Aproximação entre Mark Rothko e Nietzsche

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Aproximação entre Mark Rothko e Nietzsche Keyla S. Moreira ([email protected]) Instituto Federal do Paraná - Campus Palmas

Numa breve síntese, Mark Rothko em 1958 foi convidado para decorar através de suas pinturas, uma sala exclusiva no luxuoso edifício Seagram, localizado em Nova York. No entanto, o artista devolveu o dinheiro que lhe foi pago e não entregou suas obras. Em 1970 após sua morte, John Fischer que o conheceu numa viagem a Europa, divulgou suas anotações da conversa que teve com Rothko e algumas de suas afirmações: “Eu nunca vou assumir um trabalho assim novamente”, disse ele. "De fato, eu passei a acreditar que uma pintura não deve ser exibida em espaço público. Eu aceitei esta tarefa como um desafio, com intenções estritamente maliciosas. Espero pintar algo que vai arruinar o apetite de cada filho da puta que comer nesta sala. Se o restaurante recusar minha pintura, seria o melhor elogio. Mas eles não vão. As pessoas podem suportar qualquer coisa nos dias de hoje.”1

Rothko quando disse “espaço público”, referia-se ao restaurante de espaço privado, onde sua obra ficaria exposta, pois acreditava que sua obra não seria notada em meio a perturbações e distrações, próprias de um local como aquele. Para ele que desenvolveu sua arte de forma muito subjetiva e num completo campo de abstração estritamente ligado ao seu intimo, define seu trabalho como sendo uma extensão de si mesmo, e que só poderia ser compreendido no silêncio, pois a arte tinha um caráter espiritual e não se reduzia nos conceitos estéticos. O pintor ao tomar tal atitude de recusar a entrega de suas pinturas, revela a ética que guiou seu comportamento, rompe com o fetichismo de mercadoria da sua obra, que daria a ela um caráter independente de sua vontade. Ainda sobre sua afirmação quanto a expor sua obra, está estritamente ligada a ideia que o envolve, reconhecida na interpretação de sua resposta quando interrogado para falar de suas pinturas, “o silêncio é o mais acertado”. Este pensamento encontra relação com o que Nietzsche entende sobre a linguagem, onde afirma ser esta, antropomórfica e demasiada humana, “a oposição que introduzimos entre o indivíduo e a espécie é também antropomórfica e não provém da essência das coisas” (NIETZCHE, 2008, p. 12), no sentido de que as palavras não podem exprimir ou demonstrar esta essência da relação que temos com os objetos.

1 Retirado de: https://www.tate.org.uk/art/artworks/rothko-black-on-maroon-t01031/textcatalogue-entry. (Última consulta, abril de 2015; tradução feita pela autora)

O filósofo na sua obra “Sobre verdade e mentira” explica o processo de metaforização das coisas e do mundo, inicia-se num estímulo nervoso, que se tornará em uma imagem e formará assim uma metáfora, e esta é transposta em som, formando assim uma nova metáfora. Desta forma, nos relacionamos com as coisas e as palavras, e a metáfora em si é o resultado e transformação da experiência original, o conceito de algo é uma transformação destas. A tentativa de atribuir uma significação em algo, encontrar a essência de um objeto, distancia-se da realidade, pois ignora as próprias singularidades do individuo e sua experiência com o objeto. Todo conceito surge da postulação da identidade do não-idêntico. Assim como é evidente que uma folha não é nunca completamente idêntica à outra, é também bastante evidente que o conceito de folha foi formado a partir do abandono arbitrário destas características particulares e do esquecimento daquilo que diferencia um objeto de outro. O conceito faz nascer a idéia de que haveria na natureza, independentemente das folhas particulares, algo como a folha, algo como uma forma primordial, segundo a qual todas as folhas teriam sido tecidas, desenhadas, cortadas, coloridas, pregueadas, pintadas, mas por mãos tão inábeis que nenhum exemplar teria saído tão adequado ou fiel, de modo a ser uma cópia em conformidade com o original.2

Sendo assim, este instinto primitivo que nos leva a criação e mitificação das coisas, do qual não nos separamos por um só instante, edificou-se num mundo regular de conceitos que procura um novo meio de demonstrar sua atividade, e é na Arte que este canal se perfaz. O homem acordado em seu estado consciente não tem contato com este mundo de forma que não seja tão regular, e é por este motivo que quando entra em contato com a arte e ela despedaça esse mundo de conceitos, até crê que está sonhando. Pois é no sonho que temos este primeiro contato nos livra da redução da essência das coisas e do mundo, funcionando como um deslocador das abstrações e lançador de metáforas. Pascal tem razão quando afirma que, se tivermos o mesmo sonho toda noite, ficaríamos preocupados com ele, assim como o fazemos com as coisas que vemos durante o dia: Se um artesão estivesse certo de sonhar toda noite, durante doze horas plenas, que era um rei, creio, diz Pascal, que ele seria quase tão feliz quanto um rei que toda noite sonhasse durante doze horas que era um artesão.3

Nietzsche ainda compara e se refere à arte, como um trajeto de rio que o homem precisa percorrer e o faz navegando, sem a qual teria de caminhar. 2NIETZCHE, 2008, p. 12 3NIETZCHE, 2008, p. 19.

Aquele que se põe à busca de tais verdades, no fundo procura somente a metamorfose do mundo no homem; luta para alcançar uma compreensão do mundo enquanto coisa humana e conquista no melhor dos casos o sentimento de uma assimilação.4

Concluindo, o silêncio de Rothko está associado à ideia que Nietzsche tem de arte e de sua filosofia com relação às verdades do mundo, onde as essências e conceitos que nos guiam, não passam de experiências deturpadas de nossos próprios, singulares e individuais estímulos de coisas, inexistindo uma verdade universal sobre qualquer coisa.

Referências bibliográficas NIETZCHE, Friedrich. Sobre verdade e mentira. Tradução e organização de Fernando Moraes Barros – São Paulo: Hedra, 2008.

4 NIETZCHE, 2008, p. 15.

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