APROPRIAÇÕES PUBLICITÁRIAS DO CIBERACONTECIMENTO: ASSOCIAÇÕES DE MARCAS NAS REDES DIGITAIS COM A APROVAÇÃO DO CASAMENTO IGUALITÁRIO NOS EUA
Advertising appropriations of the cyberevent: brand associations with equal marriage approval on USA in social networks
Jonas Pilz (Unisinos)1
Resumo: A aprovação do casamento igualitário em todo o território estadunidense pela Suprema Corte do país teve grande repercussão no mundo. De modo que o acontecimento teve contornos bastante específicos nas redes digitais, com o espalhamento de narrativas através das hashtags #LoveWins e #Loveislove, além da aplicação de filtros da bandeira do arco-íris nas imagens de perfis dos atores sociais, entende-se este como um ciberacontecimento. Entre os atores sociais que se apropriaram tanto do acontecimento em si quanto dos elementos de sua conversação em rede muitos estão ligados a interesses mercadológicos, ou seja, representam instituições e organizações comerciais. A partir da identificação de apropriações publicitárias em torno dessa celebração, o artigo tem o intuito de analisá-las, sistematizando-as em categorias, através das propostas metodológicas da análise de construção de sentidos em redes digitais, em desenvolvimento no Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento. Também pretende-se refletir sobre o entendimento deste como um ciberacontecimento, além de contextualizar estas apropriações com outras realizadas por atores sociais com interesses mercadológicos e as potencialidades das hashtags diante dos acontecimentos sociais. Palavras-chave: Ciberacontecimento. Hashtag. Casamento Igualitário. Redes digitais. Abstract, Resumen ou Résumé: Equal marriage approval nationwide by the Supreme Court of the United States had a great impact over the world. This event had specific issues in social networks and with spreading stories through hashtags like #Lovewins and #Loveislove, besides the application of rainbow flag filter on profile pictures of social actors, it is understood as a cyberevent. Among social actors who shared both the event itself and the elements of its computer-mediated conversation, many of them are related to market interests representing business institutions and organizations. After the identification of those adversting appropriations around this event's celebration, this paper aims to analyse them by assigning categories trough the creation of meaning in social networks methodology, developed by Laboratatório de Investigação do Ciberacontecimento. It also inteds to discuss why and how this is understood as a cuberevent as long as to present other appropriations made by social actors related to market interests and the potencialities of the hashtags in current social events. Palavras-chave: Cyberevent. Hashtag. Equal marriage. Social networks
INTRODUÇÃO
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e integrante do Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento. e-mail:
[email protected] 1
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Embora alguns estados norte-americanos já tivessem uma legislação que permitisse o
casamento igualitário, foi somente com a decisão favorável da Suprema Corte do país que, em 26/06/2015, este foi legitimado em todo o território estadunidense. A aprovação teve grande
repercussão no país e no mundo, sobretudo em celebrações de pessoas nas ruas e nas redes
digitais. Além de pessoas, instituições públicas e organizações privadas também se
manifestaram. A mobilização foi percebida primeiramente nos Estados Unidos depois em outros países, como o Brasil. Nas redes digitais as narrativas em torno do acontecimento foram
organizadas pela utilização das hashtags #LoveWins e #Loveislove. No Facebook, o site disponibilizou um aplicativo de filtro com a bandeira do arco-íris, símbolo das pessoas e das lutas LGBT, para imagens de perfil.
Destaca-se aqui as manifestações de atores sociais com interesses mercadológicos, ou
seja, que representam instituições e organizações comerciais, nas conversações em rede
(RECUERO, 2014) em torno do acontecimento. A apropriação ou associação com a celebração
realizadas pelas “marcas” nas redes digitais foram, inclusive, repercutidas como pauta por
veículos jornalísticos, tamanha a sua dimensão. A partir da identificação e busca de publicações em portais de notícias, sites de jornais, sobretudo em publicações elaboradas sob a forma de “lista”, além dos próprios sites de redes sociais, percebe-se diferentes formas de apropriação e associação das instituições com o acontecimento. Este artigo pretende analisar e identificar os
tipos de apropriação realizados por empresas representadas por páginas no Facebook, Twitter e Instagram. Parte-se do questionamento de que categorias as apropriações do “acontecimento
#LoveWins” podem configurar e quais as principais interseções que possuem. Utiliza-se, neste caso, as proposições da metodologia de análise de construção de sentidos em redes digitais,
desenvolvida pelo Laboratório de Investigação do Ciberacontecimento, lotado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, com pertinência ao objeto e ao corpus construído, enquanto sistematização através de categorias e reflexão de conversações em rede.
O artigo pretende também refletir sobre o entendimento deste acontecimento como um
ciberacontecimento e as potencialidades das hashtags de promover acontecimentos, a partir de
Henn (2014; 2015). Além disso, intenta observar as interfaces da apropriação de ciberacontecimentos por atores sociais com interesses mercadológicos (PILZ, 2016), no sentido 2
de apropriação de capital social (RECUERO, 2009), a partir da ideia de propagabilidade apontada por Jenkins et al. (2014).
#LOVEWINS COMO CIBERACONTECIMENTO A decisão da Suprema Corte estadunidense deu-se em um âmbito alheio às redes
digitais. Assim que anunciada, foi pautada por veículos de informação, celebrada nas ruas e nas conversações em rede (RECUERO, 2014). Contudo, determinados desdobramentos deste
acontecimento nos sites de redes sociais qualificam-no, na proposta de Ronaldo Henn (2014), como um ciberacontecimento.
Ciberacontecimento é uma proposta de conceito oriunda das pesquisas lideradas por
Henn, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, naquele que veio a tornar-se o grupo de pesquisas Laboratório de Investigação do
Ciberacontecimento (LIC). A partir de Quéré (2005), entende-se que o acontecimento está no nível da afetação e da experiência, porque afeta sujeitos que o percebem e experienciam,
criando sentidos à sua emergência. A proposta do acontecimento em rede vem de uma revisão dos conceitos de acontecimento e acontecimento jornalístico, identificando que há acontecimentos ligados de forma tão intrínseca à existência, e implicações, das redes digitais, apropriações e ressignificações de atores sociais em rede, que configuraram uma categoria
específica de acontecimento. São ciberacontecimentos alguns acontecimentos de diversas naturezas, como o caso do “vestido azul e preto ou branco e dourado” (2015), o “desafio do balde de gelo” (2014), os “rolezinhos” (2013/2014) e protestos político-sociais organizados
através dos sites de redes sociais. Estes acontecimentos, por si só, já envolvem um grande número de atores sociais na sua constituição (entendida aqui também como repercussão do
acontecimento). Assim, uma das características do ciberacontecimento é o espalhamento de
narrativas sobre si, como desenham Jenkins et al. (2014) sobre a propagação de conteúdos nas redes digitais, e as conversações em rede oriundas destas narrativas.
Contudo, os ciberacontecimentos não são apenas os acontecimentos originados nos sites
de redes sociais, mas também aqueles cuja produção de sentidos é constituída de forma tão
significativa nestas ambiências que acabam reconfigurando-o ou atrelando-se à complexidade de seus desdobramentos, interferindo diretamente nas suas afetações. Da mesma forma, alguns ciberacontecimentos se caracterizam pela constituição através de organização e/ou
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espalhamentos e conversações em redes digitais e posterior cristalização na ocupação de espaços público-privados.
A mobilização online das pessoas e instituições após a decisão da Suprema Corte
estadunidense configuram um dos elementos que pode dar-se a entender este acontecimento
como um ciberacontecimento. Porém, desta forma, qualquer acontecimento que gere repercussão em sites de redes sociais poderia ser encarado como um ciberacontecimento.
Assim, retoma-se as três dimensões do ciberacontecimento identificadas por Henn (2014): processos transnarrativos e hipermidiáticos, a reverberação instantânea que se incorpora na narrativa e a eclosão de outros modos de acontecimento tramados a partir de conexões de grande
complexidade. Fundamental para entender este como um ciberacontecimento são dois
elementos que se revelaram, posteriormente, catalisadores de novas significações: as hashtag #LoveWins e #Loveislove e o filtro disponibilizado pelo Facebook para as fotos de perfil.
O site desenvolveu, disponibilizou e fomentou, através da adesão do seu fundador e
CEO, Mark Zuckerberg, a utilização deste filtro (a aplicação de um “fundo” temático que se mistura à imagem) para que os seus usuários pudessem demonstrar apoio à decisão. As hashtags
organizaram as narrativas em torno da celebração do acontecimento, constituindo sentidos e lógicas próprias de reverberação do acontecimento. Ambos os elementos possuem forte vínculo
de posicionamento para os atores sociais. Vincular-se a um acontecimento é entendido também dentro das apropriações do capital social (RECUERO e ZAGO, 2011), performatizações e construções de identidade (HENN et al., 2016).
POTENCIAL ACONTECIMENTAL DAS HASHTAGS A organização de mensagens através de hashtags contribui para dar visibilidade e
espalhamento a determinados temas e conteúdos publicados por atores sociais em rede. Assim,
entende-se que a hashtag permite uma centralidade das mensagens produzidas ao organizá-las em atribuições de sentido e buscabilidade, uma característica apontada por Recuero (2014)
sobre as conversações em rede, ao mesmo tempo em que seu espalhamento oportuniza uma descentralidade destes sentidos, que pode vir a ocasionar ruídos e subversões do seu propósito,
como identifica Henn (2014). Pensando na infinitude dos signos na semiótica peirciana, estes sentidos podem ser, inclusive, inversamente proporcionais, como observado nas manifestações de subversão de “#meuamigosecreto” para “#minhaamigasecreta” (PILZ, 2016) em 2015 e o
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uso da hashtag #LoveWins para desqualificar a celebração em torno da conquista por direitos civis dos LGBT (PILZ et al., no prelo).
As hashtags têm um potencial acontecimental uma vez que o espalhamento de
mensagens com o seu uso origina novas mensagens, perpetuando-a e legitimando-a, além de
trazer visibilidade e relevância para as lógicas e tópicos ali reproduzidos. Höehr (2013), ao fazer
apontamentos sobre o acontecimento em rede e suas implicações no jornalismo, entende que o
desencadeamento de informações nas redes sociais digitais não pertence apenas a um indivíduo. Assim, o que se chama de potencial acontecimental das hashtags vem da relevância que estas carregam tanto sígnica quanto esteticamente. Sua relevância vai
constituindo-se
progressivamente, dando visibilidade a si e aos assuntos ou acontecimentos que espalha, ainda que possa haver ruídos e subversões.
As hashtags têm sido um recurso apropriado por atores sociais em rede para marcar,
reproduzir e espalhar mobilizações, como mensagem de convocação (#Vemprarua nas manifestações de junho de 2013 no Brasil) ou, inclusive, servindo ao jornalismo para nomear o
acontecimento (como #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto). Em relação aos exemplos
tratados até aqui, as colocações de Jenkins et al. (2014, p. 266) sobre o espalhamento dos textos midiáticos são pertinentes, sobretudo ao pensar que casos como #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto retomam experiências importantes do passado das pessoas:
Com frequência, o texto de mídia se espalha particularmente longe quando retrata uma controvérsia que preocupa uma comunidade no exato momento em que esta busca conteúdo que poderia atuar como seu grito de guerra. Nesse caso, o material se torna propagável porque articula o sentimento do momento, uma situação que as pessoas vivenciaram, mas que não conseguiram explicar com facilidade, ou uma percepção que as pessoas não conseguiram colocar em palavras.
Estas afetações que agregam pessoas e fomentam conversações constituem um campo
de proliferação de sentidos (HENN, 2014). Também é entendido que há um campo problemático quando instituições se utilizam de hashtags ligadas a movimentos de luta social,
em relação à sua legitimação e/de lugar de fala, para produzir sentidos. Em pesquisa exploratória do caso #LoveWins, que constitui a pesquisa de Mestrado do autor, foi observado que, em páginas que representam organizações comerciais, alguns seguidores assumidos como
consumidores das marcas reagiram replicaram as postagens dizendo-se decepcionados com as empresas, enquanto outros seguidores, não-identificados como consumidores, aprovaram o
posicionamento. Outra vertente de comentários atacou a própria legitimidade da decisão e da comoção gerada, rebatida por outros atores favoráveis à decisão americana e que consideravam
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legítima a euforia das pessoas. APROPRIAÇÕES PUBLICITÁRIAS DE CIBERACONTECIMENTO Apropriações de acontecimentos por atores sociais com interesses mercadológicos são
entendidas como a inserção de instituições privadas, organizações comerciais, nas conversações em rede, no intuito de se apropriar do capital social2, dentro de uma cultura participativa
(SHIRKY, 2011) e da tentativa das marcas de se tornarem lovemarks3. De forma geral, entendese que ao observar a representatividade que determinados fatos ou conversações obtêm nas
redes digitais, sobretudo pela produção e espalhamento de narrativas e ressignficações, tornase atraente do ponto de vista de relacionamento fazer parte deste processo; posicionar-se. A denominação “apropriações do ciberacontecimento por atores sociais com interesses
mercadológicos” é formulada com a perspectiva de que, nas redes digitais, organizações são atores sociais como aqueles com quem desejam se relacionar. Contudo, há a demarcação de que
este relacionamento é marcado pelas lógicas de mercado e implicações comerciais ao qual pertencem. O uso do termo apropriação parte do entendimento de Cornutti (2015) para
caracterizar a ressignificação de conteúdos produzidos por meios hegemônicos em conteúdos humorísticos na internet, justificando a escolha pela interpretação do "conceito de apropriação como articulador de novos sentidos" (CORNUTTI, 2015, p. 124).
As apropriações sobre ciberacontecimentos são observadas, por exemplo, em casos
como “Menos Luiza que está no Canadá”. A hashtag #LuizaEstaNoCanada foi um dos assuntos mais comentados do Twitter em janeiro de 2012, e Luiza chegou a retornar ao Brasil, poucos
dias depois de o comercial começar a ser veiculado, para ser entrevistada por diversos veículos
de comunicação. O meme, além do seu sentido original de criticar a desnecessidade da informação de que a família estava incompleta porque um seus integrantes estava fora do país, foi utilizado por diversos outros atores sociais, de diferentes formas. As apropriações também
se voltaram para a irrelevância da informação dada pelo pai da então adolescente. A frase A partir de Recuero (2009), entende-se o capital social como um valor atribuído a determinado ator social, a partir de seus investimentos e esforços (LIN, 2001), e conferido por um grupo de outros atores a partir da sua percepção. O capital social, como uma apropriação desse valor, enquanto recurso disponível na rede social (BORDIEU, 1983), está literalmente ligado à reputação aferida aos atores sociais (RECUERO, 2009). 3 O conceito de lovemark abrange a relação cotidiana entre marca e seus públicos (consumidores), onde há a manutenção do relacionamento, para além da ação exclusivamente comercial. A partir da empatia gerada por ações diárias, estas marcas criam e perpetuam afetos com seus seguidores. Roberts (2005, p. 60) identifica as lovemarks como "marcas e empresas que criam conexões emocionais genuínas com as comunidades e redes com as quais se relacionam. Isso significa tornar-se próximo e pessoal". Fragoso et al. (2013, p. 234) entendem as lovemarks como “marcas que geram forte identificação afetiva por parte dos seus consumidores”. 6 2
“menos Luiza que está no Canadá” foi atrelada a uma série de publicações de mensagens sobre
atividades cotidianas, rotineiras, das quais ela não poderia fazer parte por estar no Canadá. O
caráter de exclusão da menina, por não poder participar de determinadas ações coletivas,
também foi explorado pelos atores sociais em rede. Aproveitando o buzz4, algumas empresas utilizaram este meme em suas estratégias de comunicação e relacionamento, adequando-a
inclusive à sua oferta direta de produtos (Figura 1). Assim, o poder de afetação de um anúncio publicitário tornou-se um ciberacontecimento, utilizado também para fins comerciais de outras instituições. A própria Luiza, inclusive, estrelou campanhas oficiais da empresa Magazine Luiza.
Figura 1. Apropriações mercadológicas de “Menos Luiza que está no Canadá”
Fonte: Facebook e Twitter / Amostra construída pelo autor
Acontecimentos apropriados para fins publicitários não são, em si, uma novidade.
Alguns acontecimentos, inclusive, originaram produtos que precisaram ser promovidos, como no caso de epidemias que demandam a produção e promoção de remédios, além de campanhas
de conscientização. Estatísticas de acidentes de trânsito podem ajudar a promover um carro que Termo da língua inglesa cujo significado pode ser zumbido ou murmúrio. É muito utilizado no meio publicitário para referir-se a assuntos que estejam em pauta na sociedade, na internet ou em ambientes específicos. O buzz pode ser tanto uma construção intencional, como “gerar buzz” para um novo produto, conteúdo ou campanha, quanto não-intencional, quando determinados temas tornam-se populares, “quentes”, sem que haja uma estratégia para tal. 7 4
ofereça mais segurança (a própria elaboração de carros seguros ou mais seguros é possivelmente oriunda destes números). No caso de perfis em sites de redes sociais,
acontecimentos também são usualmente trabalhados, como, por exemplo, na recente morte de David Bowie, homenageado por diversas marcas. Porém, os da ordem do previsível (ALSINA, 2009), como eventos específicos (Oscar e outras premiações, competições esportivas, datas
comemorativas), são os mais recorrentes. Alguns eventos são também patrocinados por anunciantes, que garantem o direito de utilizá-los de forma oficial em suas estratégias de comunicação, como ocorre na Copa do Mundo (PILZ, 2014).
Aquém dos acontecimentos, há as apropriações de memes, linguagens, formatos e
outros elementos das conversações em rede que são de fácil reconhecimento pelos atores sociais
que constituem os públicos heteregêneos ou homogêneos encontrados por empresas nos sites de redes sociais. Mesmo nas apropriações de acontecimentos em rede, estes elementos também são usuais. A emergência
das apropriações publicitárias do ciberacontecimento está nas
implicações que exercem na constituição de sentidos do acontecimento. Antes de atores sociais
como o jornalismo, fonte historicamente hegemônica do conhecimento dos acontecimentos sociais, elaborarem suas narrativas, este conhecimento e as relações das pessoas com os
acontecimentos pode provir ou ser fortemente marcado pela ação digital de posicionamento das marcas.
APROPRIAÇÕES DE #LOVEWINS A construção do corpus aqui analisado de apropriações de #LoveWins por atores sociais
com interesses mercadológicos é constituída, sobretudo, através das listas de apropriações
identificadas por sites brasileiros e estadunidenses, encontrados em sites de busca e sites de redes sociais através de palavras-chave como “marca”, “#LoveWins”, “#Loveislove”, combinadas. Outras apropriações são identificadas a partir de pesquisa exploratória através de instituições do mesmo segmento de atuação daquelas identificadas pelas listas e buscas. Entende-se que há a potencialidade de que se uma organização de determinado setor faz
posicionamentos e apropriações de determinada natureza, seus concorrentes e/ou parceiros de mercado também podem fazê-lo. Desta forma, foram pesquisadas especificamente páginas de
grandes empresas automotivas, de bebidas, lojas de varejo, etc. Esta pesquisa exploratória foi realizada em páginas brasileiras e estadunidenses.
Este procedimento e os seguintes são inspirados na proposta metodológica de análise de
construção de sentidos em redes digitais, em desenvolvimento no LIC, operada em três etapas:
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1) mapeamento e identificação, onde percebe-se o desdobramento de conversações em torno de um tema, tópico ou acontecimento, e elabora-se um recorte de publicações; 2) categorização, em que estas publicações são organizadas por aproximação de acordo com suas semelhanças
de elementos como discurso, formato e outras pertinências; 3) inferências, onde há uma reflexão sobre as categorias e suas possíveis interseções. Inicialmente, identifica-se o uso de três principais recursos, além da legenda textual das publicações: imagens estáticas, vídeos e
gifs. A partir da observação destes recursos, divide-se as apropriações de acordo com o tipo de construção dada pelas marcas:
Imagem com aplicação de filtro-bandeira: este núcleo diz respeito às apropriações onde
a bandeira do arco-íris é aplicada nas embalagens dos produtos, signos que remetem aos
produtos, slogans ou logotipos. Apesar da aplicação disponibilizada pelo Facebook,
mesmo no site a maioria das apropriações observadas tratam-se de imagens de livre criatividade, inspiradas na funcionalidade utilizada pelos atores sociais em rede (Figura 1).
Figura 2. Imagem com aplicação do filtro-bandeira em produto/logo
Fonte: Facebook / Amostra construída pelo autor
Produtos alinhados com as cores da bandeira do arco-íris: nesta categoria estão as apropriações que configuram uma ordem de posição dos produtos que remetem às cores
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da bandeira do arco-íris, ainda que não exatamente de forma fidedigna, dadas as diferenças entre as cores dos produtos e as cores da bandeira (Figura 2). Figura 3. Produtos alinhados com as cores da bandeira
Fonte: http://bit.ly/2ay5zQT
Produtos pró-LGBT: aqui estão agregadas as apropriações que vinculam o
acontecimento a produtos que tenham implicações de representatividade à causa LGBT, cuja produção é anterior à mobilização de celebração após a aprovação do casamento igualitário (Figura 3).
Figura 4. Produtos Pró-LGBT
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Fonte: https://twitter.com/NetflixBrasil/status/614502874551296000
Posicionamento em ponto-de-venda: nestas apropriações há a demonstração de materialidade do posicionamento de apoio à causa em ponto-de-venda da marca,
representado por imagens de lojas, sedes e demais estabelecimentos vinculados a atores sociais com interesses mercadológicos (Figura 4)
Figura 5. Posicionamento em ponto-de-venda
Fonte: https://www.instagram.com/p/4Z5CGARc7y
Reforço de política empresarial pró-LGBT anterior à celebração: similar à categoria
Produtos pró-LGBT, nesta categoria há uma associação da resolução do casamento igualitário com políticas empresariais praticadas que apoiam os direitos humanos/civis
dos LGBT. Neste caso, o apoio prévio não se dá na produção de produtos, mas na sugestão de inclusão social e em quadro funcional das empresas (Figura 4) Figura 6. Reforço de política empresarial pró-LGBT anterior à celebração
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Fonte: http://bit.ly/2ay5zQT
Histórias reais: esta categoria abrange as apropriações que visibilizam histórias reais
ligadas ao amor e união LGBT, com ou sem vínculo direito com a marca, no sentido de
terem ou não a participação efetiva em determinadas situações, como pedidos de casamento, realização de desejos, entre outros.
Figura 7. Histórias reais
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Fonte: https://twitter.com/MasterCard/status/614438292151349248
A partir da categorização das apropriações, entende-se que em alguns casos, como
Produtos pró-LGBT e Reforço de política empresarial pró-LGBT anterior à celebração há uma
espécie de valoração e legitimidade da pertinência da apropriação. Ou seja, determinada marca
intenta demonstrar que tem lugar de fala para celebrar o acontecimento, pois já apoiava a causa LGBT e o casamento igualitário. Na categoria Posicionamento em ponto-de-venda não é possível detectar se o posicionamento é anterior ou posterior à resolução da Suprema Corte. Estas, contudo, embora os dados não tenham sido analisados de forma quantitativa, representam
poucas apropriações dentro do que foi observado. A maioria se refere às categorias Imagem
com aplicação de filtro-bandeira e Produtos alinhados com as cores da bandeira do arco-íris, também por sua fácil produção técnica com softwares de edição de imagem e editoração gráfica. Da mesma forma, as apropriações categorizadas como Histórias reais, entende-se, demandam mais tempo de realização e, por isso, são com menos. CONSIDERAÇÕES FINAIS As apropriações publicitárias aqui observadas e categorizadas são entendidas dentro de
um contexto de práticas cada vez mais recorrentes de vincular marcas a causas sociais e
acontecimentos, no intuito de aproximá-las de seus públicos. Contudo, de acordo com a
proposta de conceito do ciberacontecimento, onde a repercussão e ressignificações são parte constituinte e indissociável da sua emergência, as apropriações da celebração do casamento
igualitário também o configuram e reconfiguram, como um acontecimento que interessa às lógicas de mercado.
A produção extensa destas narrativas indica que este processo de inserção nas
conversações em rede faz parte das estratégias de comunicação e relacionamento das marcas nas redes digitais. Com o objetivo de posicionamento e espalhamento, estas mensagens
criativas trazem implicações, constroem valores e trazem discussões sobre o acontecimento, com a exposição de marcas e produtos a estes elementos. REFERÊNCIAS ALSINA, Miguel. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009. 351 p. BOURDIEU, Pierre. The Forms of Capital. In: Handbook of theory and Research for Sociology of Education, edited by J.G. Richardson. Westport, CT: Greenwood Press, 1983.
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