Aproximações ao Perfeccionismo Emersoniano

July 3, 2017 | Autor: E. Vicentini de M... | Categoria: Stanley Cavell, Moral Perfectionism, Ralph Waldo Emerson
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Aproximações ao Perfeccionismo Emersoniano

Meu objetivo neste conjunto de observações é tentar esclarecer o que está em jogo quando Emerson usa a expressão "unattained but attainable self". Visto que compreender esta expressão joga um peso considerável na definição do que Cavell entende por "perfeccionismo emersoniano", estas notas são o começo do caminho para tentar tornar claro, ao menos para mim, o que é o "perfeccionismo emersoniano".



A expressão "unattained but attainable self" aparece em "History", na seguinte passagem:
"We have the same interest in condition and character. We honor the rich because they have externally the freedom, power and grace which we feel to be proper to us. So all that is said of the wise man by Stoic or Oriental or modern essayist, describes to each reader his own idea, describes his unattained but attainable self. All literature writes the character of the wise man. Books, monuments, pictures, conversation, are portraits in which he finds the lineaments he is forming."
"Temos o mesmo interesse na condição e no caráter. Honramos os ricos porque eles têm exteriormente a liberdade, o poder e graça que sentimos nos serem próprios. Assim, tudo que é dito do homem sábio pelos Estóicos, Orientais ou pelo moderno ensaísta, descreve a cada leitor sua própria ideia, descreve seu inatingido mas atingível eu. Toda literatura escreve o caráter do homem sábio. Livros, monumentos, figuras, conversas, são retratos nos quais ele encontra os traços que está formando."
A passagem é potencialmente ambígua ao menos em um ponto, dependendo se fazemos concordar os pronomes "sua ' e "seu" (tal como ocorre em "sua própria ideia" e " seu inatingido") ou com o "homem sábio" ou com "cada leitor". Tudo que é dito do homem sábio descreve ao leitor a própria ideia que ele (leitor) faz de sim mesmo (1) ou descreve ao leitor a ideia que os estóicos, orientais e modernos fazem do homem sábio (2)? O inatingido mas atingível eu refere-se ao leitor (1) ou ao eu do sábio (2)? Apesar desta pequena dificuldade, que talvez seja apenas uma idiossincrasia, creio possível escolher a opção (1) em ambos casos. Não tanto por questões gramaticais, mas pensando em duas das teses gerais deste ensaio de Emerson, tal como expressas já nas primeiras sentenças dos dois primeiros parágrafos:
"There is one mind common to all individual men. (…)Of the works of this mind history is the record."
"Há uma mente comum a todos os homens individuais.(...) Das obras desta mente, a história é o registro."
Portanto, quando os estóicos, orientais ou modernos me falam do caráter do homem sábio, é sobre o caráter que posso vir a ter que estão me falando. Quando estou em contato com os indícios da história (nos livros, monumentos, figuras e conversas) não é apenas de registros do passado que se trata. Posso me deparar com meus próprios pensamentos rejeitados, retornando a mim com a "majestade alienada" descrita na abertura de "Self-Reliance". Confesso que sempre achei no mínimo presunçosa esta ideia de identificar nas obras de gênio meus pensamentos rejeitados. Mas lendo algumas passagens de "History" começo a entender um pouco melhor que se trata na verdade da audácia necessária que devemos ter para compartilhar desta mente universal:
"What Plato has thought, he may think; what a saint felt, he may feel; what at any time has befallen any man, he can understand. Who hath access to this universal mind is a party to all that is or can be done, for this is the only and sovereign agent."
" O que Platão pensou, ele pode pensar; o que um santo sentiu, ele pode sentir; o que tenha ocorrido a qualquer homem em qualquer tempo, ele pode entender. Quem tem acesso a esta mente universal é parte de tudo que é ou pode ser feito, pois ela é o único e soberano agente."
Posso pensar o que Emerson pensou? Se a resposta for positiva, certamente isso não se daria como uma espécie de compartilhamento num mundo platônico, onde eu e Emerson, numa coincidência feliz, cada um a seu tempo, acabássemos por topar com os mesmos pensamentos. Se esta hipótese é verdadeira, eu certamente deveria me esforçar para pensar como Emerson. De certa maneira me colocar em seu lugar, ler o que Emerson leu. Talvez olhar as coisas da perspectiva de alguém que recebeu educação para ser um ministro da Igreja Unitária. Aliás, parece pertinente que a etimologia da palavra inglesa "perfectionist" indique uma origem teológica para este conceito que expressa uma ideia nem sempre aceita em filosofia, a saber, que a perfeição moral pode ser alcançada na existência terrena. Mesmo que eu pense que este processo não vise um fim ideal (uma imagem fixa do caráter do homem sábio), é reconfortante saber que posso me levantar da Queda e persistir na direção de algo melhor. (Faço um breve intervalo: em Lady Eve, o personagem de Henry Fonda cai várias vezes. A queda não é apenas um evento mitológico situado num passado distante, é algo recorrente – um perigo ao qual estamos continuamente expostos. Mesmo após tantos percalços, mesmo depois de reencontrar Jean no final da trama, ele ainda continua enganado. Permanecer enganado também é uma forma de queda. O recasamento é uma tentativa de se recuperar de uma queda, inclusive com o firme compromisso de tentar se equilibrar sob os mesmos alicerces do casamento fracassado, com a diferença que agora aqueles alicerces estão fortalecidos pelo mútuo perdão. James Joyce, outro especialista nas vicissitudes da finitude, recheia o Finnegans Wake com várias lembranças de quedas da humanidade, não apenas o Pecado Original, mas o "Crash" da bolsa de valores, a queda de Finnegan, Humpty Dumpty caindo do muro e assim por diante. Só para não perder a lembrança de Joyce, talvez fosse interessante pensar sobre o casamento tendo presente tudo o que Molly Bloom tem a dizer sobre isso no monólogo final de Ulisses. Relendo Ulisses posso apostar que ficaríamos com a impressão que é a mulher que educa o marido – ao contrário do retrato apresentado pelas comédias do recasamento).
Faz sentido falar do "eu inatingido" quando pensamos no caráter do sábio. Se pensássemos no caráter dos tolos, nosso eu estaria à mão, encontradiço em qualquer esquina. Por outro lado, mesmo que a história me dê retratos do homem sábio, permaneço com meu "unattained self". Posso inferir disso que minha situação é pior do que a retratada pela história? Devo pensar que esta imagem do sábio é atingível, mas ainda não cheguei lá? Ao dar aos retratos da história uma importância maior do que aquela que dispenso ao meu presente, corro o risco de que a promessa do meu "attainable self" possa não se cumprir. Emerson alerta, ainda em "History":
" I have no expectation that any man will read history aright who thinks that what was done in a remote age, by men whose names have resound far, has any deeper sense than what he is doing to-day.
The world exist for the education of each man. There is no age or state of society or mode of action in history to which there is not somewhat corresponding in his life."
" Não tenho expectativa que lerá corretamente a história aquele que pensa que o que foi feito em uma época remota, por homens cujos nomes ressoam ao longe, tenha qualquer sentido mais profundo do que ele faz hoje em dia.
O mundo existe para a educação de cada homem. Não há época ou estado da sociedade ou modo de ação na história para a qual não haja algo correspondente em sua vida."
Importante notar que nada sugere, ao menos na passagem que estamos levando em consideração, que eu deva atingir meu "attainable self". O que, se é que alguma coisa pode fazê-lo, faz eu me mover do lugar que estou (unattained self) para o lugar onde a questão se decide (attainable self)? A mensagem do perfeccionismo é corretamente apreendida com uma imagem de mudança?
Me espanto quando penso no conceito de um eu inatingido. De certa forma, é como se eu estivesse distante de mim mesmo. Tudo se passa como se eu precisasse chegar a algum outro lugar para ser eu mesmo.
"Emerson´s writing, in demonstrating our lack of given means of makes ourselves intelligible (to ourselves, to others), details the difficulties in the way of possessing those means, and demonstrates that they are at hand. This thought, implying our need of invention and of transformation, express two dominating themes of percectionism.
The first theme is that the human self – confined by itself, aspiring toward itself – is always becoming, as on a journey, always partially in a further state. This journey is described as education or cultivation." Cities of Words – Emerson".
Um pouco desta dificuldade aparece em outros momentos da história do pensamento moral: a teoria kantiana do duplo ponto de vista e sua caracterização do eu numênico como estando fora da cadeia causal dos desejos e inclinações sensíveis são pressuposições que expressam um pouco desta ideia. Importante guardar uma diferença de Emerson em relação a Kant: o eu numênico não é "attainable" – ao menos não nesta vida. Não há esforço que eu possa fazer nesta direção, ao menos nenhum esforço que seja bem sucedido. Os esforços naturais da psicologia racional, já sabemos de antemão que não nos levam a lugar nenhum, muito menos a um lugar melhor do que aquele que já estamos.Além do que, desconsiderar os desejos do agente na explicação da ação moral está em dissonância com o perfeccionismo.
Por vezes pensamos que a expressão "unattained bur attainable self" é de difícil versão para o português. Teríamos melhores candidatos do que "inatingido mas atingível eu"? Se olharmos para a etimologia do verbo "attain", temos:
c.1300, "to succeed in reaching," from stem of O.Fr. ataindre (11c., Mod.Fr. atteindre) "to come up to, reach, attain, endeavor, strive," from V.L. *adtangere, from L. attingere "to touch, to arrive at," from ad- "to" (see ad-) + tangere "to touch" (see tangent). Latin attingerehad a wide range of meanings, including "to attack, to strike, to appropriate, to manage," all somehow suggested by the literal sense "to touch." Related: Attained; attaining. (www.etymonline.com)
As correlações com o termo latino attingere guardam a idéia de "tocar". Tangível é a palavra portuguesa que vem à mente, num primeiro momento.
adj m+f (lat tangibile) 1 Que se pode tanger. 2 Que se pode tocar ou apalpar; palpável, sensível ao tato.
O Concise Oxford Dictionary guarda as seguintes sugestões para attain: 
1.v.t. arrive at, reach;gain,accomplish. 2. v.i. attain to, arrive at by development or effort.
Gostaria de preservar em português esta acepção de "arrive at by development or effort" graças a sua conotação perfeccionista. 
No Michaelis Online temos as seguintes possíveis traduções para attain:
vt 1 chegar a, alcançar, atingir (to a). 2 obter, ganhar, conseguir, realizar. he attained his aim / ele conseguiu seu objetivo.
Vai aqui uma pequena lista de opções de tradução. Mesmo que tenhamos que optar por alguma delas, seria interessante manter em tela de juízo estes diferentes significados quando da análise da expressão que nos interessa.
1- inalcançado mas alcançável eu
2- intocado mas tocável eu
3- irrealizado mas realizável eu
4- intangido mas tangível eu
5- inatingido mas atingível eu
As expressões "attained / attainable / unattainable" aparecem em outros momentos no texto emersoniano. Vejamos alguns exemplos:
Nor does it point to any relations of friendship or love known and described in society, but, as it seems to me, to a quite other andunattainable sphere, to relations of transcendent delicacy and sweetness, to what roses and violets hint and foreshow (Love)
Nem sequer ele aponta para qualquer relação de amizade ou amor conhecida e descrita na sociedade mas, como me parece, para uma outra e inatingível esfera, para relações de delicadeza e doçura transcendentes, para aquilo que rosas e violetas sugerem e predizem."
And of poetry the success is not attained when it lulls and satisfies, but when it astonishes and fires us with new endeavors after theunattainable. (Love)
E na poesia o sucesso não é atingido quando ela embala e satisfaz, mas quando ela surpreende e nos incita a novas tentativas até oinatingível (inalcançável).
I am not very wise; my moods are quite attainable, and I respect thy genius (Friendship)
Não sou muito sábio; meus estados de ânimo são bem acessíveis, e eu respeito teu gênio.
This fact, as far as it symbolizes the moral fact of the Unattainable, the flying Perfect, around which the hands of man can never meet,(…)(Circles)
Este fato, enquanto simboliza o fato moral do Inatingível, da Perfeição volátil, ao redor da qual as mãos do homem nunca podem se encontrar, (...)
Visto que a tradução "inatingido/atingível" funciona bem na maioria das ocorrências citadas acima, creio ser possível mantermos esta acepção como padrão para a importante expressão emersoniana "unattained but attainable self".

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