem um caráter, por assim dizer, relativamente neutro. Em nenhum momento tínhamos o objetivo de obter informações que fossem além do que os indivíduos pudessem e quisessem dar sobre o tema, em relação à sua vida pessoal. Ao mesmo tempo, os relatos, do modo como foram conduzidos, serviram no sentido contrário ao desta possível restrição, isto é, possibilitaram criar laços muito positivos entre pesquisador e sujeitos da pesquisa. Evidentemente, as entrevistas não eram feitas antes de algum nível de interação, conversamos com os entrevistados, falando sobre o caráter acadêmico da investigação, sobre nossa vida, de acordo com a curiosidade do indivíduo e outros assuntos, principalmente, do dia-a-dia. Assim, as entrevistas foram, de modo geral, muito ricas em termos de estabelecer boas relações com os sujeitos e obter informações importantes sobre o tema – inclusive, sempre, com menções sobre Paulo Coelho. Este passo colaborou também na elaboração dos outros instrumentos, por sugerir questões de interesse ou não visualizadas por nós até então. O segundo ponto é a respeito da “falha” da técnica, ou seja, a dificuldade dos sujeitos produzirem um relato totalmente livre, a partir do tema exposto. Em verdade, a reflexão sobre este aspecto nos leva a crer que ele é constitutivo dos dados, não um ruído. Este fato indica, em si, certas características do modo de relacionamento (formas de utilização) com a cultura letrada por parte dos leitores, cuja análise merece ser aprofundada.

76

Relatos de leitura Esta técnica consiste no pedido para que o leitor descreva o livro que leu e mais o marcou até hoje, especificando o trecho que chamou sua atenção especificamente e explicando o porquê. Deixamos folhas de papel com os leitores, para tanto, de modo que a resposta fosse mais reflexiva e que os leitores escrevessem, o que permite notar sua capacidade de expressão na forma escrita. Entretanto, o que se objetiva fundamentalmente com esta técnica é perceber níveis de interpretação a respeito do material consumido – no qual Paulo Coelho aparece com destaque, por outro lado, projeta-se uma possível comparação entre as respostas.

Formulário sobre o nível socioeconômico do leitor e seu consumo cultural Objetivamos ter informações precisas e comparáveis entre os leitores sobre dados econômicos e a respeito do seu consumo cultural, de modo geral, utilizando este formulário. Assim, teremos elementos para compreensão do quadro de referência no qual se dá a recepção de Paulo Coelho, podendo avaliar a representatividade da leitura em relação a outras práticas de consumo cultural, o que representa um mapeamento de possibilidades e limitações nesses âmbitos.

Entrevista sobre o consumo de Paulo Coelho e a compreensão de seus livros Se nas entrevistas de “história de vida de leitura” o tema da leitura de Paulo Coelho já aparece, procuramos aqui, por outro lado, aprofundar o conhecimento sobre as formas de utilização (quando, como, em que circunstância, etc.) e modos de interpretação utilizados pelos leitores quanto aos livros do autor. Procuraremos nos voltar, especificamente para os livros de maior sucesso deste autor, que representam a preferência dos leitores, inclusive dos pesquisados. Desenvolvemos até o momento só a primeira parte do instrumento, mais voltada para as formas de uso desta literatura, inicialmente, enquanto a outra dependeu da análise do corpus do autor.

77

Observação participante durante contatos/ entrevistas e na biblioteca Existem informações e dados que são obtidos por meio de observações (eventualmente documentáveis, por fotos, por exemplo) durante nosso convívio com os entrevistados e nos períodos que passamos na biblioteca. Tais dados foram sendo arquivados em um diário de campo – escrito após as entrevistas e períodos na biblioteca – a partir de notas que foram produzidas nestas situações.

78

Capítulo 3

Paulo Coelho, um autor singular: da “cultura das bordas” ao “centro” A semente é livre. Todos têm o direito de semear suas idéias sem qualquer coerção da INTELEGENZIA ou da BURRICIA. Trecho do Manifesto da Sociedade Alternativa (1985) [Escrever] Era meu sonho desde criança. Eu sabia que a minha lenda pessoal, para usar um termo da alquimia, era escrever. Mas só ousei publicar meu primeiro livro aos 38 anos. É muito fácil acalentar um sonho, o difícil é realizá-lo. No meu caso, eu já escrevia letras de música e conhecia pessoas do meio, mas tinha medo de enfrentar meu próprio sonho. Chegou um momento, após percorrer o caminho de Santiago, em que disse: “Agora eu enfrento minha realidade”. E foi o que fiz, quando escrevi Diário de um mago. Paulo Coelho (O Globo, 11/10/97)

O sucesso mercadológico da literatura de Paulo Coelho não pode ser visto como um evento único e que irrompe abruptamente na carreira do autor. O sucesso desta literatura tem paralelo – ainda que ela ultrapasse em muito os termos da comparação – com outro momento da carreira do autor: sua parceira com Raul Seixas, com o qual produziu músicas até hoje lembradas58. De outro lado, se o ano de 1989 é tomado como o marco da transformação do autor em best-seller, deve-se ressaltar que a primeira publicação do autor, O teatro na educação, é de 197359, ou seja, 16 anos antes. A esta edição seguiram-se outros três livros, que não atingiram o grande público, entretanto, mais ou menos explicitamente, estes trabalhos e as

58

As citações dos livros de Paulo Coelho são referenciadas a partir das iniciais dos títulos dos mesmos, para proporcionar maior clareza ao texto, por outro lado, utilizamos a abreviatura EPC no caso de informações constantes da entrevista com Paulo Coelho, que se encontra no Anexo 7 deste trabalho. 59 A data de publicação deste livro é divulgada como sendo 1974. Porém, a edição localizada por nós indica 1973. Paulo Coelho afirma que 1974 deve ser a data de lançamento deste livro (EPC). Devemos também notar duas outras questões: há um trabalho chamado Os limites da resistência, que configura uma publicação sui generis do autor, isto é, um envelope (que possui um selo editorial, chamado Alfa e a data de edição de 1970), que contém uma peça teatral e contos. O mais provável é que a tiragem desta edição artesanal tenha atingido poucas cópias. Esta obra é até hoje, com efeito, pouco conhecida e o próprio Paulo Coelho não dá destaque a este trabalho inicial, relacionado ao seu interesse em teatro. Por fim, o ano de 1989 é uma marca relevante para datarmos o sucesso mercadológico do escritor, pois é neste ano que ele começa a freqüentar as listas de mais vendidos de publicações como a Folha de S.Paulo (ver Reimão, 1996, 82-87). A partir de 1990, Paulo Coelho estará em todas as listas de livros mais vendidos do país.

79

ocupações do autor durante este tempo, relacionam-se a temas e preocupações depois explorados nos livros de Paulo Coelho mais bem sucedidos comercialmente. Buscamos nesse capítulo, portanto, evidenciar a trajetória do autor, para além da aparência de “sucesso espontâneo e imediato” que o caso de Paulo Coelho pode sugerir. A pesquisa desta trajetória nos permitiu visualizar um traço marcante da mesma, qual seja, a passagem da produção literária do escritor, do que chamaremos de um circuito ligado à “cultura das bordas” (Ferreira, 1992, 1996), ao “centro” de uma indústria cultural do livro no Brasil. Por outro lado, destacamos alguns elementos, como o relacionamento com o músico Raul Seixas, que parecem vincular-se à própria carreira literária do escritor e, nesse sentido, são resgatados e discutidos. É possível também enxergar, nesse movimento, uma mudança (ou tentativa de) no estatuto do escritor, em termos de práticas e representações assumidas por ele, quanto ao seu papel simbólico e profissional. De outro lado, percebe-se que o autor possuía já, nas etapas iniciais de sua transformação em grande vendedor de livros, um forte sentido de estratégia em relação ao mercado. Estes elementos, que evidenciam um tipo de relacionamento bastante profissionalizado por parte de Paulo Coelho no seu trabalho como escritor, serão abordados com mais detalhe no capítulo seguinte

Os primeiros livros e o encontro com Raul Seixas Paulo Coelho nasceu no Rio de Janeiro, em 1947, chegou a estudar Direito, mas não terminou o curso. Seus interesses mais imediatos, em sua juventude, como afirma numa longa entrevista biográfica a Juan Arias (1999), eram escrever e fazer teatro. Ainda em sua juventude teve problemas familiares que resultaram em três internações num manicômio. Nessa época, também trabalhou como jornalista e viajou para fora do país, entrando em contato com a cultura hippie nos EUA. De volta ao Brasil, deu aulas de teatro para entidades públicas no Rio de Janeiro e em Mato Grosso. Seu primeiro livro, O teatro na educação, é um documento deste período. A respeito desse livro, editado pela Forense Universitária, em 1973, e que teve outras duas edições60, em 1979 e 1986, também por esta editora, chama a atenção o 60

Uma nova edição, a rigor, caracteriza-se por modificações na primeira, principalmente em seu conteúdo textual (um novo prefácio ou capítulo, por exemplo). O termo mais exato para uma nova tiragem de um livro

80

direcionamento a um público de “professores das escolas normais e de nível universitário, para aplicação em turmas de alunos”, conforme o texto da falsa orelha do livro e, também, como indica o exame da materialidade – sem ilustrações, composto em tipografia sóbria, tendo na capa um desenho geometrizado numa policromia com pouco contraste (ver Quadro Ilustrativo 6, p. 104). Estes elementos sugerem um leitor que tenha interesse no assunto do texto. Dessa forma, é uma publicação claramente voltada para um público específico, e que procura, pelo que sugere o prefácio (de B. de Paiva, então diretor de uma escola de teatro no Rio), constituir apoio didático a medidas do Ministério da Educação que reforçariam o papel da disciplina de Educação Artística no ensino de 1º e 2º graus. O conteúdo do livro é uma apresentação ao método do “Teatro Criativo”, resultado, segundo escreve o autor, “de cinco anos de aulas, pesquisas e experiências práticas de criatividade através do teatro” (TE, Agradecimento, s.n.p.). A apresentação desta metodologia é seguida por uma série de jogos dramáticos. Os textos que descrevem os jogos e exercícios, assim como o tom geral do livro, caracterizam-se pela simplicidade e didatismo, quanto ao estilo. Ao mesmo tempo, outro elo com as posteriores ficções do autor é a própria dinâmica destas atividades. Assim, em O diário de um mago, Paulo Coelho também propõe exercícios ao leitor. E, pelo menos em um caso, o chamado “exercício da árvore” (TE, 32-34), existe praticamente uma repetição, pois, com o nome de “exercício da semente”, ele faz parte do livro citado (DM, 37)61. Outro aspecto interessante de O teatro na educação são as várias citações das epígrafes que mostram um autor interessado em literatura (T. S. Eliot, Borges, Carlos Drummond de Andrade, entre outros) e textos místico-religiosos ou esotéricos (é citado um tratado de alquimia, Lao Tse e S. Juan de La Cruz). Antes da publicação de O teatro na educação, no início dos anos 70, após seu período de viagens, Paulo Coelho criou, no Rio de Janeiro, uma revista “alternativa” (dedicada a temas como alimentação e discos voadores), a 2001. Como ele descreve (Arias, 1999, 53),

sem alterações é “reimpressão” ou “reedição”, caso de O teatro na educação e demais livros de Paulo Coelho. Porém, poucas editoras utilizam esta terminologia, o que provoca algumas dificuldades quanto à precisão das reedições e tiragens. Porém, utilizaremos o termo mais usual (edição), explicando, quando for o caso, seu sentido. 61 É provável que esta semelhança não tenha passado despercebida de outros leitores, pois num paratexto do livro Brida (Advertência), Paulo Coelho diz que no “livro Diário de um Mago, troquei duas das práticas de RAM por exercícios de percepção que havia aprendido na época em que lidei com teatro. Embora os resultados fossem rigorosamente os mesmos, isto me valeu uma severa reprimenda de meu Mestre” (B, 10).

81

a imprensa alternativa, underground estava começando, ainda na ditadura; mas não era uma imprensa de esquerda, era mais para aqueles que não se enquadrassem no sistema estabelecido: os Beatles, os Rolling Sontes, Peter Fonda com a bandeira da América e easy rider. Era a cultura pop americana. [...] Um dia, começamos a procurar trabalho. Achamos uma empresa que tinha uma rotativa; eu criei uma revista nova, da qual saíram apenas duas edições, mas através da revista, conheci um produtor de discos da CBS, da minha idade, Raul Seixas, que depois se tornaria um grande cantor.

O encontro com Raul Seixas, em 1973, é marcante na carreira de ambos, apesar da prevenção inicial que o escritor diz ter sentido na época em relação ao cantor, pois “Raul vinha do sistema, era um produtor, e nós tínhamos muito preconceito contra tudo o que vinha do sistema, porque nossa filosofia era ser contra tudo que era estabelecido e seguro” (Arias, 1999, 53). As citações acima expressam parâmetros importantes do tipo da atitude política de parte da juventude da época, e que a parceria de Coelho e Seixas termina refletindo: “não era de esquerda”, sofria forte influência da “contracultura” e da cultura pop (rock, hippies) norte-americana e era contra o “sistema”, que podia ser identificado tanto com a moral, os costumes, determinada ocupação “burguesa”, quanto – no caso brasileiro – com a ditadura militar. Daí, conforme é discutido adiante, a perseguição sofrida por artistas como eles, posteriormente, apesar da relativa indefinição política deste grupo. Em termos de nossa argumentação é mais importante situar a trajetória de Paulo Coelho antes dele tornar-se um best-seller do que historiar ou avaliar a forma de expressão representada pelas músicas de Raul Seixas e Paulo Coelho. Todavia, julgamos oportuno tratar do tema com ponderação, contra uma tendência que interpreta os movimentos jovens menos (ou não explicitamente) politizados dos anos 60 e 70 somente como uma forma de “pseudo-radicalidade, espiritualista e comportamental [...] [de] caráter conservador” (Maestri, 1999, 41). Falta nuance a este tipo de interpretação, pois se existem ambigüidades e limites claros no tipo de “transgressão” proposta, há também uma manifestação de contraposição ao “sistema” – ainda que ela seja feita dentro do mesmo62. Aliás, quando conheceu Paulo Coelho, o próprio Raul Seixas já sentira a pressão das engrenagens da indústria do disco; em 1971 o músico trabalhava na CBS, e após produzir e lançar, sem autorização da companhia, o disco Sociedade da Grã Ordem

62

Especificamente a respeito do significado do trabalho de Raul Seixas, é nessa direção que encaminha-se a análise de Gerbase (1999). O autor destaca que, embora Raul Seixas tivesse uma “relação profissional estreita com a indústria do disco” e não fosse “de esquerda, muito menos de direita”, teria sido, em sentido positivo, “um ‘outsider’ clássico, que mandava suas mensagens ao mundo sem se preocupar em consertá-lo”.

82

Kavernista apresenta: sessão das dez, foi expulso da gravadora e o álbum retirado do mercado. Dessa forma, o primeiro disco solo do autor, Krig-ha bandolo (1973), seria lançado pela Phillips, já com músicas compostas por ele e Coelho, entre elas, Al Capone e As minas do rei Salomão. Nos shows desta época era distribuído o gibi-manifesto A fundação de Krig-ha, com desenhos de Adalgisa Rios, então mulher do escritor (e capista de O teatro na educação). As bibliografias nos livros de Paulo Coelho referem-se ao título O manifesto de Krig-ha¸ como um dos livros do autor, tudo indica, porém, que se trata de um engano (vide a capa do gibi no Quadro Ilustrativo 6, p. 104), talvez uma confusão com o Manifesto da sociedade alternativa, escrito posteriormente, em 1985. O trabalho teve uma tiragem de 20 mil exemplares e era distribuído nos shows de Raul Seixas, funcionando como um material de divulgação do músico, e também como o primeiro manifesto da chamada “sociedade alternativa”. O livreto, com somente 12 páginas, foi editado pela Intersong (uma editora e sociedade arrecadadora de diretos autorais), com apoio da Phillips (gravadora do músico). A história em quadrinhos não possui uma narrativa tradicional, consistindo numa divulgação de idéias da dupla, nas quais se insiste numa oposição entre o “monstro sist” e a “imaginação”, ao longo de uma sucessão temporal. Do ponto de vista formal, o trabalho também não segue a tradição usual dos quadrinhos, na medida em que apesar da importância do desenho, este possui na maior parte das vezes valor de ilustração, sem o uso de diálogos em balões. O traço dialoga com a cultura pop (incorpora numa das páginas heróis dos quadrinhos como Mandrake) e parece desenvolver uma simbologia próxima às idéias de Raul Seixas e Paulo Coelho, em desenhos de animais, monstros e espaçonaves. De outro lado, a contracapa afirma que “a chave para a compressão do long-play está em ouvir o disco lendo ‘A fundação de Krigha’”, o que demonstra a relação entre estes produtos. Há ainda uma receita para a construção de um “badogue” (estilingue), o que teria sido a causa do recolhimento da publicação pela polícia. Hoje este livreto é um item de colecionador, principalmente de fãs de Raul Seixas. Os problemas com a repressão conduziram o músico e o letrista, em 1974, a um curto auto-exílio nos Estados Unidos; no mesmo ano, porém, o álbum Gita é lançado, com enorme sucesso, permitindo o retorno de ambos ao Brasil. Este disco apresenta os maiores

83

sucessos da parceria com músicas como a faixa título (inspirada no poema indiano Bhagavad-Gita), Medo da Chuva e Sociedade Alternativa. Esta última música resume algumas das preocupações místico-políticas da dupla, que contribuíram para os problemas com o regime político. A questão da “sociedade alternativa” é complexa, pois envolve tanto preocupações místicas, de ambos os artistas, quanto – sobretudo no clima político de então63 – um fundo contestador, ainda que baseado na busca de soluções individualistas e sem um foco político claro. A “sociedade alternativa” tinha como lastro as idéias de Aleister Crowley (1875-1947) e a vivência de Raul Seixas e Paulo Coelho em movimentos esotéricos. Crowley foi um estudioso e divulgador do ocultismo, escritor e líder de um culto chamado Ordo Templis Orientis (OTO). A obra mais conhecida deste autor inglês, The boof of law,, propõe um “sistema de poder que sintetizou desta forma: existem os fracos, os fortes e a lei da selva. Os fracos são os escravos, e os fortes os poderosos e livres”, segundo Paulo Coelho (cf. Arias, 1999, 108). Apesar de Crowley ser acusado de charlatanismo, suas propostas foram bastante atrativas para muitos jovens dos anos 60 e 70, quando houve um reinteresse por seu trabalho, a partir de uma leitura que colocava no centro a idéia de uma nova ordem social, bem como os temas esotéricos64. Foi o que acontecia também com a “sociedade alternativa”, na qual, como diz a letra da música de mesmo nome – que cita textualmente Crowley –, a única regra seria “faz o que queres pois tudo é da lei”. Afora os textos de Crowley, declarações genéricas ou grandiloqüentes de Raul Seixas (principalmente) e Paulo Coelho65 e das músicas de ambos, existem poucas informações concretas sobre o ideário da “sociedade alternativa”. Em verdade, procurar um conjunto teórico rigoroso a respeito das idéias do grupo é inútil. Os princípios da “sociedade alternativa” certamente incluem valores libertários, mas também certa confusão

63

Até 1973, dezoito músicas de Raul Seixas foram proibidas, o que evidencia bem o rigor da censura do regime militar. 64 Um exemplo da influência de Crowley na cultura pop dos anos 60 é o fato de que o rosto deste autor aparece, entre muitos outros, na capa do álbum dos Beatles Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band. 65 Há dois textos de Paulo Coelho sobre as “sociedades alternativas” (eles estão reunidos em Coelho, 1984), em ambos ela é associada à contracultura; no segundo, escrito em 1980, o tom é de balanço a respeito de algo que fora diluído, “fosse no consumo barato e de alta velocidade da sociedade estabelecida, fosse no isolamento neurótico” (Coelho, 1984, 38) destas sociedades. O que é mais interessante neste texto é o ponto de vista expresso no fim do artigo, segundo o qual, a “felicidade pessoal” – meta das sociedades alternativas – poderia ser alcançada através de uma adaptação ao meio ambiente comum. Posteriormente esta será a perspectiva dos heróis da literatura do autor, em seus livros de grande vendagem.

84

e uma eventual abertura para diferentes significados66. Isto é reforçado, no seu aspecto mais confuso, pela história contada por Roberto Menescal – ex-produtor de Raul Seixas –, que, em 1974, o músico e Paulo Coelho teriam sido contatados pelo porta-voz do general Geisel para falar sobre a “sociedade alternativa” e ambos teriam ficado muito contentes com essa oportunidade (Caros amigos, 1999, 13). Isso não impediu a repressão e vigilância ao grupo67, assim como os planos de uma “Cidade da Estrelas”, que seria construída no interior de Minas Gerais. Entretanto, propostas como estas não se traduziram em ações concretas, além dos discursos sobre a “sociedade alternativa” feitos durante as apresentações de Raul Seixas, o próprio gibimanifesto e as músicas da dupla (há também um Manifesto da sociedade alternativa, mas ele foi produzido em outro contexto, conforme é mostrado adiante). Um desses discursos provocou a detenção do músico e do letrista em uma delegacia, segundo conta Paulo Coelho. Depois disso, ainda de acordo com o escritor, ele teria sido seqüestrado e torturado por um grupo de paramilitares, junto com sua mulher (Arias, 1999, 56-57). Entretanto, nem Paulo Coelho, nem Raul Seixas, atribuíram a interrupção da parceria – que produziu ainda os álbuns O rebu (1973, trilha sonora da novela de mesmo nome), Novo aeon (1975), Há dez mil anos atrás [sic] (1976) – a problemas como estes68. Paulo Coelho refere-se, sim, a um dia em que sentiu a “presença do mal”, o que, conforme autor, teria relação com o envolvimento de ambos com a magia. Esta experiência, relatada na entrevista a Arias (1999, 111), teria sido o fator responsável pelo afastamento do escritor das seitas ocultistas com as quais tinha se envolvido até então.

66

Este ponto é mais desenvolvido adiante – em relação ao trabalho de escritor de Paulo Coelho – por ora, porém, vale notar que no imaginário corrente a imagem de Raul Seixas como contestador foi a que prevaleceu na memória dos fâs (veja-se a página do site do fâ-clube no Quadro Ilustrativo 7, p. 105). Outro exemplo é dado pelo fato de que durante as manifestações pelo impeachment do presidente Collor muitos jovens cantavam a música Sociedade alternativa. 67 Um aspecto que dificulta muito entender a real dimensão da “sociedade alternativa” ou outros pontos do período é a tendência mistificatória de Raul Seixas. Assim, por exemplo, o continuamente reiterado (em inúmeras entrevistas do cantor e quase sempre com os mesmo detalhes) encontro com John Lennon, quando eles teriam discutido a respeito das “sociedades alternativas”, é desmentido por sua ex-mulher, Kika Seixas. “Essas histórias são fantasias, fantasias”, contou (Caros Amigos, 1999, 22). Por outro lado, depoimentos de músicos atestam a vigilância exercida pela polícia federal em shows de Raul Seixas durante o período da ditadura (a respeito desse ponto ver também a edição de Caros Amigos, 1999). 68 O álbum Mata Virgem, de 1978, também apresenta músicas da dupla, compostas especialmente para o disco, entretanto, o período mais sólido da parceria foi o dos discos citados.

85

Por outro lado, se o balanço feito por Paulo Coelho sobre a “sociedade alternativa” destaca o idealismo da proposta69, Raul Seixas continuaria a abordar o tema, referindo-se também a Crowley. Assim, por exemplo, a música A lei, do disco A pedra do gênesis (1985), assinada pelo músico, na verdade, apropria-se de um texto (Liber Oz) do escritor inglês e, em entrevistas, o músico continuou a falar sobre sua admiração por Crowley, bem como sobre a “sociedade alternativa”. Apesar das visões, em perspectiva, discordantes, Raul Seixas, Paulo Coelho e outros escreveram em 1985, um Manifesto da sociedade alternativa. Conforme relata Sylvio Passos, amigo de Raul Seixas, fundador e presidente do maior fã-clube dedicado ao músico e um dos signatários do texto: Em 1985, resolvemos retomar todo o trabalho da sociedade alternativa, que tinha parado há dez anos, com uma cara de anos 80, tudo reformulado. Teoricamente, estava tudo liberado. Reunimos todos na casa do Paulo [Coelho] em Copacabana. Vamos começar os novos trabalhos da sociedade alternativa. Qual vai ser o nosso primeiro passo? O manifesto, tem que ter o manifesto. Então vai ser o 11º manifesto. Por que o 11º manifesto? Primeiro, porque fazia onze anos que a sociedade alternativa já existia. E outra que o número onze, cabalisticamente, é um número muito forte. Então não existem outros manifestos. Existe o primeiro [A fundação de Krig-ha] e existe o 11º, só. [...] Isso não foi calculado em lápis, não. Isso foi uma coisa que rolou, assim, aquelas coisas de intuição, de vamos fazer, e que vem. Aqueles itens, aqueles artigos, foi tudo assim: “fala um”, aí cada um falava uma coisa, e foi se construindo um manifesto e ficou perfeito. (Depoimento pessoal)

O manifesto foi apresentado no Rio de Janeiro, ainda em 1985, numa performance no Parque Lage, na qual um dos integrantes do grupo tinha as roupas cortadas por Christina Oiticica – mulher de Paulo Coelho, e uma das pessoas que subscreve o manifesto – enquanto lia o texto do mesmo. Foram também distribuídas cópias do texto. Porém, o manifesto nunca chegou a ser impresso70. O grupo confeccionou o “boneco” do manifesto, 69

Relatando o evento que resultou na detenção, assim expressa-se o escritor: “Fomos a Brasília para dar um show, e eu disse umas palavras sobre nossas idéias acerca da sociedade e sobre aquilo que almejávamos mudar. Tudo isso me parecia muito inocente. Éramos apenas jovens idealistas.” [...] “Existia a linha dura, a extrema direita que acabara com a guerrilha e agora tinha que justificar sua presença. Sabiam que eu era um louco, desses de sociedade alternativa, que não tinha nada a ver com guerrilha. Mas [...] precisavam descobrir novos inimigos para se justificar” (Arias, 1999, 55-56). 70

Apesar de não ter sido impresso, diversos sites na internet divulgam o texto do manifesto. Estes sites, assim como o número de livros (18) e CDs (quatro) relacionados a Raul Seixas, editados após suas morte, ocorrida em 1989, evidenciam a, ainda hoje, enorme popularidade do músico. Existem fã-clubes dedicados a ele em todo o Brasil. O maior deles, o Raul Rock Seixas, possui quatro mil sócios. Entre os sites que divulgam o Manifesto da Sociedade Alternativa podemos citar: http://atlas.ucpel.tche.br/~grupis/ sociedade_alternativa.htm, http://www.redebonja.cbj.g12.br/manifesto_raul seixas.html e http://www.joao. barile.nom.br/letrasraul.html. É interessante notar que em sites como estes freqüentemente não há uma autoria explícita – talvez por algum receio de censura – bem como os conteúdos são repetidos, reescritos de um a outro. A respeito da trajetória de Raul Seixas ver Alexandre, 1998, Passos, s.d., Passos e Buda, 2000, além do número especial da revista Caros Amigos (1999) sobre o músico.

86

bem como o de um jornal, que seriam levados à gráfica. Entretanto, outros interesses de cada integrante (Paulo Coelho, por exemplo, dedicava-se ao livro Manual prático do vampirismo) e, de acordo com Passos, um provável ciúme do escritor, devido ao destaque dado a Raul Seixas nesse material, fizeram com que essa retomada da “sociedade alternativa” não tivesse continuidade. Assim, ainda que muitas pessoas tenham interesse na “sociedade alternativa”71, oficialmente não há nenhum grupo organizado em torno dela. Mesmo porque, como afirma Sylvio Passos: “Eles mesmos [Paulo Coelho e Raul Seixas] não tinham muita noção de para onde a coisa estava indo [...]. Nunca se concretizou de fato, a coisa”. Porém, como nota o próprio Passos, talvez seja por isso que ela continua subsistindo como uma idéia atrativa. Você vê, quanto tempo faz, quantos movimentos dos anos 60 e 70 perduram até hoje? Com essa intensidade até da sociedade alternativa... Existe, a coisa continua no ar, aí. Eu tenho contato com gente no Brasil inteiro, fora do Brasil, que continua acreditando nisso, que leva isso para frente. Mesmo sem essa base sólida. Daí a gente acaba concluindo o quê? Que o mais importante da sociedade alternativa... ela não pode se concretizar nunca. É igual a utopia. A partir do momento que ela se concretiza acaba. [...] A sociedade alternativa é mais uma transformação interior. [...] Cada um pode entender da sua maneira. Muitos nem sabem [sobre Aleister Crowley]. [...] Hoje eu digo, eu faço parte da sociedade alternativa, mas a sociedade alternativa não é um grupo; cada um na sua, absorvo as informações que ela me traz. Isso me causa uma revolução. (Depoimento pessoal)

Neste sentido é interessante desenvolver dois pontos relacionados com a parceria entre Raul Seixas e Paulo Coelho e a carreira de escritor deste. O primeiro diz respeito ao desenvolvimento de uma linguagem simples, altamente comunicativa, por parte do autor. É comum que críticos da literatura de Paulo Coelho afirmem que sua principal contribuição criativa está no trabalho como letrista de música popular. É menos importante, discutir a validade deste juízo do que destacar a capacidade de interlocução com largas faixas de público demonstrada pelo escritor nesta época. Depoimentos do autor, abordam este ponto: Eu me orgulho muito de ter convivido com Raul. Ele me ensinou coisas muito importantes. Me ensinou a falar a linguagem direta, a linguagem do povo, e depois vim a usar isso nos meus livros. Eu era um intelectual convencional, que achava que quanto mais complicado 71

Há um livro dedicado à questão da “sociedade alternativa” na obra de Raul Seixas (cf. Alves, s.d.). O trabalho acerta ao vincular o tema aos movimentos culturais das décadas de 60 e 70, entretanto a crença da autora nas bases “científicas” da magia e do ocultismo (cf. Alves, s.d., 37), aliada à pequena documentação do período e ao caráter assistemático das idéias de Raul Seixas (e Paulo Coelho, na época), tornam a interpretação bastante discutível.

87

melhor, e Raul me mostrou a beleza da simplicidade, e eu sou uma pessoa extremamente grata a ele por causa disso. (Caros Amigos, 1999, 5)

Por outro lado, destacamos, como outro aspecto relevante para a compreensão da literatura de Paulo Coelho, a potencial abertura para diferentes significados que seus trabalhos musicais com Raul Seixas demonstram. O que é a “sociedade alternativa”, pelo menos para muitos dos fãs de Raul Seixas hoje, fica a critério de cada um, na em medida que há uma “abertura” (ou indefinição) na própria estrutura da mensagem, o que pode ter algum paralelo com a trajetória de best-seller de Paulo Coelho. Wilson Martins, embora sem desenvolver este aspecto, comenta: se você ouvir com cuidado, verá que a música de Raul Seixas é um pouco simétrica à literatura de Paulo Coelho. Os livros de Paulo Coelho nos dão sempre a impressão de que ele possui um segredo que não pode ser comunicado a ninguém. (apud Castello, 1996)

Santos (2001), num livro que mistura ensaísmo e ficção para discutir o ensino da literatura no Brasil e o papel da literatura de massa e esotérica nos dias de hoje – e daí o interesse em Paulo Coelho – igualmente nota que há uma proximidade entre estas duas fases da carreira do escritor. E, por isso, seria fácil ver aí [nas músicas] os bordões que tornaram Paulo Coelho idolatrado por seu público: “Tu não tens direito a não ser fazer tua vontade. Faça isso, e nenhum outro lhe dirá não”; “Todo homem e toda mulher é uma estrela”; “Não existe Deus senão o ser Humano”. Coisas assim. (Santos, 2001, 99)

Os elementos de evidência quanto a uma generalidade de base na mensagem, que ensejaria diferentes leituras, são mais fortes, no caso das músicas da dupla Seixas/Coelho, do que quanto à literatura de Paulo Coelho. Sabemos que o continuado interesse pela música de Raul Seixas pode envolver um entendimento próprio sobre o significado desta produção musical. No entanto, este é certamente um ponto ao qual a pesquisa empírica com leitores de Paulo Coelho deve preocupar-se, bem como a própria análise textual de trabalhos do autor, realizada no próximo capítulo. Novamente, antes a título de hipótese, diríamos que o “segredo” transmitido pelos livros de Paulo Coelho está longe de ser uno e incomunicável, pelo contrário, a mensagem responderia às diferentes leituras dos aspectos heteróclitos aos quais os textos de Paulo Coelho dão alguma unidade. O jornalista Otávio Frias Filho, ao discorrer sobre o sucesso de Paulo Coelho, refere-se, a uma “cosmologia selvagem”, exposta nos livros do autor, e que é

88

aberta à teoria dos cristais, ao cristianismo popular, à sabedoria árabe, à astrologia, à alquimia – todas as formas de irracionalismo que a imaginação humana já concebeu, amalgamadas numa religião globalizada para o milênio. (Frias Filho, 1999, A2)

Retornaremos a estes pontos – a abertura e incorporação de diferentes elementos no trabalho de Paulo Coelho e seu potencial polissêmico – posteriormente, na análise de alguns trabalhos do autor e em relação aos dados de nossa pesquisa empírica, nos capítulos posteriores. Por ora, continuaremos a mostrar a trajetória de Paulo Coelho até os seus primeiros grandes sucessos como escritor.

Auto-edição, edições “populares”: traços da “cultura da bordas” A partir do fim da parceria com Raul Seixas, Coelho trabalharia para o “sistema”, como produtor de discos, um executivo desta indústria. Além disso, escreveu letras para outras músicas de sucesso, como Arrombou a festa (1977), cantada por Rita Lee e Sandra Rosa Madalena, gravada em 1976, por Sidney Magal. Em 1978 o escritor foi demitido da gravadora Polygran, o que marcaria o retorno à sua “lenda pessoal”: tornar-se escritor. Assim, surge em 1982 o terceiro livro de Paulo Coelho, Arquivos do inferno, publicado por uma editora criada pelo autor, a Shogun Arte. Pelo que pudemos apurar foi uma editora cuja distribuição praticamente só atingia um nível local, no caso, o Rio de Janeiro, mas que conseguiu editar muitos títulos enquanto durou72. De acordo com Paulo Coelho, a Shogun foi criada em 1982 e existiu até 1988, embora ele tenha se desligado dela em 1985 (cf. EPC). A Editora publicou principalmente coletâneas autofinanciadas por poetas, que participavam de concursos com este fim. O livro Arquivos do inferno não teve nenhuma repercussão. Porém, é o título preferido do autor, quanto a suas primeiras publicações. Assim, em opinião divulgada em seu site, Paulo Coelho afirma que Arquivos do inferno seria o melhor de todos os seus livros anteriores ao sucesso comercial, e que poderia revisá-lo e reeditá-lo. O livro é prefaciado por Artur da Távola, que brevemente fala sobre a trajetória “marginal” de Paulo Coelho e elogia o “discurso econômico e denso na forma” do escritor (AI, 9). Com efeito, 72

Por isso, num levantamento feito pela revista Leia, a Shogun aparece como uma das 100 maiores editoras do país (excluídas as do segmento didático), em 44º lugar, em 1984, com 37 títulos publicados (Leia, 1985). Em 1986, numa tabulação similar a Shogun estaria em 30º lugar, tendo editado 72 títulos com um total de 106.500 exemplares impressos, relativos a primeiras edições (Leia, 1987).

89

o livro é composto por breves fragmentos: pequenos ensaios, histórias, traduções ou pretensas traduções. Sem dúvida, é o livro com intenção mais expressiva, em termos literários, dentre os primeiros editados por Paulo Coelho. Não por acaso, os textos são precedidos do título “Em busca de J.L.B.” (AI, s.n.p.), numa página que precede os textos. A sigla remete, como se torna claro, ao escritor Jorge Luis Borges. Existe uma preocupação com temáticas místicas em certos fragmentos (por exemplo, Blake e Castañeda são citados), entretanto, a tônica é sobretudo a da expressão pessoal, bem mais do que o discurso místico-esotérico. Chama também a atenção, o fato de que certos fragmentos lembram o tipo de produção ligeira feita atualmente pelo escritor para jornais ou revistas, ou seja, um texto realmente econômico, com poder de síntese e com a preocupação de transmitir mensagens. Outro índice do caráter autoral do trabalho é a capa, com produção bem cuidada (vide Quadro Ilustrativo 6, p. 104). Nela informa-se também sobre o outro prefácio do livro, que teria sido feito por “Andy Wharol” (sic). De fato há um prefácio que teria sido escrito pelo artista plástico, mas é possível que isso seja apenas uma brincadeira (há uma nota no volume que diz “Tudo neste livro é absoluta ficção – cuidado”, que é um protocolo de leitura válido) ou estratégia para chamar a atenção sobre o livro. Voltando à Shogun, aparentemente o principal lançamento da editora foi o livro As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor, de Raul Seixas. O livro foi inicialmente encartado no disco Raul Seixas, de 1983; nesse mesmo ano houve uma efetiva nova edição pois Paulo Coelho acrescenta uma introdução ao livro e altera algumas de suas partes na edição independente do álbum. Além da reaproximação entre os dois companheiros é possível presumir que a edição de Raul Seixas por seu antigo letrista atendesse a uma estratégia de capitalização da editora, na medida em que a fama do músico poderia garantir um bom número de exemplares vendidos. Em todo caso, a continuidade do trabalho de escritor de Paulo Coelho ocorreria, estranhamente, não na Shogun, mas numa editora especializada em assuntos religiosos e esotéricos, a ECO, do Rio de Janeiro. É por ela que é editado, em 1986, o livro Manual prático do vampirismo, escrito por Paulo Coelho e Nelson Liano Jr. A história desta edição é curiosa; de acordo com Paulo Coelho, a edição teria sido recolhida no ano seguinte à

90

publicação, a seu pedido, devido à “má qualidade” da obra73. A versão dada pelo editor da ECO, como veremos, é um pouco diferente. Atestamos, pela dificuldade em encontrar um exemplar, a raridade da publicação, bem como sua procura hoje por indivíduos interessados no tema, segundo informações de comerciantes de livros usados. Além disso, o valor de raridade do livro fazia com que fossem fixados preços de pelo menos 300 reais pelo exemplar (o que é equivalente a um salário mínimo e meio). Porém, há uma mudança de público, pois o livro que era destinado a leitores de uma editora “espiritualista” como a ECO, é procurado agora por indivíduos de outro meio social. Localizamos um site (www.vampyr.com.br) no qual indivíduos interessados em questões como o “vampirismo” inserem diversos conteúdos, numa página graficamente sofisticada. E num dos itens de uma lista de discussão, o raro Manual prático do vampirismo, é disponibilizado quase integralmente por um dos participantes que o digitou e sugere atender a curiosidade de outros leitores. Falamos de uma mudança de público, o que torna oportuno que, antes de comentar especificamente o livro Manual prático do vampirismo, descrevamos a editora ECO74. Criada em 1962, por Ernesto Emanuele Mandarino, esta editora especializou-se num segmento voltado a temas como o espiritismo, ocultismo e magia, como pode ser observado no Quadro Ilustrativo 5 (p. 44). Muitos dos livros têm ainda o tom de uma espécie de auto-ajuda popular (livros para a leitura da sorte, orações de cura e versões do popularíssimo Livro de São Cipriano, entre outros, pertencem ao seu catálogo). Estas edições são simples (sem orelhas nas capas, de modo geral; com utilização de poucas cores nas mesmas, etc.), raramente há indicação do ano de publicação e são comuns também as omissões dos créditos de responsáveis (capistas, revisores, etc.) pelas edições. Alguns trabalhos são assinados por pseudônimos.

73

O maior detalhamento sobre a razão de proibições de novas edições deste trabalho, em suma, sua “má qualidade” encontra-se no site de Paulo Coelho, que escreve o seguinte: “O mito do vampiro é algo muito interessante mas, quando resolvi escrever sobre ele, não consegui explicar-me direito – principalmente porque foi feito de parceria com outros autores”. 74 Cabe notar que embora utilizemos a expressão “editora” para falar sobre a ECO, o termo mais correto seria “selo editorial”, pois em 1962 foi feito o registro da editora Mandarino, que desde esta data produz publicações, tanto pelo selo ECO, quanto pelo selo Mandarino; neste caso, os livros publicados são jurídicos, técnicos e paradidáticos. Ainda sobre a ECO, nota-se que o logotipo da editora tem semelhança com o de outra empresa, a editora religiosa Paulinas. Este fato poderia sugerir um plágio da ECO, com o objetivo de assemelhar-se, ao menos quanto ao logotipo, a uma editora ligada ao segmento religioso. Porém, em depoimento, o editor da ECO afirmou que houve uma coincidência. E que seu logotipo teria sido criado, em 1972, antes de 1979, quando surgiu o logotipo parecido. Por isso, Mandarino disse que não temeu quando sofreu uma ameaça de processo por parte da editora Paulinas. Hoje o logotipo desta editora é diferente.

91

O circuito do livro ao qual se liga esta produção é o de livrarias religiosas, casas de umbanda e artigos afins, locais que atingem possivelmente um leitor de baixa renda. Segundo o fundador e editor da ECO, os livros de seu catálogo padrão apresentam esta distribuição por uma opção comercial embora, ele diga que são os livreiros que procuram os editores, mas, no seu caso, já possui um cadastro preparado quanto ao tipo usual de publicação da ECO. Ao procurarmos livros desta editora em São Paulo, os únicos outros locais em que os encontramos, fora deste circuito, foram livrarias menos prestigiadas e os sebos, nos quais, nas prateleiras dos livros de “espiritismo” ou “magia”, são agrupadas as publicações desta editora. É importante notar que existe atualmente uma maior aceitação quanto a este tipo de publicação por parte dos livreiros. Muitos títulos “esotéricos” são hoje expostos com destaque nas livrarias tradicionais, nas grandes redes, em lojas sofisticadas de shopping centers, em seções próprias, com diferentes nomenclaturas, como “espiritualismo”, “esoterismo”, “auto-ajuda”, etc. Isso não ocorre, ao menos na cidade de São Paulo, com os livros da ECO, mas explica-se, em parte, pela própria estratégia de distribuição apontada. Outro possível fator explicativo deste tipo de distribuição é o acabamento do produto livro, menos atrativo para os livreiros do que outros selos. É perceptível que o padrão gráfico e os aspectos materiais dos livros de outras editoras que se dedicam a esta faixa de mercado, em maior ou menor grau, como a carioca Pallas, a curitibana Hemus e as paulistanas Madras e Pensamento – uma das mais tradicionais editoras no gênero – tiveram melhoria nos últimos anos. As capas são mais elaboradas (e menos “apelativas”) e o papel é de melhor qualidade. Isso não acontece com os livros editados pela ECO que, talvez também por isso, continua restrita ao âmbito do que chamaremos de uma “cultura das bordas” (Ferreira, 1992, 1996). O que explicaria, pois, a combinação entre Paulo Coelho e a editora ECO? De acordo com o editor Mandarino, em meados da década de 80, ele sentiu que poderia haver mercado para trabalhos de “linha esotérica” (mas diferentes dos tradicionais de sua linha editorial) e contratou Nelson Liano Jr. como gerente editorial para que ele desenvolvesse publicações deste tipo, estes livros seriam dirigidos também para livrarias tradicionais. Liano, já como contratado da ECO, assistiu a uma palestra de Paulo Coelho durante uma feira esotérica e entusiasmou-se com o poder comunicativo do autor75, quando falava sobre 75

A boa performance de Paulo Coelho não escapou à imprensa, assim, uma reportagem de Veja (1985) sobre a feira em questão fala do “aplaudidíssimo curso ministrado pelo vampirólogo carioca Paulo Coelho”.

92

vampirismo. Daí surgiu o convite para que ele escrevesse um livro sobre este tema. A história é confirmada por um texto escrito na orelha do livro (assinado por “A editora”): A razão de escrever [sic] este livro está ligada ao fato de Paulo Coelho ter feito enorme sucesso na I FEIRA ESOTÉRICA. Foi um dos conferencistas mais festejados na época, causando enorme interesse no tema abordado – VAMPIRISMO – que naquela oportunidade causou espécie. (MPV, texto na orelha do livro)

Liano tornou-se co-autor do livro; entretanto, como se evidencia no trecho citado, o autor principal é Paulo Coelho, cujo nome aparece na capa do livro num tamanho maior que o de Nelson Liano Jr. Porém, eles não são os únicos autores – o que então justifica o fato de que Paulo Coelho afirme ter escrito este livro em “parceria com outros autores” (vide nota 73), pois conforme o depoimento do editor Mandarino, e como sugere o próprio exame do livro, uma das partes do mesmo foi escrita pelo editor. Mandarino, no depoimento, confirmou ainda a importância do vínculo entre a edição deste livro e a sua “linha editorial”, em função do viés esotérico relativo ao tema do vampirismo. Por outro lado, o texto do livro desenvolve-se a partir de uma estratégia ficcional comum, mas que encontra respaldo também em compilações pseudoeruditas (como certas versões do Livro de São Cipriano): ele seria um manuscrito enviado a Paulo Coelho por um estrangeiro, Flamínio de Luna, que ele e Nelson Liano Jr. teriam conhecido num hotel no Pico da Bandeira (cf. a apresentação do livro, assinada por Paulo Coelho, MPV, 5-6). O livro é dividido em cinco partes, as três primeiras são mais ensaísticas, abordando temas como a origem do vampirismo, o que seria o “vampirismo astral” e as formas de identificar, evocar e combater vampiros. E teriam sido escritas por Paulo Coelho e Liano (primeira e segunda) e somente Liano (terceira). A quarta corresponde à intervenção do editor, que insere no livro um texto sobre “esconjurações, salmos, ladainhas, litanias e exorcismos para afastar um vampiro”. É imediata a aproximação, neste caso, com vários outros livros da ECO, nos quais elementos de práticas “populares” de crença (simpatias, orações, rezas, etc.) são industrializados para um grande público. Nos diversos livros de São Cipriano, por exemplo, é comum que existam capítulos similares. Por sinal uma breve biografia do santo é exposta no livro (vide MPV, 64). Mandarino diz que a estratégia procurou aproximar o livro do leitor tradicional da editora, interessado em “coisa práticas, terra-a-terra”. Entretanto, isso não funcionou, o livro vendeu pouco no período inicial. A comercialização de parte dos exemplares só ocorreu, segundo o editor, devido à sua tática de vendê-los junto a outros livros mais 93

procurados pelos livreiros. Mesmo assim, da tiragem de três mil exemplares, sobraram 800, que foram posteriormente adquiridos, conforme detalharemos, por Paulo Coelho. Retornando à descrição do livro, o tom das três primeiras partes é pretensamente sério e “erudito”, no entanto, existe também uma preocupação didática (por exemplo, num parêntese explica-se o significado da palavra “peculato”), há uma simplicidade formal na qual a narração pode irromper, como no breve relato sobre um caso de vampiro, que segue o modelo mais clássico do conto de fada. Na quinta parte do livro (O estranho caso de Mata Ulm) que, segundo Mandarino, foi escrita por Paulo Coelho, o aspecto narrativo tem mais relevo, pois é composta por uma novela, na qual o elemento ficcional da publicação fica evidente – pelo menos para os leitores com um repertório literário-ficcional mínimo – na “história de vampiro”, que é narrada. Apesar da baixa vendagem da primeira edição, o título voltaria às livrarias duas vezes, em 1990, editado pela própria ECO e, em 1993, numa edição da Record. Em ambos os casos, Paulo Coelho já não aparece como co-autor e Nelson Liano Jr. assume a autoria integral. Porém, é possível pensar que leitores de Paulo Coelho tenham comprado estas novas edições, para entender o motivo da decepção do escritor, o que poderia justificar comercialmente estas novas edições. O editor da ECO afirma que este trabalho teve boa aceitação. Deve-se ressaltar que trata-se de uma efetiva nova edição, pois o texto é bastante modificado – a ordem dos capítulos é alterada; suprimi-se, por exemplo, a quinta parte da primeira versão e outros textos são adicionados (mantém-se, porém, o texto de Mandarino). No caso da edição da ECO, merece destaque o projeto gráfico arrojado, com uma capa recortada, mostrando parte de uma ilustração da sua primeira folha, além disso, a ordem natural das capas parece invertida: o nome do autor e do livro estão na contracapa. Existem também várias ilustrações ao longo do livro, provavelmente todas de Jorge Cassol (também o capista do livro) e que recebe um agradecimento de Liano pela “parceria” na edição do livro. A edição da Record é menos ousada, embora conserve elementos gráficos da feita pela ECO. Tais aspectos merecem destaque por mostrarem a tentativa e a possibilidade de uma edição “autoral” dentro de uma editora voltada para outro tipo de produção e públicos. Assim, é significativo que o catálogo padrão da ECO não esteja na contracapa, como ocorre no caso da primeira edição do livro. Isto se relaciona a uma maior clareza

94

sobre a diferenciação das linhas editoriais dentro do selo ECO, bem como, provavelmente, ao fato de Liano ter sido funcionário da editora – ele foi gerente editorial da mesma, de 1983 a 1988 – o que pode ter garantido-lhe maior liberdade. Pensamos, inicialmente, que os autores, entre eles Paulo Coelho, arcassem total ou parcialmente com os custos destas edições menos comuns (da “linha esotérica” ficcional), entretanto, isso não ocorreu de acordo com Mandarino76. Antes de falar sobre a continuidade da carreira de Paulo Coelho dentro da ECO, devemos observar, reforçando as possibilidades de uma edição “autoral” nesta editora, que dentro da “linha esotérica” foram publicados outros títulos, entre eles: A misteriosa magia dos sentimentos e O senhor das sombras. Nota-se que esta ficção apresenta alguma contiguidade com os outros interesses da editora, como no caso do Manual prático do vampirismo. Assim, o livro A misteriosa magia dos sentimentos é definido, no texto da orelha, como um “romance esotérico que resume a luta entre o homem e a mulher, entre o mal e o amor”. Da mesma forma, em O senhor das sombras, afirma-se que o autor é “alguém que tem grande intimidade com o príncipe das trevas”. É claro, porém que estes protocolos de leitura configuram sobretudo estratégias editoriais, aplicadas a livros de escritores novatos, que, possivelmente, não encontraram outros formas de publicação77. O senhor das sombras, por exemplo, ganhou um prêmio num concurso nacional de contos em 1988, como a “melhor contribuição paranaense”, segundo informa o texto do editor, na orelha do livro. Além disso, há um breve elogio do “trabalho profissional, rigorosamente correto, uno, coeso, pessoal”, feito pelo escritor Marcos Rey que apresenta o livro. Em ambos os

76

Este procedimento ocorre na edição de muitos livros do catálogo tradicional, de acordo com o editor, alguns autores de obras espíritas pagam a edição e depois destinam os recursos relativos à venda para instituições de caridade. Outro ponto interessante é que, conforme Mandarino, a sua editora não fornece, há muitos anos, dados para totalizações sobre a produção/comercialização de livros no Brasil. Este aspecto merece ser retido, em função de considerações que faremos sobre as estatística do campo editorial no próximo capítulo. 77 A provável dificuldade de inserção no mercado editorial de autores iniciantes dessa época persiste. Várias reportagens recentes, bastante informativas, documentam-na (cf. Alves, 2001, Cardim, 2001, Godinho, 2001 e Werneck, 2001). Dados interessantes que aparecem nestes trabalhos são a continuidade da edição financiada pelos autores, a forte emergência da publicação eletrônica (por vezes com ônus financeiro para o autor), como alternativa para os novatos. Igualmente expressivo é o grande número de novos escritores, que procuram espaços de publicação. “Pode-se perceber a demanda por um lugar ao sol no mercado pela quantidade de originais que chegam às principais editoras: todo mês cada uma das seis maiores editoras de literatura adulta do Brasil (Record, Companhia da Letras, Rocco, Globo, Objetiva e Nova Fronteira) recebe entre 80 e 150 originais de autores desconhecidos. Na maior parte das vezes nenhum é publicado” (Godinho, 2001, § 6).

95

títulos, o catálogo padrão da ECO não é impresso na contracapa, e a capa é de Jorge Cassol. Estas edições não apresentam data; porém, de acordo com Mandarino, foram produzidas num período próximo ao da primeira edição de O diário de um mago, feita em 1987. É possível inferir que a edição de O senhor das sombras é posterior, devido à informação sobre o concurso de contos. A idéia de uma pré-concebida clivagem entre esta ficção propriamente dita e os livros mais habituais da editora é reforçada pelo fato de que o selo da editora, que faz menção ao seu caráter “espiritualista” (vide Quadro Ilustrativo 5, p. 44), também não existe em O senhor das sombras e A misteriosa magia dos sentimentos. Porém, aparece desde a 1ª até, pelo menos, a 7ª edição de O diário de um mago, naturalmente da ECO. Na 5ª edição de O alquimista (ECO), ele não existe. Neste ponto podemos retomar aos livros de Paulo Coelho na ECO. O autor editou O diário de um mago e O alquimista por esta editora em 1987 e 1988, respectivamente. Segundo diferentes discursos78 sobre a trajetória editorial de Paulo Coelho, o escritor tornou-se um grande vendedor de livros na Rocco. Neste sentido se fala que o editor Paulo Rocco foi o “descobridor” do autor. No entanto, a noção de “grande vendedor” somente após o ingresso na Rocco parecia ser inconsistente. Conforme pudemos perceber, pesquisando as edições, dos livros de Paulo Coelho pela ECO (com exceção do Manual prático do vampirismo) não tiveram baixa aceitação. Localizamos uma 5ª edição de O alquimista e uma 10ª edição de O diário de um mago feitas pela ECO79. O depoimento do editor Mandarino sobre este aspecto confirma plenamente tal impressão e fornece um saboroso relato da trajetória inicial do autor: Antes disso [a edição do Manual prático do vampirismo], Paulo Coelho fez o caminho de Santiago e um ano depois veio com O diário de um mago. Pensei: será que vai ser o mesmo fiasco... Vou apostar. Vou fazer três mil. O Paulo falava: “faz mil”. Faço três mil. Não posso fazer menos de três mil. (Depoimento pessoal)

78

Assim, o livro coordenado por Paixão (1998), ao demarcar momentos importantes da história do livro no Brasil, indica a publicação de O diário de um mago, em 1987, como um dos marcos, porém, incorretamente credita a edição à Rocco. Em textos da imprensa, Paulo Rocco parece também como o editor que descobriu o potencial mercadológico de Paulo Coelho (cf. Monzillo, 2001). 79 Possuímos a 7ª edição de O diário de um mago (a 10ª pertence à biblioteca do Centro Cultural São Paulo) e a 5ª de O alquimista, porém um comerciante de livros usados nos assegurou que chegou a possuir uma 20ª edição de O diário de um mago, com o selo ECO. Paulo Coelho diz que O diário de um mago deixou de ser editado por esta editora no máximo em 1990, enquanto O alquimista saiu da ECO já no primeiro ano da edição (1988) (EPC). A prova definitiva sobre estas boas vendagens é dada numa entrevista de Paulo Rocco, que afirma ter conhecido os livros editados por Paulo Coelho antes dele e que estes teriam vendido 60 mil exemplares (cf. Penteado, 1990).

96

O livro não foi um fiasco de vendas, ao contrário, consolidou-se como um grande sucesso da ECO. O mesmo não ocorreu com os outros livros da “linha esotérica”, que são até hoje um encalhe na editora. (Além dos livros anteriormente citados, Mandarino editou, dentro desta linha, Santa Clara Poltergeist do músico Fausto Fawcett, que também vendeu muito pouco. Por isso, após a saída de Paulo Coelho da editora, a ECO deixou de lado a ficção e a “linha esotérica” nos termos menos tradicionais.) Mas o que tornou Paulo Coelho um autor capaz de conquistar um público já na editora ECO? Nesse aspecto, o depoimento de Mandarino é esclarecedor: Paulo Coelho era divulgador da Polygran, ele usou no livro a mesma técnica que usava para divulgar fitas. [...] Queria transformar o livro em produto de grande aceitação popular, via o livro como um produto vendável. [...] Paulo Coelho fez um trabalho que os outros autores não fizeram. Ele se divulgava, fazia conferências, palestras, corria livrarias, imprensa, fazia um trabalho excepcional. Os outros [autores da “linha esotérica”] simplesmente deixaram o livro. Ele fez um trabalho maravilhoso, investia tudo em publicidade. Divulgava a obra dele e transformou o nome dele numa “marca”. (Depoimento pessoal)

Esta inteligência prática do autor é bem ilustrada pelo seguinte expediente: Mandarino fazia edições de três mil exemplares, porém, por sugestão de Paulo Coelho, após a impressão de mil volumes, a máquina era parada e a capa era mudada para que recebesse a numeração de uma nova edição. Assim, a uma tiragem de três mil exemplares, feitos exatamente num mesmo momento, correspondiam “três edições”. Neste sentido, a marca que a capa recebia com o número da edição funcionava como um anúncio do livro, já que o fato dele ter vendido muitos exemplares (edições) poderia indicar uma leitura aprovada pelos leitores. O esforço de divulgação tinha outros fortes elementos de cálculo. Paulo Coelho contratara uma divulgadora, de modo a conseguir entrevistas e notas na imprensa. Estas ações conseguiam, por vezes, retorno quase imediato. Assim, segundo Mandarino, em 1988, após a publicação de uma matéria em O Globo, na qual Paulo Coelho era chamado de “o Castañeda de Copacabana” (vide Quadro Ilustrativo 2, p. 17) as vendas do autor aumentaram. O mesmo ocorreu quando o escritor passou a freqüentar a listas de mais vendidos feitas por jornais cariocas. “Entrar em determinadas listas foi a grande arma dele”, afirmou o editor. Para tanto, havia uma gestão junto a jornalistas, de modo a que eles percebessem sua continuada venda e o incluíssem nos rankings de mais vendidos. Isso teria ocorrida com a revista Veja, de divulgação nacional, de acordo com o editor.

97

Dessa forma, O diário de um mago atingiu 29ª edições na ECO (a respeito do número de edições deste livro ver também a nota 79). Porém, após Paulo Coelho ter passado a vender mais, o expediente de edições de mil exemplares foi abandonado. Por isso, segundo Mandarino, que não sabe precisar o número exato de livros vendidos, uma aproximação razoável seria multiplicar as 29 edições por três ou quatro mil exemplares, já que, apesar de algumas corresponderem a mil, as posteriores foram bem maiores. Assim, se pensarmos em três mil exemplares como número médio por edição, teríamos 87 mil exemplares vendidos na ECO, até 1990, ou seja, em três anos, quase 30 mil livros por ano, índice, sem dúvida, elevado para o padrão brasileiro. Portanto, Mandarino teve interesse em editar O alquimista, o que ocorreu em 1988, e este livro também teve boa aceitação, chegando a sete edições de três mil exemplares cada, em apenas um ano. O alquimista, por isso, continuaria na ECO caso Paulo Coelho quisesse. Nota-se, no entanto, uma contradição entre esta fala e a do escritor, pois este diz que o livro saiu da ECO “por falta de interesse do editor, já que não vendeu nada significativo, indo para a Rocco na época do Natal” (EPC). A versão do editor da ECO é diferente: Estou vendendo o livro e não vou querer fazer... Essa questão foi de outra ordem: ele queria subir. Me ameaçava toda hora: “vou para a Record”, que ia para as editoras grandes... Procurou o Paulo Rocco, embora a preferência fosse pela Record. Sempre estava me ameaçando. [...] O que acontece [sobre não manter Paulo Coelho na editora] é que eu não tinha condições, poderia crescer devagar, mas não como ele queria. Queria subir rapidamente. E encontrou no Rocco uma plataforma. (Depoimento pessoal)

Sem dúvida a Rocco foi uma boa plataforma para o autor, reforçando o peso da “mediação editorial” na popularização do autor, na medida em que esta editora possui um perfil bastante diferente da ECO, em termos profissionais e institucionais. Isto teve reflexo num conjunto de procedimentos utilizados para editar, divulgar, distribuir em determinados pontos de venda um autor como Paulo Coelho, em suma, torná-lo mais “popular”, ampliando seu mercado potencial. Assim, o primeiro livro de Paulo Coelho lançado, de fato, pela Rocco, Brida contou decididamente com a participação do editor, conforme Paulo Rocco narra: Brida nasceu no meio do ano passado [1989]. O Paulo Coelho teve a idéia para um livro Discutimos juntos as várias possibilidades. O livro não nasceu rapidamente: teve três versões que foram literalmente jogadas fora. [...] Bom, aí o Paulo conseguiu escrever o livro e tudo foi organizado, planejado e nós começamos a trabalhar o produto: paginação, corpo, tipo, número de páginas e capa. Aí preparamos a comunicação sobre o lançamento, que seria diferenciada para livreiros, jornalistas e o público em geral. Com o maior número possível de informações para cada um deles. [...] Fizemos peças

98

promocionais: camisetas, caixas de fósforo, marcadores de livro, mandamos para livreiros e jornalistas um envelope com oito peças – entrevista com o Coelho, biografia dele, foto. O livreiro sabia o que estava comprando. [...] Criamos um slogan “Este livro vai acender suas emoções”. O que é que acende? É fósforo. Então fizemos caixas de fósforo, anúncios de jornais anunciando o que era o livro: a história de uma feiticeira do século XX. [...] É, aí veio o milagre. Depois de todo esse esforço, tem gente que ainda não acredita que nós fizemos 100 mil exemplares de Brida (Paulo Rocco apud Penteado, 1990)

Além disso, a Rocco situava-se em um espaço do mercado editorial, diferente da ECO. Fundada pelo editor Paulo Rocco, em 1975, a editora “se fixou numa linha voltada para ficção, que contemplava autores estrangeiros bem-sucedidos e nacionais de prestígio” (Paixão, 1998, 191), ou seja, seu perfil era mais próximo da ampliação de mercado. Deve-se destacar ainda a nítida visão empresarial do editor, evidenciada por um catálogo aberto aos autores de “prestígio”, mas também a livros com alto potencial de venda80. A Rocco publica hoje, além de parte dos livros de Paulo Coelho (hoje editado pela Objetiva) o best-seller norte-americano John Grisham e foi a editora que lançou no Brasil a série Harry Potter. Vale notar, ainda, a atuação corporativa de Paulo Rocco, desde 1999 presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros - Snel, em prol do mercado editorial. Entretanto, paradoxalmente, o que, na análise material dos livros, num primeiro momento, mais chama a atenção nesta passagem do escritor de uma a outra editora é o fato de que há quase total similaridade entre os exemplares – mesma capa, composição tipográfica, relação entre o número das páginas e o texto, etc. – que a Rocco passa a editar. Cotejamos as edições de O diário de um mago e O alquimista da ECO e da Rocco e a única mudança é, de fato, a colocação das marcas editoriais relativas à nova editora (ver Quadro Ilustrativo 8, p. 106 e nota 79). O papel da Rocco quanto à popularização do autor não chegou a refletir-se em mudanças no texto, nem em sua forma de apresentação inicial. Porém, é clara a mudança de circuito do livro (ainda que relativa) pelo qual passa a produção de Paulo Coelho. É este aspecto que faz com que ocorra – mesmo sem nenhuma alteração nos textos – uma mudança significativa na condição do escritor. Falamos que a mudança de circuito foi relativa, pois, de acordo com o editor Mandarino, a criação da “linha esotérica” por sua editora, e principalmente a edição de 80

Mandarino conta que Paulo Rocco esteve em seu escritório, ele inclusive adquiriu os fotolitos de O diário de um mago e O alquimista, e teria comentado que seu desejo era transformar Paulo Coelho num grande best-seller. Isso explica a quase completa similaridade entre edições da ECO e da Rocco, dos livros de Paulo Coelho, que será discutida na continuidade do texto.

99

Paulo Coelho, responderam ao desejo de penetrar no mercado de livrarias sem deixar de atender o mercado da “cultura das bordas” e aumentar o número de consumidores. Isto explica a semelhança – proposital, nota o editor – entre a capa de O diário de um mago e de versão do Livro de São Cipriano editado pela própria ECO. Dito isto, devemos retornar à idéia de “cultura das bordas”; conforme Ferreira (1992, 1996), o termo descreve um espaço de produção e circulação do impresso que reside num “subsolo cultural”. Em outros termos, trata-se de uma produção sem a legitimidade da cultura oficial e hegemônica, em primeiro lugar, e que ainda que seja um produto da indústria cultural e atinja, por vezes, larga escala, caracteriza-se por resultar num bem cultural “pedido em voz baixa, sussurrado para não ser ouvido, consumido por quem o esconde na rua, camuflado entre outros materiais, e devorado na solidão ou no espaço ritual” (Ferreira, 1992, XX). A descrição é excelente para compreendermos certo tipo de produção impressa, como O livro de São Cipriano, trabalho que a autora tem em mente ao falar da “cultura das bordas”. É possível ampliar o sentido do termo, englobando produtos com algumas similaridades. Notamos que no espaço próprio (sobretudo no âmbito da produção do livro) de uma “cultura das bordas” viceja não só a recriação de saberes tradicionais e industrializados, nas quais haveria, segundo Ferreira, somente “brechas” para a criação autoral. As ficções publicadas pela ECO são um exemplo suficiente, pois há nas mesmas o autêntico desejo de criação, que por motivos diversos (no caso, principalmente a diversificação da linha editorial do selo ECO), encontra sua forma de divulgação neste espaço. Autores novatos ou que abordem temáticas próximas a este circuito poderão integrar-se a ele, mas é claro que subsiste o desejo de “ascensão” e tampouco os livros têm o caráter “secreto” do tipo de publicação mais voltada à “cultura das bordas” tradicional. A “cultura das bordas” seria portanto um espaço desprestigiado da produção editorial, envolvendo toda uma produção que se situa à margem, tanto do que é tido por “alta literatura”, quanto pelo sucesso visível81 de outros produtos culturais, melhor situados numa hierarquia simbólica do campo editorial. Em termos concretos, “vale” mais ser 81

Um exemplo interessante da “invisibilidade” de determinados produtos culturais é o Almanaque do pensamento, editado pela editora Pensamento há 85 anos. Ele é um dos maiores sucessos editoriais das bancas brasileiras, e teria vendido até hoje 21 milhões de exemplares. A tiragem de sua última edição foi de 180 mil volumes. A editora não precisa lançar dispendiosas campanhas publicitárias e de divulgação do trabalho, pois ele é aguardado por uma legião de leitores interessados nos temas abordados: “previsões astrológicas”, aspectos de diferentes religiões, conselhos de magia e saúde, entre outros. Devido ao circuito em que se aloca, o trabalho não freqüenta as listas de mais vendidos feitas pela imprensa. Sobre o Almanaque ver Barcellos, 2001.

100

editado pela Rocco do que pela ECO. E isso também do ponto de vista das condições materiais do autor. A despeito do fato de Paulo Coelho também ser distribuído pela ECO no circuito da “cultura das bordas” de acordo com o editor, suas vendas começaram nas “livrarias de nível médio. O maior volume de vendas iniciou na zona sul [do Rio de Janeiro]; no início não compraram lá [no circuito da “cultura das bordas”], só depois que ele ficou conhecido”. Paulo Coelho foi um produto menos típico da “cultura das bordas” e conseguiu ultrapassar em muito este âmbito. De fato, o tipo de relacionamento com o mercado proposto por ele era diferente do tradicional deste circuito. É significativo que Mandarino ressalte o trabalho feito por Paulo Coelho, embora fale da importância de seu trabalho, bem como do fato de ter acreditado no autor. (Dessa forma, Mandarino negou enfaticamente que Paulo Coelho tivesse contribuído financeiramente para a feitura de seus livros na ECO.) Entretanto, é certo que uma editora maior e em outro patamar profissional, como a Rocco, pôde assumir parte das tarefas anteriormente feitas pelo escritor, como questionar uma revista como Veja a respeito do volume de vendagem. A importância das listas de “mais vendidos” é grande, como afirmou o editor Mandarino, e como mostra uma interessante pesquisa coordenada por Reimão (1996a), sobre o modo como são abordados os livros nas revistas periódicas. Uma publicação, a revista Veja, opta por um critério basicamente quantitativo ao escolher os livros que serão resenhados, o que implica em um processo de mútua estimulação entre vendas no mercado livreiro e referências a um título nos demais meios de comunicação de massa, chegando à velha história do ovo e da galinha na qual é impossível discernir qual veio cronologicamente primeiro. O mecanismo de mútua estimulação se complexifica se notarmos a necessidade dos meios de comunicação de massa de se referirem àquilo que está ou tende a estar na pauta de preocupações de seu consumidores, sob o risco desse público optar por outro produto caso não seja satisfeito nas suas temáticas preferenciais. (Reimão, 1996a, 108)

Porém, em sua feitura tais listas admitem determinados recortes não contemplam os livros comercializados em bancas de jornal. Da mesma forma, publicações da “cultura das bordas” são ignoradas. É possível, pois, que isso tenha sido a causa da não inclusão de Paulo Coelho durante algum tempo na lista de Veja. Daí um dos aspectos mais importantes da passagem de um circuito a outro. Por outro lado, como vimos, a Rocco era uma editora maior do que a ECO já na época, e pode desempenhar de modo mais ativo outras dimensões em seu papel de 101

“mediadora do livro”, isto é, a divulgação, distribuição geograficamente diversificada do produto; criação de diferentes formatos para a veiculação do mesmo texto.

Da “cultura da bordas” ao “centro”, de “mago” a “escritor” Um outro ponto relevante, ligado à mudança de editora, corresponde ao fato que, assim como a natureza do público, o próprio estatuto de Paulo Coelho como autor é alterado. De modo que, longe da concepção predominante na “cultura das bordas” tradicional de autor assalariado e por vezes anônimo, num âmbito mais prestigiado do campo editorial, Paulo Coelho pôde assumir a condição plena de “escritor” – ainda que ela possa ser questionada pela crítica especializada. Porém, a despeito disso, a análise dos paratextos da imprensa sobre o autor mostra claramente como temáticas relativas à “magia” e ao “esoterismo” – mais próximas da “cultura das bordas” – vão sendo abandonadas, inclusive pelo próprio Paulo Coelho, que não parecia constrangido, inicialmente, em destacar pontos como sua suposta capacidade de “produzir vento”. Assim, numa das primeiras grandes reportagens sobre o autor na imprensa paulista, em 1990, após Paulo Coelho ter vendido trinta edições de O diário de um mago e O alquimista, grande parte do perfil biográfico realizado gira em torno de temas como estes, e o escritor, ao comentar seu encontro com seu “mestre” afirma que: “Ele contou minha vida em detalhes; disse que minha lenda pessoal – que é o porquê de nossas vidas, o sonho que temos aos 15 anos – era a magia. Eu teria que ser um mago, teria de ser, para sempre”. (apud Carelli, 1990)

Hoje, entretanto, há uma espécie de recalque dos elementos “esotéricos”, em favor do investimento em elementos mais tradicionais da figura do escritor82, ainda que próximo a temáticas “espiritualistas”. Dessa forma, é quase como conseqüência que, como vemos na epígrafe deste capítulo, a “lenda pessoal” do autor, em 1997, seja outra: tornar-se escritor. 82

Em longas entrevistas recentes (Nogueira, 2001; Godinho, 2001a) fala-se principalmente sobre a relação do autor com os leitores, da adaptação de obras para diferentes suportes, no caso da primeira; já na segunda há uma pergunta sobre o aspecto de “mago” do autor, que responde ser “fotografado mais de negro porque, estando sempre em viagem, esta é a cor mais prática, a menos afetada pelas lavanderias de hotel”. Na continuidade desta entrevista, o escritor comenta outros temas como o livro que lançara, O demônio e a srta. Prym, e responde críticas à qualidade de sua literatura. No caso desta entrevista é interessante notar o ponto de tensão ao qual já nos referimos no tratamento que a imprensa dá ao autor (com a existência de muitas perguntas “provocadoras”), e ao mesmo tempo evidencia-se, neste aspecto, um nível crítico inconsistente, quando, por exemplo, o entrevistador procura “denunciar” o fato de que a história de O alquimista lembra um dos contos das Mil e uma noites. Ora, isso é comentado no próprio prefácio deste livro.

102

A elisão dos primeiros livros do autor é igualmente natural nesses termos. Observase, ainda no depoimento do autor, na epígrafe deste capítulo, que Paulo Coelho associa seu início como escritor ao livro O diário de um mago¸ que é, como vimos, a sua, no mínimo, quarta publicação. No entanto, é interessante perceber que estes livros constituíram, num momento inicial da carreira do agente, um “capital simbólico”83 importante. Com efeito, determinadas edições de O diário de um mago e O alquimista (especificamente a 7ª da ECO, do primeiro livro, e a 11ª da Rocco, do segundo) consultadas trazem um paratexto que evidencia este fato. Nele, sob o título “Obras do autor”, são arrolados os livros que mencionamos aqui (exceto Os limites da resistência) e é só em uma edição posterior que se acrescenta ao título Manual prático do vampirismo a observação “recolhido por determinação do autor”. (Neste caso, o que ocorreu, segundo o editor Mandarino, foi que Paulo Coelho, depois de algum tempo na Rocco, comprou o estoque pertencente a ele do livro citado, não houve um “recolhimento” de exemplares de livrarias.) De modo similar, quanto à importância do acúmulo de uma obra, há o informe sobre uma inexistente segunda edição de Arquivos do inferno (segundo o próprio Paulo Coelho, ver EPC). Este capital tornou destacável – talvez indesejável – na medida em que Paulo Coelho tornou-se uma figura importante no mercado do livro, tanto no Brasil, quanto fora do país, conforme se mostra a seguir. E agora o autor pode pensar em integrar a Academia Brasileira de Letras, o que seria uma etapa final na passagem de “mago” a “escritor”. Por fim, reforçaríamos que a passagem de Paulo Coelho da “cultura das bordas” a um “centro”, frase que dá título a este capítulo, refere-se ao fato de que o trabalho do autor hoje situa-se num espaço extremamente profissionalizado do mercado editorial, no qual gravitam produtos e imagens relacionados a seu trabalho. Há, então, por tudo que foi visto, uma sensível diferença em relação ao ambiente profissional, entre a em muitos pontos precária “cultura das bordas” e este “centro” da indústria cultural vinculada ao livro na qual as condições de trabalho atuais de Paulo Coelho colocam-se e ajudam a instaurar.

83

Nos termos de Bourdieu (1990, 97), ou seja, o “capital simbólico como capital de reconhecimento ou consagração, institucionalizada ou não, que diferentes agentes e instituições conseguiram acumular no decorrer de lutas anteriores, ao preço de um trabalho e de estratégias específicas”. Um exemplo da dimensão prática deste capital, nos dias de hoje, é dado pelo fato de que as editoras preferem publicar novos autores que possuam outros escritos inéditos, o que mostraria uma capacidade de produção “profissional” (Godinho, 2001). O fato de um autor já ter editado outros livros apresenta um efeito similar.

103

Quadro Ilustrativo 6

Acervo Raul Rock Club

Os primeiros livros de Paulo Coelho

O Teatro na Educação (capas)

A Fundação de Krig-Há (capa e contracapa)

Rio de Janeiro: Forense Universitária 1ª ed. e 2ª ed., respectivamente - 1973 e 1978 - 14 x 21cm Capas: Adalgisa Rios

Rio de Janeiro: Intersong 1ª ed. [?] - 1974 - 18,5 x 30cm Capa: Adalgisa Rios

Os Arquivos do Inferno (capa e contracapa)

Manual Prático do Vampirismo (capa e contracapa)

Rio de Janeiro: Shogun ArtE 1982 - 14 x 21CM Capa: foto de R. Cheferino

Rio de Janeiro: ECO 1ª ed. - S.d.- 13,5 x 18cm Capa: Christina Oiticica

A respeito dos primeiros livros de Paulo Coelho, um ponto inicialmente destácavel é o fato de que se dirigem a diferentes públicos e isso encontra correspondência na própria apresentação. Dessa forma, um livro como O teatro na educação, mais dirigido a públicos universitários, mostra, nas duas edições acima, desenhos geometrizados, com poucas cores, num estilo sóbrio, na capa. Por sua vez, A fundação de krig-há assume um formato (quadrinhos) condizente com a comunicação com os fãs de Raul Seixas. Já um livro como o Manual prático do vampirismo indica, na capa, o direcionamento a um público interessado neste tema. É interessante notar, ainda quanto a este livro, que, na 1ª edição, de Paulo Coelho e Nelson Liano Jr., a contracapa apresenta o catálogo padrão da ECO. Assim, o título ao qual se seguem os nomes dos livros é “LIVROS DE UMBANDA, CANDOMBLÉ E MAGIA”. Ao lado, observa-se as capas das edições do livro referido, já sem Paulo Coelho como co-autor.

As edições do Manual Prático do Vampirismo, de Nelson Liano Jr. Capa e contracapa da 1ª ed. Rio de Janeiro: ECO - 1990 14 x 21cm Capa: Jorge Cassol

Capa e contracapa da 2ª ed. Rio de Janeiro: Record - 1993 14 x 21cm Capa: Jorge Cassol

104

Quadro Ilustrativo 7

A parceria com Raul Seixas Paulo Coelho e Raul Seixas, em 1972 (o escritor está à esquerda) e, abaixo, no palco, no último show do cantor, em 1989

Manifesto da Sociedade Alternativa Prefácio e Saudação Nós vos saudamos, Maria. Nós Vos Saudamos José. E nós saudamos os artistas brasileiros que tiveram o silêncio do resto do mundo quando seus trabalhos e seus corpos foram censurados, mutilados desaparecidos.

Manifesto 1- O espaço é livre. Todos têm direito de ocupar seu espaço. 2- O tempo é livre. Todos têm que viver em seu tempo, e fazer jus as promessas, esperanças e armadilhas.

Acervo Raul Rock Club

Logotipo da Sociedade Alternativa

3- A colheita é livre. Todos têm direito de colher e se alimentar do trigo da criação. 4- A semente é livre. Todos têm o direito de semear suas idéias sem qualquer coerção da INTELEGENZIA ou da BURRICIA. 5- Não existe mais a classe dos artistas. Todos nós somos capazes de plantar e de colher. Todos nós vamos mostrar ao mundo e ao Mundo a nossa capacidade de criação.

Gita, disco de Raul Seixas

As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor

Polygran - 1974 À esquerda o “imprimatur” da SA

Rio de Janeiro: Shogun Art - 1983 Capas das duas edições

6- “Todos nós” somos escritores, donas-de-casa, patrões e empregados, clandestinos e careta, sábios e loucos. 7- E o grande milagre não será mais ser capaz de andar nas nuvens ou caminhar sobre as águas. O grande milagre será o fato de que todo dia, de manhã até a noite, seremos capazes de caminhar sobre a Terra.

Saudação final do 11º manifesto.

Tela do site do Fã-clube oficial de Raul Seixas www.raulrockclub.com.br

Raul Book Livro organizado por Kika Seixas e com prefácio de Paulo Coelho Rio de Janeiro: Gryphus - 1994

Sucesso a quem ler e guardar este manifesto. Porque nós somos capazes. Todos nós, todos nós somos capazes. Raul Seixas Paulo Coelho Sylvio Passos Toninho Buda Ed Cavalcanti Christina Oiticica

A parceria de Paulo Coelho com Raul Seixas produziu alguns dos maiores sucessos do músico. Ambos idealizaram a “sociedade alternativa”, do qual restam hoje vestígios, como o seu Manifesto, redigido originalmente em 1985 e divulgado até hoje — vários sites dedicados a Raul Seixas expõem-no. O gibi-manifesto A fundação de krig-ha, escrito por Paulo Coelho e Raul Seixas também é um manifesto do grupo. Por outro lado, o tipo de comunicabilidade com grandes audiências resultado desta parceria parece refletir-se no trabalho de Paulo Coelho. Uma comunicação fácil e relativamente aberta a diferentes significados. Entretanto, Raul Seixas tem hoje, sem dúvida, no imaginário dos fãs, uma imagem consolidada de contestador e rebelde; assim, não por acaso, o grafismo do músico no site do fâ-clube, acima, faz lembrar Che Guevara. Outro documento da trajetória de Paulo Coelho junto com Raul Seixas e o livro As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor editado pelo escritor. 105

Quadro Ilustrativo 8

Os primeiros sucessos editoriais de Paulo Coelho Logotipo da Editora Eco

O Diário de um Mago (capa e contracapa) Rio de Janeiro: ECO 1ª ed. [?] - S.d.- 14 x 21cm Todas as capas desta página são de Christina Oiticica

O Alquimista (capa e contracapa) Rio de Janeiro: ECO 5ª ed. - S.d. - 14 x 21cm

Logotipo da Editora Rocco

O Diário de um Mago (capa e contracapa)

O Alquimista (capa e contracapa)

Rio de Janeiro: Rocco 45ª ed. - 1990 - 14 x 21cm

Rio de Janeiro: Rocco 11ª ed. - 1989 - 14 x 21cm

As edições dos sucessos inciais de Paulo Coelho, por sua primeira editora, a ECO, e a posterior, a Rocco, não apresentam diferenças significativas, nas capas, acima, ou entre textos e paratextos. A Rocco só mudou a cor de fundo das contracapas, tornando-as brancas. Os textos permanecem os mesmos. No caso de O diário de um mago, há um trecho do livro e uma biografia sucinta do autor, e em O alquimista, só um fragmento do livro. Nota-se que a ECO, pelo menos desde a 5ª edição de O alquimista, qualifica Paulo Coelho, na capa, como o “autor de O DIÁRIO DE UM MAGO”. Na 7ª edição, ao lado, a ECO ainda não cita o segundo livro do autor, mas destaca o número da edição, expediente também utilizado pela Rocco. Por outro lado, em O diário de um mago já há menção ao livro ser do “AUTOR DE O ALQUIMISTA”. Apesar destas similaridades, é possível pressupor que algo essencial modifica-se, ao menos parcialmente, devido à mudança de editora: o público.

O Diário de um Mago Rio de Janeiro: ECO 7ª ed. - S.d.- 14 x 21cm

106

Capítulo 4

A construção de um público: contextos, instâncias profissionais e textos Construir um público, a história da literatura ensina, é uma das operações mais complicadas da cultura moderna. Sarlo (1985, 155)

Iremos neste capítulo contextualizar a produção de Paulo Coelho em relação ao mercado editorial brasileiro e à situação da leitura no país, ao mesmo tempo em que aprofundaremos aspectos da profissionalização do escritor, relativos ao caso específico de Paulo Coelho. Por fim, analisamos os três livros do escritor, que foram responsáveis pelo início da construção do público do mesmo, isto é, as obras que inauguraram suas grandes vendagens: O diário de um mago, O alquimista e Brida. Em relação ao primeiro ponto, utilizamos dados gerais produzidos por entidades da área sobre o mercado editorial, numa perspectiva histórica, bem como informações que mostram elementos que limitam sua expansão. É inevitável, aqui, discutir a validade relativa destes dados, por fatores internos (modo de organização do dado) e externos (não cobertura de determinadas práticas) inter-relacionados, o que recomenda vigilância nas interpretações feitas a partir destes índices. Já na discussão da situação da leitura no país, fomos beneficiados pela obtenção dos dados da pesquisa Retrato da leitura no Brasil, feita por entidades ligadas à área do livro e divulgada em 2001. Após descrever alguns dos pontos e conclusões principais desta pesquisa, apontamos para o modo como representações sobre o ato de ler do brasileiro puderam projetar-se na divulgação e análise dos dados realizada por órgãos de imprensa – o que se relaciona com modos de “exclusão” do leitor e formas de ler. Depois, cruzando os dados apresentados, bem como discutindo aspectos do desempenho “profissional” de Paulo Coelho e suas editoras, apontamos para possíveis fatores explicativos da forte penetração mercadológica do autor. Dessa forma, elaboramos a hipótese de que entre os elementos responsáveis pela popularização de Paulo Coelho está o fato de sua produção ter conseguido atingir, por meio de expedientes próprios, faixas de público até certo ponto previsíveis, quanto ao crescimento tendencial do mercado local.

107

Ao fim do capítulo, após a análise do conjunto de obras do autor escolhidas, elencamos aspectos que foram abordados na etapa da pesquisa empírica, descrita no Capítulo 5, devido a esta aproximação aos textos de Paulo Coelho. Como discutiremos, é a partir de um conjunto de marcos textuais que o leitor produz interpretações – porém, as leituras são mediadas por uma série de fatores contextuais. Dessa forma, o ponto principal da análise foi, menos do que sugerir que a interpretação realizada por nós concorda totalmente com a produzida pelos leitores, elaborar hipóteses a respeito do consumo do escritor, que fossem retomadas, tanto durante a coleta de dados, quanto na fase de análise dos mesmos.

O contexto do mercado editorial e da leitura no Brasil e Paulo Coelho A análise da série histórica de dados sobre o mercado editorial brasileiro indica – sobretudo numa comparação temporal – um crescimento contínuo, demonstra também grandes possibilidades de aumento do mercado. Conforme dados da Câmara Brasileira do Livro (ver Anexo 8), no ano de 2000 foram vendidos 332 milhões de livros, contra 212 milhões em 1990, ou seja, o setor, nesse quesito, cresceu cerca de 57%. Neste mesmo período, o faturamento em dólares do setor aumentou quase 130%, passando de 906 milhões para 2 bilhões. Os dados quanto à produção de livros também mostram uma continuada progressão: em 1966 foram produzidos 43,6 milhões de livros, contra 245,4 e 329 milhões em 1980 e 2000, respectivamente. Da mesma forma, a relação livros (publicados) por habitante também apresenta melhoria: era de 0,5 em 1960; 1,3 em 1983 (IBGE apud Reimão, 2001) e, em 2000, alcança cerca de 2 livros. De acordo com a Associação Nacional das Livrarias, cada brasileiro lê (ou melhor, compra), em média, 2,3 livros por ano (apud Scolese, 2001)84. Isso certamente respalda-se numa profissionalização do setor editorial, que, segundo autores como Hallewell (1985), tem impulso a partir dos anos 60. Outro indicador relativamente positivo para a área é a diminuição do número de analfabetos e o crescimento do nível educacional. Assim, se o índice de analfabetismo em 1940 era de 57%, em 1999 foi de 13,3%. O percentual do “analfabetismo funcional” 84

A Alemanha tem o melhor índice, com uma média de 18 volumes per capta/ano, seguida pelo Japão com 15 e em terceiro lugar os Estados Unidos com 12 e, depois, a França com 7.

108

(maiores de 15 anos com escolaridade inferior a quatro anos) é superior: 29,4% (IBGE apud Folha de S.Paulo, 2001). Entretanto, uma série de problemas afeta o consumo do livro: o baixo nível de renda de grande parte da população, a insuficiente rede de livrarias (em todo o país há 2008, o que corresponde a uma média de uma para cada 84,4 mil habitantes, segundo o Anuário Editorial Brasileiro; a Argentina, por sua vez, possui uma para cada seis mil habitantes) e o número igualmente baixo de bibliotecas públicas (de acordo com o Ministério da Cultura elas eram 4665, em 1999, apud Pavão, 1999, vide Anexo 8). A distribuição geográfica das bibliotecas apresenta contrastes regionais similares a das livrarias. O estado de São Paulo possui mais bibliotecas públicas (652) do que toda a região Norte (272). Esta região apresenta uma livraria para cada grupo de 215,3 mil pessoas; no Sudeste, essa relação é de uma para cada grupo de 64,3 mil pessoas e, no Sul, a média é de uma para cada 56,7 mil, de acordo com o Anuário Editorial Brasileiro (apud Scolese, 2001). Apesar dos ganhos evidenciados numa perspectiva histórica ampla (a década de noventa praticamente não apresenta um crescimento considerável, sendo melhor caracterizada pela recuperação de mercado), uma análise mais cuidadosa dos dados da Câmara Brasileira do Livro mostra que fatores conjunturais (por exemplo, aumento em determinada matéria-prima do livro e/ou determinadas realidades econômicas vividas pelo país) afetam de modo acentuado o consumo do impresso. Assim, houve um reflexo da crise cambial no ano de 1999, com uma queda de faturamento no setor de 12,7%, em relação ao ano anterior85. Cabe também notar que existem fatores que devem relativizar os índices globais arrolados acima: a metade corresponde a livros escolares (Wassermam, 2001), de outro lado, há uma leitura que não é contabilizada por estatísticas ou é subrepresentada, de acordo com a Associação Brasileira de Difusão do Livro e das Coleções existem 22 mil vendedores de livro de porta-a-porta,

85

A atenção às condições materiais nas quais se desenvolvem as formas literárias é estratégica para prevenir interpretações errôneas. Um bom exemplo é a análise de Arantes (1982) sobre a literatura de cordel, na qual o autor mostra que a diminuição do consumo desta literatura esteve mais ligada ao aumento do preço do papel (e consequentemente dos folhetos, dirigidos a um público de poucos recursos) do que à concorrência com outras formas de obtenção de informação e entretenimento.

109

vendendo a prazo coleções e enciclopédias para leitores ávidos, mas menos abonados. Além disso, há no Brasil cerca de 22 mil bancas de jornal, que ajudam a colocar nas mãos de leitores um número impreciso de livros. Para se ter uma idéia da importância desses dois, basta analisar uma pesquisa realizada pelos alunos da Universidade Estadual do Mato Grosso na pequena cidade mato-grossense de Colider. Segundo o estudo, 25% dos moradores da cidade, que possui uma única biblioteca pública e nenhuma livraria, adquirem livros de ambulantes ou bancas de jornal. (Pavão, 1999, § 6)

Dessa forma, colocam-se para o pesquisador problemas de várias ordens que fazem com que os índices numéricos devam ser utilizados com cautela e lidos com atenção ao contexto social – inclusive o da própria produção do dado (quem produziu e como) um dos fatores que dificultam o trabalho com os índices usuais da área (principalmente a totalização realizada pela Câmara Brasileira do Livro), é a ausência de dados oficiais sobre os autores. As totalizações dividem-se em diversas categorias, mas o modo como elas são conformadas e consolidadas não favorece a clareza na legibilidade de seu significado86. Não conseguimos, nesse sentido, apurar em qual categoria a produção de Paulo Coelho é incluída (enviamos pedidos de informações aos editores, mas eles não foram respondidos, e o próprio autor não sabe a resposta a esta questão). Desse modo, se pode ser válido perceber uma correlação entre o consumo da produção de Coelho e o aumento significativo na produção de livros “esotéricos” (46 títulos e 79.296 exemplares em 1996, contra 184 títulos e 518.392 exemplares em 1998) e de “auto-ajuda” (107 e 527 títulos e 411.902 exemplares e 2.177.009 exemplares em 1994 e 1998, respectivamente) (vide Anexo 8), este não é ponto seguro, porque, ademais, são pouco claros os critérios que fazem com que um livro esteja em uma categoria (são as próprias editoras que enviam os livros nas categorias para a totalização final). Além disso, há a questão da produção que não é eventualmente informada, ou sequer alvo de consulta, e portanto não recoberta por este levantamento. Retornando ao caso específico de Paulo Coelho, o número mais atual que localizamos sobre a venda de seus livros, divulgado pela revista Época, menciona 32 milhões de exemplares vendidos no mundo todo, até março de 2001. E também informa-se que o autor foi editado em 120 países e traduzido em 45 línguas (Época, 2001; note-se que tais índices são os mesmo constantes na página oficial na internet do autor e em site da agência literária ao qual ele está vinculado).

86

Uma crítica aos dados estatísticos sobre a leitura no Brasil em termos similares aos nossos é desenvolvida por Abreu (1999).

110

Admitindo a hipotética relação de que 1/3 do total tenha sido vendido no Brasil87, teríamos mais de 10 milhões de exemplares em circulação no mercado local desde 1987 (data de lançamento de O diário de um mago). Tem-se, pois, uma razão aproximada de 700 mil exemplares vendidos ao ano, em média, número dos mais expressivos face à realidade editorial exposta anteriormente. De modo que, um único autor, fora do setor didático, teria sido responsável por cerca de 0,2% do movimento de venda de livros no país durante a década de 9088. Outras informações mostram a força mercadológica do escritor: o último livro de Paulo Coelho, Histórias para pais, filhos e netos vendeu 46 mil exemplares na primeira semana que chegou às livrarias e bancas de jornal (canal de distribuição que não é tão comum) do país (Nunes, 2001) e a tiragem inicial do livro O demônio e a srta. Prym foi de 210 mil exemplares (Sereza, 2000), quando dificilmente uma primeira edição ficcional, nos dias de hoje, ultrapassa dois mil exemplares. No entanto, menos do que significar somente o poder de atração do autor sobre os leitores, estes dados colocam em destaque, mais uma vez, o papel da “mediação editorial”. Paulo Coelho escreve textos que são manufaturados em livros, processados com determinadas características (inclusive de preço, não casuais) por editores. Estes operam ainda na distribuição do livro (questão central como já vimos e conforme será reforçado pela argumentação adiante) e na sua divulgação. Nesta última instância, os editores contam com a decidida colaboração do escritor. Além disso, embora não pretendamos nos voltar diretamente para o contexto mundial de circulação do escritor, é interessante notar que seus números são, nesse âmbito, também expressivos, o que faz com que a obra de Paulo Coelho possa ser vista como uma expressão da “mundialização cultural” (Moraes, 2001, Ribeiro, 2001). Moraes (2001) nota que se o the big four – o quarteto formado pelos escritores best-sellers Stephen King, Michael Crichton, John Grisham e Tom Clancy – admitir um novo sócio, Paulo Coelho certamente será um candidato. Cada autor do grupo citado possui um faturamento anual entre US$ 30 e US$ 60 milhões (Moraes, 2001, § 35-36).

87

Que é a situação que ocorreria em 1998, quando dos 20 milhões de livros vendidos pelo autor, 7 milhões teriam sido no mercado brasileiro (Camacho, 1998, 95). Entretanto, mostrando o quanto se deve desconfiar dos dados, em outra reportagem sobre o autor, posterior, quando ele teria atingido 27 milhões de exemplares, o número de exemplares vendidos no mercado local “diminui” para 6 milhões (Época, 2000, 103). 88 Nestes cálculos, utilizamos os dados constantes na tabela sobre produção e venda de exemplares no Brasil, inserida no Anexo 8.

111

Retornaremos a alguns dos pontos da discussão sobre Paulo Coelho e o mercado editorial brasileiro na conclusão deste tópico; agora, nos voltaremos à importante pesquisa Retrato da leitura no Brasil.

Retrato da leitura no Brasil Esta pesquisa foi feita sob encomenda e financiada pelas seguintes entidades ligadas à área do livro: CBL - Câmara Brasileira do Livro, Bracelpa - Associação Brasileira de Celulose e Papel, Snel - Sindicato Nacional dos Editores de Livros e Abrelivros - Associação Brasileira de Editores de Livros; a empresa que executo-a, coletando dados entre dezembro de 2000 e janeiro de 2001, foi a A. Franceschini Análises de Mercado. Pioneira no estudo da leitura no Brasil, sob uma amostragem que visou a representatividade total da população brasileira com mais de 14 anos e pelo menos três anos de estudo escolar (um universo estimado de 86 milhões de pessoas), o trabalho teve como objetivo principal “identificar a penetração da leitura de livros no Brasil e o acesso a livros” (CBL/Bracelpa/Snel/Abrelivros, 2001, 189). Naturalmente, por ser a primeira pesquisa nacional do gênero (projeta-se que ela passe a ser repetida a cada dois anos), a interpretação dos dados não contou com o auxílio de série histórica. Porém, o levantamento identificou características importantes das práticas da leitura no Brasil, de modo que iremos correlacionar alguns de seus dados e conclusões para discutir certos aspectos do êxito mercadológico de Paulo Coelho. A pesquisa construiu/identificou quatro “tipos empíricos” de leitor: -

O leitor corrente, 14% da população com mais de 14 anos e 3 anos de escolaridade, conjunto estimado em 12 milhões de leitores – liam um livro no dia da entrevista;

-

Os compradores, que seriam 20%, cerca de 17,2 milhões de pessoas – o critério de identificação foi a compra de pelo menos um livro no ano de 2000;

-

O leitor efetivo, 30% da população pesquisada, cerca de 26 milhões de leitores – haviam lido pelo menos um livro nos últimos três meses;

89

Tivemos acesso a um conjunto de slides com os dados da pesquisa, assim, as citações referem-se ao número de slide do documento. Vale notar que inserimos algumas tabelas desta pesquisa, aos quais fazemos referência na continuidade do texto, no Anexo 8.

112

-

Os que costumam ler, 62%, grupo estimado em 53 milhões de leitores – brasileiros alfabetizados maiores de 14 anos que declararam que “costumam ler” livros.

Trabalhando com as variáveis sexo, idade, escolaridade e classe econômica (A = faixa de renda maior que R$ 2994; B = renda entre R$ 1065 e 2943; C = R$ 497 a R$ 1064; D = R$ 263 a 496,00 e E = até R$ 262) a pesquisa indica que o comprador típico pertence aos grupos B e C, que somam 12 milhões de leitores, e o comprador típico possui ou cursa o ensino médio. A compra média declarada é de 5,92 livros por ano, do que resultam 1,21 livros por adulto alfabetizado (nos termos da pesquisa: maior de 14 anos, com 3 anos de escolaridade). Outra informação importante é relativa aos locais de compra, a pesquisa demonstra que, embora as livrarias sejam o principal local (57%), na medida em que diminui a faixa de renda aumentam os índices de outras alternativas (banca de jornal, igreja, vendedor de porta em porta, entre outros). Relação parecida ocorre quanto ao tamanho das cidades: quanto menor, maior o peso de canais alternativos às livrarias. As motivações principais para a compra de livros são a “obtenção de conhecimento” (30%), ter momentos de “distração e lazer” (22%), “evoluir espiritualmente” (17%) e “dar de presente” (14%). Os homens citam mais a primeira motivação do que as mulheres, e o contrário ocorre com as seguintes. Daí que a pesquisa diga que o “homem busca informação e ascensão profissional e a mulher busca mais ‘paz interior’ e presentear” (CBL et al., 2001, 32). O principal bloqueio à compra do livro é econômico (57%), devido ao custo do livro ou falta de recursos para comprá-lo. A “falta de estimulação” (“informação”, “indicação” e “solicitação formal da escola/empresa”) vem a seguir com 31%. Já a posse do livro é desigual, refletindo a distribuição de renda do país, assim, 18% da população possui 73% dos livros (de qualquer natureza). Os principais gêneros de leitura citados pelo leitor corrente (os 12 milhões que liam um livro na época) foram: “literatura adulta” (29%), “religião” (20%), a Bíblia (18%) e livros de “filosofia e psicologia” (que incluía o gênero auto-ajuda) (19%). De modo que a leitura religiosa é bastante presente, ao todo, 38% dos leitores consumiam-na, sendo mais característica das mulheres, com 45%, contra 31% dos homens. Os grupos com menores rendas, maior idade e menor escolaridade lêem mais livros religiosos, enquanto a

113

“literatura adulta” tem mais público nas faixas de leitores com menor idade, maior escolaridade e melhor condição econômica. Quanto a estas duas últimas variáveis (escolaridade e renda) destaca-se também a grande leitura de livros de formação científica e técnica no grupo das maiores rendas. O acesso aos livros lidos é feito, em partes iguais, pela compra e por outros meios (por biblioteca: 8% dos leitores; recebem da escola: 4%), do que se conclui, em função do baixo poder aquisitivo da maioria dos leitores e da posse desigual de livros, que diferentes estratégias podem ser desenvolvidas para facilitar o consumo, entre outras, o aumento da rede de bibliotecas e medidas para baratear as edições. Em termos do leitor efetivo, 30% da população pesquisada que leu um livro nos três meses anteriores à pesquisa, verifica-se que, entre estes 26 milhões de leitores, há um maior acesso ao livro na fase escolar, quanto à idade, e que existe uma “decisiva influência do grau de instrução na leitura e o público com ensino médio é o maior mercado leitor” (CBL et al., 2001,60). Quase como uma conseqüência, a apreciação da leitura é maior nos grupos com mais escolaridade e estratos de renda maiores, daí que se possa concluir que a apreciação da leitura possui “total dependência da escolaridade” e “forte dependência do poder aquisitivo” (idem, 69). Nesse sentido, as ações para a melhoria do padrão educacional e nível de renda (num plano estrutural) e programas para aumentar as possibilidades de acesso ao livro tenderão a aumentar os índices relacionados à apreciação da leitura. Sendo que tais ações provavelmente responderiam também aos problemas de acesso ao livro anteriormente arrolados (“bloqueio econômico” e “ausência de estímulo”). Estas questões são estratégicas já que entre o leitor efetivo (30%) e os que costumam ler (62%) projeta-se um mercado potencial de 27 milhões de leitores. É importante ressaltar que a pesquisa Retrato do livro no Brasil desfaz o senso comum de que o brasileiro não lê, embora mostre com clareza os obstáculos envolvidos na apropriação do livro. E estes são maiores do que em relação a outros tipos de impresso, pois se os leitores habituais de livros (costumam ler) são 62%, os de jornal são 68% e de revistas 75% (CBL et al., 2001, 73). De outro lado, em levantamentos similares realizados em Portugal e França, o grupo equivalente à categoria leitor efetivo da pesquisa brasileira alcançou 37% da população portuguesa (3 milhões de leitores) e 49% da francesa (23,5 milhões de leitores).

114

Dado o histórico de país subdesenvolvido do Brasil, nossos 30% de leitores que tiveram acesso a algum livro nos últimos três meses estão longe de representarem um índice baixo. Ao mesmo tempo em que, em números absolutos, apontam para um mercado potencial (já existente) de 26 milhões de leitores, maior que o dos dois países mencionados (CBL et al., 2001, 88).

A interpretação da pesquisa pela imprensa Algo curioso, entretanto, ocorre na divulgação dos dados da pesquisa pela imprensa, na comparação entre diferentes matérias transparece uma disparidade de interpretações. Isso pode ser explicado, no nosso entender, devido ao fato de que tomadas de posição sobre o ato de ler interpõem-se entre os dados, com freqüência; daí que, embora a pesquisa Retrato da leitura no Brasil não conclua que o “brasileiro não gosta de ler”, “não encontra prazer na leitura” ou que simplesmente não leia, várias reportagens e editoriais destaquem em títulos e/ou no corpo de texto termos como estes (cf. Angiolillo, 2001; Ferreira, 2001; Jornal do Commercio, 2001; Zero Hora, 2001). Outros veículos adotam um tom mais descritivo e próximo à essência da pesquisa (Alves, 2001; Correio Riograndense, 2001; Diário do Nordeste, 2001; Meira, 2001; Pavão et al., 2001; Sereza, 2001, 2001a). Apenas duas das matérias localizadas preocupam-se em ouvir estudiosos da área para compreender os dados (Alves, 2001 e Pavão et al., 2001). E é justamente na fala de uma das especialistas, citada em uma das matérias, que se encontra uma recomendação central (e que justifica nossa discussão em torno das apropriações da pesquisa). Após dizer que o número de leitores efetivos é maior do que o imaginado e bastante alto, a professora e pesquisadora Regina Zilberman comenta que isso “impede um discurso vitimista de escritores e editores” (apud Alves, 2001, § 4). No nosso juízo, tão negativo quanto este discurso é o caráter conservador que tem a interpretação errônea. Dizer que o “brasileiro não gosta de ler” (tese sem suporte nos dados da pesquisa) praticamente implica numa realidade contra o qual há pouco a fazer, além de procurar desenvolver o “gosto”, nos que não o têm. Pelo contrário, ao interpretamos com mais rigor a pesquisa, o que transparece são dificuldades estruturais (condição econômica e educacional de parte da população), que incitam à ação todos os que acreditam na importância do ato de ler.

115

Nestes termos se encaminhava a reflexão de Abreu (1999) que bem antes da divulgação da pesquisa Retrato da leitura no Brasil90, questionava a noção de que os brasileiros lêem pouco, e também uma concepção dogmática da leitura, que ignora modalidades de apropriação diferentes das configuradas pela literatura erudita. E, com efeito, entende a leitura como prática que deve ser entendida no contexto da estrutura social, do que decorre a seguinte proposição: Ao invés de criar programas para convencer as pessoas a ler determinados livros, para difundir o “prazer” de ler, é fundamental que se garanta a todos o acesso aos bens culturais, o que se faz não apenas alfabetizando a população, garantindo escolas e bibliotecas públicas de qualidade, mas também enfrentando as violentas desigualdades sociais brasileiras. Um desempregado, um faminto, não pode se interessar pela “viagem” proporcionada pelos livros, pelo conhecimento de si e do mundo proporcionado pela alta literatura. Talvez ele se interesse pelo Guia do Trabalhador, livro de auto-ajuda escrito por um metalúrgico desempregado, impresso às suas próprias expensas, que já vendeu 1000 exemplares. (Abreu, 1999, § 8)

É somente ao negar modos de ler como este, sob a pressuposição que a única leitura legítima é a de alta literatura, que se pode retirar da pesquisa das entidades do livro a conclusão de que “o brasileiro lê pouco”. Dessa forma, a diversidade nas modalidades de impressos consultados, conforme a pesquisa mostra, vão ao encontro daquilo que é expresso por Abreu, no sentido de que o campo das práticas de leitura deve ser alargado. Existem 22 tipos de gêneros textuais lidos ou consultados pelos leitores pesquisados nos últimos 12 meses, entre eles, os “religiosos”, 43%; “didáticos”, 33%; “dicionários”, 29%; “poesias”, 23%; culinária, 22%; quadrinhos, 21%; livros infantis, 21% e, depois destes gêneros, os romances nacionais e internacionais, 19% (CBL et al. 2001, 75-77). Ao mesmo tempo, deve-se notar, há uma “imagem de importância e valorização social” na percepção do livro, que embora seja “distante e conflitante com a atitude pessoal frente à leitura” (CBL et al., 2001, 79) sugere a compreensão, em termos particulares e na medida em que as condições sociais permitem, do valor da apropriação do livro, por parte da população. É exatamente neste contexto que a leitura de Paulo Coelho situa-se, no Brasil, e, por conseguinte, iremos agora correlacionar alguns dados dentre os que foram descritos até aqui com o sucesso mercadológico do autor.

90

Em verdade, antes da pesquisa Retrato da leitura no Brasil, a Associação de Leitura do Brasil (ABL) propunha a realização de um Censo de Leitura (que seria feito sob a responsabilidade da própria Márcia Abreu), para “banir idéias pré-concebidas sobre competências de leitura e sobre circulação dos livros, jornais e revistas” (Abreu, 1999, § 10). De certa forma, a pesquisa comentada aqui cumpre este papel.

116

A profissionalização do escritor e a construção de público Agora, ao mesmo tempo em que discutiremos os dados expostos, iremos resgatar a idéia de profissionalização do mercado editorial e em especial das práticas editoriais relacionadas a Paulo Coelho. Isto irá permitir percebemos certas relações entre tais informações e o trabalho do autor, de modo mais claro. A proposta não é afirmar simplesmente que as vendas de Paulo Coelho resultam de um “fenômeno de marketing”, mas sim salientar o fato de que poucos escritores assumem o trabalho ampliado do autor na sociedade de massa como ele. Para tanto, o autor tem amparo de editoras e outros atores (agências de divulgação, assessoria de imprensa, livreiros) que se situam no mesmo patamar de profissionalismo assumido por ele. A capacidade de Paulo Coelho trabalhar conforme as regras do mercado é visualizada inclusive pelos críticos internacionais, assim, Gorendeler (2000, 1) comenta que ele, é um administrador talentoso, que dá um novo significado à expressão “usina literária”. Sua página pessoal na internet é mais profissional que a de muitas companhias aéreas. A meia milha de sua residência, um escritório informatizado que assemelha-se a uma agência de publicidade sofisticada toma conta de seu negócio. E seu departamento de marketing é situado em Barcelona. As editoras e agências literárias internacionais sabem que ele cumprirá encontros e contratos. De fato, tudo, inclusive a própria escritura, é cultivado fora. O retrato romântico de “pobre poeta” não se aplica a ele, definitivamente.

Desta forma, é natural que Paulo Coelho conte possivelmente com dez pessoas trabalhando em prol de seus negócios, controlando direitos, assessorando-o no trato com a imprensa e leitores, aprovando produtos ligados ao seu nome ou a criação de outros formatos: e-book, página na internet, agendas, entre outros (a respeito destes produtos ver o Quadro Ilustrativo 9, p. 143). E mesmo que o percentual de renda proporcionado pelos produtos derivados não seja significativo, segundo afirma o autor, em relação aos ganhos propriamente literários (vide EPC), estes produtos servem como meio de possibilitar a ampliação do público, mantê-lo, mas não esgotá-lo. É possível, notar, neste sentido, que o próprio ritmo de edição do escritor aparenta corresponder a um cálculo mercadológico como este. Observa-se que os livros dirigidos à maioria dos leitores (que poderíamos chamar das “ficções e/ou relatos” do autor) são lançados no mercado a uma razão que parece preocupada em não saturá-lo (dois em dois anos); porém a média de lançamento de livros cai quando a estes trabalhos somam-se as adaptações e coletâneas. Neste caso, entretanto, o livro dirige-se a públicos menos amplos,

117

os livros possuem então um caráter mais específico de “auto-ajuda” ou “pensamento positivo” (sobre a produção de Paulo Coelho, ver o Quadro Ilustrativo 11, p. 145). De modo similar, em relação à ampliação do público, deve existir uma estratégia do próprio autor para promover-se, pois o trabalho do escritor que se propõe a atingir públicos expressivos não consiste apenas na tentativa de escrever sob parâmetros que visem à máxima comunicação (ponto que será focalizado no próximo tópico deste capítulo). Esta tarefa relaciona-se também à preocupação que o escritor deve ter em divulgar seu trabalho, tornar-se conhecido como autor de determinado tipo de livro, em outras palavras, reconhecível e distinto dentre a série de produtos culturais oferecidos ao público. É exatamente o que ocorre no caso de Paulo Coelho. Tão notável quanto a disposição da imprensa para tratar do autor é o empenho do mesmo – expresso, por exemplo, no fato possuir uma assessoria de imprensa, realizar conferências, aparições, dê entrevistas – para divulgar-se. De outro lado, é significativo que ao justificar sua saída da Rocco e ingresso na editora Objetiva, a partir de 1996 e do livro O monte Cinco, Paulo Coelho diga que: Por distorções do mercado, o escritor brasileiro sempre teve um misterioso complexo de inferioridade diante dos editores, como se estivessem fazendo um favor de publicá-lo. [...] Mudei de editora porque quis valorizar o meu trabalho, achei que o perfil do meu novo livro exigia uma campanha publicitária de peso, que a Rocco não quis bancar. Eu acho que mereço que meu livro chegue ao Acre e que tenha boa divulgação. (apud Comodo, 1996, § 4)

Esta profissionalização do escritor, preocupado com a questão da publicidade e da distribuição de seu produto está bem longe da idéia do autor criativo isolado do mundo. E relaciona-se com a disposição do próprio Paulo Coelho, ao qual nos referimos, para encarnar a figura do escritor best-seller – portanto sem a “aura” do único ou do escritor para poucos. Em verdade, o autor deseja ser conhecido por grande contingente de público, “popularizado” pela imprensa e outros meios que se utilizam de sua imagem e obras. A descrição do comportamento do escritor durante uma internacional de feira de livros no México é ilustrativa: Além do café literário e da homenagem a Jorge Amado – que ele jura não ter nada a ver com sua campanha para a ABL –, ele faz uma palestra para uma platéia de 300 pessoas. Antes de embarcar para Guadalajara, no final da semana que vem, ele faz palestras em universidades mexicanas, e será recebido com honras de estadista em um jantar com a primeira-dama do país. (Werneck, 2001a, § 6)

118

Quando percebemos que entre os motivos que bloqueiam a aquisição de livros, conforme a pesquisa Retrato da leitura no Brasil, está a “falta de estímulo”, além das dificuldades econômicas (razão principal declarada), vemos a importância que pode ter a promoção de um autor. Neste caso, principalmente pelo fato dos leitores afirmarem que um dos elementos da “falta de estímulo” é não possuir “informação” sobre livro a comprar. Este ponto articula a profissionalização do escritor ao reconhecimento da importância dos meios de comunicação na sociedade moderna, como espaços privilegiados de contato do autor com seu público. Isto não ocorre só com Paulo Coelho, a maioria dos editores deseja ter em seu catálogo autores com trânsito em diferentes mídias, escritores que conquistem um público fiel. Como comenta uma reportagem sobre a Bienal do Livro de 2001: Transformar os escritores em popstars parece ser o objetivo atual dos editores. “O leitor que começou com um livro, por se identificar com um autor específico, vai querer ler outras coisas”, diz o dono da Cia. das Letras, Luiz Schwartz, que tem entre seus contratados autores como o cubano Pedro Juan Gutiérrez e Patrícia Mello. “A Patrícia é interessante porque é jovem e tem um trabalho conhecido em outras mídias, como cinema e teatro. Já o Gutiérrez é um fenômeno que forte carisma pessoal e está virando cult”, diz o editor. Paulo Rocco, dono da editora Rocco e presidente do Sindicato Nacional das Editoras (Snel), também aposta nessa glamourização. “Antes só queríamos saber de vender nas feiras. Agora estamos mais preocupados com a promoção. Quanto mais sessões de autógrafos, melhor”, garante. (Araújo, 2001, § 6)

Dentro deste contexto, que destaca o papel da “promoção” como um modo de propiciar a “informação” ao leitor e estimular vendas, a televisão ocupa um lugar estratégico, sendo reconhecida pelos editores como um meio eficaz para tanto. Não só para divulgar um autor ou livro específico, mas para promover atitudes positivas em relação ao consumo desse produto. Isto é manifesto nos termos, um tanto pitorescos, de um relatório de um órgão da área que, ao indicar “formas para atingir o leitor”, sob o tópico “televisão”, comenta que: a CBL e o SNEL poderiam procurar influenciar as mídias e/ou os próprios autores de novelas para estimulá-los a criar “personagens que lêem livros” e não apenas que andam de lancha, jet ski e outras frivolidades da vida. Uma campanha poderia ser deslanchada vinculando a leitura à imagem de sucesso profissional, social, de relacionamento e, porque não, sexual. [...] Por último, foi considerada a possibilidade do jornalista Pedro Bial, já bastante ligado ao livro, se tornar lobista da indústria junto à TV. (Snel, 1999, § 22-24)

Logo, tanto melhor, se um autor transita neste veículo e em outros, já que nas livrarias o interesse do público é logo sentido. A gerente da [livraria] Argumento, no Rio de Janeiro, Anna Averbuck, diz que há um crescimento expressivo nas vendas quando o

119

livro aparece na mídia, seja em jornal, revista ou programa de televisão. “Sempre que uma obra era citada na novela Laços de Família, por exemplo, os telefones não paravam de tocar. Ligavam leitores até de Minas Gerias, lembra. (Jornal do Snel, 2001, § 8)

Numa perspectiva de mais longa duração, a importância dos meios de comunicação, e em particular da televisão, verifica-se também, conforme indica a análise de Reimão (2001) sobre os best-sellers de ficção no Brasil entre os anos de 1990-2000. De modo que, neste período, vários autores nacionais listados entre os mais vendidos (João Ubaldo Ribeiro, Luiz Fernando Veríssimo e o próprio Paulo Coelho) eram colaboradores regulares de jornais e determinadas obras haviam sido adaptadas para a televisão ou seus autores tinham forte presença neste meio, como Jô Soares e Marcelo Rubens Paiva. Ainda sobre a importância da TV, Reimão (2001) mostra que devido ao caráter dominante deste meio de comunicação no Brasil, as listas de mais vendidos incorporam, desde pelo menos os anos 70, “textos com forte correlações com o universo televisivo” (Reimão, 2001, 11). Por fim, a autora conclui justamente na direção proposta, de que “a televisão estaria ajudando a romper o círculo de desinformação que isola o potencial leitor do universo da literatura” (idem, 14). Observamos também uma tentativa de minorar, em parte, o “bloqueio econômico” de acesso ao livro quando editores propõem formas diversas de um mesmo texto para diferentes públicos. Este é um modo de procurar responder a dificuldades econômicas dos leitores, através das edições “econômicas”, bem como um meio de atender diferentes tipos de leitores. Vemos, portanto, a correção das palavras de Chartier (1999b, 17): os “autores não escrevem livros: não, eles escrevem textos que se tornam objetos escritos, manuscritos, gravados, impressos e, hoje, informatizados”. Ao mesmo tempo, os editores buscam uma distribuição ampliada dos livros (não por acaso hoje feita também em bancas de jornal); e chegam a diversificar formatos (quadrinhos, coletâneas), investindo ainda em publicidade (a respeito destes temas ver o Quadro Ilustrativo 10, p. 144), a fim de tornar mais conhecidos os lançamentos91. O que, no caso brasileiro, como vimos a partir dos dados da

91

Quanto ao sucesso internacional de Paulo Coelho e as estratégias dos editores, são muito interessantes os depoimentos transcritos em Freitas (1998, 31-37). Observa-se, aí, como também a relação entre livros e mídia é importante, bem como a participação do autor e a distribuição a partir de procedimentos específicos de divulgação do livro junto aos comerciantes. Vale notar que, em parte como no Brasil, é O alquimista que começa a tornar o autor um grande vendedor de livros no exterior; por outro lado, a expansão internacional só ocorreu após Paulo Coelho ter consolidado sua posição no mercado local.

120

pesquisa Retrato da leitura no Brasil, principalmente quanto à distribuição do livro, é uma questão importante. Além disso, por parte de outros intermediários, como os livreiros, há uma capacidade de adaptação às demandas do público, com grande sentido de oportunidade. Dessa forma, frente ao interesse dos leitores pelos livros do Dalai Lama92, promoção recente (janeiro de 2002) da livraria virtual Submarino propõe a compra conjugada dos livros Frases de Paulo Coelho e Palavras de sabedoria do líder tibetano. Outra possível correlação da pesquisa Retrato da leitura no Brasil com o leitor de Paulo Coelho está no fato de que o leitor efetivo caracterizado, os que leram um livro até três meses antes da pesquisa citada, consiste majoritariamente, em números absolutos, em indivíduos com ensino médio (ou seja, 10 milhões de pessoas, contra 4 que têm ensino superior). Assim, ao notarmos o crescimento do número de ingressantes e concluintes93 deste nível, é possível pensar na “produção de leitores” por meio do sistema educacional. Por hipótese, leitores com um baixo capital cultural familiar – talvez os primeiros ingressantes da família no ensino de nível médio, possivelmente com poucos ou mesmo sem livros em sua residência, dada a posse desigual desse bem, demonstrada também pela pesquisa citada. Dessa forma, projeta-se, talvez não para todo o público de Paulo Coelho, mas com certeza para uma parte do mesmo a caracterização de “novo leitor”. Um “novo leitor” que é menos afeito ao cânone literário tradicional e ao mesmo tempo, potencialmente atraído por uma literatura de teor, em termos narrativos (como veremos, a seguir), pouco complexo. A pesquisa de Freitas (1998) sobre os leitores de Paulo Coelho, que tem, como discutimos no Capítulo 2, somente valor indicativo, aponta para 41% de leitores com até o segundo grau (Freitas, 1998, 37). Como a estratégia dessa pesquisa envolveu o envio de

92

Este fato aponta novamente para o interesse do público brasileiro por temas religiosos, os livros do Dalai Lama têm ainda um forte componente de “conforto espiritual”, o que os aproxima também da “auto-ajuda”. Segundo pesquisa realizada em livrarias do Rio de Janeiro e São Paulo, o líder tibetano teria alcançado 40% do percentual de compra de livros de não-ficção, entre maio e junho de 2001 (cf. Folha de S.Paulo, 2001a). Quanto a esta questão, a importância do livro religioso nos índices globais, são relevantes as observações feitas por Raul Wasserman, presidente da CBL, no sentido de explicar o fato não só pelo interesse específico dos leitores, mas também pelo de que: “As igrejas incentivam a leitura e livrarias especializadas foram construídas dentro dos templos” (Bergamo, 2001, E2). Dessa forma, nota-se que a questão do acesso ao livro é resolvida além do componente de motivação. 93 Os ingressantes nesse nível foram 1,1 milhões em 1971; 2,8 milhões em 1980; 3,7 milhões em 1990 e 5,7 milhões em 1996. Já os concluintes passam de 585 mil em 1984 a 959 mil em 1996 (Martins, 1998, 81). Assim, o crescimento do ingresso no período 1971-1996 é de 418% e o do número de concluintes do segundo grau de 1984 a 1996 é de 63%.

121

questionários, é possível pressupor que os índices dos leitores com menor escolaridade (e possivelmente menos propensão a responder e enviar um longo questionário) estejam subrepresentados. Por outro lado, este survey não se preocupa com a trajetória educacional familiar, o que poderia ser um elemento para caracterizar melhor esse possível “novo leitor”. É claro, pois, que este tema – uma vez identificado – passou a orientar nossa investigação empírica com leitores e voltaremos a este tema no próximo capítulo. É interessante discutir esta hipótese à luz da discussão sobre os “novos leitores” dos países desenvolvidos, em determinada medida por contraste. Segundo Petrucci (1999), nas áreas culturalmente mais adiantadas (Estados Unidos e Europa) vai ganhando terreno uma forma de leitura de massa que alguns propõem definir precipitadamente como “pósmoderna” e que se configura como “anárquica”, egoística, egocêntrica, baseada num único imperativo: “leio o que bem entendo”. (Petrucci, 1999, 218)

Tal prática decorreria da crise das estruturas que regulavam uma preexistente “ordem da leitura”, responsável por incutir certas bases e justificativas à apropriação do livro: a escola como pedagogia da leitura no interior de determinado repertório de textos autoritários [o cânone]; a Igreja como propagandista da leitura dirigida a fins devocionais e morais, a cultura progressista e democratizante que via na leitura um valor absoluto para a formação do cidadão ideal. (Petrucci, 1999, 218)

Haveria, nesse contexto, ainda, aspectos ligados à alfabetização de massa, responsável por, nos países citados, existirem mais leitores hoje do que há trinta ou cinqüenta anos, bem como uma crise de oferta da indústria editorial “diante de uma demanda caoticamente nova em termos de gostos e em termos numéricos” (Petrucci, 1999, 218). No caso brasileiro, é difícil notar um papel tão forte, quanto nos Estados Unidos e na Europa, da escola, da Igreja (embora ela possa ser um fator importante na motivação para o consumo do livro, vide nota 92) ou da “cultura progressista” na estruturação de uma “ideologia da leitura” configurada pelas instâncias referidas. Dessa forma, a possível “anarquia” da leitura de Paulo Coelho por leitores brasileiros parece, de início, não corresponder a um contraste que implique na “recusa” de um campo de referência quanto a práticas de leitura. (Os termos dessa “anarquia” referemse ao fato de que, como veremos no próximo tópico, a obra de Paulo Coelho distancia-se de valores que, desde a modernidade, definem o “literário”.) Esta hipótese sobre a leitura, entretanto, merece mais análises e bases, e será possível, pois, observar como isso ocorre junto aos sujeitos pesquisados.

122

Outro dado da pesquisa que possivelmente colabora na compreensão da leitura ampliada de Paulo Coelho é o conjunto de gêneros textuais de leitura corrente dos brasileiros. Nota-se que os principais temas de leitura, isto é, a “literatura adulta”, os “livros religiosos” (incluindo a Bíblia) e os livros de “filosofia, psicologia” (no qual a auto-ajuda tem forte presença) podem ser relacionados com a literatura de Paulo Coelho. Como discutiremos adiante, o escritor produz obras que têm na narrativa o principal elemento, assim podem ser enquadradas no campo da “literatura adulta”, porém o elemento religioso, “místico”, dos livros também existe, bem como tendência às frases feitas e de teor prescritivo da “auto-ajuda”. Assim, existe uma coincidência entre os interesses dos leitores e um texto que ultrapasse gêneros específicos, mas todos apreciados pelo público brasileiro. Outro ponto que merece ser retido é o tipo de motivação para a compra de livros, de acordo com a pesquisa que temos mencionado. Embora nela, a rigor, o que talvez pareça mais próximo ao universo de Paulo Coelho sejam a “distração e lazer” ou a “evolução espiritual”, obtivemos, na pesquisa empírica, resultados que aproximam a leitura do autor também de uma “obtenção de conhecimento”. Detalharemos este ponto, o que os leitores entendem por isso, no próximo capítulo. Ora, quando percebemos que entre os motivos para a ausência de consumo de livros, além das dificuldades econômicas para a aquisição do impresso (que é a razão principal declarada), está a “falta de estímulo”, na qual a questão da “informação” que os leitores têm sobre o livro é importante. Este aspecto ganha relevo, portanto, e dá mais uma dimensão importante à relação do escritor com os meios de comunicação. Nenhum esforço de marketing, entretanto, é capaz de assegurar a “popularidade” – no sentido mercadológico do termo, isto é, a capacidade de atingir grandes públicos – de um escritor por si só, sobretudo num período tão continuado de tempo, como no caso de Paulo Coelho. Os elementos a respeito da profissionalização do autor e demais agentes do mercado editorial vistos aqui são importantes; certamente outros autores com potencial de diálogo com largas faixas de público perecem na “cultura das bordas” ou outros espaços da produção editorial. Mas é claro que esse potencial diz respeito a determinada textualidade, capaz de despertar interesse e proporcionar prazer ou outro fator adicional de motivação para a leitura; daí a necessidade de nos determos em alguns trabalhos de Paulo Coelho, etapa que realizaremos no próximo tópico. Construir um público é, sem dúvida, uma tarefa

123

complexa, para o qual concorrem vários fatores, e entre estes o texto ocupa um lugar também importante.

Análise dos primeiros sucessos de Paulo Coelho Não há nada mais aberto do que um texto fechado. Só que a sua estrutura aberta é efeito de iniciativa externa de um modo de usar o texto, e não de ser suavemente usados por ele94. Eco (1986, 42)

O que procuramos fazer aqui, menos do que uma análise exaustiva das obras de Paulo Coelho, é uma aproximação que permita delinear algumas característica do “leitor modelo”95 (Eco, 1986) dos livros O alquimista, O diário de um mago e Brida. Neste trajeto, temos a preocupação em demonstrar a estrutura narrativa estas obras, o que irá evidenciar a forte iteratividade (pelo menos quanto aos livros analisados) que marca a produção do autor. Ainda quanto a este ponto, procuramos apontar para um conjunto de valores que é veiculado nestes livros, constituindo a armadura ideológica do esqueleto narrativo. Outro aspecto visado é o exame material dos livros, que igualmente relaciona-se com a pré-figuração do leitor, realizada pelo escritor e produtores dos livros. Por fim, iremos discutir a questão (em vários momentos, sugerida) sobre o gênero destes textos. Dessa forma, intentamos visualizar, em parte ou pelo menos por hipótese, os vínculos entre estes textos e os leitores, potencialmente responsáveis pelo consumo dos mesmos. Ressaltar a parcialidade da análise é importante, pois os textos “nunca existem em completo isolamento. Eles se tornam significativos no contexto das relações sociais que os produzem e os consomem”, de modo que o “significado não é algo dado ou que

94

É neste sentido que Eco fará a distinção entre “uso livre de um texto aceito como estímulo imaginativo e a interpretação de um texto”, na medida em que a “noção de interpretação envolve uma dialética entre estratégia do autor e resposta do Leitor-Modelo” (Eco, 1986, 43). No entanto esta questão é complexa, pois o leitor pode, por vezes, “encontrar no texto aquilo que o autor era insciente, mas que o texto de algum modo divulgava”, sem falar nos casos da “decodificação aberrante”, comentadas por Eco, neste mesmo trecho (Eco, 1986, 154). 95 A categoria leitor-modelo “constitui um conjunto de condições de êxito, textualmente estabelecidas, que devem ser satisfeitas para que um texto seja plenamente atualizado no seu conteúdo potencial” (Eco, 1986, 45), ou, em termos mais concretos, o tipo de leitor que o autor tem em mente. “Um texto que começa com ‘Era uma vez’ envia um sinal que lhe permite de imediato selecionar seu próprio leitor-modelo, o qual deve ser uma criança ou pelo menos uma pessoa disposta a aceitar algo que extrapola o sensato e o razoável (Eco, 1994, 15).

124

pode ser tomado por certo, mas é fabricado por sistemas de códigos, convenções e signos historicamente mutáveis” (Strinati, 1999, 112 e 115). Entretanto, buscar uma interpretação da leitura de Paulo Coelho a partir da análise de algumas de suas obras não é inútil. Em particular, porque compreender o “popular” na leitura de Paulo Coelho, isto é, os elementos de apropriação que se articulam à sua fruição por certo grupo de leitores, implica entender o texto como uma instância a partir da qual as interpretações necessariamente decorrem. Em outros termos, as “aberturas” interpretativas dos leitores ocorrem somente dentro de limites, mais ou menos amplos, configurados por estruturas textuais. A escolha dos livros a serem analisados, O diário de um mago, O alquimista e Brida, está relacionada ao fato de que eles (principalmente os dois primeiros) são os trabalhos que consolidaram a posição do autor no mercado editorial e também são as obras pelas quais os leitores do autor costumam ter preferência96. As tarefas a que nos propomos permitem, portanto, construir hipóteses sobre a recepção de Paulo Coelho, que confrontaremos com os dados da pesquisa empírica, discutidos no próximo capítulo, de modo a sondar a liberdade interpretativa do leitor discutindo a distância entre “leitor-modelo” e leitor empírico.

A “literatura de consumo” Entre os traços mais comuns do que chamaremos de “literatura de consumo” – isto é, aquela dirigida para um grande público – estão a simplicidade formal, com valorização do enredo (seqüência narrativa), a baixa problematização dos valores dos receptores e a redução dos conflitos e das contradições a esquematismos (bons/maus, alegria/tristeza), nos quais o desenlace tenderá a “favor do bem, definido, este, nos termos da moralidade, dos valores e da ideologia corrente” (Eco, 1991, 25). É possível incluir os trabalhos analisados, como veremos, dentro desta categoria, devido à existência de tais aspectos. O termo que utilizamos, “literatura de consumo” é praticamente intercambiável com outros como “romance popular”, conforme Eco (1986) ou “literatura de entretenimento” (Paes, 1990). Porém, preferimos utilizá-lo ao invés destes, pela relativa 96

A esse respeito ver Freitas (1998), cujo survey, numa questão sobre os livros preferidos dos leitores, de modo geral, apresenta, nos três primeiros lugares, respectivamente: O alquimista, Brida e O diário de uma mago. Resultado similar é encontrado em nossa pesquisa, mostrada no próximo capítulo.

125

neutralidade do termo “literatura de consumo”, pois, como nota Sarlo, a bipartição do universo literário (na qual os termos citados opõem-se à “literatura culta”), que caracteriza ambos tem uma premissa historicamente indemostrável e participa, sobretudo, de uma concepção substancialista da literatura. A densidade experiencial, moral, ideológica e formal da literatura culta é, sem dúvida, uma de suas tradições, mas não a única. Por outro lado, textos que se difundiram amplamente em circuitos populares, não careceram, em todos os sentidos, dessa problematicidade formal e ideológica cuja ausência assinala Eco no folhetim europeu e também caracteriza a maioria de sua versões americanas. (Sarlo, 1991, 35)

Como já dissemos, este não é um trabalho em Teoria Literária; não temos a pretensão de situar Paulo Coelho dentro ou fora do âmbito literário, da literatura culta. Procuramos, sim, elementos para compreender sua ampla aceitação, portanto o termo “literatura de consumo” é adequado. Esta caracterização responde a um tipo de trabalho como o de Paulo Coelho, que busca maximizar a comunicação com o público, mas justamente por isso, afasta-se dos valores da literatura “legítima”, que, a partir da modernidade, preza a originalidade, a problematização da estrutura textual e do leitor97. É possível observar que a primazia do eixo da comunicação, em detrimento da complexidade formal, é destacada pelo próprio escritor. Ao falar sobre seu trabalho, ele faz uma defesa de seu estilo, que visa um “diálogo direto com o leitor” (Coelho, 2001, 21)98. Nesse sentido, é evidente que seus textos levam em consideração o fato de que a recepção de mensagens culturais apresenta, sempre, o problema das destrezas necessária para o manejo dos textos ou artefatos. Quanto maior for sua complexidade formal e sua densidade ideológica, mais requisitarão um público que domine um conjunto de disposições adquiridas. (Sarlo, 1991, 35)

Assim, a “literatura de consumo”, que se quer “popular” por atingir largas faixas de público, deverá geralmente apelar para características como as inicialmente descritas, sobretudo em relação a um público como o brasileiro, com largos contingentes de consumidores potenciais com baixo repertório literário ou, nos termos de Sarlo, “disposições adquiridas”. Claro que é necessário caracterizar como isto ocorre no caso de Paulo Coelho, a partir dos livros analisados, e que implicações podem ser retiradas do ponto de vista do receptor. 97

A este respeito, desta vez opondo uma literatura “trivial” à literatura “culta” da modernidade, ver Zilberman (1984). 98 O fato de que Paulo Coelho (2001) relacione este estilo a uma “nova concepção de estrutura”, que acredita filiar-se a autores como José Lins do Rego, Aluísio Azevedo, Lima Barreto e Machado de Assis, tem aqui, pelas razões expostas, pouca importância para nossa argumentação. Interessa mais caracterizar traços de sua textualidade do que compará-lo a outros autores ou discutir seu valor frente a um cânone.

126

Os esquemas narrativos: iteratividade e apaziguamento Iremos inicialmente demonstrar a estrutura subjacente aos livros analisados, para tanto utilizaremos, de modo particular, o modelo proppiano baseado nas funções narrativas, isto é, as unidades mínimas do conto (no nosso caso, dos livros), caracterizadas como “o procedimento de um personagem, definido do ponto de vista de sua importância para a ação” (Propp, 1984, 26). Assim, as funções destacam elementos relevantes do narrativa (em termos de “fábula”, ponto ao qual retornaremos adiante), permitindo construir um esquema pertinente a ela e determinar invariantes numa série. O conjunto de funções, mostra Propp, perfaz uma trajetória na qual uma situação de carência ou dano é reparada e o fim do relato tende a (re)estabelecer uma situação de equilíbrio. No caso dos livros analisados, há claramente um estrutura de base praticamente comum, o que reforça seu caráter esquemático. Abaixo, mostramos a reconstrução típica de como isso ocorre em O diário de um mago, O alquimista e Brida. Adaptamos e simplificamos o modelo proppiano das funções99, na medida em que os próprios livros assim o permitem, e chegamos ao esquema narrativo, composto pelos seguintes elementos quase invariantes (salvo tópico F, inexistente em Brida). A. Herói busca reparar uma perda ou carência (DM: recuperar espada; A: encontrar tesouro; B: aprender magia). B. Herói recebe auxílio de ajudantes secundários (DM: Mm. Derill, padre Xavier, demônio pessoal; cordeiro; A: cigana, Rei de Salém, dono da loja de cristais, “deserto”, “vento”, “sol”, “Mão que Tudo Havia Escrito”; B: dono de livraria, Mago, Lorens, mãe). C. Herói encontra ajudante-chave (mestre) (DM: Petrus; A: Alquimista; B: Wicca). D. Mestre ensina habilidades ou procedimentos para capacitar o herói (DM: práticas de RAM; A: ouvir o coração, “linguagem do mundo”; B: exercícios para introduzir Brida na Tradição da Lua). E. Mestre propõe tarefas e provas qualificantes ao Herói, que são cumpridas por ele (DM: subir cachoeira, levantar cruz, A: prova da coragem do herói, encontrar vida no deserto e transformar-se em vento; B: ter relação sexual intensa; sonhar com um vestido).

99

Dessa forma não utilizamos sempre a nomenclatura de Propp, preferindo termos mais próximos do material, da mesma forma, seria possível anotar outras funções, como a “transmissão de objeto mágico” (existente nos livros) ou desconsiderar o item C (que não é propriamente uma “função”), porém, para os objetivos da análise – reconstruir o esquema dos livros e focalizar invariantes – a adaptação do modelo foi válida.

127

F. Herói luta ou vence desafio contra antagonistas (DM: cão Legião; A: homens do deserto que o prendem, o que se relaciona ao item E, também; B: não há). G. Reparação da perda ou carência (DM: herói encontra espada; A: herói encontra tesouro; B: heroína tornar-se feiticeira). O esquema admite redundâncias e inversões, como mostra o modelo completo de O diário de um mago: AB1CD1D2B2D3D4B3F1D5D6F2D7E1D8D9F3D10E2D11B4G; porém, o certo é que há um percurso que restabelecerá o equilíbrio narrativo. O quanto a existência de esquemas caracteriza formas de literatura de consumo ou folclóricas é algo bastante conhecido (cf. as análises de produtos da indústria cultural feitas por Eco, 1970). Porém, nem sempre isto ocorre a partir do modelo “simples” dos relatos que se evidencia nas obras de Paulo Coelho. Este modo de produção textual pode ser melhor compreendido a partir da distinção entre fábula (ou história) e enredo. Fábula é o esquema fundamental da narração, a lógica das ações e a sintaxe dos personagens, o curso de eventos ordenado temporalmente. [...] O enredo, pelo contrário, é a história como de fato é contada, conforme aparece na superfície, com as suas deslocações temporais, saltos para frente e para trás [...], descrições, reflexões parentéticas. Num texto narrativo o enredo identifica-se com as estruturas discursivas. Eco (1986, 85-86)

O que ocorre no caso dos livros de Paulo Coelho analisados é que a fábula projetase fortemente sobre o enredo, e ambos são pouco complexos (em Brida, porém, há maior complexidade.) Caso extremo de simplicidade narrativa são “os contos de fadas, que são chamados ‘formas simples’ porque têm apenas uma história, sem enredo” (Eco, 1994, 40). Chamar a atenção para este aspecto é importante, menos do que por sugerir que Paulo Coelho escreve “contos de fada” modernos, mas, inicialmente, por demarcar uma diferença entre a produção do autor e outros tipos de literatura de consumo. Assim, o folhetim tradicional, por exemplo, apresenta alto contraste em relação a este padrão, ainda que possua também esquematismos de base (no nível da fábula). Como se sabe, isso pode ser explicado pelo modo de produção a partir de uma lógica comercial, que exigia contínuos episódios100. Dessa forma, o folhetim possui uma “estrutura sinusoidal” (ou seja, momentos de tensão/desenlace da tensão, contínuos), enquanto os livros de Paulo Coelho

100

Mas este “abalo ‘informativo’” do folhetim, nota Eco (1970, 270), também adquire sentido diante da previsibilidade do sistema social da sociedade burguesa oiticentista, que tornaria os leitores mais propensos ao modelo de contínua estimulação do formato, produzido neste período.

128

possuem uma “curva constante”, há uma unidade de interesse no relato que se reflete num enredo pouco complexo (a respeito destes modelos de enredo ver Eco, 1970, 193-194).101 Existem momentos de tensão/distensão nos livros de Paulo Coelho, porém, eles colaboram na progressão da narrativa básica (fábula) que desenvolve-se com poucos sobressaltos até a meta, a reparação do dano ou carência. A partir de um esquema, como vimos, praticamente invariável. Assim, outra importante implicação deste elemento da construção do texto é que ele projeta um prazer na leitura relativo ao “senso de repouso, distensão psicológica”, propiciado pela iteratividade do esquema, já que o leitor encontra continuamente e ponto por ponto, o que já sabe [...] o prazer da nãoestória, se é que uma estória é um desenvolvimento de eventos, que nos deve levar de um ponto de partida a um ponto de chegada, ao qual jamais teríamos sonhado chegar. Um prazer, em que a distração consiste na recusa do desenvolvimento dos eventos, num subtrair-se à tensão passado-presente-futuro que nos retira para um instante amado porque recorrente. (Eco, 1970, 268)

É claro que a configuração do leitor-modelo (elemento puramente textual) neste caso prevê uma capacidade de tirar prazer do apaziguamento provocado por este tipo de estrutura. O quanto (e em que nível) esta construção é percebida pelo leitor empírico é uma boa questão. No entanto, é certo que a previsibilidade das estruturas textuais inscreve no leitor-modelo a mais típica “estrutura de consolação” (Eco, 1970, ), ou seja, a capacidade de identificação do leitor com o herói e seus problemas resultará sempre num desenlace que tenderá à “tranqüilidade do esperado”. Ao fim do caminho de Santiago, por mais que o herói possa questionar o próprio sentido da jornada, que o afastou de uma série de afazeres cotidianos, ele encontrará a espada. O pastor de O alquimista poderá achar fútil a motivação de sua Lenda Pessoal, um sonho, mas alcançará o tesouro. E, por mais que Brida questione a validade de seu desejo, ao fim, ingressará numa tradição esotérica. Em todos os casos, pois, o final possui as características do happy end que, conforme Morin, propicia uma identificação entre receptor e herói, e se “inscreve numa concepção articulada da vida. Esforçando-se para expulsar a tragédia, o happy end se esforça, ao mesmo tempo, para exorcizar o sentimento do absurdo e da loucura dos empreendimentos humanos” (Morin, 1975, 82).

101

Retomando um ponto sugerido na Introdução, a respeito da telenovela Brida, cabe notar que a “estrutura sinusoidal” exige a existência de antagonista(s), para produzir contínuos conflitos. Esta contingência do esquema atinge a telenovela, gênero herdeiro do folhetim, daí os “ganchos” utilizados nesse formato narrativo, como instrumentos para dar conta da fragmentação narrativa (cf. Balogh, 1996, 152-154). Devido a este ponto, na adaptação de Brida para a televisão, houve a transformação de um personagem que é, no livro, um “ajudante secundário” da heroína em “antagonista” (vilão), o Mago.

129

A previsibilidade do esquema tem sua contrapartida na transparência, procura de clareza, quanto ao estilo. Frases curtas e diretas, poucas descrições, de modo a priorizar a narrativa, dão agilidade ao texto. O universo lexical também projeta um “leitor modelo” de capacidades medianas, as palavras pertencem ao universo vocabular comum e o autor poderá perder parágrafos para descrever, por exemplo, o que é um alquimista. Os erros gramaticais dos livros de Paulo Coelho já foram notados por vários críticos (por exemplo, Maestri, 1999, 30; Perissé, 1998, 38-42); menos do que retomar este tipo de análise nos termos comuns (“péssimo escritor”), é importante atentar para o caráter oralizado da produção de Paulo Coelho, para o qual este tipo de erro aponta. Por outro lado, ter um mente um tipo de leitor-modelo de capacidades medianas conduz o texto a explicar informações relevantes para compreensão dos relatos principais e outros enredos. Isto ocorre, por exemplo, em relação ao que é o caminho de Santiago e quem foram os templários em O diário de um mago, o que foi o movimento religioso dos cátaros em Brida. Por isso, um leitor empírico com um repertório limitado poderá acompanhar os livros, numa única leitura. Apaziguamento, iteratividade e happy end conjugam-se nos livros que analisamos, projetando uma modalidade de recepção na qual estes elementos serão pontos importantes da fruição. No próximo tópico discutiremos também como o esquema conduz o tempo narrativo, no nível do enredo, novamente reforçando os elementos vistos aqui. E, para que se torne mais clara a redução a partir da qual chegamos ao modelo apresentado, na próxima página mostramos uma tabela com a estrutura simplificada do enredo, de cada livro. Na tabela, caracterizamos a “situação inicial” do enredo e notamos a existência de um “clímax narrativo”, anterior (exceto no caso de Brida) à reparação do dano que foi o fator de desencadeamento da fábula. Este “clímax”, que corresponde a um momento de degradação do herói (DM e A) prepara a reparação da carência. Vale notar que em Brida, o “clímax” diz respeito à resolução de um enredo secundário. Este topos102 (degradação do herói, seguida pela reparação da carência), entre 102

“O topos, como módulo imaginativo, é aplicado nos momentos em que certa experiência exige de nós uma solução inventiva [no caso, como preparar a conclusão do livro], e a figura evocada pela lembrança substitui exatamente um ato compositvo da imaginação que, pescando no repertório do já feito, se exime de inventar aquela figura ou situação que a intensidade da experiência postulava” (Eco, 1970, 232). Outros exemplos de topos nos livros analisados: o “clímax” de Brida, no qual o Mago fala uma “frase de um velho filme que assistira” (B, 284), a subida da cachoeira em O diário de um mago (DM, 155-160) na qual o herói percebe que a tarefa era menos difícil do que imaginava e praticamente todo o livro O alquimista, que reconta uma lenda pertencente às Mil e uma noites. Naturalmente o topos só é entendido como tal se o leitor tem um repertório intertextual que assim o permita.

130

Quadro Descritivo IV – Estrutura simplificada do enredo dos livros de Paulo Coelho analisados O diário de um mago

O alquimista

Brida

Situação inicial

Apresentação do Herói (narrador), cerimônia que situa tempo (1986) do relato e espaço do ritual (Rio de Janeiro).

Situa Herói (pastor, Santiago) e espaço inicial da narrativa (igreja).

Apresenta desejo do personagem (“Quero aprender magia”) e situa heroína (Brida), temporal e espacialmente (Irlanda, 1983-84).

Dano/ carência

Herói (narrador) não recebe espada no ritual; é informado que terá que encontrá-la ao percorrer o caminho de Santiago.

Herói sonha com um tesouro e resolve partir em busca do mesmo.

Brida deseja aprender magia.

Desenvol- Herói vai à França para iniciar jornada e é ajudado por Mme Derill; encontra vimento

(1ª Parte) Cigana que diz para Herói ir ao local do sonho; Rei de Salém promete Petrus que o guiará e ensinará as ajudá-lo em troca de ovelhas, diz que ele “práticas de RAM” ao longo do relato deve ler “sinais” e lhe dá duas pedras; (práticas são auxílio do Herói para Herói vai a África e é roubado, perde seguir caminho); Herói é apresentada a todo dinheiro; consegue emprego com padre-bruxo que reza por ele; Herói um mercador de cristais; (2ª Parte) Herói aprende com Petrus a invocar convence mercador a fazer melhorias na “mensageiro” (novo ajudante); loja; acumula dinheiro e despede-se; primeira luta com o cão Legião pensa em voltar a ser pastor, mas resolve (demônio), descoberta de “dom”; ir até o lugar do tesouro (pirâmide); parte assistem casamento e falam sobre numa caravana junto com Inglês que amor; segunda disputa com cão; Petrus procura o Alquimista; lê livros de propõe prova ao Herói (subida da alquimia do Inglês; caravana pára num cachoeira); luta final com Legião oásis; procura Alquimista com Inglês e (Herói vence); Petrus propõe outra encontra Fátima, por quem se apaixona; prova (levantar cruz); Petrus despede- Herói tem visão sobre ataque ao oásis e se do Herói; Herói vai a ritual onde não avisa os chefes; Alquimista vai a seu se torna mestre. encontro e testa sua coragem; previsão confirma-se e Herói e recompensado; novo encontro com Alquimista que fala do tesouro; nova prova deste a Herói (encontrar vida no deserto); Herói despede-se de Fátima; viaja tendo Alquimista como guia; são detidos por homens do deserto; Alquimista diz que herói pode transformar-se em vento (prova); Herói pede ajuda a Sol, Vento e consegue cumprir a prova, sendo libertado (vence desafio); Alquimista despede-se do Herói; este chega à pirâmide mas é roubado.

(Verão e outono) Brida vai ao encontro de Mago da Floresta e pede que ele ensine-lhe magia; Mago submete Brida a provas; Brida procura livreiro e pede ajuda, livreira dá a ela o endereço de Wicca; ela ensinará a Brida práticas com vistas introduzi-la na Tradição da Lua; encontro com Lorens; em ritual, conduzido por Wicca, Brida descobre seu dom; Brida faz regressão ao passado e descobre que fez parte da igreja cátara e morreu queimada; Brida conta experiência a Wicca; novo encontro com Lorens, falam sobre “mistérios”; novo encontro com o Mago que ensina Brida a rezar e aspectos da Tradição; (Inverno e primavera) Wicca inicia Brida nos primeiros mistérios da feitiçaria, pede para que Brida faça um punhal: Wicca ensina Brida a dançar e leva-lhe a ritual; Brida consegue ouvir Vozes; Wicca propõe prova para iniciá-la (ter relação sexual intensa); terceiro encontro com Mago, que lhe dá conselhos para cumprir a prova; passeia com Lorens e consegue cumprir tarefa; conta para Wicca que fala em mais uma prova: Brida deve sonhar com um vestido; Brida encontra com Mago e faz sexo com ele; (sonha com vestido, dado implícito); encontra com mãe e conversa com ela.

“Clímax”

Retorno ao caminho, com decepção por não ter encontrado a espada, pensamentos sobre o que fazer com ela; subida à montanha para orar e encontro com cordeiro.

Espancando pelos ladrões, um deles ironiza motivo do Herói ter ido até a pirâmide e conta que teve o mesmo sonho, mas não saiu do lugar para ir até igreja onde estaria um tesouro. Herói entende que tesouro está no local de onde ele saiu.

Após o Sabbat (no qual há a reparação da carência) Brida torna-se mestra da Tradição da Lua, ela resolve ficar com o Mago, mas este diz para que ela fique com Lorens.

Reparaçã o do dano/ carência

Herói segue cordeiro e encontra a espada, junto com seu Mestre.

Herói volta à Espanha e encontra tesouro na igreja.

Durante Sabbat de iniciação Brida tornase feiticeira e conhece seu dom.

Epílogo

Num hotel, Herói pensa em voltar ao Brasil e escrever um livro sobre experiência.

Herói pensa em ir ao encontro de Fátima. Wicca conversa com o Mago e lamenta não ter sido sua Outra Parte.

131

outros, colabora para caracterizar a produção de Paulo Coelho, novamente, como típica de uma literatura de consumo.

Os elementos materiais do livro, os paratextos, o enredo e o tempo narrativo Descreveremos aqui os livros citados, sob o ponto de vista da constituição especificamente física dos volumes e de composição dos elementos gráficos, dos seus paratextos e da relação entre enredo e tempo narrativo, retomando aqui elementos já abordados no tópico anterior. Cotejamos, para tanto, O diário de um mago e O alquimista, nas primeiras edições da ECO e edições da Rocco (a provável 1ª edição e a 45ª; a 5ª edição e a 11ª, respectivamente), já quanto ao livro Brida, utilizamos uma edição da Rocco (89ª). Ao observarmos as capas dos três livros nota-se a procura de uma unidade visual, que propicie uma identidade autoral ao conjunto. Há uma predominância do tom escuro, o nome do autor é colocado na parte superior da face e o título do volume – em corpo de texto maior abaixo, mais próximo ao centro. Este padrão é iniciado por O diário de um mago, e relaciona-se ao primeiro circuito do livro e sua primeira editora, como já comentamos. E, de fato, o desenho da cruz presente na capa parece possuir um vínculo menos direto com o livro do que a pintura de Caravaggio que é visualizada em O alquimista – há uma narração sobre o mito de Narciso – e a foto de uma fogueira em Brida – a heroína teria morrido queimada, numa vida passada. A construção da unidade autoral do conjunto de textos é ainda reforçada pelas remissões existentes, logo abaixo do nome do autor, em diferentes edições, conforme Paulo Coelho publica e vende mais títulos. Dessa forma, a 89ª edição de Brida falará no “autor de O DIÁRIO DE UM MAGO e O ALQUIMISTA”. As capas mostram os logotipos das editoras e marcas referentes às edições o que, como também já vimos, corresponde à tentativa de tornar o próprio livro um anúncio publicitário. A contracapa de todos os livros apresenta um trecho do texto do livro (O alquimista) e informações sobre o autor (O diário de um mago e Brida). As orelhas mostram pequenos resumos/textos sobre os livros e, na orelha da contracapa, a biografia do autor, sempre com uma foto ou desenho do escritor. A própria existência desse elemento da estrutura material é fator de relativa sofisticação – sobretudo em relação ao catálogo padrão da ECO.

132

Em termos de tipografia, a relação tamanho de tipo e entrelinha favorece a legibilidade, sendo maior que a usual, o que certamente indicia a preocupação, no próprio âmbito material, com o alargamento do círculo de leitores. (É uma estratégia análoga que faz com que a editora Objetiva lance, em 1996, duas versões do livro O monte Cinco, a normal – não econômica –, com 188 páginas, e outra, composta numa tipografia maior, com 284 páginas.) Assim, em termos de comparação, nota-se que este aspecto nem sempre é favorável nos livros comuns da ECO, que, provavelmente por economia, possuem corpo de texto menor. O mesmo ocorre com a mancha de texto (área impressa), que não apresenta uma utilização tão intensa quanto em edições menos preocupadas com a estética da página, bem como, com constrangimentos econômicos. Percebe-se, com efeito, uma clivagem entre os títulos de Paulo Coelho na ECO e as outras publicações desta editora, inscrita na própria materialidade dos livros. Tanto assim, que a Rocco manteve-as de modo quase integral (exceto a colocação das marcas editoriais desta editora e pequenos detalhes) (para uma comparação entre as capas dos livros editados pela ECO e Rocco ver o Quadro Ilustrativo 8, p. 106). A estrutura de composição textual completa de cada um dos livros é mostrada é a no Quadro descritivo na próxima página.

133

O diário de um mago

O Alquimista

Brida

__

__

Trechos de textos elogiosos ao autor, por críticos e escritores internacionais - pp. 2-3

Folha de rosto - p. 3

Folha de rosto - p. 3

Dados da editora, livro - p. 3 (ECO) Dados editora, livro - p. 4 (ECO) Dados editora/ ficha catalográfica; p. Dados editora, livro e caixa postal 4 (Rocco) para correspondência com autor - p. 4 (Rocco)

Folha de rosto - p. 5 Dados da editora, livro/ ficha catalográfica - p. 6

Relação de obras do autor - existente Relação de obras do autor - existente Relação de obras do autor, endereço apenas na ed. ECO - p. 4 apenas na ed. Rocco - p. 2 para correspondência e página na internet - p. 4 Prefácio de Claudia Castello Branco - pp. 5-7

Prefácio - pp. 7-11

Prólogo - pp. 11-12

Dedicatória - p. 9

Dedicatória - p. 12

Dedicatória - p. 7

Prólogo (e desenho do mapa do Caminho de Santiago) - pp. 13-18

Prólogo - pp. 15-18

Verão e Outono - 22 fragmentos (capítulos) - pp. 15-124

15 capítulos nos quais se distribuem 11 práticas de RAM (exercícios) pp.; 19-244

Primeira Parte - 17 fragmentos (capítulos) e 2 ilustrações - pp. 17-80

Inverno e Primavera - 45 fragmentos (capítulos) - pp. 125-286

Epílogo - pp. 245-246

Epílogo - pp. 243-247

Sumário - pp. 247-248

Pt x.

Texto

Paratextos

Quadro Descritivo V – Estrutura de textos e paratextos nos livros de Paulo Coelho analisados

Segunda Parte - 34 fragmentos (capítulos) e 23 ilustrações - pp. 81242 __

__

É interessante notar que mesmo no plano da organização textual, conforme mostra o Quadro, existe semelhança nos livros analisados, em muitos aspectos: todos têm uma epígrafe bíblica, um prefácio (“prólogo” no caso de Brida) no qual o autor escreve sobre o livro e um tipo de desenvolvimento parecido em relação ao texto da narrativa. Por outro lado, o exame das diferenças também é significativo; podemos ver, pois, que a existência da “relação de obras” no caso da 1ª edição de O diário de um mago e na 11ª de O alquimista deve ter procurado denotar um “capital” por parte do autor, conforme os termos já vistos. Já a não existência dessa relação na edição de O alquimista feita pela ECO pode indicar que, no mercado do Rio de Janeiro, o autor já fosse bastante conhecido. Na edição de O alquimista (11ª edição, 1989) da Rocco existe menção a uma caixa postal para contato do escritor com seu público e, no caso de Brida (numa 89ª edição, de 1998) há também o endereço da página na internet de Paulo Coelho – algo raro no âmbito 134

brasileiro, o que demarca um índice da profissionalização do escritor, fato ao qual aludimos há pouco. É possível inferir que a longa lista de elogios às obras do autor, inserida no início do livro Brida, seja uma tentativa de resposta às críticas quanto à qualidade literária do escritor, feitas principalmente no Brasil. Dessa forma, é natural que, entre os dezenove fragmentos selecionados de jornais e revistas não exista nenhum comentário veiculado em meio de comunicação local. É como se houvesse o desejo de mostrar a aprovação internacional aos críticos brasileiros. Outro aspecto interessante dos paratextos é o modo como, nas fichas catalográficas, os mesmos são classificados. As edições da ECO não as possuem, bem como as edições consultadas de O alquimista. Porém, existem em O diário de um mago e Brida, sendo o primeiro livro classificado como “ocultismo”, e o segundo “romance brasileiro”. Nota-se, pois, a tentativa de modificar o âmbito preferencial da leitura, e consequentemente o estatuto do escritor, conforme os livros sucedem-se. A existência de uma epígrafe bíblica em O diário de um mago, assim como nos outros livros, não é estranha ao texto e à cosmologia do autor, que, como já foi observado, funde uma série de elementos de diferentes procedências. Dessa forma, o narrador do livro pergunta, após conhecer um padre que seria bruxo, qual a relação entre a “Magia e a Igreja”, Petrus responde: “Tudo” (DM, 55). Outros exemplos da tendência eclética dos livros é a crença do herói de O alquimista na validade de todas as religiões, aspecto também existente em Brida. Retomaremos este ponto, a seguir, articulando-o à forte dimensão material do universo mágico-espiritual nas obras de Paulo Coelho aqui analisadas. Por enquanto, porém, vamos retornar à análise da materialidade do livro e aos paratextos. Exceto Brida, os livros aqui descritos possuem ilustrações, no caso das edições comentadas, elas são em preto e branco. Assim, em O alquimista há 23 ilustrações que retratam situações do livro (personagens, objetos) e, de modo particularmente criativo, num determinado momento, articulam-se à própria narrativa. O que ocorre do seguinte modo: algumas ilustrações sobre tratados de alquimia são distribuídas no livro num momento em que, no plano da narrativa, o herói estaria lendo tais livros (A, 128-132, 135138). Isto cria uma identificação entre o leitor e o herói, na medida em que ambos estariam

135

vendo a mesma coisa. (Este efeito de sentido é perdido na edição ilustrada por Moebius, que é mais tradicional, do ponto de vista do diálogo entre texto e imagens.) Já O diário de um mago possui apenas uma ilustração, um desenho correspondendo ao mapa do caminho de Santiago. No entanto, os textos relativos às “práticas de RAM” – os exercícios ensinados ao herói por Petrus, ligados à ordem religiosa correspondente à sigla – são emolduradas por um desenho com elementos que remetem à simbologia do livro (conchas, por exemplo) e situam-se sempre numa única página, isolada de outros textos. A explicação sobre estes exercícios ocorre num espaço à parte, porém, próximo ao trecho do livro em que é feita a menção ao exercício. Nota-se, inclusive, que no Sumário (único no conjunto) existente no livro os exercícios são também listados, de modo a propiciar uma consulta mais prática, a partir deste elemento. O diário de um mago é o único livro visto aqui que possui uma divisão em capítulos tradicional, os demais livros fracionam igualmente a narrativa, mas sem a preocupação de dividir o texto sob capítulos com título. Há, porém, nos dois casos, uma divisão do texto em duas partes. O tamanho médio de páginas dos capítulos/fragmentos dos livros é o seguinte: 14 para O diário de um mago e 4, tanto para Brida, quanto para O alquimista. Verifica-se, pois, uma diminuição dos trechos, de acordo com a continuidade do trabalho de Paulo Coelho. Estes fragmentos podem, por vezes, como ocorre nos dois últimos livros citados, ocupar poucos parágrafos e uma única página ou encerrar uma pequena história à margem do enredo principal. Esta divisão, por isso, parece possibilitar, com maior facilidade, uma leitura descontínua. Ainda quanto aos paratextos, o prefácio de O diário de um mago, escrito por Claudia Castello Branco (uma astróloga carioca que dera cursos com o escritor) é bastante elogioso, o texto destaca aspectos do livro e evidencia a metáfora básica da jornada: “A maravilha deste livro é que ele é uma promessa de que com seu pé e seu passo você é absolutamente capaz de fazer seu caminho, de atingir seu sonho e conquistar sua espada” (DM, 5). Já o prefácio de O alquimista, do próprio Paulo Coelho, assinala o caráter “simbólico” do livro, e o fato de que ele corresponderia a um livro de ficção, ao contrário de O diário de um mago. Este ponto, o discurso sobre o caráter “documental” do relato, é importante para o autor, a ponto de aparecer inclusive na contracapa do livro. O prólogo de Brida funciona como um prefácio e nele o autor conta que a história narrada foi escrita a partir do que ouviu de “Brida O´Fern”, reforçando novamente supostos vínculos dos livros com a realidade.

136

Os prólogos propriamente ditos dos outros livros correspondem ao início dos relatos, mas podem referir-se diretamente ao primeiro momento do enredo principal (DM) ou não (A), Brida não possui prólogo, começa no ponto de partida do enredo principal, na primeira parte do livro. Brida, conforme comentamos, possui uma articulação entre tempo narrativo e enredo principal mais complexa do que os outros livros, da mesma forma seus enredos secundários têm mais destaque. Assim, quanto ao primeiro ponto, a relativa complexidade do tempo narrativo é demonstrada pelo deslocamento do mesmo quando a heroína tem contato com uma vida passada – o que corresponde a um longo flashback (B, 77-94). Já o enredo secundário com maior destaque nesse livro é relativo ao Mago da floresta, que ajuda a heroína, mas renuncia a ela, de modo a purgar uma culpa do passado. Naturalmente, para explicitar tais questões há um cuidado com o delineamento das personagens. Voltando aos tempos narrativos, no caso de O diário de um mago, este corresponde totalmente ao desenvolvimento do enredo principal, isto é, a jornada do herói/narrador (chamado “Paulo”) pelo caminho de Santiago em busca de sua espada. Nesse trajeto, o único personagem, afora o herói, que possui maior densidade é seu mestre, Petrus, que conta histórias durante a jornada, bem como ensina ao herói as “práticas de RAM”. Isto, porém, não provoca sobressaltos ao enredo base. Situação similar ocorre em O alquimista, que possui outros enredos além do principal (a história do vendedor de cristais, do condutor da caravana, do Inglês, entre outras); porém, estes enredos não possuem forte desenvolvimento e, em geral, articulam-se ao enredo principal, relativo à tentativa do herói, o pastor Santiago, chegar ao tesouro com o qual sonhou. Portanto, de modo geral, a temporalidade do relato está a serviço do conflito principal dos livros aqui analisados, reforçando o caráter “simples” do relato ao qual já aludimos.

137

Oposições axiológicas, o “gênero” dos textos e o “super-homem comum” Ao mesmo tempo em que o enredo dos livros é “simples”, ele tem um importante papel na configuração das “estruturas ideológicas” do texto, isto é, as conotações axiológicas [que] aparecem associadas a papeis actanciais inscritos no texto. É quando uma armação actancial surge investida de juízos de valor e os papéis veiculam oposições axiológicas como Bom vs. Mau, Verdadeiro vs. Falso (ou também Vida vs. Morte ou Natureza vs. Cultura) que o texto exibe em filigrana a sua ideologia. (Eco, 1986, 153)

Os valores dos livros do autor são apresentados, com freqüência, precisamente em momentos que, do ponto de vista da progressão da fábula, não ocorre desenvolvimento (conversas e digressões dos personagens, por exemplo). São os mestres que enunciam as grandes oposições – no mais das vezes implícitas, em relação ao pólo negativo. No Quadro, na próxima página, mostramos uma descrição do sistema principal de oposições veiculadas nos textos de Paulo Coelho aqui analisados, exemplificando os momentos nos quais estes valores são caracterizados. A ordem das linhas do quadro corresponde ao momento do tempo narrativo no qual cada conteúdo de valor aparece nos livros; os exemplos poderiam multiplicar-se, sobretudo quanto à oposição básica mais importante de cada livro, qual seja, DM: Bom Combate, A: Lenda Pessoal e B: Outra Parte. Vale ressaltar que este “valor básico” é claramente visualizado em cada trabalho. Estes conteúdos têm relação entre si – e não por acaso, falase em Brida da Lenda Pessoal –, tanto quanto subordinam os demais. Dessa forma, conforme o sistema de idéias e valores que é apresentado nesses livros, a realização pessoal está relacionada ao indivíduo seguir a Lenda Pessoal, que praticamente condiciona a realização do Bom Combate, e por sua vez, sob uma perspectiva mais ampla, deve implicar no encontro com a Outra Parte. Do ponto de vista do sistema de cada livro, em O diário de um mago, Ágape, como entusiasmo, é um fator necessário da realização do Bom Combate, e este deve conduzir a “recompensas” e “resultados”, ou, em outros termos, estes aspectos devem estar em mente na realização do Bom Combate, “travado em nome dos nossos sonhos” (DM, 41).

138

Quadro Descritivo VI - Principais oposições axiológicas nos livros de Paulo Coelho analisados O diário de um mago Bom combate vs. Não “O Bom Combate é aquele que é travado em nome de nossos sonhos” (Petrus) - pp. 62-63 realizar o Bom Combate “Não me deixaria fugir das lutas da vida, e ia me ajudar a combater o Bom Combate. [...] eu não devia (renunciar aos sonhos / carregar comigo o maior pecado de todos: o Arrependimento” (Narrador/Herói) - p. 141 “Maldição” / Arrependimento) Buscar Recompensa vs Não “...uma coisa conta a seu favor: você está em busca de uma Recompensa [...] deseja ser recompensado buscar pelo esforço” (Petrus) - pp. 92-93 Eros Bom vs. Eros Mau

[durante casamento] “Parece que os dois se amam [...] terão filhos e se sentirem que estão construindo algo juntos é porque na luta do Bom Combate [...] [mas] de repente [...] Ele pode sentir que não é livre o suficiente para manifestar todo Eros, todo o amor que tem por outras mulheres . Ela pode sentir que sacrificou uma carreira e a vida brilhante para acompanhar o marido” (Petrus) - pp. 106-107

Ágape – Entusiasmo que anima o Bom Combate vs. Falta/perda do Entusiasmo por 117

“O entusiasmo é Ágape dirigido a alguma idéia, alguma coisa. [...] Porque, durante o Bom Combate, nada mais tem importância, estávamos sendo levados através do Entusiasmo até nossa meta” (Petrus) - p. 117 “Perdemos o Entusiasmo por causa de nossas pequenas e necessárias derrotas durante o Bom Combate” (Petrus) - p. 118

Vida vs. Morte

“Depois voltei para a árvore e comi os dois sanduíches [...] era o alimento mais delicioso do mundo porque eu estava vivo e a Morte não me assustava mais” (Narrador) - p. 141

Resultados resultados

vs.

Não “Não saia da minha cabeça o esforço insistente de Petrus para fazer com que eu entendesse que, ao contrário do que haviam nos ensinado, o importante eram os resultados” (Narrador) - p. 225

Homens “comuns” vs. “Percebi que em nenhum momento de toda a nossa jornada, Petrus havia feito qualquer esforço para Homens “extraordinárias” parecer mais sábio, mais santo [...] fazia questão de mostrar que era um homem como todos os outros” . (Narrador) - p. 109

O alquimista Lenda Pessoal vs. procurar cumpri-la

não “É aquilo que você sempre desejou fazer. Todas as pessoas, no começo de sua juventude, sabem qual é sua Lenda Pessoal” (Rei de Salém) - p. 47

Decifrar sinais (Linguagem “Existe uma linguagem que está além das palavras”, pensou o rapaz [...] “Se eu aprender a decifrar esta Universal) vs. Não decifrar linguagem sem palavras, eu vou conseguir decifrar o mundo” (Herói) - p. 73 Proximidade com Alma do “Este [Alma do Mundo] é o princípio que move todas as coisas – disse. – Na Alquimia é chamado de Mundo vs. Não proximidade Alma do Mundo. Quando você deseja algo de todo o seu coração. Você está mais próximo da Alma do Mundo. Ela é sempre uma força positiva” (Inglês) - p. 118 Homens “comuns” vs. “Estava [Herói] cada vez mais convencido de que a Alquimia poderia ser aprendida na vida diária” - p. Homens “extraordinárias” 128

Brida Fé (Noite Descrença

Escura)

vs. “E essa confiança se chamava Fé. Ninguém jamais poderia entender a Fé. [...] Existia apenas porque se acreditava nela. Assim como os milagres também não tinham qualquer explicação mas aconteciam para quem acreditava em milagres” - pp. 31-31 “Mergulhamos na Noite Escura com fé, cumprimos o que antigos alquimistas chamavam de Lenda Pessoal” (Wicca) - p. 187

Buscar Outra Parte vs. Não Encontro amoroso – Amor (Outra Parte) “Em cada vida temos uma misteriosa obrigação de reencontrar buscar pelo menos uma dessas Outras Partes. O Amor Maior, que as separou fica contente com o Amor que as torna a unir’ (Wicca) - p. 45 “Outro dia lhe falei de um dos maiores segredos da magia: a Outra Parte. Toda vida do homem sobre a face da Terra se resume a isto – buscar a Outra Parte. Não importa se ele finge correr atrás da sabedoria, do dinheiro ou poder. Qualquer coisa que ele consiga vai estar incompleta se, ao mesmo tempo, ele não conseguir encontrar sua Outra Parte” (Wicca) - p. 69 Homens “comuns” vs. “... ele [o Mago] já vivera o suficiente para aprender que toda e qualquer pessoa possuía um Dom” - p. 41 Homens “extraordinárias” “Senhor, faz com que entende que tudo que me acontece de bom na vida é porque mereço. [...] Faz com que eu seja humilde o suficiente para aceitar que não sou diferente dos outros, Senhor. Amém.” (Brida) - p . 112 “Ela conseguiu entender que nenhum ser humano que pisou este planeta foi ou é diferente dos outros” - p. 115 “O Mago tinha razão. A Tradição do Sol era o caminho de todos os homens, e estava ali para ser decifrada por qualquer pessoa que soubesse rezar, ter paciência, e desejar seus ensinamentos” - p. 171

139

Neste ponto, articulam-se tendências espirituais e prático-materiais em Paulo Coelho, de modo explícito. Daí que Petrus também diga ao narrador que “conversar com o Mensageiro não é ficar perguntando coisas sobre o mundo dos espíritos [...] – O mensageiro só lhe serve para uma coisa: ajudar no mundo material” (DM, 83). Retomaremos a este aspecto do trabalho de Paulo Coelho, a dimensão espiritual, adiante, articulada à questão do gênero dos livros. Por ora, continuando a descrever as oposições axiológicas de O diário de um mago, o valor Vida, da maneira como aparece no livro, relaciona-se indiretamente ao Bom Combate, pois um dos exercícios de RAM sugeridos pelo mestre consiste no herói imaginar a própria Morte. A partir disto decorrem reflexões do herói sobre a necessidade de priorizar o que se quer fazer em vida, e naturalmente o Bom Combate deve ser destacado. Já as oposições entre um Eros bom e um Eros mau podem ser vistas como uma disfunção do Bom Combate, no caso do segundo termo. Embora, como já explicitamos, exista um sistema de idéias comum aos livros, somente uma oposição atravessará fortemente a todos: aquela que coloca de um lado os homens “comuns” e de outro os “extraordinários”. Ela é bastante importante, sob o ponto de vista do que propõe aos leitores; assim, mais uma vez, deixaremos um item para a conclusão deste tópico. O sistema de valores existente em O alquimista e Brida é mais simples do que o de O diário de um mago. No caso do primeiro livro, a capacidade do herói decifrar sinais, entender a Linguagem do Mundo, é um instrumento para que a Lenda Pessoal seja realizada, e quando se “deseja algo de todo o coração” (outro modo de dizer Lenda Pessoal), comenta um dos personagens, a pessoa fica mais próxima da força positiva representada pela Alma do Mundo. Em Brida, a busca da Outra Parte é apresentada como o principal objetivo de todas as pessoas: “Toda a vida do homem sobre a face da Terra se resume a isso”, diz Wicca, ajudante principal no trajeto da heroína. Isso demarca o âmbito sentimental, bem como místico (aprender magia) do livro, daí o valor da Fé (Noite Escura), sem a qual a heroína não poderia atingir sua meta ou mesmo “cumprir o que os antigos alquimistas chamavam de Lenda Pessoal”, conforme informa novamente Wicca. Enfim, retomando os dois pontos mencionados acima, reforçamos que o universo espiritual em Paulo Coelho possui extrema diversidade característica, notada também por

140

outros analistas, assim, Pereira (1998) identifica esta dimensão no autor como próxima ao movimento “Nova Era”103 ao mesmo tempo em que observa: um universo mágico-religioso, marcado por uma diversidade temática simbólica: peregrinação religiosa, alquimia, bruxas, realização de milagres, a descoberta da face feminina de Deus, o pertencimento a ordens místicas que remontam ao catolicismo medieval. [...] Descortina-se um universo mágico espiritual que tem um único objetivo, o desenvolvimento espiritual individual como meio de transformação pessoal. (Pereira, 1998, 5)

Todos os elementos mencionados pela autora fazem parte de algum dos livros, e no interior de cada um também ocorre a diversidade apontada. Esta junção de elementos, no entanto, é sincrética, ou seja, não configura interdições ou oposições no âmbito espiritual. Assim, o “desenvolvimento espiritual” é, sobretudo, individual, depende de escolhas que levem ao Bom Combate e à Lenda Pessoal. As oposições ocorrem neste âmbito e não nas diferentes propostas espirituais. É possível, portanto, ver em cada escolha, o lema da “sociedade alternativa”: “fazes o que queres pois tudo é da lei”, desde que funcione como meio de transformação pessoal, modo de alcançar “resultados”. É claro que isso aproximara a literatura de Paulo Coelho do gênero104 auto-ajuda, no qual se expõe um conjunto textualmente mediado de práticas através das quais as pessoas procuram descobrir, cultivar e empregar seus supostos recursos interiores e transformar sua subjetividade, visando a conseguir determinada posição individual supra ou intramundana. (Rüdiger, 1996, 11)

Ademais, os livros apresentam “pensamentos” próximos a este universo, como: “O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é o alimento da alma”, “Um homem que não sabe ouvir não pode escutar os conselhos que a vida nos dá a cada instante” (DM, 62 e 191); “Cada momento de busca é um momento de encontro”, “E quando você quer alguma coisa, todo o Universo conspira para que você realize seu desejo” (A, 200 e 48), entre outros. Porém, as obras de Paulo Coelho não têm caráter essencialmente ensaístico, nem formato de manual francamente prescritivo, como ocorre no gênero auto-ajuda. Elas

103

A “Nova Era” é uma das últimas vertentes da literatura de auto-ajuda, surgida nos anos 70, no bojo da contracultura, o movimento valoriza a espontaneidade do indivíduo para a transformação de sua subjetividade e consequentemente do planeta. Um autora como Shirley MacLaine é identificada a esta tendência. Sobre a literatura de auto-ajuda ver adiante a discussão no texto. 104 A noção de gênero possui uma série de definições, para uma discussão sobre os entendimentos a respeito do tema, ver Borelli (1996, 171-229). Aqui, porém, o tema é tratado, conforme discutido no corpo do texto, como um “sistema de expectativa do destinatário” em seu encontro com um texto.

141

possuem – por mais que o autor destacasse, como vimos, em certos livros, o elemento de “realidade” – ancoragem na narrativa, na ficcionalidade. Então, qual o “gênero” destes textos? Em nosso juízo, seria produtivo aqui entender esta instância como o encontro de textualidade com um “sistema de expectativa” do leitor105. Como a textualidade dos livros de Paulo Coelho vistos aqui é fluída, emitindo diferentes sinais – é possível pensar ainda no gênero “aventura” para O diário de um mago e O alquimista ou “sentimental” no caso de Brida –, o modo como o texto será enquadrado pelos leitores é potencialmente múltiplo. E esta característica poderia ser encarada como um dos fatores de sua capacidade de interlocução com o público, com diferentes segmentos de leitores. Por fim, retomamos à oposição axiológica que atravessa os três livros analisados, contrapondo os “homens comuns”, valorizados, aos “homens extraordinários”. E notamos que esta oposição relaciona-se aos próprios heróis dos livros, indivíduos que, embora vivam situações por vezes incomuns, estão distantes do padrão do “super-homem de massa” (Eco, 1991). Com este termo Eco caracteriza uma série de personagens, seja do folhetim (Monte Cristo ou Rocambole), seja em outras formas literárias de consumo massivo (como Tarzan ou James Bond), que vivem aventuras excepcionais. Assim, ressaltando a “banalidade” dos heróis dos livros de Paulo Coelho, em O diário de um mago, o narrador pensa, por vezes, nos negócios que deixou no Brasil para fazer o caminho de Santiago; o personagem principal de O alquimista é um pastor, e em Brida, os signos da vida moderna comum são evidenciados pela própria ocupação da personagem, que trabalha num escritório. Os heróis mesmo vivendo experiências incomuns não são, de antemão, indivíduos “superiores”, fora do alcance dos leitores. São “super-homens comuns”, por assim dizer. Daí que seja possível pensar no potencial de fruição relacionada principalmente à identificação entre leitores e heróis, nos livros analisados. Como observa Morin (1975), as correntes de identificação e projeção serão as grandes estruturas de apelo da cultura de massa, logo, da “literatura de consumo”. Algumas obras possibilitam a existência de ambos os tipos de relacionamento.

105

Este entendimento decorre de Wolf (1984, 189), que descreve os gêneros como “sistemas de regras às quais se faz referência para realizar processos comunicativos, seja do ponto de vista da produção ou da recepção” (Wolf, 1984, 189). Wolf, porém, fala em sistemas de expectativas para os destinatários, sem excluir esta modalidade preferimos pensar em sistema (de valores, relativo a uma competência intertextual) do receptor, que faz com que o mesmo classifique um texto em determinada categoria genérica. Assim, nos aproximamos da proposição de Borges (apud Borelli, 187), segundo a qual “os gêneros literários dependem, talvez, menos dos textos do que do modo em que estes são lidos”.

142

As potências da projeção, contudo, pertencem ao terreno dos enfáticos universos da epopéia, da magia, do fantástico. Atiram-se nos alhures do tempo e do espaço, regiões exóticas ou passados fabulosos. Mergulham no submundo do crime da morte. Divertem-se nos universos idealizados onde tudo é mais intenso, mais forte, melhor. (Morin, 1975, 69)

No nosso entender, entretanto, pelo que foi exposto, os livros analisados projetam, sobretudo, um tipo de relacionamento leitor-obra baseado na identificação, pois a “magia” é de tal modo naturalizada, os heróis são tão comuns e voltados a aspectos práticos que estabelecem um “equilíbrio de realismo e de idealização” (Morin, 1975, 70), propício a configurar modelos de comportamento. Nesse sentido, os heróis de Paulo Coelho estão longe dos “super-homens de massa”, e perto dos leitores comuns.

Ao fim desta análise dos trabalhos de Paulo Coelho, ressaltamos novamente que a interpretação feita aqui é certamente parcial. Entretanto, ela mostrou muitos elementos interessantes a serem trabalhados no próximo capítulo, onde discutiremos os dados de nossa pesquisa empírica, já que: “Ainda uma vez: uma mensagem só se conclui realmente numa recepção concreta e situacionada que a qualifique” (Eco, 1991, 187).

143

Quadro Ilustrativo 9

As mutações do texto e os produtos derivados

Página principal do endereço eletrônico de Paulo Coelho

Coluna do autor em O Globo On-line

Primeira tela do e-book Maktub II

www.paulocoelho.com.br

http://oglobo.globo.com/colunas/coelho

Livro sem versão impressa; disponível gratuitamente no site do autor (em formato para processador de texto) e e-book, em sites de fãs

Versão em áudio (K7) de O Alquimista e trecho de anúncio de CDs, em promoção do jornal Agora (SP) K-7 produzido por Roberto Menescal, Rio de Janeiro: Talk-Books - 1993 O anúncio do jornal Agora foi publicado na Folha de S.Paulo - 21 de agosto de 1999

Página principal de “fanshop” de Paulo Coelho e alguns produtos (bloco de notas, agenda e camiseta) www.fanshop.com.br/paulocoelho

Anúncio do jogo eletrônico Pilgrim Revista Pró Educação, n° 8 - S.d.

Livreto que acompanha “biografia interativa” (CD) do autor

Agenda vendida em livrarias virtuais México: Ediciones Granida 2000

São Paulo: Byte & Brothers S.d.

Os textos de Paulo Coelho encontram formatos diferentes do impresso, a partir de tecnologias mais recentes (CD, e-book, Internet) ou não (gravação em áudio de livros), como os exemplos acima evidenciam. Por outro lado, o nível de profissionalização alcançado por este autor projeta formas menos tradicionais — no âmbito literário — de relacionamento entre escritor e leitores/consumidores. Daí, a multiplicidade de produtos que acompanham a “marca” Paulo Coelho: agendas, jogos eletrônicos, camisetas e outros. Tanto quanto esta profissionalização do escritor, que passa a auferir rendas cujo vínculo com seu trabalho é indireto, merece destaque o fato de que certos formatos diferentes do impresso mantêm uma forte subordinação ao modelo tradicional de relação entre autor e público, isto é, tem como receptor pressuposto o consumidor de livros. Isso pode ser exemplificado com o tipo de material que o site do autor disponibiliza: dados biográficos do autor, livros publicados, com pequenos resumos, ou seja, material de divulgação do escritor. Da mesma forma, os materiais ficcionais disponibilizados pelo site (geralmente partes de livros) funcionam como chamarizes para a compra do impresso comum. 144

Quadro Ilustrativo 10

Diferentes livros para diferentes públicos; estratégias editoriais

O Alquimista (edição ilustrada por Moebius, capa e páginas do miolo) Rio de Janeiro: Rocco 1995 - 19 x 25cm

Brida

O Diário de um Mago

(edição econômica, em papel jornal)

(versão em quadrinhos) Ilustrador: Marcus Wagner

Rio de Janeiro: Rocco - 47a 1991

Rio de Janeiro: Nova Era - S.d.

À esquerda, publicidade no lançamento do livro Verônica Decide Morrer, no metrô e ônibus, em Paris Fotos de Anne Carriere, disponíveis no site da Agência Literária Santjordi Asociados http://www.santjordiasociados.com/ biography.htm - que apresenta ainda uma biografia (em inglês) do autor e outros dados sobre ele

Outdoor e anúncio no lançamento de livro Outdoor - Rua da Consolação - SP - setembro/2001 Anúncio - Jornal Folha de S.Paulo - 04 de agosto de 2001 - 32 x 11cm

Anúncio (9 x 5,5cm) publicado na capa da revista Caras (n° 31, 30 de julho de 1999) Publicidade a respeito de promoção da revista, associada à distribuição de pequenos livros

Diferentes formatos dirigem-se a públicos diversos, produzindo clivagens no grupo de leitores. A edição ilustrada por Moebius de O alquimista, com tipografia maior que a usual, capa dura, formato grande, difere da edição (de uma série com livros do autor) “econômica” de Brida, também da Rocco, que, possui miolo em papel jornal, tipos menores — mas “texto completo”. O que é importante ressaltar aqui é o papel da “mediação editorial” nessa diferenciação de públicos. Outra dimensão deste elo intermediário é a promoção dos livros. No caso de Paulo Coelho, esta atividade atinge proporções raras. Só autores cuja comercialização permite recuperar o investimento recebem o tratamento exemplificado acima, com o uso de outdoors e anúncios em jornais. Ao lado, o anúncio de Caras mostra uma estratégia de mão-dupla: ao mesmo tempo em que configura uma divulgação da revista, certamente possibilita que leitores não alcançados por formas tradicionais conheçam e leiam Paulo Coelho. 145

Quadro Ilustrativo 11

Os livros de Paulo Coelho desde O diário de um mago Ficções, relatos - Editora Rocco (RJ)

O diário de um mago

O alquimista

Brida

As valkírias

1988

1990

1992

1987

Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei 1994

Ficções - Editora Objetiva (RJ)

O monte Cinco 1996

Adaptações - Ediouro e Rocco

Verônica decide morrer

O demônio e a Srta. Prym

Cartas de amor do profeta

1998

2000

Ediouro (RJ) 1991

Coletâneas - diversas editoras

Maktub Rocco (RJ) 1994

Frases Ediouro-Tecnoprint (RJ) 1994

Manual do Guerreiro da Luz Objetiva (RJ) 1997

Palavras essenciais Vergara & Riba (SP) 1999

Histórias para pais, filhos e netos Globo (RJ) 2001

O dom supremo Rocco (RJ) 1997

Observa-se aqui toda a produção de Paulo Coelho, lançada no mercado local, de 1987 a 2001, num total de 15 livros. Notamos que os livros dirigidos a um público mais amplo, que podemos classificar como as “ficções” e “relatos” do autor, são editados quase sempre com um intervalo de dois anos. O índice médio de publicação do escritor, porém, chega a um livro por ano, com o acréscimo das adaptações e coletâneas (colunas de jornal, frases e histórias). Indicamos nas legendas o ano da primeira edição, embora nem sempre as edições mostradas correspondam à original (são as existem hoje no mercado). Quanto a isto, merece destaque a tentativa da Rocco de padronizar as capas dos livros do escritor, de seu catálogo. Assim, o nome do autor aparece sempre numa tarja próxima ao meio da capa e os títulos têm a mesma tipologia. 146

Capítulo 5

Leitores de uma biblioteca pública paulistana: apropriações de Paulo Coelho É bastante difícil apreender os conteúdos e as formas de uma cultura popular no momento em que ela é vivida e reproduzida. Banal em sua essência, e portanto dificilmente identificável, testada e reinventada a cada dia, e portanto eminentemente fluída, somente quando está morta e embalsamada pelo folclore, ou suficiente distante para se concentrar e deixar transparecer suas linhas de força, é que ela se torna passível de suscitar interesse e reflexão. Esforçar-se para formalizar o grande número de observações triviais e pontuais que podemos fazer, nos parece todavia a melhor maneira de prestar atenção ao que se passa hoje nesses grupos. Lafont (1985) – Daqui para frente você vai sozinho – disse o Alquimista [...] – Obrigado – disse o rapaz. – Você me ensinou a Linguagem do Mundo. – Eu apenas recordei o que você já sabia. O alquimista (p. 229)

A biblioteca adulta na qual foram localizados os leitores participantes da pesquisa empírica localiza-se numa região intermediária entre o centro e a periferia da cidade de São Paulo. Em verdade, numa avenida que faz a ligação entre as duas regiões. Ela ocupa um quarteirão inteiro do Bairro, junto com o prédio de outra biblioteca, infanto-juvenil. No local há uma pequena praça, na qual se destaca, pela estranheza, uma estátua no estilo “realismo socialista”, existem também algumas árvores e dois pontos de ônibus, voltados para a avenida, e um de táxi numa rua lateral. A praça não possui bancos, de modo que o espaço torna-se quase somente um local de passagem. O caráter pouco atrativo da praça é reforçado pela poluição da avenida, de trânsito intenso. Apesar disto, num dos dias da semana ocorre uma pequena feira de roupas artesanais, doces e outros alimentos, o que colabora para dar alguma movimentação ao lugar, além disso, alguns homens vestidos com roupas brancas, pertencentes a uma sociedade “científicoreligiosa”, dão informações sobre suas crenças ligadas a discos voadores, alguns dias por semana. O Bairro da biblioteca, que é bastante urbanizado, tem passado por mudanças em seu perfil devido a um contínuo adensamento, com a construção de muitos edifícios de apartamentos residenciais, para o qual colabora o fato de ser servido pelo metrô. A estação fica 147

a poucos quarteirões da biblioteca. Assim, o local atrai também usuários de bairros afastados. São estes outros bairros da região, mais distantes do centro, que possuirão, geralmente, as características mais típicas do que associamos à idéia de “periferia” da cidade: ruas sem asfaltamento, poucos serviços e comércio. Isto não ocorre no Bairro da biblioteca que, ademais, localiza-se próxima a algumas escolas públicas e privadas e isto acaba garantindo-lhe um público estudantil cativo. As bibliotecas adulta e infanto-juvenil não possuem exteriormente, do ponto de vista arquitetônico, características marcantes, próprias de um centro de cultura. A cor dos prédios, por exemplo, segue um padrão cinza e, sem as placas identificatórias, seria possível imaginar que no local funcionasse algum outro tipo de repartição, como um posto de saúde. É comum que usuários inexperientes procurem a biblioteca adulta, buscando livros de pesquisa ou de literatura voltados para o público juvenil. Nesse caso, são encaminhados para a biblioteca ao lado. No caso da biblioteca adulta, o espaço interno do térreo, a área utilizada pelos freqüentadores, consiste num amplo saguão, logo após uma portaria e guarda-volumes, que divide duas salas Uma delas é fechada, e nela fica o acervo de obras gerais, com a maioria dos livros, e, no lado oposto, separado pelo saguão, uma sala grande, com várias mesas para estudo e leitura. E neste local que ficam várias obras e periódicos consultados com frequência pelos estudantes e outros usuários (como as enciclopédias, jornais e revistas), bem como os arquivos com as fichas catalográficas dos livros. O segundo andar, ao qual se tem acesso por uma escada no saguão, é utilizado basicamente pelos funcionários, para serviços internos. Entretanto, por vezes, alguma das salas deste pavimento poderá ser usada para reuniões ou encontros. Eventos desse tipo, porém, não são constantes. Não há um circuito contínuo de eventos, como conferências e palestras, que movimente a biblioteca. No saguão, entretanto, são divulgados eventos públicos ocorridos em outros espaços culturais, em painéis de acrílico preparados para tanto. Outros tipos de serviços, como os ligados à consulta à internet ou microfilme, não são oferecidos. Por sinal, a própria informatização da biblioteca necessária para o cadastro dos sócios tem, por vezes, problemas. Assim, o atrativo principal da biblioteca são os próprios livros do acervo – diga-se, bastante bem organizados – e o ambiente propício para o estudo ou leitura. Um ambiente, porém, estruturado sobre regras de conduta bastante claras: silêncio, pouca movimentação, autocontrole. É claro que este ambiente poderá ser um convite ao tédio e à “rebeldia” do

148

jovem, que é o principal freqüentador do local, não só em termos numéricos, mas também quanto ao volume de tempo passado no ambiente. As atitudes hostis dos jovens em relação à biblioteca podem manifestar-se, tanto num tom de voz deliberadamente mais alto, em determinado situação em que isso é indesejável, quanto no arrastar do tênis pelo piso de cerâmica, a fim de produzir um barulho estridente. Como vemos no Anexo 6, o público freqüentador é majoritariamente estudantil (74%), com destaque para os alunos do segundo grau (47%)106. Com efeito, visualiza-se claramente como o acesso ao impresso, também via bibliotecas, correlaciona-se em grande medida à educação deste nível, pelo menos. Este aspecto dá à biblioteca um forte caráter estudantil, assim são notáveis as alterações de fluxo de visitas, conforme o calendário escolar: maior e mais “agitado” durante os períodos correspondentes à feitura de trabalhos e provas escolares, e menor durante as férias de início e meio de ano, quando é normal – conforme observamos – que a biblioteca seja pouco visitada. Tal aspecto também é evidenciado pelos dados estatísticos referentes a 1999, de modo que em janeiro e dezembro deste ano a biblioteca recebeu cerca de 2 mil usuários, contra pouco mais de 6 mil em junho e quase 5 mil em novembro. Cabe notar que utilizar a biblioteca não implica sempre na retirada ou leitura de livros, dessa forma, são comuns os usuários interessados em consulta a jornais, como o Diário Oficial, ou que acompanhem àqueles que irão retirar livros ou fazer “pesquisas” escolares. Além disso, observamos várias outras situações: na época da pesquisa estruturava-se uma sociedade de amigos da biblioteca, que costumava reunir-se na mesma; algumas pessoas podem pedir para usar uma máquina de escrever do local, ler um volume próprio ou simplesmente utilizar o banheiro. Estes fatores dão relativa heterogeneidade ao público: o indivíduo pode não ir ao local fazer um trabalho escolar, estudar, mas sim consultar um livro jurídico (ação para o qual pedirá auxílio a um dos bibliotecários, situação, aliás, bastante comum), em função de alguma pendência pessoal nessa área, por exemplo. Esta heterogeneidade do conjunto de usuários foi bastante clara nas próprias modalidades de consumo do impresso observadas num mesmo momento. Assim, notamos durante uma de nossas estadas no local que, na mesa que ficava à nossa esquerda, um casal de estudantes tinha um modo de apropriação ligado à cópia de trecho do livro, enquanto conversavam em voz baixa – eles provavelmente realizavam um trabalho

106

A totalização da tabela refere-se ao ano de 1999, mas isto é pouco relevante, pois trabalhamos principalmente com dados relativos. E não houve, desde esta data até o momento, nenhum fator que possa ter alterado substancialmente a tendência mostrada.

149

escolar; à esquerda um homem de meia idade fazia, em pé, uma leitura semi-oralizada do jornal, enquanto em outra mesa um jovem, que constantemente vinha à biblioteca, lia um livro em silêncio, com concentração. Estes exemplos mostram, de modo simples, o quanto as práticas de leitura podem ser variadas, conforme os interesses e costumes dos indivíduos. O fato de que alguém não freqüente ou não seja sócio da biblioteca (requisito para o empréstimo de livros ou revistas), como veremos, não impedirá que tenha acesso aos livros e impressos do espaço. Isto ocorre pois o indivíduo pode ler os livros na própria biblioteca ou contar com o auxílio de outro usuário, que tenha pego um exemplar e disponha-se a emprestálo ao não-sócio. As categorias de empréstimos feitas pelos usuários são diversificadas, conforme mostra a tabela no Anexo 6, em virtude do próprio catálogo assim o ser. Os quase 47 mil volumes pertencentes à biblioteca abrangem várias áreas, e a despeito da defasagem entre os lançamentos do mercado editorial e o acervo – decorrentes da política de investimentos governamental – o mesmo possui bons e variados títulos (pelo menos na área que podemos melhor avaliar, ou seja, a de Ciências Humanas). Algumas das edições são relativamente recentes, adquiridas alguns anos após a publicação do livro. Por outro lado, é muito fácil notar o estado de desgaste a que chegam os livros muito emprestados, principalmente os que, por um motivo ou outro, tendem a serem muito procurados. Isto ocorre também pelo fato de que o número de exemplares de cada um dificilmente ultrapassa dois volumes; caso de parte dos livros de Paulo Coelho, no local. Esta situação implicará certa paciência por parte do leitor, interessado em ler um livro muito procurado. E isto poderá mostrar, por vezes, o quanto um livro pode ser desejado. Acompanhamos, por exemplo, a situação de uma usuária que, informada da data de devolução de Estação Carandiru, de Dráuzio Varela, fez a reserva do mesmo; porém o atraso na devolução obrigou-a a voltar no dia seguinte. Entretanto, neste outro dia, o livro não foi devolvido para a frustração da leitora. Tivemos a oportunidade também de observar doações de livros por moradores de regiões próximas. Se por um lado isso parece positivo, por outro, causa o risco de tornar o local um depósito de muitos livros “obsoletos” – por exemplo, códigos jurídicos, gramáticas e livros escolares sem validade nos dias de hoje. A respeito propriamente das preferências para empréstimo, vemos que a categoria “literatura” (25%) é a mais procurada, seguida pela de “obras gerais” (livros de referência)

150

(17%) e, em terceiro, “ciências exatas” (13%). É possível pensar que o índice relativo à “literatura” é majorado pela forte procura – várias vezes observada por nós e confirmada pelas funcionárias – de estudantes interessados em ler os livros indicados para os exames vestibulares. Este conjunto de informações aqui descrito caracteriza o espaço que serviu para dar o que chamamos anteriormente de “nível de identidade” básico do grupo de leitores de Paulo Coelho, ou seja, um espaço público no qual os livros são retirados sem ônus para o leitor. Por conseguinte, poderemos comparar o perfil geral dos usuários, aqui mostrado, com o dos leitores participantes da pesquisa, descrevendo e analisando os dados da pesquisa. Antes disso, porém, duas observações devem ser feitas: sobre o caráter da análise e sobre a busca dos traços de uma leitura “popular” nas apropriações do grupo. É inevitável que em uma pesquisa qualitativa cheguemos a um grande volume de dados, o que sempre coloca em questão o modo como é feita sua descrição e análise, com os objetivos de esclarecer determinada problemática. Apesar da complexidade deste ponto, no nosso entender, esta tarefa foi facilitada em muito pela clareza que buscamos dar aos protocolos metodológicos com os quais fomos a campo. Assim, acreditamos ter conseguido atingir, na descrição e análise que se segue, um bom nível de formalização relativa aos relatos e outros dados obtidos. Este nível será suficiente para discutirmos os aspectos a que nos propormos, de início, ou seja, conforme os dois últimos objetivos secundários do trabalho: 1) caracterizar o espaço ocupado pela recepção de Paulo Coelho, no grupo de leitores estudados, em relação a outras atividades de consumo cultural realizadas pelos mesmos; 2) descrever os sentidos correntes dados pelos indivíduos a esta atividade. Estas questões serão equacionadas nos termos propostos pelos protocolos metodológicos, isto é, a partir do que chamamos índices de apropriação/mediação, ligados a formas de utilização e interpretação e elementos do quadro de referência sociocultural dos sujeitos. Vemos, hoje, que os objetivos ligados à pesquisa empírica eram relativamente modestos e, portanto, realizáveis. No entanto, é difícil não sentir certa frustração, face à riqueza (e volume) dos dados e de questões para os quais eles apontam. Porém, limitar a análise a algumas poucas dimensões, de acordo com os objetivos expostos, obedece a razões práticas – algumas das quais serão abordadas e discutidas em nossas Considerações Finais.

151

Dessa forma, foi a partir da lógica da estrutura da pesquisa que procuramos manter o caminho que tinha sido traçado inicialmente. A segunda observação que faremos diz respeito ao próprio objetivo principal da pesquisa, isto é, analisar as formas de apropriação de Paulo Coelho por um grupo de leitores, com vistas à compreensão de uma leitura “popular” do autor. Como já dissemos os objetivos secundários expostos acima se relacionam a este objetivo maior. Porém, de um lado, ressaltamos o quanto pensar sobre a leitura/recepção de Paulo Coelho, sob o ponto vista adotado, conduziu-nos a enxergar diversos ângulos da questão. (Ponto ao qual retornaremos nas Considerações Finais.) Por fim, devemos observar também que a reflexão sobre uma dimensão do “popular” vinculada a práticas de leitura de Paulo Coelho preocupa-se principalmente com a caracterização modalidades de uso – as quais poderão ser vistas tanto sob o ponto de vista de sua autonomia, quanto a sua dependência frente a um sistema dominante (Chartier, 1995). Nossa perspectiva concentra-se mais no primeiro plano, ou seja, naquilo que demarca uma diferença vinculado ao próprio grupo, frente a um sistema dominante de valores sociais (entre os quais a definição de “literatura legítima”, que exclui Paulo Coelho), de estruturas textuais dos livros lidos, nos termos discutidos no Capítulo 1. Não ignoramos a existência de dependências e subordinações na prática de recepção realizada pelos leitores, porém, é mais forte nossa tendência em entender esta leitura, por assim dizer, internamente. Assim, tendemos a basear nossa interpretação na análise da perspectiva adotada pelos sujeitos. Acreditamos que análises posteriores do material, por outro lado, poderão visualizar de modo mais acurado também as dependências evidenciadas pelos dados. E também importante dizer, ainda sobre o caráter “popular” da leitura, que se há um viés socioeconômico no critério básico de amostragem (usuários de biblioteca lêem, mas não compram os livros), procuramos não absolutizá-lo. Como nota Hall, a categoria “popular”, aplicada a grupos sociais, deve ter um sentido menos restrito do quando se refere somente à “classe trabalhadora”. De modo que as “classes populares” incluem estratos de outra classe que não a classe trabalhadora no seu sentido moderno: assim inclui grupos sociais ou categorias que não tem uma moderna designação de classe clara (por exemplo, as classes baixa-média, pequeno burguesa ou camponesa, ou categorias como mulheres). (Hall apud Ramos, 1993, 167)

Dessa forma Hall aproxima de um autor como Certeau (1980) ao valorizar as práticas “comuns” das pessoas “comuns”, sem poder, não dominantes. O que é o caso da leitura de

152

Paulo Coelho, pelos leitores de nossa pesquisa. Assim, estamos no âmbito do pensamento relacional sobre o popular, que deve tanto a Gramsci, como vimos.

Os leitores: o universo e a amostra da pesquisa Como descrito no Capítulo 2, inicialmente sondamos os leitores de Paulo Coelho, sem salientar o fato dos mesmos consumirem este autor, por meio de um breve questionário, de modo que chegamos a um universo de 18 leitores (subconjunto de outro maior ainda, como notaremos). A partir daí localizamos os possíveis participantes da pesquisa, ou então, já no momento em que o leitor tinha o primeiro contato com a pesquisa através do Formulário, o convidávamos a colaborar com o trabalho. A partir deste processo, feito de uma série de recusas, por falta de tempo ou vontade – talvez receio por parte de certos leitores, principalmente mulheres, chegamos às seis pessoas, as primeiras da lista, adiante, com o nome (fictício), que aceitaram passar por todo o processo da pesquisa. Inicialmente tínhamos pensado num contato mais intenso com os leitores, no entanto, dificuldades relativas ao tempo dos mesmos e à própria organização da pesquisa, limitaram o relacionamento a praticamente o tempo de obtenção das informações relativas aos protocolos da pesquisa. Dessa forma, os contatos ocorreram em no máximo dois encontros. Embora isso tenha sido suficiente para nossos objetivos, sem dúvida, haveria um maior aprofundamento se tivéssemos tido um convívio mais prolongado e espaçado no tempo com os indivíduos. Diríamos que isto não reduz a validade que dos dados, nem da análise, o ponto principal aqui é sobre a dificuldade de uma “etnografia de leitura” – sobretudo quando feita por um único pesquisador –, nos termos em que são realizadas, por exemplo, as etnografias do consumo de televisão. Nestas, há o acompanhamento não só do ato de consumo, mas também do cotidiano de uma família ou grupo. A natureza da recepção do impresso é diferente, o que já elimina ou dificulta esta situação de interação entre pesquisador e indivíduos, por outro lado, a maior convivência com um grupo geograficamente disperso, em termos de moradias, foi inviável. A solução mais apropriada para a efetiva realização de uma etnografia deste tipo deve passar, segundo nos parece hoje, por estratégias próximas às utilizadas por Miranda (1991), que situa o âmbito de organização da pesquisa num bairro. Dessa forma, a pesquisadora pôde

153

conviver com os moradores e, depois de algum tempo, ser aceita pelo grupo. A partir de uma convivência intensa com o mesmo, irá realizar o método etnográfico em sua essência. A utilização de grupos de pesquisadores, permitindo o fracionamento das tarefas, tanto de coleta, quanto de descrição e análise dos dados, é igualmente indicada. Feita esta breve digressão, apresentamos, abaixo, o quadro com o universo e a amostra de leitores pesquisados. Quadro Descritivo VII - Universo de leitores de Paulo Coelho da biblioteca Nome/ sexo Idade Escolaridade

Profissão

Freq. Bibl.

Reside

Leu

Comprou

Bernardo

16

colegial

estudante

– de 1 ano

Na região

– de 3

– de 3

Joana

40

colegial

secutritária

Na região

10-5

nenhum

Maria

33

colegial

entrevistadora

+ de 3 anos

Na região

5-3

– de 3

Rubens

31

Sup. incompl.

contador

– de 1 ano

Na região

– de 3

5-3

Ricardo

16

colegial

estudante

+ de 1 ano

Na região

+ de 10 + de 10

Wladimir

23

colegial

desempregado – de 1 ano

Na região

5-3

nenhum

E (fem.)

22

colegial

ourives

+ de 3 anos

Na região

5-3

– de 3

G (fem.)

15

colegial

estudante

+ de 3 anos

Bairro

5-3

nenhum

H (masc.)

17

colegial

estudante

– de 1 ano

Na região

– de 3

– de 3

J (masc.)

21

colegial

ag. segurança

+ de 1 ano

Bairro

10-5

– de 3

L (fem.)

33

colegial

comerciante

– de 1 ano

Bairro

10-5

– de 3

M (fem.)

31

colegial

dona de casa

– de 1 ano

Na região

5-3

nenhum

N (fem.)

18

colegial

secretária

– de 1 ano

Bairro

– de 3

nenhum

O (fem.)

40

primário

desempregada + de 3 anos

Na região

– de 3

- de 3

P (fem.)

19

superior

aux. escrit.

– de 1 ano

Bairro

– de 3

nenhum

S (masc.)

29

colegial

pesquisador

+ de 1 ano

Na região

5-3

nenhum

T (fem.)

50

superior

dona de casa

+ de 3 anos

Na região

5-3

– de 3

U (masc.)

50

colegial

Técnico têxtil

- de 1 ano

Na região

– de 3

nenhum

+ de 2 anos

Conforme podemos notar, também para este grupo a escolaridade colegial é um componente importante da leitura, apenas uma leitora do universo não alcança este nível. Alguns leitores cursavam ou haviam parado de estudar antes de concluir a escolaridade declarada, o que só foi possível saber posteriormente, já que o Formulário básico não era muito detalhado, de modo a facilitar o respondimento pelo usuário. Dessa forma, é 154

provável que a escolaridade média corresponda mais ao segundo grau incompleto do que à integralidade deste nível. Foi possível ver isso ao entrarmos em contato com os leitores (os seis primeiros da lista) que participaram da pesquisa completa. A idade dos leitores de Paulo Coelho da biblioteca é mais variada do que poderia sugerir a freqüência estudantil do local, indo de um extremo de 50 anos a outro de 16. Do ponto de visa do gênero, há um equilíbrio entre os leitores do escritor, metade é de homens e metade de mulheres. Um quarto dos leitores freqüentam a biblioteca há mais de 3 anos e a maioria deles mora na região e não no próprio Bairro. O raio de distância entre a moradia e a biblioteca pode ser bastante amplo, assim, um dos leitores que entrevistamos morava a cerca de uma hora e vinte da biblioteca, o que correspondia a duas conduções. As ocupações profissionais demonstram que os trabalhos são geralmente de nível médio, além dos que só estudam e chama também bastante atenção o fato de que a grande maioria dos leitores lê mais livros do que os compra. Um terço dos leitores não havia comprado nenhum livro no período de um ano, mas todos leram algum neste mesmo período. Por outro lado, os dados sugerem que os leitores de faixas etárias médias lêem e compram mais livros, o que pode estar relacionado à independência econômica (que permita a compra deste item), bem como à escolaridade (ler para estudar). Outro aspecto importante é o fato de que a atividade de leitura declarada vai além do consumo do livro: a leitura de jornais, revistas, entre outras formas, também foi mencionada pela grande maioria dos leitores. Os jornais e as revistas semanais são mais lidos pelos leitores de mais idade, enquanto os jovens/estudantes têm uma leitura menos constante destas publicações, eles irão consumir publicações segmentadas em áreas de interesse: música, informática, vestibular. O conjunto de leitores preencheu também um campo sobre os “três livros que mais gostaram”, no qual devia ser colocado o título e o nome do autor. A grande maioria (80%) citou alguma obra de Paulo Coelho e a ordem de preferência foi: O alquimista, com seis menções, seguido por Brida, com cinco e O diário de um mago, quatro menções, Nas margens do rio Piedra eu sentei e chorei, com três e As Valkírias e Verônica decide morrer com uma, com uma citação. Os outros livros e autores mencionados não adquiriram tanta expressão, o único que foi citado por dois outros leitores foi Violetas na janela – um best-seller na área da “literatura espírita” – em ambos os casos, entretanto, os leitores não lembraram o nome do autor.

155

Este aspecto é importante: existe uma forte associação entre Paulo Coelho e seus livros, ao contrário do que ocorre com boa parte das outras obras citadas. Nenhum leitor deixou de fazer a correspondência entre algum livro de Paulo Coelho e o autor, embora isso tenha ocorrido no âmbito geral de livros preferidos. Acontece, neste caso, por vezes, uma situação oposta: o leitor lembra o nome do autor de cujo livro teria gostado – “Almyr [sic] Klink”, por exemplo – mas não o título do exemplar. Dito isso, a lista completa de citações compreende os seguintes títulos (o nome do autor é inserido quando e como declarado pelos leitores): Amistad, O analista de Bagé (Luís Fernando Veríssimo), Dom Casmurro (Machado de Assis), Feliz ano velho (Marcelo), Ilusões, A mansão da pedra torta, Memórias de um sargento de milícias, O mundo de Sofia, Papillon, Se ligue em você (Gasparetto), Senhora (José de Alencar), Vale a pena viver (Gervásio), A vida secreta de Lazlo Conde Drácula, Vidas secas (Graciliano Ramos), Vinte mil léguas submarinas (Julio Verne), Violetas na janela, Virando a própria mesa (Ricardo Semler), O xangô de Baker street (Jô Soares) e “Livros evangélicos”. É difícil, em razão do fato de que nenhum destes títulos tenha alcançado expressão marcante, fazer correlações entre a leitura geral de livros do grupo e a leitura de Paulo Coelho. O aspecto que mais se destaca é, porém, a preferência pela ficção. Esta preferência pode ser vinculada a três categorias: uma possível leitura escolar (Machado de Assis, Graciliano Ramos), consumo próximo a temáticas espirituais (os livros espíritas citados), ou ainda ao universo do best-seller produzido por autores conhecidos (Marcelo Rubens Paiva, Luís Fernando Veríssimo, Jô Soares). Por contraste, nota-se como a leitura de Paulo Coelho configurou-se como uma preferência dos leitores do grupo, de modo geral. Antes da descrição e análise dos dados qualitativos obtidos dos leitores que participaram integralmente da pesquisa, é importante fazer algumas observações sobre o processo de construção da amostra e sobre os próprios dados obtidos. Em primeiro lugar, notaríamos que existem mais leitores de Paulo Coelho na biblioteca, do que os que responderam ao Formulário, este ponto está relacionado ao fato de que, conforme nos foi dito pelas funcionárias, nem sempre os leitores do autor preenchiam o instrumento. E, por outro lado, os títulos de Paulo Coelho no local são continuamente emprestados e abrangem sobretudo as obras mais antigas do autor107. Dessa 107

Os livros de Paulo Coelho existentes na biblioteca são os seguintes: O diário de um mago, O alquimista (três exemplares), Brida (dois exemplares), Maktub, Nas margens do rio Piedra eu sentei e chorei, As Valkírias, Verônica decide morrer e O teatro na educação.

156

forma, alguns leitores já devem ter lido todas as obras, e portanto não fazem mais empréstimos, bem como o leitor pode ter tido a intenção de ler algum dos livros de Paulo Coelho do local, mas não tê-lo encontrado. Como a construção do universo da pesquisa envolveu a retirada de livros do autor (num período que foi do início de 2000 ao fim de 2001) é possível que parte dos leitores, neste mesmo período, não tenham sido relacionados no grupo mais amplo de usuários da biblioteca. Apesar destes aspectos, acreditamos ter sido importante termos descrito e feito algumas inferências a respeito dos dados gerais, correlacionados aos índices mais amplos (de todos os usuários), pois eles são indicativos da prática de leitura ligada a Paulo Coelho e sua relação com a biblioteca. Sem preocupar-se com a representativa estatística stricto sensu do universo, os dados projetam um “leitor médio”, que foi útil caracterizar. Este leitor típico mostrou-se variado em certos aspectos (gênero, faixas etárias, preferencias literárias, regiões de moradia) e mais homogêneo em outros (escolaridade, ocupações médias e leitura maior do que a compra de livros). A respeito dos leitores cujos dados são a seguir descritos, vale atentar para o fato de que a participação voluntária dos leitores na pesquisa implicou uma amostra com forte traço casual108. Ocorreu, inclusive, uma série de dificuldades para a montagem do grupo, tais como mudanças de telefone dos leitores ou da disposição por parte dos mesmos para participarem do restante da pesquisa. Estes aspectos fizeram com que alguns pontos ligados a uma possível (e desejável) intencionalidade na construção da amostra fossem dificultados. Assim, por exemplo, seria interessante ter equilibrado mais o número de participantes homens e mulheres, isto, porém, não foi possível. Conseguimos, entretanto obter uma relativa variedade, em certo sentido coerente ao universo do qual partimos. Dessa forma, dois estudantes participaram da pesquisa (leitores com menos idade), bem como duas mulheres. O caso de uma dessas mulheres merece ser notado. Joana não é sócia da biblioteca, no entanto, seu filho Bernardo é, e ele costumava reemprestrar os livros da biblioteca para a mãe, leitora voraz de Paulo Coelho. Uma vez que ela soube da pesquisa, dispôs-se a participar da mesma, o que para nós foi útil, tanto no sentido de visualizar um modo particular de apropriação do livro de biblioteca, quanto pelo fato de trazer elementos sobre 108

Depois de algum tempo, o que passamos a fazer, para tentar resolver o problema oferecer um livro como “presente”, pela participação na pesquisa, o livro poderia ser escolhido pelo leitor. Sempre foram escolhidos obras e Paulo Coelho. Este expediente parece ter incentivado a colaboração dos leitores.

157

uma forma de consumo familiar do escritor. O que coloca em foco também a transmissão do interesse pela leitura nesse âmbito. Outro aspecto que destacamos é o fato de que o leitor Vladimir respondeu apenas o Formulário básico e a Entrevista de História de Vida de Leitura, já que depois de algum tempo perdemos o contato com ele (Vladimir não possuía telefone). O leitor estava em São Paulo estudando, e iria voltar à sua cidade, Londrina, para trabalhar e prestar o vestibular, o que deve ter ocorrido. Agregamos dados de sua entrevista, porém, na medida em que ela foi bastante rica em informações. Além disso, é interessante comentar que, embora a questão étnica não seja central neste trabalho, Vladimir foi o único leitor negro que participou desta parte da pesquisa. (Como o Formulário básico não pedia dados deste tipo, é possível, todavia, que algum outro leitor que o respondeu, quando nós não estávamos na biblioteca, tivesse também esta característica.) Por fim, o Instrumento Relato de Leitura foi prejudicado pela dificuldade de que os todos os leitores o devolvessem preenchido. Visto da perspectiva atual, parece ter sido errôneo pedir para o leitor fizesse em outro momento o preenchimento deste instrumento. Apenas um leitor devolve-o; procuraremos recuperar os demais, em outro momento. Devemos notar ainda que as entrevistas foram realizadas na própria biblioteca, geralmente, numa sala isolada; ou na casa dos leitores ou em outros locais, fora da casa dos leitores, conforme a solicitação dos participantes. Os leitores podem ser caracterizados da seguinte forma, quanto às ocupações: dois são estudantes, um pretendia estudar e estava desempregado e os outros três exercem ocupações típicas de nível médio, o que se evidencia igualmente pelas rendas familiares, entre 3 e 5 salários mínimos (três leitores) e mais de 10 salários mínimos (três leitores). Como já assinalado, todos alcançam o ensino colegial, além disso, não moravam no Bairro. Este aspecto foi interessante por colocar a questão da biblioteca como “programa”, possibilidade de passeio, pois certos leitores moravam em bairros bastante afastados, como já assinalamos, mas que também possuíam bibliotecas públicas. Porém, diziam que sua freqüência à biblioteca em questão devia-se a esta possibilidade de “sair de casa”, do “cotidiano” ao mesmo tempo em que reconheciam o “bom” acervo da biblioteca. O leitor Vladimir, desempregado de 21 anos que queria prestar vestibular para Psicologia, apenas pegava livros para ler na biblioteca, por exemplo, e disse que:

158

Eu não alugo livro, não pego... Tem livro que eu pego aqui, por exemplo, de 250 páginas, eu pego hoje e termino hoje. Às vezes estou com preguiça de ler, pego ele hoje para ler amanhã, venho terminar ele, assim. Só mais para ler, sair da rotina do cotidiano de casa. [...] Porque se eu começar a ler livro, revistas, fazer essas assinaturas [em sua residência], não saía de casa, começa a ler, ler, ver televisão, não saía de casa. Acho que não pega bem, não fica bem.

A utilização da biblioteca também poderá ser explicada por uma casualidade, porque o dentista ao qual o leitor ia era perto ou porque o local estava no caminho de seu trabalho. O uso deste local, conforme atestaram os depoimentos, coloca-se como uma oportunidade de uso de livros para os quais o leitor nem sempre tem recursos para a compra, ou então, mais propriamente, o hábito. Nesse sentido, é interessante, inicialmente, dentro do objetivo de caracterizar a leitura de Paulo Coelho quanto às práticas de consumo cultural dos leitores, descrever certos aspectos das trajetórias e modos de leitura.

Contextos da leitura: trajetórias e modalidades Daí eu já estava na segunda série, onde eu morava era um lugar bem pobre, né, nós sempre fomos pobres. Daí eu achei um monte de livros que estavam no lixo. Daí eu guardei, pois daí eu falei assim: “quando eu tiver um grau de estudo maior eu vou utilizar”, né? [...] Às vezes o livro era até desatualizado, mas mesmo assim eu tenho até alguns livros que eu achei no lixo. (Rubens, 31 anos, contador) Eu sempre fui um garoto interessado em cultura, esses negócios de dança, e... andava na rua com a molecada, né? Fazer essas festinhas juninas e qualquer coisinha que eu achava na rua, no chão, eu pegava e lia, como esse chiclete aí no chão, eu pego e leio. (Vladimir, 23 anos, assistente técnico) Olha, eu sempre gostei de leitura, né, desde pequena, mas antigamente não tinha muito esse costume de ler livro, de comprar livro, não tinha esse acesso que hoje você tem.... (Joana, 40 anos, securitária)

Um ponto que emerge claramente dos depoimentos dos leitores é relativo à “dificuldade de acesso” aos livros e impressos, sobretudo no caso dos leitores de mais idade, em etapas inicias da trajetória de leitura. A despeito disso, todos desenvolvem alternativas a esta situação: o livro encontrado no lixo, a leitura casual de textos encontrados na rua, a utilização de bibliotecas. Isto chega a marcar profundamente as trajetórias, de modo que uma leitura como Joana pontua sua narrativa pelas leituras feitas nas bibliotecas das empresas em que

159

trabalhou. Foi este ambiente, ademais, que forneceu as informações e indicações sobre os livros que circulavam, e que a marcaram de modo mais duradouro. Assim, mesmo vivendo uma situação econômica que permitiria a compra de livros, ela não adquiriu este “hábito” – e hoje poderá aproveitar-se do fato do filho comprar livros ou emprestá-los de bibliotecas para lê-los. A situação mais curiosa ocorrida neste sentido é que, admiradora de Paulo Coelho e em especial de O diário de um mago, livro que leu dez vezes, a leitora, entretanto, nunca o comprou, porque “sempre teria como conseguir”. É também no caso dos leitores de idade mais avançada – os não estudantes – que a situação de menor nível educacional familiar (os pais dos indivíduos desse grupo não alcançam o colegial, ao contrário do grupo de estudantes) reflete-se numa menor possibilidade de leitura doméstica de livros. Além disso, as condições econômicas, segundo os depoimentos, impediam a compra desse bem no passado ou mesmo ainda hoje. Isto não significa, porém, a ausência de leituras, e de um universo relativamente variado de práticas relacionadas a ela, sobretudo via produtos da indústria cultural. Dessa forma, por vezes, os livros são comprados em promoções, e destaca-se também a utilização de bibliotecas. Os jornais, as revistas e os gibis – estes freqüentemente lembrados como forma de acesso inicial ao mundo da leitura – são modalidades de consumo do impresso existentes e que em parte mantém-se entre os leitores pesquisados. Embora, novamente aqui, em certas situações, este consumo possa envolver estratégias de modo a fazer com que as dificuldades econômicas não impeçam a leitura: ver os jornais pendurados em frente a uma banca pode constituir um substituto da compra do mesmo, bem como os empréstimos de amigos e parentes. As promoções ou materiais mais em conta também serão um meio para o acesso ao que ser quer ou pode-se ler. Há aqui um sentido de adaptação do leitor à sua condição econômica claro: Livro eu não compro não, mas revistas eu compro. Toda semana eu compro, uma assim... porque agora tem essas revistinhas baratinhas, tipo dois reais, que tenha tudo, poucas informações, né? Mas como você não tem para comprar uma de cinco vai na de dois mesmo. (Rubens)

Funciona, da mesma forma quanto à adaptação da leitura às possibilidade reais de efetivá-la, um circuito de empréstimos e/ou indicações de livros (meio principal de conhecimento de Paulo Coelho, como descreveremos) ou outros impressos por amigos e parentes, principalmente estes, em suma, possibilidades próximas e viáveis.

160

Eu tive um irmão que gostava de ler bastante essas revistinhas de rock, tudo. Então tinha aquela coleção toda, pôsteres... Então... [passou a ler] nessa área. Ele dormia no meu quarto, junto comigo, então comecei a olhar, ler, saber folhear uma revista, lia, lia pra caramba, fiquei interessado por isso. (Vladimir) Ah, meu pai sempre gostou de estudar, ele costuma ler bastante a Bíblia, uma leitura boa, ótima, assim que no mundo inteiro costuma ler. [...] E por aí meu pai começou a me influenciar. Até que um dia ele pegou... eu falei que queria presta uma prova para entrar numa escola, daí ele pegou um livro e pôs na minha frente e falou: “então estuda”. (Ricardo)

Por outro lado, o sistema de empréstimo a amigos corresponde também a uma disposição, valorizada pelos leitores, para falar sobre a leitura, discuti-la, torná-la um evento ligado a outras esferas de suas vidas. De modo que ler implicaria, no plano ideal, relacionar-se com outras pessoas, partilhar experiências. No entanto, é clara a noção de que os espaços nos quais cada tipo de texto literário, ou mesmo de troca de informação ligada ao impresso, circulará é diferente. Assim, ler “romances” (o que deve ser entendido como a leitura de livros sentimentais) é uma forma de encontrar assunto com as “meninas”, “porque mulher adora romance”, como colocam em termos similares dois leitores mais jovens. Porém, conforme diz um deles, um livro como Vidas Secas não serve como motivo para assunto, pois “o povo fala assim... chato, eu não achei tão chato”, mas a opinião do grupo é mais forte. De outro lado, é esta dimensão da experiência cotidiana que forma e sedimenta o próprio consumo de livros, ainda que a motivação primeira possa ser praticamente marginal à questão da leitura. Um dos entrevistados relembrou, ao detalhar como passou a interessar-se por bibliotecas, que isto teve início devido à sua tentativa de namorar a recepcionista de uma delas; assim, começou a sua freqüência intensa a bibliotecas que continua até hoje. A disposição para tomar livros emprestados de amigos envolve também a disposição para o empréstimo dos poucos livros que se possui. Um leitor diz que tem: uns quinze livros, mais ou menos. Você vai comprando, guardando, comprando, guardando... Às vezes, a pessoa pede o livro emprestado, é livro “raro”, que você empresta e é raro de devolver [Risos]. (Rubens)

Se o uso da biblioteca, como vimos, pode envolver uma extrema particularidade na trajetória do indivíduo, o mais comum, entretanto, é que ele esteja relacionado à impossibilidade de compra dos livros desejados, e também a uma utilização “escolar” (principalmente no período correspondente ao ciclo de estudo) deste espaço. Por isso,

161

notamos que este relacionamento escola-trabalhos escolares/biblioteca-leitura possui uma densidade realmente marcante no grupo. Isso tem algumas implicações que discutiremos a seguir. A utilização de bibliotecas ocupa um lugar importante nas trajetórias de leitura do livro, também na medida em que o ato da leitura é em si valorizado, mesmo que as condições econômicas dificultem-no. Assim, todos os leitores já freqüentaram ou vão ainda a outras bibliotecas, além daquela em que se ancorou nossa pesquisa. Evidencia-se, pelos depoimentos, uma trajetória típica de leitura, que vai dos impressos ligados à família, os que esta possui e valoriza – caso em geral da Bíblia ou outros livros religiosos, bem como os didáticos –, à escola e, por fim, às escolhas que os leitores podem fazer de modo mais livre, em geral (salvo os estudantes, por constrangimentos econômicos e obrigações de leitura escolar) atualmente. A leitura atual envolverá, então, conforme já dissemos, não só o consumo de livros, mas também uma série de outros produtos – pela ordem de relevância geral: jornais, revistas, impressos ligados ao trabalho ou escola. E é nestes dois espaços que se concentrará o principal nível das práticas de escrita, alguns dos leitores que trabalham, ao falar sobre isso notam, até certo ponto surpresos, o quanto seu trabalho exige desta competência, para o preenchimento de documentos, protocolos, envio de mensagens. Existem outras formas de prática da escrita, principalmente entre os mais jovens: escrever poesias, que poderão transformar-se em músicas, copiar letras de grupos musicais de apreço, fazer fichamentos de livros ou cópia de trechos significativos dos mesmos. Uma leitora do grupo dos que trabalham anotava, por exemplo, trechos dos livros de Paulo Coelho que considerava “bonitos” e importantes. Há também, para o acesso a textos, o uso de meios modernos, como internet, já utilizada por quatro dos seis leitores. E, mesmo no caso dos leitores que não utilizam este meio ou o usam pouco, há uma espécie de fascínio por este possibilidade, vista como de grande utilidade e relevância nos dias de hoje, o que ressalta a própria importância, para os sujeitos, da leitura. A leitura não é principal prática cultural dos leitores, ainda que possamos vê-la como bastante relevante para alguns leitores do grupo. Porém, há para o grupo de leitores uma maior importância – pelo menos quanto ao tempo gasto nas atividades – quanto ao consumo de meios eletrônicos, vídeo-cassete, televisão (inclusive na modalidade dos

162

canais pagos para dois leitores), o consumo de música pelo rádio ou CDs, aspecto importante para os leitores mais jovens. O consumo de cinema diminui conforme aumenta a idade e cai o nível econômico, e os espetáculos musicais (salvo para os jovens) e teatro são raros. Nestes casos, o constrangimento econômico nunca é citado, entretanto, ele é provavelmente um dos fatores além da “falta de hábito” comentada, por alguns. Retornando ao consumo de impressos, as práticas de leitura atuais ligadas ao livro envolvem sobretudo o consumo de ficção, livros de “literatura”, “romance”, nos termos utilizados pelos leitores. Porém, eles enunciam também outros interesses: livros de “psicologia e auto-ajuda” (no caso de um deles, que via ambas as categorias como idênticas, e só a segunda categoria, outra leitora), “esotéricos” e sobre “magia” (dois leitores), livros ligados a matérias escolares de modo geral (os dois estudantes). Se a leitura de ficção é a principal, dentro do consumo do livro, no centro dela está Paulo Coelho, o escritor do qual os leitores mais leram livros, e pelo qual têm admiração e respeito. Abordaremos em mais detalhe a relação dos leitores com o autor adiante, por ora, vale ressaltar esta centralidade que o escritor assume no universo letrado dos indivíduos, bem como o fato de que ele é visto basicamente como um autor de “histórias”, “ficção”, embora a categoria em que os textos sejam lidos possa envolver certas nuances entre os leitores e no próprio entendimento que cada um tem sobre o trabalho do escritor. As outras modalidades de consumo de literatura são relacionadas ao universo de autores vistos na escola (aparentemente pouco lidos, mas que servem, de certo modo, como um “parâmetro” para alguns leitores, conforme mostraremos), que podem servir ao vestibular (no caso dos estudantes) ou no âmbito do best-seller tradicional, como Sidney Sheldon, coleções de banca no formato Sabrina e romances espíritas (nestes casos, principalmente as mulheres, embora alguns dos homens também possam consumir, por vezes, estes tipos de livro). Se existem categorias que são atrativas aos leitores, por outro lado, o livro deve possuir outros elementos materiais para que seja desejado: A capa é superimportante [na escolha de um livro] [...] a capa e a letra, entendeu? Se tiver um livro com letras grandes, de fôrma, bem assim legal, grande eu gosto de ler. Livrinho com letrinha pequenininha eu não sou muito chegado. (Wladimir)

Os modos de ler – circunstâncias e espaços – variam: os que têm mais tempo, como os estudantes, possuem uma prática menos regrada, podem ler em qualquer lugar da casa ou na rua, mas incorporam noções sobre um bom ambiente para o ato ligadas à calma,

163

tranqüilidade, interioridade. Entendem que certas leituras exigem um ambiente isolado que propicie concentração, o que aproxima a leitura do estudo. Já os que trabalham, falaram com freqüência em uma leitura “em trânsito”, como uma modalidade existente em certa etapa da vida ou ainda hoje, principalmente porque alguns trabalham em serviços que exigem deslocamentos em transporte público. Dessa forma, a leitura no ônibus é comum, e é uma forma de obter informações ou de continuar um envolvimento prazeroso com os livros. A outra ocasião principal da leitura dos livros para os adultos trabalhadores é à noite, em casa, ou nos finais de semana. É possível notar que o conceito mais relevante ligado à leitura do livro ficcional, conforme a expressão de diferentes leitores, relaciona-se a uma leitura prazerosa, na qual seja possível “entrar dentro do livro”, “viajar no livro”. Estas expressões recorrentes nas falas dos diferentes leitores são uma síntese de uma prática de leitura vista como significativa e profunda. Os motivos pelos quais isso é associado ao consumo de Paulo Coelho serão descritos e analisados no próximo tópico. Por outro lado, um paradoxo instaura-se na constante valorização da leitura como um meio para obter informações, ascender socialmente, “aprender a conversar”, “melhorar o nível”, “aumentar o vocabulário”, “abrir a mente” e no papel efetivo da transmissão literária através da escola. Uma vez que esta instituição é, por vezes, associada à punição, desprazer e, ao mesmo tempo, valorizada. Existe uma associação automática entre a leitura e escola – para os estudantes o exame para as universidades, em particular, será a situação inadiável de enfrentar um texto “clássico”, mas que o leitor também acha “desinteressante” ou “difícil”. Esta é a impressão geral do grupo, e embora alguns leitores digam admirar o valor dos “grandes escritores” isso dificilmente resultará numa prática efetiva e duradoura. Por vezes, ainda, o que se retém das “aulas de literatura” são os aspectos decorativos: Pergunta – Você lembra mais alguma coisa interessante a dizer sobre leitura. De aulas de literatura? Quem foi o fundador da Academia Brasileira de Letras, acho que foi Machado de Assis, né? Falavam, teve uma prova com isso aí, esses caras... P – Você já leu esses caras? Não, nunca li, mas pretendo um dia sentar e ler bastante. P – Você acha que nunca foi estimulado a ler esses caras? É, nunca fui estimulado, sabe? Alguém chega, sabe: lê esse livro que é bom, fala sobre a Academia Brasileira de Letras, nunca fui estimulado....

Falar da valorização da leitura, nos termos dos leitores, vincula-se, pois, à educação e aos possíveis benefícios pessoais relacionados ao consumo do impresso. Porém é patente

164

a dificuldade que a escola tem em construir parâmetros ou modalidades efetivamente marcantes – que se projetem ao longo da trajetória dos sujeitos – de práticas de leitura. O que se mostra é que a escola é vista como o espaço da leitura “importante, mas sem prazer” e, assim, adiada ou evitada. No campo oposto, o da leitura por prazer, gosto, mas também capaz de proporcionar um tipo de conhecimento é que se coloca o consumo dos livros de Paulo Coelho, como mostraremos a seguir.

Consumo de Paulo Coelho: prazer e conhecimento A forma como ele [Paulo Coelho] desenvolve o texto para chegar no final... e como é colocado que você chora , no final do livro... e tem autores, tem livros aí que você lê, mas quando chega no final da história é tão, tão medíocre... Daí você fala como é possível que eu perdi meu tempo lendo esse livro? Por que você tem que ler e... gostar... (Joana) E é uma coisa que você pega o livro [de Paulo Coelho] para ler e você não quer perder tempo nenhum, porque você quer ler o livro. Você está pensando: pô, o que será que vai acontecer com fulano de tal, o que ele vai fazer mais para frente? (Rubens) Paulo Coelho, ele fala para mim a realidade, o que acontece no mundo, que a pessoa tem que ser... apesar de muitos críticos não gostar dele, entendeu? [...] Sobre negócio de magia, aí, fogo, morte, eu gosto dessas coisas, entendeu? Eu entro neles, e viajo, cara, gosto de ler pra caramba ele, muito legal para mim. (Vladimir)

Geralmente, segundo os leitores o conhecimento de Paulo Coelho começou a partir de uma indicação, de um amigo sempre lembrado. É comum também que os livros sejam lidos numa ordem contínua, um após o outro. E é com frustração que alguns leitores comentam a dificuldade que tem em pegar emprestados determinados livros de Paulo Coelho numa biblioteca ou a ausência de outros. Em geral, porém, dificilmente os livros do autor são adquiridos, salvo no caso de dois leitores. Porém, ele pode ser dado de presente para alguém, pois é provável que a pessoa goste, tanto quanto o leitor. Este “gostar” implicará num envolvimento com livros, nos termos vistos nos depoimentos acima, a narratividade dos livros cativa o leitor, bem como a simplicidade relativa do texto. Devemos lembrar que as competências dos leitores são desiguais, então, se a maioria comenta a fluência com lê o autor e a facilidade de compreensão dos textos, determinadas falas apontam também para dificuldades. As vezes eu revolto as páginas, volto para mim ler e entender de novo, né? (Maria)

165

Porém, continua a leitora, a prática de leitura poderá envolver elementos de escrita, memória para aumentar a compreensão: O alquimista até que deu para entender bem, independente de algumas coisas que eu até queria ter anotado, umas frases assim, que quando eu acho, eu falo: puta, essa frase é demais. (Maria)

Naturalmente em muito o “prazer” e o “gosto” associam-se aos termos da “consolação” e ao “apaziguamento” conforme vistos no Capítulo 4. Entretanto, o que um leitor culto pode perceber como iterativo, para alguns dos leitores de nossa pesquisa é visto (talvez uma representação) como uma “surpresa”, uma capacidade narrativa admirável do autor. As histórias são vistas como “bem construídas”, com os elementos suficientes para interessar qualquer um, por isso. Assim, os leitores falam nestes termos dos livros analisados por nós, e nos quais evidenciamos tantas repetições. Entretanto, para os leitores, cada um daqueles livros possui uma forte identidade própria, articulada pela autoria de um escritor que admiram e que, portanto, pode ser associado à idéia de literatura: Ah, eu vejo como se fosse entrar, assim, se ele fosse entrar do lado não, na mesma linha que fosse Machado de Assis, Castro Alves, e ele ainda vai se encaixar ali. Eu acho que ele ainda vai se encaixar naquele... ele está fazendo os livros, mas ele ainda vai se encaixar ali, bem para frente, porque os livros de Machado de Assis é de 100, 50, não sei quantos anos atrás, e daqui a 50 anos o Machado de Assis, o Paulo Coelho vai estar lá também, muitos vão estar fazendo trabalhos sobre os livros dele. (Rubens)

Ao mesmo tempo parecem recolocar, em muitos depoimentos, a idéia de que o texto pode assumir diferentes leituras. Assim, as definições dadas aos livros, sobre seus gêneros, são múltiplas, embora nunca neguem o plano “literário” (num sentido positivo) do trabalho do autor. Paulo Coelho pode ser visto como autor de “romances poéticos”, “esotéricos”, “mágicos”, “sobre magia” de “auto-ajuda”, no entanto, não há uma hierarquia de valores nestas definições. Ao colocar Paulo Coelho como um autor de “auto-ajuda”, o leitor não acredita que isso prejudique o valor de Paulo Coelho como “escritor”. Para alguns, ele é um bom escritor justamente porque tem elementos dessa tendência, mas não só dela. Por outro lado, os leitores cientes das críticas sofridas pelo escritor optaram por dizer que elas “não tem fundamento”, “são motivadas pela inveja” devem ser ignoradas ou ainda apelem para o direito, alicerçado no gosto pessoal e inalienável, de lê-lo: Já me falaram: ah, eu odeio Paulo Coelho! Eu disse: isso é uma questão de gosto, eu não vou discutir com você, mas esse povo não tem imaginação, né, Paulo Coelho... aquela

166

parte que fala dos sinais, né... aqueles trabalhos que têm uma coisa que a princípio era chata, depois você vai fazendo e vai pegando gosto pela coisa, tem coisa que até hoje tá gravada mesmo...: (Joana)

É possível ainda observar a existência de elementos de identificação dos leitores com os personagens, assim, os consumidores se vêm fazendo coisas feitas pelos “superhomens comuns” de Paulo Coelho: tomar vinho, tomar decisões repentinas, dar mais valor a coisas a que antes não dava. Este é um ponto que remete a outra grande constantemente ligada ao consumo de Paulo Coelho que surge nas falas dos leitores: o “conhecimento” que ele propiciaria: Ele passa experiências, sei lá o que ele passou lá atrás, você está passando hoje... ou você já passou em algum momento da sua vida, eu diria que é assim... A magia mesmo do livro dele, existem coisas que ele diz que te ajudam mesmo no dia-a-dia, até lendo assim... alguns trechos do livros dele, algumas palavras dele que te servem no dia-a-dia. (Joana) Ele passa assim... na história de vida dele, tipo um ensinamento. Apesar que eu não pego todo aquele ensinamento, por, às vezes... Pode ser fictício, pode não ser, porque ele costuma viver as histórias que ele coloca no livro, né? [...] Muitas é imaginário, talvez, não sei, eu nunca tive a oportunidade de estar de frente dele perguntado, fazendo perguntas que eu gostaria para matar a curiosidade... (Ricardo)

Este conhecimento poderá processar-se ainda no âmbito das frases “bonitas” dos livros, que serão anotadas por alguns leitores, como índices do bom texto literário, e aqui funde-se ao aprendizado de um vocabulário ou estilo. O prazer e conhecimento, segundo pudemos ver, e talvez o reconhecimento de uma narrativa “simples” são aspectos que demarcaram o horizonte da “apropriação popular” de Paulo Coelho pelos usuários da biblioteca. E a questão da magia, do esoterismo, que, em princípio poderia parecer um elemento tão central? Existe, sim, curiosidade por este aspecto (sobretudo nos leitores mais jovens), porém, de um lado, os receptores podem simplesmente ignorar aspectos como estes (determinados simbolismos dos livros, por exemplo) em prol de uma narrativa “bem feita”. De outro lado, do modo como Paulo Coelho trabalha estes elementos não ocorrem contradições entre o que o leitor crê (a maioria era católico) e os textos. E também, nesse sentido, é interessante notar os leitores tendem a interpretar a questão da magia nos termos práticos propostos por Paulo Coelho, assim, a busca de uma espada, no caso de O diário de um mago será vista como a “busca de um desejo qualquer”

167

e não necessariamente algo vinculado à magia, que é vista, por vezes, como um aspecto que “não tem nada a ver”. Mais ainda: se vimos que os livros analisados podem sugerir que as coisas mais importantes na vida são conseguir o que se deseja, o sucesso, há uma forte associação entre estas idéias e a crença do autor, que embora admirado não precisa sempre ser imitado ou seguido. Estes aspectos, entre outros, merecem aprofundamentos em análises dos dados por nós coletados, porém, nos limites exploratórios de nosso estudo parecem-nos suficientes por ora.

168

Considerações Finais

Complexo, mas não caótico Ao fim da jornada que envolveu esta pesquisa gostaríamos de destacar alguns pontos, que nos parecem importantes. Em primeiro lugar, a estratégia metodológica utilizada. No nosso entender, a utilização do modelo do estudo de caso – ou seja, a tentativa de compreender um objeto sob múltiplas facetas – foi, nesta pesquisa, bastante coerente. Ao mesmo tempo em que o complemento “exploratório” dado ao modelo também se conformou à realidade. Vale a pena ressaltar este ponto, pois como dissemos na Introdução da pesquisa, objetos como Paulo Coelho, muito “popularizados”, “midiáticos”, tendem a projetar idéias demasiadamente simplistas a respeito de sua natureza. Assim, todas as questões que envolvem o objeto podem ser resolvidas num único parágrafo, ou numa única idéia pré-concebida: Talvez o sucesso de Paulo Coelho seja simplesmente uma demonstração da nossa incultura, patrimônio nosso, da maioria dos brasileiros que não conheceram, ou não souberam o que era importante ler, ou simplesmente não foram estimulados e ensinados a ler o que era importante e instrutivo. (Perissé, 1998, § 43).

Talvez, nesse sentido, uma contribuição não negligenciável de nossa pesquisa tenha sido apontar para uma série de âmbitos que merecem ser aprofundados com o objetivo de entender melhor as práticas comunicativas ligadas à circulação do livro, e mesmo do consumo de Paulo Coelho. As relações entre agentes do mercado editorial e autores, o modo como estrutura-se a profissionalização do setor e em particular dos escritores voltados a grandes públicos, como compreender as práticas de leitura no Brasil, a partir de dados nem sempre ideais; quais as possíveis correlações entre mudanças estruturais na sociedade brasileira e a leitura, entre outras. Com freqüência tivemos que responder a questões como estas na prática de nossa investigação, e sem dúvida de modo parcial e às vezes tateando, buscando alternativas para conhecer melhor um objeto específico. É claro, portanto, que cada uma dessas questões deverá merecer em si mesma uma reflexão menos “direcionada” do que a nossa, e de sentido mais geral. (Por vezes, felizmente, pudemos nos apropriar de respostas, mais ou menos gerais, de autores que pensaram em questões como estas, no contexto local.)

169

Um segundo ponto que destacaríamos é o pioneirismo de grande parte do trabalho feito em nossa pesquisa. Diríamos, entretanto, que este aspecto esteve ligado ao fato de que tivemos que fazer trabalhos que nunca tinham sido feitos – e nos pareceram absolutamente necessários e imprescindíveis para a compreensão do problema do estudo, à medida que a investigação transcorreu. Ora, se lemos Chartier, Darnton, como não analisar edições, estudar trajetórias históricas, circuitos do livro? Nesse sentido é que justificamos, por um lado, o fato de que tendo objetivado pesquisar leitores de uma biblioteca tenhamos dedicado um capítulo entre cinco para descrever e analisar os muitos dados coletados da investigação empírica. De fato, tivemos mais trabalho em outros aspectos da pesquisa do que imaginávamos; porém, o outro lado de nossa justificativa é simples: em cada um dos capítulos sempre esteve colocado o posicionamento do leitor, ou seja, a idéia que a recepção que pode ser vista, como problema teórico-metodológico, enquanto um aspecto implícito no âmbito da produção (em termos textuais ou materiais), nas estratégias de seus agentes, nas condições sociais que demarcam os limites não só da interpretação, mas do próprio acesso ao impresso. Assim, discutir o mercado editorial e as trajetórias de seus agentes, o papel profissionalização dos autores e o tipo de texto e de formato conformados para um amplo público, foram etapas que convergiram fortemente para o estudo de caso proposto relativo à recepção do autor. Agora, feito todo este trajeto, acreditamos portanto que o termo “recepção” teve nesta pesquisa um positivo sentido ampliado. Notamos, pois, que a reflexão sobre o significado das práticas voltadas à criação de um público por parte de Paulo Coelho, dentro de determinado contexto, conduziu-nos com freqüência a levar em consideração este público almejado e implícito. Dessa forma, a idéia de “estudo de recepção” permeou vários momentos da investigação, indo além da pesquisa empírica com os leitores. Por isso, as etapas do trabalho antecedentes, relacionaram-se à realização do objetivo central do trabalho. Porém acreditamos que os dados obtidos poderiam ser aprofundados, bem como a pesquisa, de modo geral, merecia uma crítica interna a distância, de nosso parte. Quer dizer, gostaríamos de terminar estas Considerações Finais com observações mais críticas sobre o processo de pesquisa. Porém, estamos, neste momento, tão demasiadamente envolvidos nos dados, na experiência resultante da prática da investigação, tão próximos

170

aos leitores e ao universo (por que não dizer fascinante da leitura deste autor), que não tivemos a possibilidade de cumprir esta tarefa. Assim, projeta-se, quase uma conseqüência lógica desta pesquisa, a sua crítica, em termos que possam apontar para seus limites e também aspectos relevantes. O único ponto que, quanto a este último aspecto, que gostaríamos de destacar é a huipótese de reflexão amadurecida ao longo da pesquisa, segundo a qual a leitura de Paulo Coelho envolveria, em grande parte, a incorporação de “novos leitores” ao mercado do livro. Em nosso entender, essa hipótese merece aprofundamentos e que, em caso dela corresponder à realidade, tiremos dela conseqüências positivas.

171

Referências Bibliográficas Gerais ABREU, Márcia. 2000. O livro e suas dificuldades. Em Dia (on-line). Campinas: Associação de Leitura do Brasil. Disponível em http://www.alb.org.br/EmDia/index.htm. _____________. 1998. Contradições em torno ao ato de ler. Leitura: Teoria & Prática, nº 31, junho, Campinas/Porto Alegre: ALB/Mercado Aberto, pp. 2-4. ABREU, Márcia. (org.). 1999. Leitura, História e História da Leitura, Campinas: ALB/ Fapesp/Mercado de Letras. ALBORELLO, Luc et al. 1997. Práticas e métodos de investigação em ciências sociais. Porto: Gradiva. ALVES, Rodrigo. 2001. Uma pilha de novos autores. Veredas (on-line). Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, setembro. Disponível em http://www.cultura-e.com.br/veredas/69/novos _autores.asp. ANDRADES, Marcelo Ferreira de. 1999. Com Chartier, um roteiro para a história do livro. Anais do XXII Congresso da Intercom. Rio de Janeiro: Intercom, CD. ARANTES, Antonio A. 1982. O trabalho e a fala. Campinas: Kairós/Funcamp. ARAÚJO, Luís Edmundo. 2001. Estrelas na Bienal do Livro. Istoé Gente (on-line), São Paulo: Editora Três. Disponível em http://www.terra.com.br/istoegente/95/reportagem/ estrela_na_bienal.htm. ARAÚJO, Maria Jaqueline de G. M. de. 2000. Práticas de leitura na escola e nas famílias em meios populares. 23ª Reunião Anual da Anped. GT Alfabetização, Leitura e Escrita. Disponível em: http://www.anped.org.br/1022t.htm. _____________. 1999. Práticas de leitura na escola e nas famílias em meios populares. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FAE - UFMG. ARIÈS, Philippe e BÉJIN, André (orgs.). 1985. Sexualidades ocidentais. São Paulo: Brasiliense. AVERBUCK, Lígia (org.). 1984. Literatura em tempo de cultura de massa. São Paulo: Nobel. BALOGH, Anna Maria. 1996. Conjunções, disjunções, transmutações: da literatura ao cinema e à TV. São Paulo: Annablume. BARCELLOS, Cláudia. 2001. “Almanaque do pensamento” faz 90 anos. Valor Econômico (on-line). 29 de agosto. Disponível em http://www.valor.com.br/valoreconomico/materia. asp?id=804531. BASTIDE, Roger. 1991. Introdução a dois estudos sobre a técnica da história de vida. In: QUEIROS, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. São Paulo: T. A. Queiróz., 2ª ed., pp. 150-153. BECKER, Howard. 1999. Métodos de pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: Hucitec, 4ª ed. BERGAMO, Mônica. 2002. Cabeceira. Folha de S.Paulo, 21 de janeiro, E2. BONIN, Jiani Adriana. 2001. Identidade étnica, cotidiano familiar e telenovela. Tese de Doutorado: ECA-USP. BORELLI, Sílvia Helena Simões. 1996. Ação, suspense e emoção - leitura e cultura de massa no Brasil, São Paulo: EDUC/Estação Liberdade. BOSI, Alfredo. 1993. Cultura brasileira e culturas brasileiras. In: Dialética da colonização, São Paulo: Companhia das Letras, 3ª reimpressão, pp. 308-345. BOSI, Ecléa. 1991 (1ª ed.: 1972). Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias, Petrópolis: Vozes, 8ªed. BOURDIEU, Pierre. 1990. O campo intelectual: um mundo à parte. In: ___. Coisas ditas, São Paulo: Brasiliense, pp. 169-180. CARDIM, Thiago. 2001. Novos autores correm à internet. Revista Submarino (on-line). São Paulo, 15 a 22 de março. Disponível em http://www.revistasubmarino.com.br/submarino/calandra.nsf/0/78C491F32BA 48A5503256 A0E0065A451?OpenDocument.

172

CBL / Bracelpa / Snel / Abrelivros. 2001. Retrato da leitura no Brasil. Série de 88 slides sobre a pesquisa realizada por A. Francescini Análises de Mercado. Disponível em epoca.globo.com/especiais_online/ 2001/07/13_pesquisa. CERTEAU, Michel de. 1994. A invenção do cotidiano. Artes de fazer, Petrópolis: Vozes. CHARTIER, Roger e CAVALLO, Guclielmo. 1999. História da leitura no mundo ocidental, vol. II. São Paulo: Ática. CHARTIER, Roger. 1999a. Leituras e leitores “populares” do renascença ao período clássico. In: CHARTIER, R. e CAVALLO, Guclielmo, História da leitura no mundo ocidental, vol. II. São Paulo: Ática, pp. 117-134. ______________. 1999b. A ordem dos livros, Brasília: Editora UnB, 2ª ed. ______________. 1998. A aventura do livro: do leitor ao navegador, São Paulo: Editora UNESP/Imprensa Oficial do Estado. _____________ (org.). 1998a. Práticas da leitura, São Paulo: Estação Liberdade, 2ª ed. CHARTIER, Roger e BOURDIEU, Pierre. 1998b. A leitura: uma prática cultural. In: Práticas da leitura, São Paulo: Estação Liberdade, 2ª ed., pp. 231-253. CHARTIER, Roger. 1995. “Cultura popular”: revisitando um conceito historiográfico. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 8, nº 16, pp. 179-192. CHARTIER, Roger. 1991. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo: Universidade de São Paulo, vol. 5, nº 11, jan.-abr., pp. 173-191. ______________. 1988. A História cultural entre práticas e representações, Lisboa: Difel. CHAUÍ, Marilena. 1986. Conformismo e resistência: aspectos da cultura popular no Brasil, São Paulo: Brasiliense. ______________. 1990. Considerações sobre o nacional-popular. In: Cultura e democracia, São Paulo: Cortez, 5ª ed. COHN, Gabriel. 1998. A atualidade do conceito de indústria cultural. In: MOREIRA, Alberto da Silva (org.), Sociedade Global: cultura e religião. Petrópolis: Vozes, pp. 11-26. CUNHA, Maria Tereza Santos. 1999. Educação e sedução: os romances de M. Delly. Belo Horizonte: Autêntica. CUNHA, Maria Tereza Santos. 1995. Educação e sedução: normas, condutas, valores nos romances de M. Delly. Tese de doutorado. São Paulo: FE-USP. DARNTON, Robert. 1998. Redes de Comunicação. In: Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 197-213. _____________. 1990. O beijo de Lamourette, São Paulo: Companhia das Letras. DUMONT, Lígia M. M. 1998. O imaginário feminino e a opção pela leitura de romances de séries. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: ECO-UFRJ/IBICT. EAGLETON, Terry. 2001. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 4ª ed. ECO, Umberto. 1994. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Companhia das Letras. _____________.1991. O super-homem de massa, São Paulo: Perspectiva. _____________.1986. Lector in fabula, São Paulo: Perspectiva. _____________.1970. Apocalípticos e integrados, São Paulo: Perspectiva. FERREIRA, Jerusa Pires. 1996. Livros e leituras de magia. Revista USP, nº 31, setembro/novembro, São Paulo: Universidade de São Paulo, pp. 42-51. _____________. 1992. O livro de São Cipriano: uma legenda de massas, São Paulo: Perspectiva. FERREIRA, Norma Sandra de Almeida 1999. Pesquisa em Leitura: um estudo dos resumos de dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas no Brasil, de 1980 a 1995. Tese de doutorado. Campinas: FAE-UNICAMP. _____________. 1999a. Leitura no Brasil: catálogo analítico de dissertações de mestrado e teses de doutorado: 1980-1995. Campinas: FAE - UNICAMP. FISKE, John. 1987. Television culture, London/New York: Methen & Co. FOLHA DE S.PAULO. 2001. A mancha do analfabetismo. Caderno especial, 27 de março.

173

FOLHA DE S.PAULO. 2001a. Monge assina 40% das vendas de não-ficção, 30 de junho, E5. GRAMSCI, Antonio. 1968. Literatura e vida nacional, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. GARCÍA-CANCLINI, Néstor. 2000. Notícias recientes sobre la hibridación. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de e RESENDE, Beatriz (orgs.), Artelatina: cultura, globalização e identidades. Rio de Janeiro: Aeroplano, pp. 60-82. _____________. 1997. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade, São Paulo: Edusp. _____________. 1987. Ni folklorico ni masivo: ¿Que es lo popular? Dialogos de la Comunicación, Lima: Felafacs, nº 17, junho, pp. 4-11. GINZBURG, Carlo. 1987. O queijo e os vermes, São Paulo: Companhia das Letras, 2ª ed. GODINHO, Renato Domith. 2001. Escrevi um livro. E agora? Revista Submarino (on-line). São Paulo, 8 a 15 de fevereiro. Disponível em http://www.revistasubmarino.com.br/submarino/calandra.nsf/0/18A 837037CDCC6A903256A07007029ED?OpenDocument&SLivros. GOLDFEDER, Mírian. 1980. Por trás das ondas da Rádio Nacional, Rio de Janeiro: Paz e Terra. HALLEWELL, Laurence. 1985. O livro no Brasil (sua história), São Paulo: T. A. Queiroz/Edusp. HOLLANDA, Heloisa Buarque de e RESENDE, Beatriz (orgs.). 2000. Artelatina: cultura, globalização e identidades. Rio de Janeiro: Aeroplano. HOGGART, Richard. 1973. As utilizações da cultura, Lisboa: Presença, dois volumes. JENSEN, Klaus B. e JANKOWSKI, Nicholas W. (eds.) 1993. Metodologias cualitativas de investigación en comunicación de masas, Barcelona: Bosch Casa Editorial. JENSEN, Klaus B. 1993. El análisis de la recepción de masas como producción social de significado. In: JENSEN, Klaus B. e JANKOWSKI, Nicholas W. (eds.), Metodologias cualitativas de investigación en comunicación de masas. Barcelona: Bosch Casa Editorial, pp. 165-180. JORNAL DO SNEL. 2001. O livro na tela da TV. Rio de Janeiro: Snel, setembro. Disponível em http://www.snel.org.br/noticias/jornal_p02.html. LAFONT, Hubert. 1985. As turmas de jovens. In: ARIÈS, Philippe e BÉJIN, André (orgs.). Sexualidades ocidentais. São Paulo: Brasiliense, pp. 194-209. LAJOLO, Marisa 1972. O que é literatura, São Paulo: Brasiliense. LEAL, Ondina Fachel. 1986. A leitura social da novela das oito, Petrópolis: Vozes. LINDLOF, Thomas. 1995. Introduction to qualitative communication studies. In: Qualitative communication research methods, London: Sage. LOPES, Maria Immacolata V. (coord.). 2001. A produção (teses e dissertações) dos programas de pósgraduação em Comunicação. Vol. III do relatório da pesquisa NUPEM/COMPÓS - Avaliação dos Egressos dos Programas de Pós-graduação em Comunicação no Brasil. São Paulo: CNPq. Disponível em http://www.compos.org.br. _____________. 2001a. O campo da comunicação: reflexões sobre seu estatuto disciplinar. Revista USP, São Paulo, nº 48, dezembro (2000)/fevereiro, pp. 46-57. _____________ (coord.). 2000. Recepção de telenovela: uma exploração metodológica. São Paulo: Relatório Fapesp. LOPES, Maria Immacolata V. 1999. La investigación de la comunicación: cuestiones epistemológicas, teóricas y metodológicas", Dia Logos de la Comunicación, nº 56, Lima: Felafacs. _____________. 1998. Por um paradigma transdisciplinar para o campo da comunicação. V IBERCOM – Encontro Iberoamericano de Ciências da Comunicação, Porto, novembro. _____________. 1990. Pesquisa em Comunicação: formulação de um modelo metodológico, São Paulo: Loyola. LULL, James. 1997. La “veracidad” política de los Estudios Culturales. Comunicación y Sociedade, Guadalaraja: Universidade de Guadalaraja, enero-abril, pp. 55-71. MAGNANI, José Guilherme Cantor. 1999. Mística urbe: um estudo antropológico sobre o circuito neoesotérico na metrópole. São Paulo: Studio Nobel. _____________. 1998. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade, São Paulo: Hucitec/UNESP, 2ª ed.

174

MARQUES DE MELO, José e DIAS, Paulo da Rocha (orgs.). 1999. O percurso intelectual de Jesús Martín-Barbero. São Bernardo do Campo: Umesp/Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. MARTÍN-BARBERO, Jesús. 1998. Pistas para entre-ver medios y mediaciones, Bogotá, mimeo, 12 p. _____________. 1997. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia, Rio de Janeiro: Ed. UFRJ. MARTINS, Carlos Benedito. 1998. Notas sobre o sistema de ensino superior brasileiro contemporâneo. Revista USP, São Paulo: Universidade de São Paulo, nº 39, pp. 58-82. MATTELART, Armand e Michèle. 1988. Pensar sobre los medios: comunicación y crítica social, S. José: DEI. MEYER, Marlyse. 1995. Folhetim: uma história, São Paulo: Companhia das Letras. MIRANDA, Marildes M. 1992. Os usos da escrita no cotidiano. Leitura: Teoria e Prática, Campinas: Mercado Aberto/ALB, ano 11, nº 20, pp. 17-33. _____________. 1991. Os usos sociais da escrita no cotidiano de camadas populares. Dissertação de mestrado. Belo Horizonte: FAE - UFMG. MOREIRA, Alberto da Silva (org.). 1998. Sociedade global: cultura e religião. Petrópolis: Vozes. MORIN, Edgar. 1975. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária. OLIVEIRA, Erick Felinto de. 1999. O sagrado no profano: relativismo, espetacularidade e comunicação na religiosidade do fim do milênio. Anais do XXII Congresso da Intercom. Rio de Janeiro: Intercom, CD. OLIVEIRA, Paulo de Salles. 1998. Caminhos da construção da pesquisa em ciências humanas. In: ____ (org.). Metodologia das Ciências Humanas. São Paulo: Hucitec/Ed. Unesp. OROZCO-GOMÉS, Guillermo. 1997. La investigación en comunicación desde la perspectiva cualitativa, Guadalajara: Facultad de Periodismo y Comunicación Social Universidad Nacional de La Plata/Instituto Mexicano para el Desarollo Comunitario, A. C. OROZCO-GOMÉS, Guillermo. 1994. Recepción televisiva y mediaciones: la construcción de estrategias por la audiencia. In: ___ (coord.). Televidencia: perspectivas para el análises de los processos de recepción televisiva. México: Universidad Iberoamericana, pp. 69-88. OROZCO-GOMÉS, Guillermo (coord.). 1994a. Televidencia: perspectivas para el análises de los processos de recepción televisiva. México: Universidad Iberoamericana, pp. 69-88. OROZCO-GOMÉS, Guillermo [entrevista a JACKS, Nilda]. 1993. A pesquisa de recepção: investigadores, paradigmas, contribuições latino-americanas. Intercom – Revista brasileira de Comunicação, São Paulo: Intercom, vol. XVI, nº 1, jan.-jun., pp. 63-68. ORTIZ, Renato. 1999. O caminho das mediações. In: MARQUES DE MELO, José e DIAS, Paulo da Rocha (orgs.). O percurso intelectual de Jesús Martín-Barbero. São Bernardo do Campo: Umesp/Cátedra Unesco de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. _____________. 1992. Cultura popular: românticos e folcloristas, São Paulo: Olho D’água. ORWELL, George. 1976 (1ª Ed. Inglesa: 1949). 1984. São Paulo: Nacional. PAIXÃO, Fernando (coord. ed.). 1998. Momentos do livro no Brasil. São Paulo: Ática. PAULINO, Maria das Graças R. 1990. Leitores sem textos. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: Fac. de Letras: UFRJ. PAVÃO, Jadyr. Setor do livro discutirá comercialização no ano 2000. Jornal da Tarde (on-line), São Paulo, 4 de dezembro. Disponível em http://www.jt.estado.com.br/noticias/ 99/12/04/sa8.htm. PÉCORA, Alcir. 1998. O campo das práticas da leitura segundo Chartier. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura, São Paulo: Estação Liberdade, 2ª ed., pp. 9-22. PEREIRA, Gilson R. de M., CATANI, Denice B. e CATANI, Afrânio. 2000. As apropriações da obra de Pierre Bourdieu no campo educacional brasileiro. 23ª Reunião Anual da Anped. GT Sociologia da Educação. Disponível em http://www.anped.org.br/1401t.htm. PETRUCCI, Armando. 1999. Ler por ler: um futuro para a leitura. In: CHARTIER, Roger e CAVALLO, Guclielmo, História da leitura no mundo ocidental, vol. II. São Paulo: Ática, pp. 223-227. PROPP, Vladimir. I. 1984. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

175

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. 1991. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. São Paulo: T. A. Queiróz., 2ª ed. RADWAY, Janice. 1987. Reading the romance: women, patriarchy, and popular literature, Verso: London/ New York. RAMOS, José Mário Ortiz. 1990. Cinema, televisão e publicidade - o audiovisual e a ficção de massa no Brasil. Tese de Doutorado, PUC-SP. RAMOS, José Mário Ortiz. 1993. Cultura popular de massa e a questão do pós-moderno. In: FONSECA, Cláudia (org.). Fronteiras da cultura: horizontes e territórios da antropologia na América Latina. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS. REIMÃO, Sandra. 2001. Os best-sellers de ficção no Brasil – 1990/2000. Anais do XXIV Congresso da Intercom. Campo Grande: Intercom, CD. _____________. 1999. Telenovelas adaptadas de romances brasileiros e seus materiais publicitários. In: ABREU, Márcia (org.). Leitura, História e História da Leitura, Campinas: ALB/Fapesp/Mercado de Letras, pp. 505-525. _____________. 1996. Mercado editorial brasileiro, São Paulo: COM-ARTE/Fapesp. _____________ (coord.). 1996a. Livros em revistas, São Paulo: Faculdades Salesianas/Editora Salesiana Dom Bosco. ROMANCINI, Richard. 2001. A Produção (teses e dissertação) em Comunicação sobre Produção Editorial, Livro e Leitura. XIII COLE – Congresso de Leitura do Brasil. IV Encontro sobre Mídia, Educação, Campinas: mimeo. RUQUOY, Danielle. 1997. Situação de entrevista e estratégia do entrevistador. In: ALBORELLO, Luc et al. Práticas e métodos de investigação em ciências sociais. Porto: Gradiva, pp. 83-116. RÜDIGER, Francisco. 1996. Literatura de auto-ajuda e individualismo. Porto Alegre: Ed. UFRGS. SANTOS, Maria Salett Tauk Santos e NASCIMENTO, Marta Rocha do. 2000. Desvendando o mapa noturno: análise da perspectiva das mediações nos estudos de recepção. Novos olhares. Ano II, nº 5, 1º sem., São Paulo: CTR-ECA/USP, pp. 4-11. SARLO, Beatriz. 1991. La narrativa sentimental desde la perspectiva sociocultural. Dialogos de la Comunicación, nº 30, Lima: Felafacs, pp. 31-39. _____________. 1985. El imperio de los sentimientos. Buenos Aires: Catálogos Editora. SCOLESE, Eduardo. 2001. Um território árido de letras. Folha de S.Paulo, 1º de março, E1 e E3. SILVA, Paulo Sérgio. 1994. As leitoras indiscretas visitam as bancas. Dissertação de mestrado. São Paulo: ECA-USP. SNEL. 1999 [?]. Relatório da Comissão de Relações com Mercado Resultante das Reuniões ocorridas em 1999. Snel, Rio de Janeiro, relatório. Disponível em http://www.snel.org.br/ internas/visor_relatorio.html. STRINATI, Dominic. 1999. Cultura popular: uma introdução. São Paulo: Hedra. TAROCCO, Regina Barra. 1999. Leituras e leitores: a magia das letras, imagens e vozes. Juiz de Fora: FEME. VARELLA, Mirta. 2000. De las culturas populares a las comunidades interpretativas. Dialogos de la Comunicación, nº 56, Lima: Felafacs. WASSERMAN, Raul. 2001. Informação e democracia. CBL Eletrônico, São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, ano IV, nº 181, 19 de março, p.1. WERNECK, Alexandre. 2001. Editoras virtuais abrem espaço para uma nova leva de autores de estreantes. Jornal do Brasil (on-line). Rio de Janeiro, 20 de julho. Disponível em http://www.jb.com.br/jb/papel/ cadernob/2001/07/19/jorcab20010719007.html. WOLF, Mauro. 1984. Géneros y television. Anàlisi¸ nº 9, Barcelona: Universidad de Barcelona, pp. 189-199. ZILBERMAN, Regina. 1989. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática. ZILBERMAN, Regina. 1984. A literatura e o apelo das massas. In: AVERBUCK, Lígia (org.), Literatura em tempo de cultura de massa. São Paulo: Nobel, pp. 9-31.

176

Sobre a pesquisa Retrato da leitura no Brasil ALVES, Rodrigo. 2001. Um país e seus leitores. Jornal do Brasil (on-line), 14 de julho. Disponível em http://www.jb.com.br/papel/cadernob/2001/07/13/jorcab20010713003. html. ANGIOLILLO, Francesca. 2001. Brasileiro não encontra prazer na leitura. Folha de S.Paulo, 14 de julho, E8. CORREIO RIOGRANDENSE. 2001. Dificuldade de acesso a livros faz brasileiro ler pouco, Caxias do Sul, 1º de agosto. Disponível em http://www6.via-rs.com.br/esteditora/correio/ 4743.html#pouco. DIARIO DO NORDESTE (on-line). 2001. Mercado editorial, Fortaleza, 22 de julho. Disponível em http://diariodonordeste.globo.com/2001/07/22/editor.htm. FERREIRA, Rosangela. 2001. Lendo e aprendendo. Hoje (on-line), Cascavel, 26 de agosto. Disponível em http://www.jhoje.com.br/260801/opinioes.htm JORNAL DO COMMERCIO (on-line). 2001. Brasileiro não lê. Recife, 29 de agosto. Disponível em http;//www2.uol.com.br?JC?_2001/2908/editoria.htm. MEIRA, Tatiana. 2001. Brasileiros lêem, sim! Diário de Pernambuco (on-line), 5 de agosto. Disponível em www.pernambuco.com/diario/2001/08/05/viver1_0.html. PAVÃO, Jadyr et al. Pesquisa nacional revela que 53 milhões de pessoas são leitores, mas o preço ainda faz do livro um artigo de luxo. Época (on-line), São Paulo, nº 167, 30 de julho. Disponível em http://epoca.globo.com/edic/ed16072001/cult1a.htm. SEREZA, Haroldo Ceravolo. 2001. Brasil tem 26 milhões de leitores, mostra pesquisa. O Estado de S. Paulo (on-line), 14 de julho. Disponível em http://www.estado.com.br/editorias/2001/07/ 14/cad027.html. _____________. 2001a. Mapeando hábito de leitura do brasileiro. O Estado de S. Paulo (on-line), 13 de julho. Disponível em http://www.estado.com.br/divirtase/noticias/2001/ jul/13/227.htm. ZERO HORA. 2001. O país que não lê. Porto Alegre, 22 de julho. Disponível em http://www.asssopacs.org.br/ clipping/200107/010723.htm.

Sobre Paulo Coelho, Raul Seixas e temas afins ALEXANDRE, Ricardo. 1998. Eu morri há dez anos atrás. Revista Trip, São Paulo: Editora Trip, agosto, nº 71. Disponível em http://www.civila.com/cultura/raulscript/revista.htm. ALVES, Luciane. S.d. Raul Seixas e o sonho da sociedade alternativa. São Paulo: Martin Claret. ARIAS, Juan. 1999. Confissões de um peregrino. Rio de Janeiro: Objetiva. BARS, Sérgio. 2000. Paulo Coelho: Mito e Mercado. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero. BUDA, Toninho. 1999. A paixão segundo Raul Seixas. São Paulo: Maya. CAMACHO, Marcelo. 1998. O planeta Paulo Coelho. Veja, São Paulo: Abril, 15 de abril, pp. 94-100. CARELLI, Wagner. 1990. Quem é Paulo Coelho. Folha de S.Paulo, Revista d’, 20 de maio, pp. 5-8. CAROS AMIGOS – Especial. 1999. O fenômeno Raul Seixas. São Paulo: Editora Casa Amarela/Editora Publisher, nº 4, agosto. CASABRANCA, A. M. S.d. O senhor das sombras. Rio de Janeiro: ECO. CASTELLO, José. 1997. Wilson Martins não desiste da crítica. O Estado de S. Paulo, 27de julho. COELHO, Paulo. 2001. Por que Paulo Coelho tem sucesso? Jornal de Letras, nº 38, outubro, Rio de Janeiro: Instituto Antares de Cultura/Edições Consultor, p. 21. COELHO, Paulo. 1984. À procura da convivência ideal. Planeta, São Paulo: Editora Três, julho, pp. 31-38. COMODO, Roberto. 1996. Festa de letras e cifrões. Istoé (on-line), 14 de agosto. Disponível em http://www.terra.com.br/istoe/cultura/140213.htm. O ESTADO DE S. PAULO. 1998. Paulo Coelho marca ponto na Manchete e na Globo. 16 de agosto. ÉPOCA. 2000. Paz, amor e versos. São Paulo: Globo, nº 106, 29 de maio, pp. 102-103.

177

ÉPOCA. 2001. O mago e a imortalidade, nº 167, 30 de julho. Versão on-line disponível em http://epoca.globo.com/edic/ed/ed30072001/cult1ahtm. FOLHA DE S.PAULO. 2001. Globo volta a planejar “Diário de um Mago”. 4 de setembro, E4. FOLHA DE S.PAULO. 1999. Paulo Coelho faz “Globo Repórter”. 7 de junho, E4. FREITAS, Otacília R.. 1998. Um best-seller na mira do leitor: “O alquimista”, de Paulo Coelho. Dissertação de mestrado. São Paulo: FFLCH-USP. FRIAS FILHO, Otávio. 1999. Lenda pessoal. Folha de S.Paulo. 08 de abril, A2. GERBASE, Carlos. 1999. Raul Seixas, um filósofo “outsider”. Site Não. Agosto 66. Disponível em http://www.nao-til.com.br/nao-66/filosofo.htm. GODINHO, Renato Domith. 2001a. “Não sou escritor de auto-ajuda, mas de auto-problema” (entrevista de Paulo Coelho). Revista Submarino (on-line). São Paulo: Submarino, 26 a 1 de novembro. Disponível em www.revistasubmarino.com.br/submarino/calandra.nsf/7a388a316a8996aa0325696800560ecd/871e703de3 b02e6c032569810066d48f?OpenDocument. GOERDELER, Carl D. 2000. Das Kreuz mit Paulo Coelho (The crux with Paulo Coelho). Neue Zürcher Zeitung (on-line), Dienstag, 16 de maio, pp. 1-2. Disponível em http://www.kirchen.ch/pressespiegel /nzz/0183.pdf. GUERRA, Regina. 1987. O Castanñeda de Copacabana. O Globo. O3 de agosto. LEIA. 1987. As 100 maiores de 1986, junho, p. 6. LEIA. 1985. Quem é quem no mercado editorial, junho, pp. 17-19. LIANO Jr., Nelson. 1990. Manual prático do vampirismo. Rio de Janeiro: ECO, 1ª ed. (Nova versão.) _______________. 1993. Manual prático do vampirismo. Rio de Janeiro: Record, 2ª ed. MAESTRI, Mário. 1999. Por que Paulo Coelho teve sucesso. Porto Alegre: AGE Editora. MONZILLO, Mariana. 2001. Paulo Rocco: o mago das letras. Istoé Gente (on-line). 06 de agosto, São Paulo. Disponível em http://www.terra.com.br/istoegente/105/reportagem/ paulo_rocco.htm. MORAES, Dênis de. 2001. Palavras parabólicas: o mercado editorial na era da mundialização. Revista Brasil de Literatura (on-line). Disponível em http://members.tripod.com/~lfilipe/denis.htm. NOGUEIRA, Fernanda. 2001. Internet faz Paulo Coelho ler seus leitores. O Estado de S. Paulo (on-line), 03 de abril. Disponível em http://www.estadao.com.br/divirtase/noticias/2001/abr/03/94.htm. NUNES, Lucinéia. 2001. Paulo Coelho lança livro de contos. O Estado de S. Paulo (on-line), 9 de agosto. Disponível em www.estado.estadao.com.br/editorias/2001/08/09/cad024.html. O ESTADO DE S. PAULO. 1998. Paulo Coelho marca ponto na Manchete e na Globo. 16 de agosto. PASSOS, Sylvio (org.). S.d. Raul Seixas por ele mesmo. São Paulo: Martin Claret. PASSOS, Sylvio e BUDA, Toninho. 2000. Raul Seixas: uma antologia. São Paulo: Martin Claret. PENTEADO, J. Roberto Whitaker. 1990. O marketing do sobrenatural. Marketing. Rio de Janeiro, pp. 5-8 PEREIRA, Maria Viviane dos Santos. 1998. O universo místico-religioso da obra de Paulo Coelho na ótica de seu leitor. VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina, São Paulo, 22 a 25 de setembro. Disponível em http://sociologia-usp.br/jornadas/papers/ st02-7.doc. PERISSÉ, Gabriel. 1998. Paulo Coelho- Fenômeno Editorial. Mirandum (on-line), ANO II, nº 4 (Suplemento), jan-abril. Disponível em http://www.hottopos.com/mirand4/suplem4/paulo.htm. RIBEIRO, Luis Felipe. 2001. Globalização e literatura, Revista Brasil de Literatura (on-line). Disponível em http://www.members.tripod.com/~lfilipe/Globaliza.htm. SABOYA, Jackson. S.d. A misteriosa magia dos sentimentos. Rio de Janeiro: ECO. SANTOS, Joel Rufino dos. Paulo e Virgínia: o literário e o esotérico no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco. SEIXAS, Raul. 1983. As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor. Rio de Janeiro: Shogun Arte. SEREZA, Haroldo Ceravolo. 2000. Paulo Coelho lança livro na ABL. O Estado de S. Paulo (on-line), 6 de outubro. Disponível em http://www.estado.estadao.com.br/editoriais/2000/10/06/cad082.html.

178

VEJA. Festa esotérica. 1985. 30 de outubro, p. 75. WERNECK, Alexandre. 2001a. Correndo atrás dos leitores. Jornal do Brasil (on-line). Rio de Janeiro, 24 de novembro. Disponível em http://www.jb.com.br/jb/papel/cadernob/2001/11/23/jorcab2001 1123006.html.

Livros de Paulo Coelho Os limites da resistência. (assinado por Paulo Coelho de Souza). 1970. Rio de Janeiro: Alfa. O teatro na educação. 1973. Rio de Janeiro: Forense Universitária. (com Raul Seixas) A fundação de krig-ha. 1974. Rio de Janeiro: Intersong. (com Nelson Liano Jr.) Manual prático do vampirismo. S.d.. Rio de Janeiro: ECO. Arquivos do inferno. 1982. Rio de Janeiro: Shogun Arte. O diário de um mago. S.d. Rio de Janeiro: ECO, 7ª ed. O diário de um mago. 1990 (1ª ed. ECO: 1987). Rio de Janeiro: Rocco, 45ª ed. O alquimista. S.d. Rio de Janeiro: ECO, 5ª ed. O alquimista. 1989 (1ª ed. ECO: 1988). Rio de Janeiro: Rocco, 11ª ed. O alquimista. 1993. Rio de Janeiro: Rocco, 117ª ed. O alquimista. 1995. Rio de Janeiro: Rocco, edição ilustrada por Moebius, s.n.e. Brida. 1998 (1ª ed. Rocco: 1990). Rio de Janeiro: Rocco, 89ª ed. Endereços eletrônicos Página oficial de Paulo Coelho: http://www.paulocoelho.com.br. Página dedicada a Raul Seixas: http://www.raulseixas.com.br. Página do fã-clube oficial de Raul Seixas: http//www.raulrockclub.com.br. Página da atual editora de Paulo Coelho, a Objetiva: http//www.objetiva.com.br. Página da agência literária de Paulo Coelho: http://www.santjordi-asociados.com Página dedicado ao “vampirismo” (na qual encontra-se versão digital, incompleta, do livro Manual prático do vampirismo): http//www.vampyr.com.br. Página da Câmara Brasileira do Livro - CBL: http://www.cbl.org.br. Página do Sindicato Nacional dos Editores de Livros - Snel: http://www.snel.org.br.

179

ANEXOS:

1. QUESTIONÁRIO BÁSICO DE ACESSO AOS LEITORES 2. HISTÓRIA DE VIDA DE LEITURA 3. RELATO DE LEITURA 4. FORMULÁRIO SOBRE O NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO DO LEITOR E SEU CONSUMO CULTURAL 5. O CONSUMO DE PAULO COELHO E A INTERPRETAÇÃO DOS LIVROS 6. DADOS GERAIS SOBRE OS USUÁRIOS DA BIBLIOTECA 7. ENTREVISTA COM PAULO COELHO 8. DADOS SOBRE O MERCADO EDITORIAL E A LEITURA NO BRASIL

180

ANEXO 1: FORMULÁRIO BÁSICO DE ACESSO AOS LEITORES Caro colega leitor de biblioteca, Estou desenvolvendo uma pesquisa com leitores, para a qual você, se quiser, poderá ajudar. Para tanto, por favor, responda as perguntas abaixo: Nome:_________________________________________________________ Sexo: ________ Idade: ______ Profissão:________________________________________________________ Escolaridade:

( ) primário

(

) ginasial

(

) colegial

( ) superior

Há quanto tempo você frequenta esta biblioteca: ( ) mais de 3 anos

(

) mais de 2 anos

(

) mais de 1 ano

(

Você mora:

(

) no Tatuapé

(

) na zona leste

( ) em outra região

(

) não

Você freqüenta outra biblioteca: ( ) sim

) menos de 1 ano

Quantos livros você leu o ano passado: ( ) mais de 10 ( ) entre 10 e 5 ( ) entre 5 e 3 ( ) menos de 3 ( ) não li nenhum livro o ano passado Quantos livros você comprou o ano passado: ( ) mais de 10 ( ) entre 10 e 5 ( ) entre 5 e 3 ( ) menos de 3 ( ) não comprei livro o ano passado Você costuma ler (assinale todas as alternativas afirmativas): ( ) livros / ficção ( ) livros / não-ficção ( ) poesia ( ) jornais ( ) revistas semanais (Veja, Istoé) ( ) outras revistas (Placar, Manchete, Contigo, etc.) ( ) histórias em quadrinhos ( ) fotonovela ( ) literatura de cordel Os três livros que você mais gostou foram: _______________________________________ de (autor)_____________________________________ _______________________________________ de (autor)_____________________________________ _______________________________________ de (autor)_____________________________________

Muito obrigado por suas respostas! Gostaria ainda de perguntar se você aceitaria dar uma entrevista pessoal para ajudar esta pesquisa com leitores. Em caso positivo, você pode anotar meu número de telefone, que é 3726-7458, e ligar para mim ou deixar aqui o seu endereço ou telefone (pode ser de contato ou de trabalho), para que eu entre em contato com você e possamos conversar mais: ____________________________ Obrigado novamente por sua colaboração e um abraço, Richard Romancini

181

ANEXO 2: HISTÓRIA DE VIDA DE LEITURA Pergunta geradora da entrevista: Conte-me sua vida história de vida como leitor, desde o ponto mais recuado que você consegue lembra, até os dias de hoje.

A intenção, conforme expressamos anteriormente, era intervir o menos possível, entretanto, devido a alguma dificuldade de todos os leitores em narrar a própria vida sob o eixo da leitura, procuramos dar alguma estrutura ao depoimento, pedindo então aos leitores para falarem sobre os âmbitos da:



leitura na família;



leitura na escola;



relação com a biblioteca;



experiências de leitura marcantes;



gostos pessoais e, nesse caso, sempre apareceu Paulo Coelho;



oportunidades, lugares e espaços nos quais se dá a atividade da leitura;



formas de aproximação ao impresso (compra, família, empréstimo, etc.);



utilizações da escrita (quais, quanto, etc.);



leitura e outras formas de consumo cultural (TV, rádio, etc.).

Alguns desses aspectos foram posteriormente retomados, com maior aprofundamento e estruturação, por outros instrumentos. Porém, havia a possibilidade de confrontá-los com as informações dadas nesse momento inicial e, mais importante, esta forma abordagem dos leitores foi importante por, de um lado, ser uma forma de coleta de dados que procurou impor o menos possível a problemática, o que poderia ter conseqüências quanto a algum tipo de viés nos dados. Por outro lado, este aspecto foi reforçado pelo fato de que nosso interesse em Paulo Coelho, nesse momento, não era salientado.

A seguir, exemplo da aplicação da entrevista.

182

Transcrição fita leitor Roberto 19/06/2001 O que eu gostaria é que cada leitor contasse sua vida, desde o começo, relacionado ao que tem a ver com livros, impressos... Foi na primeira série, lendo o Caminho Suave, que era a cartilha, da primeira série. Daí eu já estava na segunda série, onde eu morava era um lugar bem pobre, né, nós sempre fomos pobres. Dai eu achei um monte de livros que estavam no lixo. Daí eu guardei, pois dai eu falei assim: “quando eu tiver um grau de estudo maior eu vou utilizar”, né? Teve até uns que eu nem utilizei, porque conforme eu entrei na escola, em 79, daí com o passar dos anos aqueles eram para segundo grau, e eu não sabia para que serviam, mas um dia iam servir para alguma coisa. Eu fiz até trabalhos com os livros, eu não usava ele naquela série que eu estava, mas tinha coisas que eu podia pegar: uma figura, uma gravura ou, saber mais ou menos o que era. As vezes o livro era até desatualizado, mas mesmo assim eu tenho até alguns livros que eu achei no lixo. Quando você pegou os livros já conseguia ler o que eles tinham? Já, já, eu já sabia ler, mas eram coisas difíceis, tipo, coisas que eu conhecia, na segunda série ver uma equação de segundo grau ou ler uma história que você não sabia quem era o autor, você não tinha televisão em casa, não tinha rádio. Então, você, era um coisa normal você lia... vai servir para alguma coisa, sabia que era de estudo, porque eu lembro que tinha o nome da aluna, que geralmente se escreve no livro, que era “Vera”, Vera, série não sei tal. Vai servir para mim algum dia. Só que não serviu muitos, porque fica desatualizado, e os livros era de 72 ou 73 e eu tinha achado tipo 80. Então achei que ia servir, alguns serviu, sim. E aí, mais para frente. Daí eu fui... os livros eu guardei. Todos os livros, cadernos de segunda série, só não tenho da primeira, eu vou guardando. Tipo, fui me interessar em ler... Tive um professor de Estudos Sociais que fez nós lermos o livro inteiro e copiar no caderno. Teve uma professora de português também, era um livro de gramática e ela passa literatura para gente fazer sobre esses trabalhos. Passava obras de Machado de Assis, Castro Alves... Você tinha que idade? Eu já tinha uns oito anos, porque eu entrei em 79, entrei com nove anos na escola, entrei atrasado. Com uns 18 anos, mais ou menos. Fora estes livros de literatura, em 90, eu me interessei por Paulo Coelho, através de uma colega minha, de onde eu trabalhava, no Pari. Ela trabalhava na rua Santa Rita. E ela foi assim: “Ah, Paulo Coelho, é muito bom esse livro aqui, mas as vezes a gente vai pela capa, né, ou pelo título. Lê isso aqui”, ela falou, O alquimista. Um nome tão difícil, né, para mim alquimista era um homem que ia trepar num penhasco. “Vou, vou ler, né”. Daí eu li, não com muito interesse, mas eu achei legal, a história do alquimista. Hoje eu não lembro dela muito bem, que era acho que ele queria um elixir... um negócio assim. Tinha Brida, li também, que ela me deu, daí eu me entusiasmei, falei: “vou ler”. E é uma coisa que você pega o livro para ler e você não quer perder tempo nenhum, porque você quer ler o livro. Você vai fazer o seu serviço, você vai tomar o seu café, mas você quer voltar no livro. Você já está pensando: “pô, o que será que vai acontecer com fulano de tal, o que ele vai fazer mais para frente”. Você não quer perder o seu tempo, quer ler o livro, todo lugar que você acha que está com tempo ocioso você vai ler o livro. Li Brida, O alquimista, li Diário de um mago. Agora não lembro de qual desses que eu tenho até hoje uma frase na cabeça que as vezes eu falo para uma pessoa, por exemplo, assim, aquela cadeira ali pode estar numa posição errada, num lugar errado, e no livro dizia assim: até um relógio parado consegue, num dia, dar a hora duas vezes certo. Duas vezes vai dar a hora certo, mesmo ele parado, estando errado. E, assim, coisas que você vai aprendendo... e as histórias, né? Você vai entrando dentro da história, coisa fantástica, assim. Ele é seu autor preferido? Agora, assim, tipo que esta vivo, é meu preferido. E outros autores, outras leitura que lhe marcaram...

183

Tem Machado de Assis, A mão e a luva.... Ah é, você leu quando? Foi em 92 Foi para alguma coisa específica... Foi para trabalho de escolha. Li A mão e a luva. Bom, já que a gente está falando de leitura e escola você poderia falar mais sobre isso. O professor que fez você copiar o livro... Então, até eu acho interessante, por ele fazer eu copiar o livro inteiro... porque acho quando você copia, você decora mais. Então, me ajudou muito, eu sei muitas coisas, eu não sei escrever errado Se você falar a palavra, eu sei onde está o acento, se ela é com s ou com z, você entendeu?. Eu não preciso estudar agora para me lembrar. Desde aquela vez, de tanto eu fazer, eu já sei. Eu sei se a palavra é com z ou com s. Eu não sei o porquê, eu não lembro mais. Mas eu sei que ela é certa, o jeito que ela certa ou errada. Eu não erro em acento também eu não erro... o que mais... Muitas coisas. Seu vocabulário aumenta. Que nem eu, eu nasci na favela, se você ficasse o tempo todo sem estudo e morasse na favela, seu vocabulário não ia aumentar nunca, né? Que nem quando eu era pequeno, assim, as vezes eu via no rádio, ô, na televisão, assistia ao Sítio do Pica-Pau Amarelo, aí eu via eles falar as palavras tudo bem bonitinho, certinho, igual eu via nos livros. Ai eu falava assim: “puxa vida, a televisão, a televisão é boa porque ensina a você falar certinho”. Porque meus pais falavam fóforo, na realidade é fósforo, entendeu? Daí é coisas que você for falar: “a televisão ensina a falar certinho”. Não é a televisão, é o que a pessoa estudou, o que ela aprendeu certo, você entendeu? Os professores, você lendo. Aí saber o certo, daí você passa a falar o certo sem estar se esforçando, você fala normalmente. As palavras certas, as palavras difíceis, que você achava difíceis, quando chegar uma época aquelas palavras que você achava difícil para você é normal. Se você for conversar com uma pessoa, que seje [sic] do seu mesmo nível, ela não vai nem perceber que você está falando difícil, mas está falando normalmente com ela, conversando. Talvez uma pessoa que não se interessou muito pelo estudo, pela leitura, ela vai achar que você vai estar tipo esnobando, mas não, você falando norma, são as palavras normais. E as vezes uma palavra fala uma oração inteira, mata uma oração inteira que você não precisa estar explicando, isso, isso e aquilo. E voltando sobre os livros... Dai eu vim me interessar mais sobre pelos livros na oitava série, assim, porque tinha esta professora de Português que ela fez a gente copiar a gramática, dava trabalhos também sobre literatura, mas não era para pegar o livro inteiro e ler, não. Ela falava para a gente a história e depois a gente tinha que responder as perguntas que ela ia fazer sobre a história. A gente não lia, não. Agora, já em 92, sim, tinha um professor que ele fazia a gente ler o livro e depois ele dava tipo umas cinco perguntas, que era a prova, valia mais do que qualquer outras coisa. E se você não lia, você não sabia da história. e você não lia, não adiantava você colar do seu colega, porque... se você não leu... E as vezes no começo assim aí você se arrependia: “porque eu não li o livro, agora não sei a história”. Ai o outro me fala: “se fulano de tal for perguntar esta pergunta...” Mas você fica por fora de tudo, se ele não passar cola para você... E se ele passar cola, você vai ter que modificar como? Se você tem que ler a história se não, não vai saber, você tem que ler a história. Se o colega passar cola, vai saber que é cola. Você vai ter que copiar igual, não tem como modificar. Como era fulano de tal? O que fulano de tal falou para fulano de tal quando foi para tal cidade. Não tem como modificar, você vai ter que copiar. Por isso é que é interessante ler o livro, entender a história, você não vai memorizar aquilo tudo na cabeça, tintin por tintin, mas você vai acompanhar uma história do começo ao fim e quando a pessoa fazer uma pergunta você: “Ah, eu sei porquê. Porque fulano de tal, tal, tal”. Você lembra que livros eram esses? Era, era... tipo, li Machado de Assis, A mão e a luva, O cortiço, e... Memórias póstumas de Brás Cubas, foi uns oito livros mais ou menos. E qual te deu mais prazer, você gostou mais?

184

Eu gostei mais assim tipo O cortiço, mais era sátira, né? E A mão e a luva, apesar de que ele era bem grande, mas eu gostei. Mas eu não lembro a história assim muito bem, porque faz muito tempo. E quando você um livro grande desanima? Ou isso mudou? Não, não desanima, não. Agora eu li assim um livro que eu nem livro o título dele, mas era escrito assim: O assassinato do conto policial. Agora não lembro se esse autor ele é vivo, se já morreu. Mas daí eu li este livro, tipo ele passava em São Paulo, a história era em São Paulo. Era um jornalista que ele era... como chama jornalista novo... chama foca, acho que é foca, é um jornalista quando é novo chama foca. Era um jornalista novo, quando é novo e entre na redação, é conhecido como foca. Então ele era um jornalista novo, que tinha se formado, e o editor, para ferrar ele... ferrar não, para dar serviço para ele, falou assim: “vai investigar o assassinato do conto policial”. E, assim, resumindo, o conto policial foi o próprio chefe dele que tinha colocado aquele conto policial. E o chefe dele tinha sido assassinato, então ele tinha que investigar o assassinato do chefe dele e do conto policial, ficou mais complicado. O cara que tinha feito o conto policial tinha sido assassinado e o cara que assassinou o conto policial foi o próprio autor, que fez a história, assassinou. Então ele tinha que investigar quem assassinou o autor do conto policial. E o conto policial tinha sido envenenado, o autor tinha sido envenenado, porque ai ele foi investigando, um fio de cabelo então no tapete, foi investigando as pessoas... não lembro muito bem assim a história, mas eu peguei do começo ao fim, fui me interessando... Quando você está lendo um livro e não interessa você para? Não, não, quem esse, eu peguei e fui até o final, mas não assim direto. Li um pouco hoje, um pouco depois... Mas esse você gostou. Teve algum que você não gostou e parou? Ah, já. Teve livro que eu comecei a ler e parei. Então eu queria que você falasse a distinção do livro que você começa e gosta e lê e dos outros. Ah... [Pensando] São mais aspectos de conteúdo, de forma, pense por ai se ficar mais fácil de responder. Até este do assassinato do conto policial, eu até quase desisti de ler ele, porque chegou até um determinado tempo que eu pensei assim: “ué, mas o próprio cara que tinha feito o conto policial, ele assassinou, depois ele foi assassinado, daí fica o cara querendo saber agora quem foi assassinado”. Aí eu fiquei, falei: agora não tem mais graça, vou ficar lendo, lendo e vai chegar no final e saber quem... Daí tinha várias pessoas que eram suspeitas e ele foi eliminando, as que não eram suspeita. Até... Esse mesmo, o último, eu quase parei, porque ficou uma coisa sem nexo assim no meio... era o diretor dele que era o patrão dele que tinha feito a história, e era para ele fazer uma matéria sobre aquela... o assassinato do conto, era um conto para ele saber quem tinha assassinado. Então esse eu quase parou. Como chegavam os livros e impressos para você? Meu pai uma vez comprou uma coleção de livros que vendiam em portas, uma coleção que deve ser de doze livros, é livros de História, História Geral, Geografia, Português, Matemática, que serviu para trabalhos, e ainda servem também. Foram os únicos que foi comprados, assim, ele comprou. Único, ou tinha outros? Não, não, única coleção que ele comprou, deve ser doze livros. E eu tenho até hoje, acho que foi em 79, quando eu entrei na escola, aquele entusiasmo, oh, meu filho vai ser alguma coisa... né, então vou comprar alguma coisa. Eu guardei e tenho até hoje. Foi os únicos. Depois eu tenho mas duas ou três coleções, mas é também tipo sobre pesquisa, é livro assim... Uns dez livros de uma coleção assim, de pesquisa. Agora, livros escolar, assim, que eu não estou usando, os que eu não dei para a escola de volta eu tenho eles. Eu guardo, livros, caderno, desde a segunda série. Daí você volta lá para atrás: “Ih, caramba, como era minha letra”. E jornais e revistas circulavam muito na sua família?:

185

Jornal nem revista, não. Eu passei a gostar de jornal, que é mais barato que revista em 85 quando eu comecei a trabalhar já, tinha 14, 15 anos. Aí eu passei mais a gostar de jornal, pois no lugar onde eu trabalhava tinha um senhor que comprava a Gazeta, mas eu não gostava muito da Gazeta, pois só fala em futebol, e de futebol não precisa falar, que todo mundo já comenta, né? Aí eu gostava do Diário Popular, aí eu ia lá na banca de jornal e olhava só a frente do Diário Popular, mas aí quando eu tinha dinheiro eu comprava o Diário Popular. Mas quando não tinha eu não comprava, ia ler a Gazeta, Gazeta não me interessava muito porque era só futebol, futebol. E até hoje eu leio o Diário Popular, e a única parte que eu não leio do jornal, de qualquer jornal, que o homem prefere, é o futebol, aquilo eu nem dou bola. O restante eu leio. Já começo a ler o Diário Popular de trás para frente, é um costume que eu tenho, quando eu pego um jornal, qualquer jornal, eu já começo a ler de trás para frente, porque acho que ali está os resumos, o que aconteceu nos bairros, assassinatos, ou o que o pessoal fez. Então eu vou lendo de trás para frente Mas são todos os jornais, ou o Diário Popular? Como eu já estou acostumado de pegar o Diário Popular e ler de trás para frente, aí eu pego e vejo que não é igual, daí eu pego do começo, vejo as matérias principais, pois eu gosto mais de... de... policiais... o que aconteceu, num bairro, a rebelião de fulano de tal, quem foi preso. Daí eu procura mais essa parte criminalística. E hoje em dia você compra livros, revistas, materiais impressos? Livro eu não compro não, mas revistas eu compro. Toda semana eu compro, uma assim... porque agora tem essas revistinhas baratinhas, tipo 2 reais, que tenha tudo, poucas informações, né? Mas como você não tem para comprar uma de 5 vai na de 2 mesmo. Daí quando você olha só a capa da de 5, essa é boa, tem mais conteúdo, mais informação. Eu prefiro de todas as revistas, a Veja, depois vem a IstoÉ, Época. Se você ler uma vez já é bem... bastante informações, né? Ela sai toda quartafeira, é bem... informações demais, o que passa na semana inteira na televisão, se você não assistiu, você olha ali e diz “ô”. Outra que eu assinava, em abril faz dois meses que não vem mais, e eu não sei o porquê, você assina um ano antes, era a Superinteressante. Eu assinava ela desde 93, ai agora não veio junho, talvez eles não mandaram o boleto, para mim no ano passado, porque quanto vai vencer um ano antes, se você quiser assinar eles dão uma promoção mais barata. E gosto da Superinteressante, são muitas coisas curiosas, que você... porque será que é aquilo, você acredita no que a revista está dizendo, né. Está revista, eu acredito no que ela está dizendo, parece sendo feita por cientistas, serve até para trabalhos escolares. Então livros para você é algo típico de biblioteca? É, de biblioteca, ou senão de promoção, tem promoção as vezes de jornais ou revistas e tipo, tem fim de semana que você compra o jornal e mais tanto você compra o livro, ai eu me interesse pelo livro, porque sai mais em conta. Porque numa loja você vai comprar um livro e 20 reais, aí na banca, naquela promoção, vai saber no máximo por 5. Mas esses livros para comprar você precisa saber alguma coisa dele, ou de repente você achou a capa bonita... Um que eu peguei, daí eu fui ler e falei: não vai dar para mim ler... Não gostei... Qual? Era Espumas Flutuantes, acho que de Castro Alves, se não me engano. Ai eu vi pega capa, assim, quando eu ver dentro era só era verso. Daí, ah, não tinha uma história,. assim, cheia de... só era verso, verso. Outro que eu fiquei curioso era, que um colega falou para mim, Morte Severina, era um negócio assim, já ouviu falar? Já, já. Daí eu pensei que era uma história, fiquei na cabeça, vou pegar este livro na biblioteca. Daí perguntei a senhora conhece alguma coisa sobre Morte Severina, não sei o quê. Ah, tem alguma negócio de Severina. Daí fui ver era verso também. Ah, falei não era uma história que podia ler, era verso, verso, verso.

186

Você não gosta de verso? Eu gosto, mas daí... é muito... era o livro inteiro verso. Eu gosto de verso tipo uma folha, eu gosto muito de verso... De poesia? Isso. Daí é poesia, né? Eu gosto muito, muito. Que nem Camões, eu gosto pra caramba, principalmente quando você namora, você pega aqueles versos bonitos... que tem até on Legião Urbana tem a música que tem um trecho de Camões e da Bíblia. Camões daí eu lia muito, Os Lusíadas, daí você se interessa mais pelos livro. Então você vai comprando livros, e já tem uma pequena biblioteca, na sua casa? Tem uns quinze livros, mais ou menos. Você vai comprando, guardando, comprando, guardando... as vezes a pessoa pede o livro emprestado, é livro “raro”, que você empresta e é raro de devolver. [Risos] Este que é o livro raro. Você empresta, mas você não marca, emprestei para fulano de tal, e coloca no lugar de livro que saiu. Daí você empresta, a pessoa não devolve e você não lembra. Eu lembro de um livro, mas não lembro para quem emprestei... E você pega emprestado dos seus amigos. Não, não pego livro emprestado. Eu não peço emprestado. Só pedi para aquela menina que eu conheci ela uma vez e ela lia Paulo Coelho, e daí eu me interessei por Paulo Coelho, li Brida, O alquimista, Diário de um mago, agora tem até Walquírias, acho que Rio Piedra, um negócio assim, mas esses eu não li não. E da sua família, você lembra do seu pai ou da sua mãe lendo? Nem meu pai, nem minha mãe tem estudo não. Ai... que nem quando eu entrei na escola, aí vi minha mãe me ensinando o alfabeto, aqui é “a”, “b”, ela só sabe o alfabeto, mas não sabe escrever “feijão”, pegar o “f”, as palavras uma por uma e escrever “feijão”, ela não sabe. Sabe fazer contas, ela sabe, isso quase todo analfabeto sabe, né? No mercado, aquilo com aquilo dá tanto, minha mãe ela sabe fazer as contas, mas não sabe escrever, só escreve o nome dela. Mas sabe o alfabeto interinho, nome de todas as letras, na linguagem dela: na escola eu aprendia a,b,c,d,e... aí quando ela ia ensinar para mim era maior confusão, ela falava a, b, c, d, e, fê, gê, lê, nê, pê, quê. Aí, caramba [risos] a professora falava efe e aqui ela fala fê, falava erre aqui ela fala rê, era uma confusão... Até com o passar do tempo... onde ela aprendeu era deste jeito. É, ela é nortista? É nasceu lá na Bahia, em Vitória da Conquista. E você já nasceu aqui? Não eu nasci lá, mas vim com dois meses para cá. Nós moramos em Guaianazes, depois mudamos para Guarulhos e fomos depois para Diadema... Só favela É , você morou aonde em Diadema? Eu não lembro o lugar, tipo era assim, lembro que moramos em favela até uns oito anos, mas eu não lembro o lugar, não sei se era Americanópolis, não lembro não. Depois foram para uma casa? Agora, Guarulhos lembro que era perto de um Senai, agora o lugar isso eu não lembro, isso devia ser em 77. Tinha uma praça, isso eu lembro. E em Guaianazes era perto de uma pedreira extinta, faz tempo, tem uma pedreira lá, que hoje perto da pedreira tem o hospital central de Guaianazes, chama Júlio Teixeira da Costa. E nos lugares que você morou, tinha gente com livros, qual era a relação com a escrita e a leitura nesses lugares.

187

Não tinha muito... quando eu morei lá em Guaianazes, não tinha muito interesse por livro não. O interesse que a gente tinha era ir para escolar e estudar. Eu não via... Eu via assim, no primário você via os caras do colegial à noite com mais livros, né? E daí falava, eu vou quer levar um monte de livros daquele também, quando eu estiver na série tal e estudar à noite, mas aqueles livros era livros que tinha que estudar mesmo, era literatura, livro de estudos Sociais, Ciência, Química, Física, não eram coisas... que você, ah, aquela cara estuda para caramba, não tem nada a ver com a escola, mas ele está lendo. E você valoriza a pessoa que lê além das coisas da escola? Se eu valorizo a pessoa que estuda além do que a escola mandou ele ler? Isso. Ah, sim. Acho que a pessoa pega mais conhecimentos, ela tem mais conhecimento, mais idéias, mais opinião. Eu, por exemplo, eu li só estes livros da escola, alguns outros que eun li... Você, por exemplo, estava lendo um livro ali, eu estava olhando era, acho O romance e não sei o quê, caramba, talvez, ele não esteja fazendo isso aqui, mas o cara é bem interessado no que ele faz. E qual é sua relação com as bibliotecas, como você começou a frequentar? Foi lá em Guaianazes, chama Cora Coralina, um negócio assim , aí nós fazíamos os trabalhos, daí nós ficávamos um meio dia pesquisando... Tinha gibi, só que eu não gostava muito de gibi. Gibi eu gostava até não saber ler, porque eu tinha um tio tinha um monte de gibi, era um quarto, do tamanho de um banheiro, lotado de gibi. Daí eu gostava de ler, ler não, gostava de ver as figura, antes de estar na escola. Bonito, né? Daí depois que eu passei a ler, daí já não gostava muito daqueles gibi, porque aquelas histórias não é muito legal, não... Não tinha muito interesse. Daí ele falava: “por que você não vem mais ler gibi?” Ai eu na lembro qual era minha explicação. Eu lia metade e pulava cinco folha. Daí tinha uma tinha minha que ela dava... eu tenho até hoje uma revistinha que ela me deu, que eu não lembro o nome, tem até a data, deve ser de 84, se eu não me engano, porque ela colocou uma data lá. Era testemunha de Jeová, não lembro se era uma Sentinela, e aí eu li e guardei até hoje. Fora revista que eu achava no lixo, guardo. Tem uma revista lá que eu achei no lixo, não sei quando eu achei, mas eu tenho até hoje. Fala de imposto de renda, acho que é de 1970, da Veja, é uma das primeira. É uma revista bem estranha, você olha as imagens de como era São Paulo na época, o imposto de renda... que agora está mais fácil de fazer, que você pode entregar em tal banco, porque eu trabalho em contabilidade... [FIM LADO A FITA] Que eu lembro há dez anos atrás, o mais revolucionário de tudo assim nas empresas era o telex, recebia informação do outro país para este, de uma empresa para outra, você corria para o telex, era aquele cheio de furinho, né? Que cada furo ali era uma frase, uma palavra, né? Agora, não. agora é tudo internet, é tudo bem mais fácil. E a gente estava falando de bibliotecas que você frequentava quando era garoto em Guaianazes... Foi na quarta, quinta série. E quando você começou a pegar livros para ler? Já nessa época? Não, não, comecei a pegar livros para ler foi na sétima série. E era basicamente para? Era para trabalho de escola. Na sétima série... eu não repeti nenhum ano, foi na sétima série e estava, foi em 87, eu estava com 17 anos. Meio atrasado... E o hoje você é sócio desta e de mais alguma? Não, eu era sócio desta aqui até quando eu estudava. Eu só fiz o primeiro e o segundo grau. Parei em 93. Terminei a oitava, parei acho que um ou dois anos. Depois continuei, o primeiro e depois o terceiro. Parei em 93, que eu não vinha mais para a biblioteca. Ai eu voltei, tem uns dois meses, porque minha prima precisava de um livro para fazer um trabalho de imigração japonesa. Aí eu vim

188

aqui perguntar como que fazia para pegar um livro. Ela falou assim: como eu já tinha, precisava de conta de luz, RG e um telefone, como eu já tinha, eu fiz a cópia e levei os livros. Ai eu vim trazer hoje. Foi um ou dois meses. Era para entregar até dia 12, entreguei até errado, mas cheguei estava fechado... já que está atrasado, pode entregar sexta, na segunda, não tem mais desculpa nenhuma. Daí vim trazer hoje. E por que esta biblioteca e não outra? Por que ela só vem nesta. E eu moro lá em Itaquera. E Itaquera tem, né? Ela vem aqui, então. Eu vinha aqui também, já antes, apesar de morar em Guaianazes, Itaquera eu vinha aqui, achava que está tinha mais conteúdo do que a de lá. E quando você é mais jovem, mais moleque, quer dar uma passeada, então você vem passear de lá para cá, ah, legal, mas quando não tinha dinheiro ia na de Guaianazes mesmo. Mas você continua sócio de lá? Não, agora sou sócio só desta aqui. Antes eu não ia a nenhuma biblioteca, desde 93. Você estudou no Catalano? Não, não, estudei só no Luis Rosano Alvim, em Guainazes e no Cidade de Hiroxima, em Itaquera, eu moro lá perto. Você parou de estudar por causa do trabalho? Foi, por que não dava o tempo, eu trabalhava no Pari, daí andava meia hora até o trem e depois pegava o trem até Guaianazes e depois tinha que subir a pé ou pegava perua ou ônbus. Até chegar lá no Jardim São Paulo, em Guaianazes daí não dava tempo, porque não tinha segunda aula, era só primeira aula. E eu chegava atrasado, atrasado... Naquela época, não, você repetia se você tivesse bastante falta... e você tinha que estudar para passar, porque agora é bem mais fácil que antes. Antes se você não estudasse você era reprovado, agora não. Tem que tirar só a nota para você passar de ano, isso eu lembro. A recuperação era recuperação, todo mundo ficava com medo de ficar de recuperação, se você tivesse D e D, ai você todo o esforço para tirar A e A, para não ficar de recuperação, porque o que eu me lembro era o ano inteiro, tudo que você fez o ano inteiro, ia cair na prova de recuperação. Agora na recuperação de agora não, vai passar o trabalho, se você fazer o trabalho passa. É um trabalho simples, a recuperação de antes, não. Você estudava do dia 10 de dezembro ao dia 23 de dezembro, uns quinze ou dez dias de recuperação, até antes do Natal, e você fazia tudo. Você ia revisar tudo, e ia fazer prova. Por conta disso você nunca pensou em voltar em estudar? Ah, eu pensei em voltar em estudar, tipo ter uma faculdade, se não pagar um curso, mas eu não tenho a possibilidade, não tive a possibilidade. O que eu ganho não dá nem para tirar 200 reais para pagar um curso, mas eu tenho vontade de voltar a estudar, aprender mais, entendeu? Queria ter uma faculdade, porque antes o cara tinha o segundo grau, “oh, o cara tem o segundo grau”, agora queria ter uma faculdade, que daí você tem mais possibilidade de arrumar um serviço, de um concurso público. Você falou agora há pouco da Internet, você usa, lê, acessa? As vezes que eu consigo ler, porque como eu trabalho externo, na contabilidade só visito as empresas, eu não tenho muito acesso lá dentro, porque quem trabalha não pode estar mexendo, eles acham que vai estragar, apesar de eu já ter feito curso de computação, mas você nunca está ali atualizado, então eles acham que se você vai mexer, você não vai saber sair do programa, ou vai travar o computador, aí vai complicar você. Mas quando tem um colega meu lá, a gente começa a acessar a internet, ver o que tem. Daí vê o que? [Risos] Por que lá é mais é sacanagem, Playboy, sexo... Então é mais do que ler?

189

[Risos] É. Fora um monte de coisas, né, que você resolve pela internet, ontem até vendo quer o quanto um carro tinha de multa. A gente queria saber o endereço. “Confere o endereço do Detran para você entrar ali”. Mas a gente não sabia, ah, www.detran.sp, daí entrava e não era, detran não era, era prodesp, detran.prodesp. Ai você tecla ali o renavan do carro, que é um número que tem no documento, daí vai aparecer o dono, quando o carro foi feito, cor do carro, quanto ele tem de multa, que era o que meu colega queria saber. Daí, todas as informações, muitas coisas se resolvem. E lá, também na contabilidade a gia, era entregue no posto fiscal, gia é uma informação de ICMS, agora não você entrega pela internet. Muitas coisas. Deca, você alterar um deca tinha que ir ao posto fiscal, levar o RG do sócio, dar senha, depois você voltava na outras semana, agora você faz ali na hora, se você completar tudo que programa da Secretaria esta te pedindo, se você responder tudo a, você faz, se deixar um coiso, um risco, não é feito. Como foi que você aprendeu isso? Foi tipo lendo, né? As vezes eu não estava mexendo em tal coisa, aí, “oh, como faz para saber o saldo do fundo de garantia?”. Aí como eu vou lendo o jornal, tem sempre umas partes que se vai lendo o jornal, aí estava assim: o trabalhador para saber seu saldo do fundo de garantia já tem mais uma novidade, tem um site na internet, pode acessar www tal, tal para saber, as vezes era Secretaria da Fazenda para saber uma alteração de contrato, não precisava ir mais lá. Aí as vezes eu recortava e dava para alguém lá de dentro; taqui tem até o endereço. Mas é a coisa básica de mexer mesmo na internet, os programas de escrita, você foi aprendendo como? A primeira vez eu fiz um curso tipo dois meses, eu não continuei era uns seis meses, foi em 84, de informática. Meu pai não pode pagar mais, então eu não fiz, fiz só dois meses. Foi ali em Guaianazes, no Jardim São Pedro. Era, tinha, agora acho que nem existe, Cobol, Dbase... acho que era só isso. Eram três, mas eu não lembro. E agora existem muitos. Estes já estão desatualizados. E os atuais. Em 97, eu fiz um outro curso também, de informática, que aprendia também até a acessar a internet, aprendia esses de agora até o Windows 95, esses negócios, acessar a internet. Porque você acha que o computador faz tudo, mas ele tem que estar com o negócio lá dentro para fazer, tem coisas que você não pode entrar que ele não vai fazer. Ele tem que estar compatível com a impressora também. Não pode colocar qualquer impressora, que ele não vai fazer se a impressora não for compatível do mesmo programa que ele. Você escreve mais do que ele, ou o contrário. E quando você escreve. Escrever eu escrevo todo dia, porque eu tenho que fazer o protocolo, eu faço, todo o documento que eu entrego na empresa tenho que fazer o protocolo, tenho que escrever o nome da empresa, o documento que eu estou entregando e a pessoa assina para mim. E ler até que eu leio o que eu estou entregando, porque as vezes... eu não vou chegar lá e só entregar. Porque a pessoa fala “isso é o quê?”, daí eu tenho que explicar, falar, ah, isso é um documento de arrecadação disso, disso. “Mas por que esse valor que eu tenho que pagar?” Sempre o dono da empresa quer saber. “Vou pagar tudo isso?” Ai eu tenho que explicar o porquê que ele vai pagar aquele valor, entendeu? Eu tenho que saber antes, se ele perguntar e eu não souber vou ficar sinucado. Se eu não souber antes já pergunto lá dentro. Por que esse imposto aqui agora? E em que outras oportunidades você escreve? Só fazendo os protocolos. E cartas, outras coisas? Não, não... tipo, cartas, não. E você conversa sobre suas leituras com alguém? Amigos, sua mulher? As vezes a gente comenta lá no escritório, também, tipo falam mais de futebol, aí eu não... Por isso que eu falo: que eu não leio, todo mundo fala, então não precisa ler, eu leio as outras partes, o futebol

190

está todo mundo falando, então não precisa ler. Aí as vezes, uma história fica pelo meio, como um negócio... Eldorado dos Carajás, lá, disseram que mataram 19 sem-terra, né? Antes eu lia porque, não que eu sou contra ou a favor, eu lia um trechinho: Eldorado dos Carajás, os policiais estão sendo julgados porque mataram 19 sem-terras. Daí um jornal uma vez eu li um trecho grande que um juiz estava dando a favor dos policiais, eu li a história todo, porque foi o seguinte: os policiais mataram os sem-terra, porque os policiais não estavam preparados para desapropriar os sem-terra, que estavam na fazenda. Estavam de policiais normal, sem escudo, sem nada, né, só de arma, só para intimidar, e eles ir embora. Os policiais chegaram no caminhão, aí os sem-terra, acho que o sargento, o capitão foram conversar com os policiais [sic], devia ser uns cinquenta policiais. Chegaram num caminhão pararam lá e foram conversar, e o líder do movimento foi conversar com os policiais. Aí conversando, conversando teve uns lá que se exaltou, daí foi todo mundo para cima dos policiais, onde eles estavam formados. E o caminhão devia estar uns 150 metros distantes de onde estava o pelotão de policia ali. Aí, aquele monte, uns 200, foi em cima dos policiais, os policiais saíram correndo, correndo, correndo em direção do caminhão. Só que chegando em direção do caminhão já não tinha de para onde correr mais. E os sem-terra vinham atrás dos policiais com foice, com machado, com faca, com pedra, com revólver. Daí os policiais não tiveram para onde correr mais, e não dava para entrar dentro do caminhão e tocar todo mundo para sair, para todo mundo ir embora, então revidaram atirando. Até então eu dava mais razão para os sem-terra. Eu falei: Pô, a policia chega lá matando todo mundo e fica por isso mesmo. Aí como eu já sei a história já muda um pouquinho, quer dizer, a polícia se defendeu porque não tinha como evitar mais, eles correram, chegou um determinado lugar que não tinha mais para onde correr, era a cerca e o caminhão. E uns policiais correram para trás do caminhão e começaram a atirar. E os sem-terra começaram a cair, uns por cima do outro, parecia coisa de filme. Até passou uma imagem uma vez na televisão, acho que quem passou foi o jornalista acho que capitão Conte Lopes, jornalista não, policial, ex-policial. Aí que eu vi a imagem também, né? Foi uma vez só que eu vi. E essa história também, né? Que eu tinha até recortado do jornal, porque aí eu só esta parte que a polícia matou 19, mas você não vê a história dentro, como que ela se passou: a polícia matou 19, porque não tinha para onde ela correr mais. Aí ou você matava um cara ou você morria. Eu pensei assim, o policial ou ele vai matar ou ele vai morrer, porque eles correram uns 150 metros até o caminhão, aí depois eles revidaram, foi na hora que os sem-terra levou desvantagem. Então esse um motivo para você conversar com as pessoas, discutir? É, isso é um motivo. Tipo: “Ah, mas a polícia fez isso, fez isso”. Aí eu falo: mas você não sabe a história como que aconteceu. Aí tem que ver os dois lados, porque as vezes por uma matéria que está lá na frente, você: pô, mas aconteceu isso. Aí quando você vai ler, aí você até é contra, aí talvez uma pessoa fala uma coisa para você, já muda a sua opinião. “Ah, mas é por causa disso, disso”. Ah, é mesmo, estou errado, essa pessoa está certa. E a leitura de ficção, você conversa com alguém? Tipo... eu não gosto muito de filme que passa espaçonave, esse negócio de guerrra nas estrelas, isso eu não gosto muito. Eu gostava quando eu era moleque, quando eu era pivete eu gostava. Conforme eu cresci agora eu não gosto, Indiana Jones, eu não gosto, que é muita coisa armada, do James Bond, James Bond, não... é James Bond mesmo, aquele que até aparece no bondinho do Rio de Janeiro, eu já não gosto também, porque é muito vantagem para ele, porque você sabe que ele é o principal. Mas a leitura de ficção, com amigos você chega a bater papo, com amigos, ou isso é algo mais seu. Eu converso. “Ah, eu li um livro tal que falava sobre história tal”. Você chega a indicar, por exemplo. Isso, isso. Eu li uma vez um, esse eu tinha achado também, é do Érico Veríssimo, é... acho que é do Érico Veríssimo, passou até na televisão uma vez... Caramba, deixo eu ver, tipo mais gozação, era sátira. Até eu dei para um colega meu, virou livro “raro”... Esqueci, não lembro, era do Érico Veríssimo, era muito engraçado, passou até na televisão, eu não lembro a história, mas... Era legal eu li do começo ao fim.

191

Quando o livro é adaptado da vontade de ler? O que te motiva a chegar num livro, indicação, ou porque vai num filme.... Oh, um que eu ia ler, só que não tinha na biblioteca, depois eu me não me interessei. Era... deixo ver, o cara canta até um trecho, na música da Marisa Monte, como era... O Arnaldo Antunes, canta um trecho na música da Marisa Monte. Aí, no CD, na capa está dizendo que é extraído do Primo Basílio, aí eu fui pegar o livro para ler, mas eu não encontrava, porque eu achei aqueles trechos que ele leu, não é, e após a Marisa Monte canta a música inteira, aí ele vem falando uma história, vem contando, contando e é uma história bonita, parecendo um romance, bem bonito. Aí eu falei: ah, vou pegar este livro para mim ler. Só que aí eu não encontrava o livro ainda Era época de vestibular, que ela falou olha, veja ali que os vestibulandos levam muito este livro. Aí eu não encontrei, era o Primo Basílio. E outras formas de chegar a livro? Quando você vê uma capa interessante.... A capa influencia, sim. Eu já cheguei a olhar assim uma capa, e depois por dentro não tinha nada a ver... Ou senão o título não tem nada a ver com o que está dentro. O título não tem nada a ver. E o que faz um título e uma capa chamativos para você. Tipo, eu acho que o desenho, como o título está escrito, assim chama a atenção, né? Mas como eu sei desse jogo que eles fazem, porque para mim é tipo um jogo... é bonito o povo vai ver... se não levar... Aí eu vou pela capa também, aí eu olho o título, dou uma olhada por dentro: ah, não vou levar este não, não vou ler este não. O título influencia. Um título com cinco palavras influencia mais que um título com uma, porque cinco palavras dizem, fazem uma história, né? O que está falando, aí você: ah, vou ver. O outro só uma palavrinha, as vezes você não sabe o significado, então, não vou ler esse não, vou ler este que está falando o que é. E quando e onde você. Leio mais assim... Em casa...? Quando eu estou na... Eu só faço serviço de carro uma vez por semana, que eu faço de carro, os outros quatro dias eu faço de ônibus, nesse intervalo de uma firma a outra, que eu pego ônibus, é que eu leio, que nem agora que eu vou para a divisa de Diadema, se eu tivesse um livro agora eu pegava um ônibus, ia pegar o metrô, depois pegava um ônibus de novo, daí é muitos tempos para mim ler, né? Daqui lá vai umas duas horas, tinha umas duas horas para ler. Depois eu ia para o Borba Gato, em Santo Amaro, já lê mais 40 minutos, aí assim. Depois ia para a Marginal Pinheiros, mais meia hora, depois da Marginal Pinheiros para o centro. Tá legal. Só para acabar, como você chegou ao Paulo Coelho, ele é seu autor predileto, e por que você gosta dele? Eu gosto dele porque acho ele muito inteligente, a história que o cara faz... é muito inteligente. Mas por que é tão inteligente? Não sei por que... é uma coisa, assim, que se eu parar, quiser fazer uma história daquela, eu não consigo não. Eu consigo fazer tipo uma redação, um negócio curto de uma, duas folhas. O cara fazer uma história, um livros, assim, que você for entrar dentro de um livro, caramba, que coisa. O cara fazer um negócio desses, quanto tempo ele não ficou para fazer um livro desses. E como você chegou a ele? Através de uma colega minha que estava lendo Brida, falou: “lê Brida que é bom, lê que você vai gostar”. Daí eu falei: mas livro de mulher, quê... Vou ler, vai. Daí, gostei. Daí ela falou, lê este, acho que foi Diário de um mago, aí minha mãe era tio crente, aí eu ia ler com esse livro lá para casa, falei: “minha mãe não vai gostar que eu for com esse livro para casa”, daí guardei esse livro na minha bolsa e quando eu for sair de casa, daí eu leio, porque o livro tem uma cruz na frente. Diário de um

192

mago, minha mãe vai pensar que é um livro de sacanagem [Risos], pessoa que não lê, pensa que é outra coisa, né? Você vai chegar com livro preto, com uma cruz prateada, aí eu... E as capas dele são chamativas? Ah, sim, por exemplo, Diário de um mago, eu já não levo para casa, porque hoje eu sou casado, não levo para casa com medo da minha tia ver, aí minha tia ia pensar, eu sou católico né? “Para que ele quer esse livro, um livro desse, um livro do demônio.” Entendeu? Então as vezes é chamativo, ou um livro que tenha uma caveira ou alguma coisa assim, nesse sentido. Ela não entende ela não vai achar que é um livro bom, que é um livro legal para ler. E para você os valores que os livros trás são legais? É, eu gostei, O diário de um mago, O alquimista, eu gostei muito do conteúdo. Mas o que você gostou mais do conteúdo? Gostei mais da história, e até essa frase que até um relógio parada consegue dar o horário certo duas horas por dia. Como você classifica o que ele escreve? É para você literatura, livro esotérico, livro de autoajuda. Ah, eu vejo como se fosse entrar, assim, se ele fosse entrar do lado não, na mesma linha que fosse Machado de Assis, Castro Alves, e ele ainda vai se encaixar ali. Eu acho que ele ainda vai se encaixar naquele... ele está fazendo os livros, mas ele ainda vai se encaixar ali, bem para frente, porque os livros de Machado de Assis é de 100, 50, não sei quantos anos atrás, e daqui a 50 anos o Machado de Assis, o Paulo Coelho vai estar lá também, muitos vão estar fazendo trabalhos sobre os livros dele. Então para você não existe diferença entre esses autores e o Paulo Coelho? Não, não acho, se você lê os livros de Machado de Assis ele fala da época dele ali, e o Paulo Coelho está falando da época dele agora, as vezes um pouquinho para trás, igual também Machado de Assis falava da época dele, um pouquinho para trás. E as vezes tem coisas de Machado de Assis, que você fala: pô, mas cem anos atrás já tinha isso aqui. Oh, o que ele esta dizendo, as palavras, né? Já existia as palavras daquele mesmo jeito que existe hoje, as palavras mais difíceis que a gente deixou de falar ou que as vezes fala. Daí um dia eu acho que, daqui há 50 anos, ou não sei quantos tempo vai durar, Paulo Coelho vai se encaixar na mesma linha que está Machado de Assis, Rui Barbosa, Castro Alves, entendeu? Ele vai ser lembrado, ou quando ele morrer, vai ser acho que mais provável quando ele morrer. Por que você acha que tantas pessoas criticam ele, falam que ele não é um bom escritor, o que você acha que querem dizer com isso. Acho que na mesma época, estou dizendo dos antigos, acho que tinha também os que criticavam também. A pessoa tem uma possibilidade de falar, de montar, fazer uma história naquela época e ficar famoso, né? Então tem alguns caras que vão criticar mesmo. Mas você vê algum fundamento nessas críticas. Eu só vejo... Tipo acho que se critica o Paulo Coelho, que critica vê se melhorar este lado, para ver se melhora. Mas acho que o cara que critica as vezes ele não gosta do autor mesmo, acho que é mais ou menos assim. E antes você gosta do Paulo Coelho, antes de ler sabia quem ele era? Não, não sabia quem ele era, nem sabia que ele era colega do Raul Seixas. E isso mudou alguma coisa? Mudou, porque eu não gostava muito de Raul Seixas e aí passei a gostar, gostei mais de Paulo Coelho, vi que ele fez música, era amigo do Raul Seixas. E tem música que tem fundamento, né? As músicas... principalmente a música mpb, porque eu gosto bastante da música mpb, porque é uma

193

lição, uma coisa, é mais... mais... mais certa, assim , você olha assim e tem música que é uma história, que você aprende. Eu acho assim, tem música da mpb que nunca vai deixar de passar aquela música, aquela música passou em 80, e você hoje ouve ela e acha interessante, que música interessante, bonita, se você ler a letra assim, esquecer o toque, esquecer quem fez, se você ouvir a letra, assim da música, que interessante. E quais são os elementos que fazem ela ser interessante? Tipo, agora eu comprei um CD do Jorge Versilo, e eu não conhecia este compositor e quem gravou primeira música para ele foi o Djavan, ele fez a música e mandou o Djavan cantar, e ele tem uma voz parecida com a do Djavan, e eu não sabia o que era um... um colibri, aí estava um colibri, aí, não era que eu não gostava da música, mas eu ouvia a música e não sabia, falava a música toda, a música é interessante, fala um português bem claro, bonito, que tem uma coisa com a outra, tudo encaixado nos devidos lugares, as palavras. Aí eu fui pegar no dicionário o que era um colibri. E colibri é um beija-flor, era um beija-flor. Então eu gosto mais do que vem da mpb porque serve até de trabalho, uma vez nós fizemos um trabalho sobre, eu não lmbro a música: “comida é água, bebida é água”, fizemos um trabalho desses. [...] FIM DA FITA

194

ANEXO 3: RELATO DE LEITURA Reconte em suas próprias palavras a história do livro que até hoje mais o marcou

Qual episódio deste livro teve mais importância para você, por quê?

195

ANEXO 4: FORMULÁRIO SOBRE O NÍVEL SÓCIO-ECONÔMICO DO LEITOR E SEU CONSUMO CULTURAL

Parte I: Nível sócio-econômico 1. Sua moradia atual é: ( ) própria ( ) alugada

( ) cedida

( ) outro, qual? _______________________

2. A moradia possui quantos cômodos ( ) um ( ) dois ( ) três ( ) mais de três 3. A renda familiar é próxima de: ( ) de 1 a 3 SM ( ) de 3 a 5 SM 4. ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( (

( ) de 5 a 10SM

( ) mais de 10SM

A família possui: ) Televisão – quantas? ___ ) Assinatura de TV a cabo ) Rádio– quantos? ___ ) Computador – quantos? ___ ) Acesso à Internet– quantos? ___ ) Geladeira– quantas? ___ ) Freezer– quantos? ___ ) Fogão– quantos? ___ ) Microondas– quantos? ___ ) Assinatura de jornais ou revistas – quais e quantos? ____________________________ ) Livros – (cerca de) quantos? ___

Parte II: Consumo cultural A) Meios eletrônicos 1. Televisão 1.1. Assiste televisão cerca de quantas horas por dia? Em que momento e como (sozinho, com a família, etc.)? É você que escolhe a programação? 1.2. Quais os programas preferidos? 1.3. Se possui TV a cabo, quais canais você assiste mais, por quê? 2. Rádio / Música 2.1. Costuma ouvir rádio quantas horas por dia? Em que momento? É você que escolhe a programação? 2.2. Quais as emissoras/programas preferidos? 2.3. Você ouve música também por outros meios (CD, fitas-cassete, etc.)? Quais e com que freqüência? 2.4. Você compra CDs fitas? Em que quantidade e freqüência? 2.5. Tem preferência por algum artista ou gênero musical? Qual e por quê?

196

3. Cinema 3.1. Costuma ir ao cinema? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 3.2. Vai ao cinema em: ( ) bairro

( ) centro

( ) shopping-center

( ) outro

3.3. Tem preferência por que tipo de filme? 3.4. Algum marcou-o particularmente? 4. Vídeo 4.1. Costuma ir a assistir programas em vídeo (filmes e outros)? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 4.2. Tem preferência por que tipo de programação (filme ou outro)? 4.3. Algum marcou-o particularmente? 5. Internet 5.1. Você costuma acessar a Internet? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 5.2. Como passou a ter interesse nesta tecnologia? E o que utiliza (pesquisa, correio eletrônico, outro uso)? 5.3. Como aprendeu a utilizá-la? 5.4. Tem preferência por que algum site? 5.5. Algum marcou-o particularmente? 5.6. Conhece o site de Paulo Coelho? O que pensa dele? B) Impressos 6. Jornais 6.1. Você costuma ler jornais? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 6.2. Qual(is) jornal(is)? Qual(is) parte(s) você lê? 6.3. Tem preferência por algum jornal? Qual e por quê? 6.4. Quando você começou a ler jornais? 6.5. Como tem acesso a jornais (compra, assinatura, empréstimo, etc.)? 6.6. Em que momento (dia, noite, determinado horário, etc.) e com que motivação os lê?

197

7. Revistas 7.1. Você costuma ler revistas? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 7.2. Qual(is) revista(s)? Qual(is) parte(s) você lê? 7.3. Tem preferência por alguma revista? Qual e por quê? 7.4. Quando você começou a ler revistas? 7.5. Como tem acesso a revistas (compra, assinatura, empréstimo, etc.)? 7.6. Em que momento (dia, noite, determinado horário, etc.) e com que motivação as lê? 8. Livros 8.1. Você costuma ler livros? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 8.2. Quando você começou a ler livros? 8.3. Como tem acesso a livros (compra, empréstimo, biblioteca, etc.)? Se você compra livros, em que local faz isso? 8.4. Geralmente escolhe o que vai ler como (autor, assunto, obrigatoriedade escolar, etc.)? 8.5. Você lê mais: ficção, poesia ou não-ficção? 8.6. Desde quando freqüenta bibliotecas? Com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 8.7. Acredita que tem uma fluência/entendimento bom do que lê? Em caso de deficiência como procura supri-la? 8.8. Além do empréstimo de livros utiliza outro serviço da biblioteca? Qual? 8.9. A leitura para você envolve que tipo de motivação (prazer, estudo, etc.)? 8.10. Em que momento (dia, noite, determinado horário, etc.) você geralmente lê livros? 8.11. Conversa sobre ele com outras pessoas? Quem e em que circunstância? 8.12. Qual o papel da leitura de livros em sua família? Possuem livros? De que tipo? 8.13. Qual a relação da escola na leitura de livros para você? 8.14. Tem preferência por algum autor ou assunto? Qual e por quê? 9. Outro(s) 9.1. Você costuma ler outro tipo de material? ( ) Sim ( ) Não. Se sim qual? ______________________. E com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 9.2. Qual a importância desse outro material? Com tem acesso a ele?

198

10. Uso da escrita 10.1. Você costuma escrever? ( ) Sim ( ) Não. Se sim o quê? ____________________. E com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 10.2. Considera ter facilidade para escrever? Em caso de dificuldade como procura aprimorar esta habilidade? 10.3. Qual a importância dessa atividade? Como iniciou-a? C) Outros 11. Shopping-center 11.1. Costuma ir a shopping-centers? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca

( (

11.2. O que você faz neste espaço? 12. Teatro 12.1. Costuma ir ao teatro? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 12.2. Tem preferência por algum tipo? 12.3. Algum marcou-o particularmente? 13. Espetáculos/shows (musicais, dança, etc.) 13.1. Costuma ir a espetáculos/shows? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca

(

13.2. Tem preferência por que tipo de espetáculo? 13.3. Algum marcou-o particularmente? 14. Viagens 14.1. Costuma ir viajar? ( ) Sim ( ) Não. Se sim, com que freqüência: ( ) uma vez por semana ( ) mais de uma vez por semana ( ) uma vez por mês ( ) mais de uma vez por mês ( ) quase nunca 14.2. Tem preferência por que tipo de viagem? 14.3. Alguma marcou-o particularmente?

199

D) Família / Amigos 15. Família 15.1. Dentre as atividade acima listadas, quais são feitas envolvendo mais a maioria dos membros de sua família? 15.2 Além das atividade referidas que outros circunstância podem envolvem o convível familiar e a fruição de bens culturais? 16. Amigos 16.1. Dentre as atividade acima listadas, quais costumam envolver seus amigos? 16.2 Além das atividade referidas que outros circunstância podem envolvem o convível com seus amigos e a fruição de bens culturais? 17. Estabeleça uma hierarquia entre o que você mais faz (em termos de tempo), dentre as atividades abaixo: ( ) Assiste televisão ( ) Assiste vídeo ( ) Ouve música ( ) Vai ao cinema ( ) Utiliza a Internet ( ) Lê jornais e/ou revistas ( ) Lê livros ( ) Passeia com a família/amigos ( ) Escreve ( ) Vai ao teatro ou a outros espetáculos 18. Se você “pudesse” quais das atividades acima seriam feitas com mais freqüência que a atual? O que envolve não poder fazê-las atualmente?

200

ANEXO 5: O CONSUMO DE PAULO COELHO E A INTERPRETAÇÃO DOS LIVROS Parte I: Consumo de Paulo Coelho 1. O que você sabe sobre Paulo Coelho? Como chegou a essas informações? 2. Há quanto tempo você começou a ler este autor? 3. Você tem livros de Paulo Coelho? Comprou? Quais? 4. Por que você começou a lê-lo? 5. O que mais o atrai na leitura de Paulo Coelho? 6. Qual o seu livro preferido de Paulo Coelho? Por quê? 7. Em que gênero literário você classifica os livros dele? 8. Em que espaço (casa, quarto, rua, etc.) você costuma ler este autor? Geralmente, de modo consecutivo, quanto tempo? 9. Os livros de Paulo Coelho já apresentaram algum tipo de dificuldade de entendimento para você? De que tipo? Como procurou esclarecer este(s) ponto(s)? 10. O que você sabe sobre a avaliação que é feita, pelos críticos, a respeito de Paulo Coelho? Lembra de alguma que você leu ou ouviu? Concorda com estas opiniões? 11. Que outros autores poderiam ser aproximados a Paulo Coelho (por estilo, temática, etc.)? 12. Você conversa com outras pessoas sobre a leitura de Paulo Coelho? Quem e sobre o que conversam? 13. Há aspectos nos livros de Paulo Coelho que sejam a seu ver criticáveis? Quais? 14. Já aconteceu de ler algo estava em algum dos livros do autor que entrou em desacordo com o que você pensa sobre: 12a. modo de vida 12b. religião 12c. outro aspecto 13. Você costuma se informar sobre este autor por algum meio? Qual (jornal, internet, revista)? 14. Que aspecto chama mais a sua atenção sobre o que é veiculado sobre o autor? 15. Você acha que, de modo geral, as informações são verdadeiras?

201

Parte II: Compreensão sobre os livros (em desenvolvimento) 1. Você acha que os livros de Paulo Coelho são parecidos entre si? Em que? 2. Você acha as histórias do autor em termos do que vai pensando sobre elas enquanto lê: faz o que você queria; mudam certas partes; são surpreendentes? 3. Você compreende facilmente os livros de Paulo Coelho. Se tem dificuldades elas são de que tipo? 4. Qual o livro mais fácil de ler de Paulo Coelho? Por que? 5. As palavras utilizadas pelo autor são difíceis? 6. Para você o que significava a espada que o personagem de O diário de um mago procurava? 7. O que você acha que o herói fará com a espada? 8. Você acha que tudo que estive neste livro é verdadeiro? 9. Por que você acha que o cão com o qual o herói briga chama-se Legião? 10. O que é para você o Bom Combate, feito neste livro? E de modo geral? 11. O que você entende por Lenda Pessoal? Você lembra em qual livro Paulo Coelho fala nela? 12. O que a Outra Parte? 13. Por que você acha que Brida quis tornar-se feiticeira? 14. Você acha que os personagens de Paulo Coelho são muito diferentes de você? 15. Qual é na sua opinião o papel da magia na obra do autor? 16. A magia nos livros é associada a bens materiais, como? E por que?

202

ANEXO 6: DADOS GERAIS SOBRE OS USUÁRIOS DA BIBLIOTECA

Dados Estatísticos – 1999 Leitores

Usuários

Média/dia

Empréstimos

Matrículas

Acervo

50.678

57.919

198

29.890

4.186

46.980

Funcionários 16

Identid ade do s Usuário s - 1999 E stu d a n te s d e 1 º G ra u E stu d a n te s d e 2 º G ra u

6%

8%

7%

E stu d a n te s d e 3 º G ra u

4%

P ós -G ra d u a çã o

5% A po s e n t ad o s /Pe n s i on i s ta s

4% D e se m p re g a do s

1 9%

4 7% P rof is s i on a i s (té cc n i c os )

O u t ro s

Empréstimo de livros por classe - 1999 Obr as gerais Filosofia

70 00

6100

Religião

60 00 50 00

Ciências Sociais 4050 Filologia

40 00 30 00

3050 2400

0

2175

Ciências Exatas Ciências Aplicadas

20 00 10 00

2050

1975 975 350

1075

Artes Literatura História/G eogr afia/Biologia

203

ANEXO 7: ENTREVISTA COM PAULO COELHO

OBSERVAÇÃO: A entrevista foi realizada por meio do envio de questionário ao escritor, para seu endereço eletrônico; pela própria internet, Paulo Coelho gentilmente transmitiu as respostas que se seguem. Preservamos o texto original do autor, nas respostas (em tipo normal de letra), com as características usuais da comunicação por mensagem eletrônica (abreviaturas, eventual falta de acentuação).

1. Descobri referências a um livro chamado “Os limites da resistência”, que teria sido publicado pelo senhor em 1970 (As referências são duas: o livro “Paulo e Virgínia” de Joel Rufino dos Santos e uma breve biografia do senhor em http://www.revistasubmarino.com.br/submarino/calandra.nsf/dd3f0c92cd8c936c03256 8d80061ab1d/1301de418f69a5a9032569cf00609be2.) Esse livro existe mesmo? Se existe o senhor poderia falar sobre ele? Existe uma peça de teatro, e um envelope com textos soltos, com este nome. Pode conseguir uma cópia com minha secretária, Belina, enviando uma cópia deste email e o preço da reprodução xerográfica para ela. Tel.: 021 22 55 9494 2. Possuo a primeira edição de “O teatro na educação”, e a data da edição, conforme o exemplar, é 1973. Por que geralmente divulga-se 1974, como a data da primeira edição? Ainda quanto a este livro, a terceira edição é também da Forense Universitária? Todas as edicoes foram feitas pela Forense. Creio que o livro saiu em 74, apesar da data de publicaçao ser 73 3. A primeira edição de “Arquivos do Inferno” é de 1981 ou 1982? Este livro teve mesmo uma reimpressão em 1987. Se existe, foi feita pela Shogun Arte? Não houve reimpressao, embora a 1a. edicao do DM faça referencia a isso. A ediçao é de 1982 4. O senhor poderia falar sobre sua experiência como editor de livros e revistas, vê alguma influência desta ocupação no seu trabalho como escritor? Ou, por outro lado, isso ajudou-lhe a gerenciar a carreira de escritor? Não creio que me tenha ajudado, era um trabalho muito alternativo, e o meio editorial é bastante profissional. Tampouco me influenciou como escritor - ao contrario das letras de música, que me influenciaram bastante. 5. Ainda a respeito dessa tema, quando a Shogun Arte foi criada e parou de editar? O que ela editou, além de coletâneas de poetas, “Arquivos do inferno” e o livro de Raul Seixas “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor”? Este foi maior destaque da editora, em termos de vendas? Inicio 82, final 88. Editou tb. Livros de poetas, quando fazíamos a edição e dávamos o livro pronto, já que nunca tivemos um sistema de distribuição. Eu me desliguei da Shogun em 85. 204

6. Por que o “Manual prático do vampirismo” foi editado pela ECO e não pela Shogun? Como o senhor chegou até a ECO? Porque, depois da experiência dos “Arquivos do Inferno”, vi que não tinha condições de distribuição. Cheguei através do co-autor do livro, Nelson Liano, que trabalhava ali. 7. Possuo exemplares de “O alquimista” e de “O diário de um mago” da editora ECO, porém, já encontrei uma referência à edição de “Brida” também por esta editora. Isso ocorreu? Jamais. 8. Encontrei uma 10a. edição de “O diário de um mago” e uma 5a. de “O alquimista” (infelizmente sem data) da ECO. Então aparentemente o senhor vendeu em pouco tempo muitos livros. Isso é fato ou estas edições foram feitas posteriormente ou a editora Rocco é que, por assim dizer, operava a partir do selo ECO? O DM ficou na Eco até 1989 ou até 1990, se não me engano. O Alq saiu da Eco em seu primeiro ano de publicação, por falta de interesse do editor, já que não vendeu nada significativo, indo para a Rocco na época do Natal. Depois, quando o Alq começou a vender pela Rocco, tanto o Rocco como a Eco se interessaram pela continuidade do DM. Como eu tinha contrato por edição (mas em números pequenos, não me recordo, talvez em torno de 1.000 ex. cada edicao) e como a Eco não tinha demonstrado interesse pelo Alq, transferi para a Rocco. 9. Sendo esta hipótese verdadeira que o senhor vendeu bem pela ECO por que, como e quando o senhor foi para a Rocco? Ela editou primeiro qual livro do senhor, “O alquimista”? (vide resposta acima) 10. O senhor tem idéia de quantos exemplares foram vendidos de seus livros pela ECO? Não tenho. 11. A editora ECO talvez contasse com a colaboração (monetária ou em termos de preparação dos originais) dos autores para viabilizar a edição de livros menos usuais dentro de seu catálogo. Isso chegou a acontecer com seus livros publicados nela? Não, no meu caso. 12. Chama a atenção o fato de que as edições da ECO e da Rocco de “O alquimista” e “O diário de um mago” sejam idênticas, isso se explica mais por economia ou outro motivo? A Eco vendeu os fotolitos para a Rocco- O Alq - já que não interessava continuar editando, e já que eles tinha os direitos da capa. No caso do DM, a capa era da minha mulher, e Rocco mandou recompor o livro 13. Já tendo sido editor, o senhor já pensou alguma vez em autoeditar-se novamente? Não. Desde “Os Arquivos do Inferno”. 14. Hoje em dia quantas pessoas trabalham assessorando seu trabalho de escritor (agentes, assesssores de imprensa, advogados, por exemplo)? Possivelmente umas dez. Não mais que isso. Controlando direitos , pgtos, contratos em 56 editoras e 150 países.

205

15. De seus rendimentos globais, qual a porcentagem que deriva diretamente de seu trabalho como escritor, ou seja, aquilo que está ligado a adiantamentos, percentuais por vendas de livros, etc., mas não os recursos provenientes da venda de direitos para a produção de filmes, peças, jogos, licenciamentos de produtos, etc.? Não sei, mas no momento é insignificante. Minha agente pretende desenvolver a área de colunas para jornais. Não quero vender direitos de filmes no momento. 16. O senhor controla este tipo de negócio, sob que parâmetros? Já chegou a vetar algum produto? Sofre “pirataria”, tanto de livros, quanto da associação indevida de seu nome a produtos? Pirataria em vários países do mundo, uma honra para o escritor. Já foram vetados vários produtos pela minha agente. Existem apenas três ou quatro casos de associação indevida de meu nome, embora a tendência seja crescer. 17. Por fim, o senhor sabe em que categoria os seus livros são colocados quando suas editoras enviam-nos para a totalização feita pela Câmara Brasileira do Livro? Existem várias categorias genéricas (“obras gerais”, “religiosos”, “científicos”). Tentei descobrir isso pelas editoras, mas não tive resposta. Não tenho a menor idéia.

206

ANEXO 8: DADOS SOBRE O MERCADO EDITORIAL E A LEITURA NO BRASIL Produção e venda de livros no Brasil: 1990-2000 PRODUÇÃO (1º edição e reedição)

VENDAS

Ano

Títulos

Exemplares

Exemplares

Faturamento (R$)

1990

22.479

239.392.000

212.206.449

901.503.687

1991

28.450

303.492.000

289.957.634

871.640.216

1992

27.561

189.892.128

159.678.277

803.271.282

1993

33.509

222.522.318

277.619.986

930.959.670

1994

38.253

245.986.312

267.004.691

1.261.373.858

1995

40.503

330.834.320

374.626.262

1.857.377.029

1996

43.315

376.747.137

389.151.085

1.896.211.487

1997

51.460

381.870.374

348.152.034

1.845.467.967

1998

49.746

369.186.474

410.334.641

2.083.338.907

1999

43.697

295.442.356

289.679.546

1.817.826.339

2000

45.111

329.519.650

334.235.160

2.060.386.759

Fonte - Convênio entre: CERLALC (Centro Regional para o Livro na América Latina )

Tabelas sobre a distribuição de bibliotecas públicas e livrarias no Brasil Bibliotecas públicas por Estado Estado Nº Acre (AC) Alagoas (AL) Amapá (AP) Amazonas (AM) Bahia (BA) Ceará (CE) Distrito Federal (DF) Espírito Santo (ES) Goiás (GO) Maranhão (MA) Mato Grosso (MT) Mato Grosso do Sul (MS) Minas Gerais (MG) Pará (PA) Paraíba (PB) Paraná (PR) Pernambuco (PE) Piauí (PI) Rio de Janeiro (RJ) Rio Grande do Norte (RN) Rio Grande do Sul (RS) Rondônia (RO) Roraima (RR) Santa Catarina (SC) São Paulo (SP) Sergipe (SE) Tocantins (TO)

TOTAL

Livrarias por Estado Estado 18 65 6 25 253 166 63 88 222 134 105 93 720 161 137 365 200 42 178 189 282 60 4 248 652 55 124

4.665

Fonte - Ministério da Cultura (apud Pavão, 1999)

Acre (AC) Alagoas (AL) Amapá (AP) Amazonas (AM) Bahia (BA) Ceará (CE) Distrito Federal (DF) Espírito Santo (ES) Goiás (GO) Maranhão (MA) Mato Grosso (MT) Mato Grosso do Sul (MS) Minas Gerais (MG) Pará (PA) Paraíba (PB) Paraná (PR) Pernambuco (PE) Piauí (PI) Rio de Janeiro (RJ) Rio Grande do Norte (RN) Rio Grande do Sul (RS) Rondônia (RO) Roraima (RR) Santa Catarina (SC) São Paulo (SP) Sergipe (SE) Tocantins (TO)

TOTAL

Nº 3 22 0 18 77 40 61 11 13 6 17 30 115 17 22 176 55 5 297 13 190 21 0 27 499 14 0

1.749

Fonte - Anuário Editorial Brasileiro (apud Pavão, 1999)

207

Tabelas sobre a produção de livros “esotéricos” e de “auto-ajuda” Produção de livros esotéricos Ano Títulos Exemplares

1996

1997

1998

46

157

184

79.296

190.585

518.392

Fonte – Convênio entre: CBL (Câmara Brasileira do Livro), CERLALC (Centro Regional para o Livro na América Latina e caribe/UNESCO), e ABIGRAF (Associação Brasileira da Indústria Gráfica). Responsabilidade Técnica: Elizabeth Naves e Marta Oliveira

Produção de livros de auto-ajuda Ano

1994

1995

1996

1997

1998

Títulos

107

109

268

551

527

411.902

396.329

1.478.196

1.162.759

2.177.009

Exemplares

Fonte – Convênio entre: CBL (Câmara Brasileira do Livro), CERLALC (Centro Regional para o Livro na América Latina e caribe/UNESCO), e ABIGRAF (Associação Brasileira da Indústria Gráfica). Responsabilidade Técnica: Elizabeth Naves e Marta Oliveira

Tabelas sobre o ensino médio no Brasil Ensino Médio – Matrícula Inicial. 1971-1996 Ano

Total

1971

1.119.421

1975

1.935.903

1980

2.819.182

1985

3.016.138

1989

3.477.859

1991

3.770.230

1994

5.073.307

1996

5.739.077

Fonte – MEC/SEDIAE/Sinopse Estatística do Ensino Superior (apud Martins, 1998, 81)

Ensino Médio/Vestibular – Vagas oferecidas no Ensino Superior e Número de Concluintes no Ensino Médio. 1984-96 Ano

Total de vagas no ensino superior

Concluintes ensino médio

Relação concluintes/vaga

1984

343.028

585.193

1,7

1987

447.345

605.504

1,4

1990

502.784

658.725

1,3

1993

548.678

851.428

1,6

1996

634.236

959.545

1,5

Fonte – MEC/SEDIAE/Sinopse Estatística do Ensino Superior (apud Martins, 1998, 81)

208

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.