Aproximando os fósseis da população do município de Coração de Jesus (MG): uma discussão sobre o patrimônio

May 27, 2017 | Autor: Hussam Zaher | Categoria: Paleontologia, Educação Patrimonial, Coração De Jesus (MG)
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Discussão no II Fórum CPC – USP, 15 de abril de 2013.

Aproximando os fósseis da população do município de Coração de Jesus (MG): uma discussão sobre o patrimônio

SOLER, Mariana Galera (1); Bióloga, Técnica em Educação em Museus do Museu Biológico do Instituto Butantan [email protected] LOURENÇO, Marcia Fernandes (2); Bióloga, Mestre em Zoologia (Instituto de Biociências / USP) , Educadora do Museu de Zoologia da USP [email protected] CARVALHO, Alberto Barbosa de (2); Biólogo, Doutor em Zoologia (Instituto de Biociências/ USP), Especialista em Pesquisa (Paleontologia) pelo Museu de Zoologia da USP [email protected] LANDIM, Maria Isabel (2); Bióloga, Doutora em Zoologia (Instituto de Biociências / USP), vínculo institucional [email protected] ZAHER, Hussam (2); Biólogo, Doutor em Sistemática e Evolução (Muséum National D'Histoire Naturelle /MNHN), Diretor do Museu de Zoologia da USP [email protected]

RESUMO As delimitações entre patrimônio cultural e natural remontam a diferentes lógicas e momentos históricos dos quais estes conceitos emergem. Contudo, estes conceitos mostram-se cada vez mais próximos e indissociáveis. Neste trabalho é relatado o desenvolvimento de um projeto no município de Coração de Jesus (MG), onde são realizadas escavações paleontológicas desde o ano de 2005, que culminaram na descoberta

do

esqueleto

parcialmente

II FÓRUM SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL 2013 CPC USP

completo

e

crânio

do

dinossauro 1

Tapuiasaurus macedoi (em 2007). Embora esta descoberta tenha sido aclamada na comunidade científica, a população corjesuense esteve à parte desse processo, criando significados próprios para estes fósseis. Neste contexto, foi realizado pelo Museu de Ciências da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária em parceria com o Museu de Zoologia, ambos da Universidade de São Paulo, e a Prefeitura Municipal de Coração de Jesus, um projeto cultural que uniu a Exposição “Cabeça Dinossauro: o novo titã brasileiro” a uma série de ações educativas direcionadas à população local. Este projeto buscou o reconhecimento e valorização do patrimônio fossilífero do município, o fortalecimento dos estudos científicos na região e a disseminação do conhecimento e trabalhos desenvolvidos pela USP. Os resultados apontam que o arcabouço científico apresentado nas ações deste projeto foram também um fator para a valorização dos fósseis de Coração de Jesus. Propõe-se, então, a discussão sobre as interfaces do patrimônio natural e a construção do seu significado por uma população.

Palavras-chave: Patrimônio Natural, Patrimônio Cultural, Coração de Jesus (MG), Paleontologia, Tapuiasaurus macedoi

Os conceitos mais tradicionais de patrimônio estão associados a recursos e produtos culturais, definidos de acordo com a sociedade presente (MCDOWELL, 2008). No final do século 18, a Revolução Francesa, guerras napoleônicas e, mais tarde, a Revolução Industrial, contextualizaram o crescente sentimento de nacionalismo e apego a monumentos antigos, como construtores de uma identidade coletiva, ganhando as antiguidades a credibilidade de testemunhos históricos. Emergem, então, as primeiras referências ao conceito de patrimônio, a partir de trabalhos artísticos e remanescentes arqueológicos (LOWENTHAL, 2005).

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Já a compreensão de ambientes e paisagens naturais como patrimônio é mais recente e está relacionado a discussão científica de questões ambientais (BO, 2003; LOWENTHAL, 2005; ZARINATO & RIBEIRO, 2006). A Conferência Geral da UNESCO de 1972, em Paris, proveu uma lista que, pela primeira vez, incluía sítios culturais e naturais - Lista do

Patrimônio

da

Humanidade - e os critérios para definição do Patrimônio Cultural e Natural, que são até o presente momento vigentes (Orientações Técnicas para Aplicação da Convenção do Patrimônio Mundial - versão 2012). Na categoria de Patrimônio Cultural são incluídas obras arquitetônicas, esculturas, pinturas, grutas e grupos de elementos com valor para história, arte ou ciência. Abrange ainda obras do homem, ou obras conjuntas do homem e da natureza, e zonas, como sítios arqueológicos (UNESCO, 1972). Em contrapartida, o Patrimônio Natural é delineado como “monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas ou por grupos de tais formações”, além de “formações geológicas e fisiográficas, os sítios e as zonas estritamente delimitadas que constituem habitat de ameaçadas” (UNESCO, 1972). A inclusão do patrimônio natural nesta convenção possui uma função simbólica da proteção e reconhecimento internacional (BO, 2003). Assim, evidencia-se que a preocupação com a natureza e as antiguidades divergem em lógica e tempo. Contudo, gradativamente, os conceito de patrimônios cultural e natural são vistos como interconectados e, de fato, indivisíveis (LOWENTHAL, 2005). Tendo em vista que o termo “patrimônio” não faz distinção entre manifestações culturais e fenômenos naturais e a congruência de argumentos quanto a preservação - significado e memória cruciais a construção de identidade pessoal e coletiva, finitos e não-renováveis e, portanto, únicos (LOWENTHAL, 2005) -

tal aproximação indica o amadurecimento do conceito de patrimônio (ZARINATO

& RIBEIRO, 2006) e é pauta recente de discussão (BO, 2003; MAGALHÃES, 2012).

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Fósseis como Patrimônios Tomando por exemplo o Brasil, os fósseis são referidos como “patrimônio” desde o início do século 20, em diversos instrumentos legais. O Decreto-Lei nº 25 de 1937 dispõe sobre o “Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, que trata monumentos naturais, sítios e paisagens de “feição notável” sujeitos a tombamento. Em 1942, os depósitos fossilíferos são definidos como “Propriedade da Nação” (Decreto-Lei nº 4.146). O Decreto-Lei no 72.312 de 1973, promulga medidas para impedir o comércio e transferência ilícitas de bens culturais, sendo os fósseis incluídos como: “objetos de interesse paleontológico”. Em 1988, entra em vigor a atual Constituição Federal, que distinguiu, pela primeira vez, patrimônio cultural e natural. No que tange aos fósseis, os Artigos 20, 23 e 24 indicam que são bens da União, considerando-os patrimônios naturais. Encarregase o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) de fiscalizar e controlar as atividades relacionadas a este patrimônio. Ademais, o Artigo 216 define sobre os bens culturais brasileiros abrangendo “conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico” (inciso V), incumbido o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a proteção do patrimônio fossilífero, pelo tombamento de sítios paleontológicos (RIBEIRO & IANNUZZI, 2009). Outras legislações mais recentes regulamentam o procedimento para a coleta por estrangeiros (Decreto nº 98.830, de 30/01/1990 e Portaria nº 55, de 14/03/1990 do Ministério da Ciência e Tecnologia), definem como crime contra a Ordem a exploração de fósseis sem autorização do DNPM (Lei 8.176 de 08/02/1991) e prevêm sanções para crimes ambientais contra o patrimônio natural (Lei Nº 9.605 de 12/02/1998) (RIBEIRO & IANNUZZI, 2009).

Coração de Jesus: patrimônio fossilífero e o contexto de um projeto cultural

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Posicionado no sertão mineiro, Coração de Jesus (CJ) é um pequeno município norte de Minas Gerais, com aproximadamente 26 mil habitantes (IBGE, 2010). A principal atividade econômica é a agricultura e entre as atividades culturais destacam-se comemorações religiosas e a vaquejada, sendo a última uma referência nacional deste tipo de evento. Desde o ano de 2006, a equipe do Laboratório de Paleontologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZUSP) realiza expedições de prospecção e coleta de fósseis em CJ. Em 2007, a descoberta de parte do esqueleto e do crânio de dinossauro representou um dos principais resultados destes trabalhos. Denominado de Tapuiasaurus macedoi e descrito por ZAHER e colaboradores (2011), este fóssil tem sido aclamado como um dos mais importantes achados recentes da Paleontologia nacional, sendo citado por dezenas de trabalhos científicos nacionais e internacionais, por exemplo: ALI & KRAUSE, 2011; DIÁZ et al., 2011; SANTUCCI & ARRUDA-CAMPOS, 2011; D’EMIC, 2012; KNOLL et al., 2013. O valor científico deste patrimônio é, portanto, incontestável. No entanto, a população de CJ acompanhou estes processo apenas como expectadora. Em seis anos, os corjesuenses viram as equipes realizar suas expedições,

sem

a

exata

noção

do

que

estava

acontecendo.

Deste

desconhecimento surgiram boatos e um sentimento de exploração e espoliação. É neste contexto em que foi desenvolvido o projeto cultural descrito a seguir. O Museu de Ciências da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Universidade de São Paulo (USP), em conjunto com o MZUSP, propuseram um projeto cultural que unisse a Exposição “Cabeça Dinossauro: o novo titã brasileiro” à ações educativas voltadas para os diversos segmentos da população. Este projeto foi desenvolvido em parceria com a Prefeitura Municipal de Coração de Jesus e oficializado por meio de um convênio estabelecido entre a USP e a Prefeitura. Construído por diversos atores, esse projeto buscou o reconhecimento e valorização do patrimônio fossilífero de CJ, o fortalecimento dos estudos científicos na região e a disseminação do conhecimento e trabalhos desenvolvidos pela USP. Com uma II FÓRUM SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL 2013 CPC USP

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proposta multidisciplinar, objetivou-se aproximar a Paleontologia do cotidiano de CJ, possibilitando nos seus cidadãos o sentimento de orgulho através do entendimento do valor e da importância de preservar o seu patrimônio fossilífero.

Projeto Cultural: Ações e Resultados

1. Exposição A exposição “Cabeça dinossauro: o novo titã brasileiro”, fez sua primeira montagem itinerante em CJ. Considerada um sucesso de público em sua primeira montagem em São Paulo (SP), a exposição tornou-se veículo para que os pesquisadores do MZUSP apresentassem pela primeira vez o crânio completo de um dinossauro até então desconhecido pela ciência, além de réplicas de fósseis, documentos, animais taxidermizados e um extenso conteúdo multimídia. Entre 26 de maio a 29 de julho de 2012 a exposição esteve aberta à visitação, de terça a domingo. O público foi de aproximadamente 9 mil visitantes, composto, principalmente, por pequenos grupos ou familiares. Foram também realizadas 24 visitas guiadas, para grupos agendados. Esta atividade foi voltada para grupos escolares, principalmente de CJ (61%). Destaca-se foram feitas por escolas de outros municípios da região, o que ressalta a valorização do patrimônio corjesuense. Os responsáveis por estes grupos foram convidados a participar uma avaliação sobre a exposição e atividades relacionadas. Participaram desta avaliação 43 profissionais, dos quais 31,7% nunca havia visitado uma exposição. Desta forma, estes compartilharam com seus grupos a experiência de descoberta destes espaços culturais.

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Na pergunta: “Em sua opinião, quais partes da visita à exposição foram mais marcantes para o grupo?” a réplica do Tapuiasaurus macedoi é o objeto em exposição mais citado, o que sugere o impacto em conhecer o patrimônio fossilífero de CJ.

2. Ações Educativas Ações educativas foram realizadas entre os meses de abril e agosto de 2012 e pautadas em: (i) exposições como espaços educativos; (iii) educação patrimonial como processo em que o patrimônio é fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo (HORTA et al., 1999); e (iii) Paleontologia como a chave para a compreensão do passado e resolução de problemas atuais (HENRIQUEZ, 2007). Neste sentido, as ações educativas seguiram quatro linhas de atuação:

2.1 Curso de Formação Continuada de Professores: “Paleontologia sob a perspectiva da Educação Patrimonial” Foram objetivos do curso: abordar conceitos de Paleontologia de modo que os participantes pudessem reconhecer o valor científico dos fósseis e cuidados necessários à preservação e apresentar a Educação Patrimonial para que os professores, com seus alunos, pudessem explorar a exposição montada, sendo esta uma primeira ação em direção ao reconhecimento desse patrimônio. Durante os meses de abril e maio de 2012, foram realizadas aulas teóricas e práticas, totalizando 15 horas. O curso contou com a participação de 118 professores e membros da rede pública de ensino de CJ, que receberam material de apoio e foram divididos em duas turmas.

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Esta ação educativa foi avaliada por meio de questionários prévio e posterior, anônimos. Desta avaliação destaca-se: perguntou-se se um cidadão poderia ser proprietário de um fóssil ou realizar comércio com este. Nos questionários prévios, 11% dos professores afirmaram poder ser proprietários ou comercializar este material. Nos questionários posteriores, as respostas foram negativas. Ainda nesta questão, cerca de 30% dos professores justificaram suas respostas argumentando que não poderiam ser proprietários de fósseis por se tratar de um patrimônio. Quanto a objetos em exposições, 64% dos professores responderam que gostariam de ver fósseis e objetos relacionados a Paleontologia em uma exposição. A referência à antiguidades aparece nas respostas da questão: “Você pode se identificar com os objetos em um museu?”, quando 87,5% dos professores afirmaram que poderiam se identificar com os objetos expostos em um museu ou exposição. Destas, 43% citam que poderiam encontrar em uma exposição objetos cotidianos antigos ou que poderiam ver objetos relacionados à Paleontologia e à evolução dos seres vivos, o que, indiretamente, remeteria a vida deles. Estes resultados indicam que este grupo começa a traçar paralelos entre a Paleontologia ao cotidiano corjesuense.

2.2 Oficinas nas escolas As oficinas integraram diversas atividades: pinturas, dobraduras, atividades com réplicas e fósseis e “Converse com um Paleontólogo” (roda de conversa dos estudantes com paleontólogos do MZUSP) e teve como objetivo apresentar quem são e o que fazem os profissionais que trabalham com Paleontologia em CJ, bem como propiciar diferentes experiências aos participantes, no que diz respeito aos fósseis e suas representações. Em maio de 2012, foram realizadas oficinas para 10 escolas (35% das escolas públicas do município), incluindo escolas urbanas (8) e rurais (2), envolvendo mais de 600 alunos da Educação Básica, Ensino Médio e Ensino de Jovens e Adultos. II FÓRUM SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL 2013 CPC USP

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O registro destas oficinas foi realizado por meio de fotografias, filmagens, entrevistas com alguns alunos e professores. Por estes registros são evidenciados a surpresa dos participantes quanto a forma e textura dos fósseis e réplicas, o impacto de ter em mãos “uma coisa muito antiga”, dúvidas quanto as representações (por exemplo, “como era a cor dos dinossauros?”), entre outras impressões e sentimentos evocados. Ainda nestas visitas puderam ser vistos resultados do curso de professores, por meio da exposição de trabalhos feito por alunos.

2.3 Treinamento e trabalho dos monitores na exposição O curso de formação de monitores foi realizado durante o período de 21 a 26 de maio de 2012, totalizando 24 horas. O grupo de monitores foi composto por 20 alunos do Ensino Médio de escolas públicas de CJ, selecionados por seus professores. No curso foram trabalhados conceitos relacionados à Paleontologia, museus e patrimônio, de modo que os monitores pudessem construir seu discurso ao atender o público e percebessem a exposição como um espaço em que eles e os visitantes pudessem conhecer um pouco mais do famigerado dinossauro e como a Ciência o interpreta. Além de aulas teóricas e atividades práticas, os monitores receberam uma apostila como referencial teórico e um roteiro de monitoria dentro da exposição, indicando os principais objetos a serem discutidos. Durante o período em que exposição “Cabeça dinossauro: o novo titã brasileiro” esteve aberta em CJ, os monitores trabalharam voluntariamente, em um regime de 12 horas semanais, em equipes de trabalho formadas por 5 monitores. Coube aos monitores a recepção do público e acolhimento de grupos agendados, esclarecer dúvidas, estimular a observação, especialmente na réplica do Tapuiasaurus macedoi, e realizavam as visitas monitoradas. Além disso, os monitores eram

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responsáveis pelo livro de visitas e contagem de visitantes que passavam por hora e por dia na exposição. Na avaliação dos responsáveis por grupos agendados, o trabalho dos monitores foi avaliado positivamente, com elogios ao trabalho desenvolvido, especialmente quanto à sua formação e postura no atendimento ao público.

2.4 Curso de Extensão Universitária Embora CJ não possua instituições de ensino superior, conta com há pólos de educação à distância e há universidades em cidades próximas que são frequentados pelos corjesuenses. O objetivo do Curso de Extensão Universitária foi apresentar CJ como uma referência no patrimônio fossilífero do estado de Minas Gerais e ratificar a importância do fóssil Tapuiasaurus macedoi para a Paleontologia. O curso foi realizado entre os dias 31 de julho e 02 de agosto de 2012, com duração de 18 horas, com práticas e aulas teóricas. Participaram do curso 16 universitários, todos moradores de CJ, sendo três deles professores que já haviam participado curso de formação continuada. Quanto ao perfil dos universitários, 3 participantes cursam Ciências Biológicas; 8 participantes História; Geografia e Serviço Social, cada curso com dois representantes; e um estudante de Pedagogia. Questionados sobre o interesse em Paleontologia ou se já tiveram contato com fósseis, 43,8% dos participante afirmaram ter interesse e estudado o tema na graduação; 25% afirmaram que este projeto cultural foi o primeiro contato com Paleontologia e 18,8% citam “filmes” como única fonte de referência para este tema. Os demais não responderam ou afirmaram não ter interesse ou contato prévio com a Paleontologia. Nenhum dos participantes relacionou, inicialmente, a Paleontologia ao patrimônio da região.

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A avaliação do curso foi feita por meio de questionário posterior em que foram abordadas questões relacionadas aos conceitos paleontológicos e patrimoniais. Quando questionados sobre a propriedade particular de um fóssil, todas as respostas foram negativas. Houve justificativas simples como “Não, é um bem de todos”, ou respostas que abordam a legislação brasileira sobre o patrimônio, tais como: “Não, venda ou receptação de material fóssil é crime federal (...)” e “Não. Porque os fósseis são bens da União e gera crime comprar, vender ou obter algum lucro com esses matérias”. Estes resultados, foram também observados no curso de professores e são positivos à medida apontam para o reconhecimento dos fósseis como um patrimônio, cujo valor está no conhecimento compartilhado agregado a este e não no valor monetário.

Para além do valor científico De acordo com os resultados descritos, as ações atenderam ao objetivo inicial quanto ao reconhecimento do valor científico dos fósseis e valorização destes como um patrimônio natural. Ressalta-se a importância destes tipo de atuação também no sentido de validar o trabalho científico perante a sociedade que o cerca. Idealmente, a combinação do reconhecimento dos fósseis como um patrimônio e do valor científico associado a ele, permitem que sejam desenvolvidas práticas de preservação, uma vez que a sociedade compreende o caráter excepcional e finito deste material para o conhecimento da vida na Terra (CARVALHO & DA-ROSA, 2008) Entretanto, os fósseis são objetos familiares ao homem desde a pré-história, e possuem importantes conotações culturais (FERNANDES, 2005). Destacam-se dois exemplos: (i) “o avô dos búfalos” era a descrição dada pelos povos indígenas do Vale de Ohio (EUA) para grandes fósseis de animais (MAYOR, 2005); (ii) na China antiga, ossadas de dinossauros e mamíferos primitivos eram relacionados as vestígios de dragões; como os dragões eram considerados os guardiões do

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imperador, os homens mais abastados utilizavam estes fósseis, convencidos que teriam ajuda do dragão. A estes materiais também foi ainda atribuído o valor curativo, uma vez que faz parte de práticas da tradicional medicina chinesa o uso do “pó de ossos de dragões petrificados” (OAKLEY, 1975 apud FERNANDES, 2005). No caso de CJ, o convívio com as constantes escavações e a notícia dos fósseis encontrados foram os elementos fundamentais para se criarem histórias também sobre estes materiais. Sem uma noção clara do que são estudos paleontológicos e o valor científico dos achados, dizia-se na cidade que esses fósseis tinham sido vendidos por valores na ordem de milhares de reais ou que a “cabeça” encontrada remetia há uma antiga história de CJ, que contava que a cabeça de um burro havia sido enterrada na região e, por isso, a cidade não crescia e nem prosperava. Diante do exposto, retomamos as delimitações apresentadas inicialmente quanto aos patrimônios cultural e natural. É evidente que os fósseis de CJ, assim como outros registros fósseis, possuem valor e significado nos contextos sociais em que estão inseridos, desta forma exemplificam uma interface entre os patrimônios, podendo ser entendidos como monumentos naturais constituídos por formações físicas e biológicas (patrimônio natural) ao mesmo tempo que possuem valor excepcional do ponto de vista histórico e etnológico (patrimônio cultural). O conceito de patrimônio misto cultural e natural, foi também definido pela na Conferência Geral da UNESCO, de 1972, e inclui os bens que respondem a uma parte ou à totalidade das definições de património cultural e natural. Tal delimitação parece possível a priori, contudo, não corresponde a categorização presente na legislação brasileira sobre estes fósseis. E, mesmo perante a UNESCO, os patrimônios mistos representa uma parcela ínfima (3%) da Lista de Patrimônios da Humanidade de 2012. Por fim, pontua-se que, embora com interfaces evidentes, os patrimônios cultural e natural diferem quanto a sua origem e a escala de tempo que representam. Enquanto o patrimônio natural se constitui por processos biológicos e/ou geológicos em uma escala de milhões ou bilhões de anos, o patrimônio cultural carece da II FÓRUM SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL 2013 CPC USP

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prática humana, o que o torna significativamente mais recente no tempo geológico. São, portanto, categorias únicas, mas não excludentes, diferentemente do que aponta MAGALHÃES, 2012. O descrito projeto cultural trabalhou nesta interface, apresentando o valor científico a um patrimônio já rico em significados e, comentários como: “Obrigado por ter nos ajudado a descobrir que a nossa cidade é mais importante do que parece”, apontam que este também foi um fator no reconhecimento e valorização dos fósseis pela população corjesuense.

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