Aproximações entre o método compreensivista e a teoria semiótica peirceana

June 4, 2017 | Autor: Camila Craveiro | Categoria: Charles S. Peirce, Max Weber, Semiotica
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Aproximações entre o método compreensivista e a teoria semiótica peirceana Camila Craveiro

O objetivo desta resenha é buscar aproximar algumas concepções do método desenvolvido por Charles S. Peirce (Estados Unidos, 1839-1914), denominado de Semiótica, das noções elaboradas por Max Weber (Alemanha, 1864-1920) na construção do método compreensivista. É importante notar que não há registros de que estes autores tenham tido contato com a produção um do outro e que a tentativa que se faz neste texto é muito mais um exercício para pensar as estratégias que ambos elaboraram para resolver as questões metodológicas que ora se apresentavam e que podem guardar algumas semelhanças. Para iniciar, tratamos de uma crítica que se aplica tanto a Weber quanto a Peirce, no que tange ao aspecto do objeto de suas investigações. Aparentemente, há na academia estudiosos que julgam o fato de estes autores terem se debruçado sobre temas diversos algo negativo para a formação de uma teoria específica. Contrário a esta perspectiva, Wiley (2006) afirma que: Like Weber then, Peirce goes in too many directions at once, including some that are diametrically opposed. Still, these seems, by and large, a good thing for Peirce and Weber both. We get a lot of sparkle, illumination and excitement, far more than we would from a more controlled intellect. But one also has to do some judicious interpreting with both of these geniuses (p.28).

Primeiramente, faremos uma breve exposição da teoria peirceana, levantando alguns de seus aspectos mais relevantes e que julgamos encontrar consonância em ideias trabalhadas também por Weber. Peirce é considerado um autor que parte da filosofia da linguagem para a elaboração de seu arcabouço teórico e que alcançou com a teoria semiótica um lugar de destaque na produção norte-americana. O autor retoma, então, a lógica aristotélica da representação, que servirá como base da Semiótica. Dessa maneira, comunicar está no mesmo paradigma de representar, sendo representar “estar no lugar de”, “substituir”. Representar é uma tentativa de apreensão do real e toda representação é gesto que codifica o universo (FERRARA, 2002). Por ter o caráter de parcialidade, nenhuma representação consegue ser totalizante - a representação é sempre uma expectativa de esgotar o universo. Essa expectativa provém da ação do interpretante (a mente interpretadora) em uma relação

entre o objeto representado e sua bagagem cultural, que gera possibilidades de representações. Como resultado desta relação, tem-se o significado de um modo de representar. Toda representação pressupõe também um código. O código é a disposição dos signos em uma sintaxe específica que lhe dá valor, significado. Assim sendo, a comunicação baseia-se em códigos que são signos em uma sintaxe, elaborando semioses. A semiose consiste na ideia de que existe um elemento que funciona como mediador entre o que está representado e o seu significado. Essa relação entre três sujeitos (onde, nomeando-se, temos: signo, objeto e interpretante) é complementar, portanto não-dissociável. Ou seja, não há produção de sentido que desconsidere a figura do interpretante, consequentemente, suas bagagens, juízos de valor, prénoções. A comunicação e os códigos que estão nela inseridos sofrem influência direta do meio onde se processam. O sistema sócio-econômico-cultural tem peso inegável quando das representações. Portanto, para que o processo comunicacional seja capaz de gerar uma melhor compreensão, é importante que se contextualizem os códigos (espacial e temporalmente). E as interpretações são válidas para aquele contexto apenas. No texto “Algumas consequências das quatro incapacidades” (1868), Peirce postula que explicar é segmentar as coisas segundo características ou leis gerais, portanto aquilo que é totalmente desconhecido não é passível de ser explicado. Para o autor, não existe conceito fora do juízo perceptivo. O juízo perceptivo é uma formação de sentidos, uma valoração, afinal, a produção de um conceito. A associação de ideias é o mesmo que associação de juízos. “A visão realista de Peirce caracteriza a realidade com referência ao futuro, isto é, a relação entre uma proposição verdadeira e o real tem referência às nossas crenças no sentido de levarmos, tanto quanto possível, a investigação adiante” (BACHA, 2003, p. 233). Para o autor, a existência do pensamento de agora é potencial, sendo regulado pela experiência do pensamento futuro da comunidade. Alguns pontos importantes para se compreender o pensamento peirceano são levantados a seguir: 1) Não há introspecção. O que entendemos como introspecção é o fato de que nosso conhecimento interior acontece por raciocínio hipotético (indutivo) dos fatos externos. 2) A Intuição é a passagem do percepto ao juízo perceptivo, através de uma cadeia

sucessiva de cognições de forma que a última é previamente determinada pela anterior. 3) Não pensamos sem signos, uma vez que nossas inferências se dão, basicamente, através de imagens, portanto de representações. Como o signo é uma representação parcial do objeto, existem características que lhe são próprias, chamadas qualidades materiais do signo, sendo que qualidade não é sinônimo de adjetivo, porém o que diferencia uma coisa da outra. 4) Só podemos conceber aquilo que não nos é totalmente desconhecido. Adentrando, assim, o campo epistemológico, Bacha afirma que: Peirce tinha um profundo interesse em padrões normativos, regras e métodos que pudessem guiar-nos através de nossas investigações, para tentarmos resolver problemas ou chegar a crenças estabelecidas. Dessa forma, se nossas investigações obedecessem normas, chegaríamos à verdade” (2003, p.232)

Como ressaltado por Bacha, Peirce considerava ser possível alcançar a verdade caso a lógica, para ele o modo de organização do raciocínio, fosse respeitada. Para o autor, o método científico, também denominado de método da descoberta, consistia em descobrir, a partir da consideração do que já sabemos, algo que não sabemos. Ele acredita, ainda, que o estímulo da dúvida acarreta o esforço da investigação e que o pensamento ocorre com a finalidade de aplacar a dúvida e atingir o estágio de crença. A este respeito, Bacha diz: Peirce afirma que não podemos começar uma investigação com a dúvida completa, porque nenhuma investigação parte do nada. Também não podemos começar pela dúvida, em parte, porque é impossível psicologicamente; em parte, porque não há intuições ou premissas originárias, e, em parte, porque o senso comum nos diz que não podemos fingir duvidar filosoficamente daquilo que não duvidamos em nossos corações (2003. p.233).

E o que seria o estágio da crença? Para Peirce a crença é uma regra de ação e sua essência é a criação do hábito. O hábito proporciona ao homem a sensação de segurança em relação a suas ações. Entretanto, (...) aquilo que é usualmente conhecido como crença não tem lugar na ciência, e, assim sendo, o cientista não pode se apegar às suas conclusões, devendo estar sempre disposto a abandoná-las quando o curso da experiência a elas se opuser” (BACHA, 2003, p.232).

O homem, muitas vezes, mantém velhas crenças, ainda que seja capaz de perceber que elas não têm fundamento; isto aconteceria pela força do hábito.

Sobre este tema, Meneghetti (2006), diz que, para Peirce, (...) conhecimento é essencialmente pesquisa e, mais do que isso, pesquisa direcionada para ação. A origem está na dúvida, mais especificamente na "irritação" que o pesquisador sente dessa dúvida. A partir disso, surgem as crenças, hábitos determinantes das nossas ações (p.03)

A produção do conhecimento, para o referido autor, pode ser apoiada na razão ou na autoridade. O método de autoridade reduz-se a uma certeza teológica/política. O método a priori apoia-se em uma certeza científica. Ambos se assemelham, no sentido de que elegem uma autoridade (no caso do método a priori, uma autoridade científica). Mas o último é linear, determinista e previsível e se caracteriza por conclusões fáceis (observa-se para explicar, comprovar o que já sabe). Peirce traz, ainda, a ideia do método da tenacidade, que seria a concepção antiga de erudição, o saber muito, mas não conseguir estabelecer relações. Este método tem a ver com quantidade, mas também não produz conhecimento. Como exposto anteriormente, o método capaz de gerar conhecimento é, então, o método científico (da descoberta ou heurístico), que se baseia na percepção, na atenção ou no interesse. Sua característica é estabelecer comparação (base das Inferências

Associativas):

pontos

de

semelhança/aproximação,

pontos

de

distanciamento (geram a diferença, o estranhamento, o novo). Por essa razão, Peirce afirma que estabelecer inferências é uma das últimas capacidades a ser adquirida pelos homens, pois se trata de um aprendizado. Veremos, a seguir, as noções apresentadas por Weber e que constituíram o método compreensivista. Para Weber a entrada na modernidade é marcada pela racionalidade, expressa no advento da burocracia. O autor considerava que se deveria pensar a realidade a partir das esferas sociais (esferas econômica, política, estética, intelectual, erótica, religiosa) e que o mundo tradicional, em oposição ao mundo moderno, teria como característica a predominância da esfera religiosa sobre todas as outras. Na lógica do mundo moderno, há autonomia das esferas, mas de maneira relativa. A religião não predomina, mas ainda tensiona as demais esferas. O princípio da Interação no qual se baseia seu método considera a ação dos indivíduos que, ao estabelecerem relações, modificam o meio social. Para Weber, a Sociologia designará: uma ciência que visa compreender, interpretando a ação social e, deste modo, explicá-la casualmente no seu decurso e nos seus efeitos. Por ‘ação’ entender-se-á um comportamento humano (consista ele num fazer

externo ou interno, num omitir ou permitir), sempre que o agente ou os agentes lhe associem um sentido subjetivo (WEBER, 2010, p.07)

Trata-se, portanto, de uma interpretação sociológica da realidade que, diferentemente do que foi exposto para Peirce, não concebe a possibilidade de uma verdade. Não existe uma verdade, mas formas de interpretar a realidade que, como é dinâmica, muda constantemente. Aproximando os dois autores, percebemos que ambos não pretendem trabalhar com a noção de totalidade. Seja porque ela só é possível ser apreendida por meio dos signos, para Peirce - e estes sempre são representações parciais de um objeto -, seja porque Weber busca compreender de forma interpretativa o sentido de ação do indivíduo em relação ao outro, mas que tal ação não pode ser generalizada, vez que a análise é de um determinado momento/contexto específico. O método compreensivista classifica e compara as estruturas socioculturais internamente, o tempo todo, buscando encontrar as relações de causalidade dos fenômenos. Neste ponto, é possível se falar em estabelecer inferências associativas que, para Peirce, é a capacidade de traçar comparações, de estabelecer relações de similitude ou contiguidade entre os fenômenos a fim de extrair-lhes significados. Weber acredita que nas relações sociais há dependência mútua e sempre há a presença das relações de autoridade e poder. Peirce concorda e considera as relações de poder e de autoridade assentadas, ainda, na lógica da produção de conhecimento, quando do método de autoridade e do método a priori, que se apoiam em certezas teológicas/políticas e científicas a fim de se afirmarem. Já falamos que o objeto do método weberiano é a ação social. O autor está preocupado em compreender o sentido que foi atribuído à conduta dos indivíduos. Peirce, por sua vez, busca analisar as relações (semioses) que, no indivíduo, são capazes de produzir sentido, conferindo significados à sua realidade. Para Weber, somos sempre interpretados. Para Peirce, somos produtos da linguagem, signos, portanto. Weber, em relação ao processo de produção de conhecimento, diferencia dois momentos: o da escolha do tema (onde acredita que se imprime juízo de valor, pois há um interesse pessoal pelo tema) e o da produção do conhecimento, que seria a análise científica propriamente dita. Para este autor, é preciso inserir a lógica objetiva na produção do conhecimento, após a escolha do tema, para que não se produza

artigo de opinião (que não seria dotado de validade científica). Peirce, porém, não faz essa separação e considera que não existe conceito fora do juízo perceptivo, ou seja, separado da valoração. O que parece encontrar semelhança no pensamento de Weber quando este afirma que “ (...) todo indivíduo histórico está arraigado, de modo logicamente necessário, em ‘ideias de valor’” (1997, p. 96). Como dito no início deste texto, a tentativa proposta é a de um exercício de aproximação entre algumas ideias de Weber e Peirce. Percebemos que muito pode ser explorado ainda e que esta contribuição é apenas um pontapé para se pensar este tema. Por fim, em relação ao que mais aproxima os dois autores, ficamos com a definição de Wiley, que mostra como a postura dos dois autores acaba por fazê-los semelhantes no processo de produção do conhecimento, seja pelo método compreensivista, seja pelo método semiótico: Peirce was like Max Weber in the way in which he would get overenthusiastic about an insight and stretch it quite far. Weber would, for example, emphasize ‘class’ almost as much as Marx did. But then he would show how ‘status’ limits the force of class in crucial ways, such that class now seemed severely diminished. Then power and politics would entrance him and he would argue that this factor overshadowed both class and status. In the end he would have a scheme that could prove almost anything, and one would have to find the real Weber inside the bloated one (2006, p.27).

REFERÊNCIAS:

MENEGHETTI, Francis K. Pragmatismo e os pragmáticos nos estudos organizacionais. In: Cadernos EBAPE BR, v. 5 n.1, 2006. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/cebape/v5n1/v5n1a05.pdf. Acesso em junho de 2015. PEIRCE, Charles S. (1868). Algumas consequências de quatro incapacidades. Tradução de Isaac Manuel Silva Nunes. Universidade do Porto. Disponível em https://www.academia.edu/7857647/Algumas_consequ%C3%AAncias_de_quatro_in capacidades_-_Some_consequentes_of_four_incapacities__Charles_S._Peirce_1868_. Acesso em junho de 2015. WEBER, Max. Economia e Sociedade – vol.1. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Brasília: Editora UNB, 2004.

___________. Metodologia das Ciências Sociais – parte 1. Trad: Augustin Wernet. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001. ___________. A “objetividade” do conhecimento nas Ciências Sociais. In: COHN, Gabriel (Org.). Max Weber. Coleções Grandes Cientistas Sociais. 6° Ed. São Paulo: Editora Ática, 1997. WILEY, Norbert. Peirce and the founding of American Sociology. In: Journal of Classic

Sociology,

2006.

Disponível

http://cdclv.unlv.edu/pragmatism/wiley_peirce.pdf. Acesso em junho de 2015.

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