ARACAJU/SE: ENTRE O PRETÉRITO E O PORVIR – BENS TOMBADOS EM ARACAJU

July 13, 2017 | Autor: Maíra Ielena | Categoria: Cultural Heritage, Heritage Studies, Patrimonio Cultural
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ARACAJU/SE: ENTRE O PRETÉRITO E O PORVIR – BENS TOMBADOS EM ARACAJU Lucas Santos Passos1 Maíra Ielena Cerqueira Nascimento2 RESUMO: O presente artigo discute o perfil do patrimônio cultural edificado tombado da cidade de Aracaju (Sergipe), bem como os rituais de tombamento do mesmo pelas esferas do Poder Público e a fragilidade da identidade cultural de seus munícipes. Neste intento, nos valemos da obra de Maria Cecília Londres para análise do surgimento e do perfil da política pública direcionada ao acautelamento de bens culturais pelo Governo Federal. Já o método quantitativo é aplicado ao exame do catálogo "Aracaju e seus Monumentos", editado pelo Governo do Estado de Sergipe em 2005, que registra os bens aracajuanos reconhecidos pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC/SE). Apontamos a ausência de sítios tombados pelo Governo Federal, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), indicando fatores que possivelmente explicam o fato.

PALAVRAS-CHAVE: Aracaju; Identidade; Patrimônio Cultural; Tombamento.

INTRODUÇÃO “Aracaju é a única capital brasileira sem bens edificados reconhecidos pelo IPHAN”. Essa assertiva, quiçá embaraçosa, pode pasmar aqueles que deem um rápido passeio pelas ruas da cidade. Suas belas construções históricas, em diversos estilos - gótico, neoclássico, eclético –, algumas reconhecidas pelo Governo do Estado, deixam a pergunta no ar: por que nossos bens não obtêm o tão ansiado tombamento nacional? O presente artigo pretende investigar essa realidade a partir da análise do catálogo “Aracaju e seus monumentos”, editado pelo Governo do Estado de Sergipe em abril de 2005 – posto que é de praxe tombar em nível nacional aquilo que obtivera o prévio reconhecimento estadual. Nele constam textos de historiadores consagrados e um rico acervo fotográfico que retrata os bens já tombados ou em processo de estudo pelo Conselho Estadual de Cultura de Sergipe.

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Mestrando em Sociologia e graduado em História, ambos pela Universidade Federal de Sergipe. Coordenador do Plano Municipal de Cultura de Laranjeiras (SE). [email protected]. 2 Pós-graduada em Ensino de História pela Faculdade São Luis de França e graduada em História pela Universidade Federal de Sergipe. Coordenadora de Educação Patrimonial da Subsecretaria de Estado do Patrimônio Histórico e Cultural. [email protected]. 1

Neste intuito, usaremos o método quantitativo enquanto paradigma indiciário: qual a quantidade de bens aracajuanos reconhecidos pelo Estado? Onde se localizam, em sua maioria? Que parcela da população eles representam, e por quê? Quem atesta a relevância histórica e/ou cultural desses bens? Os rituais de tombamento, mais do que nunca, indicam uma forma de escrita da História de um povo: que história, nesse sentido, constrói-se em Aracaju – e por que ela não é atestada enquanto importante para toda nação?

ARACAJU, UM HISTÓRICO A cidade do Aracaju nasceu através da Resolução nº 413 de 17 de março de 1855, através da qual o Presidente da Província de Sergipe, Inácio Joaquim Barbosa, não apenas elevou à categoria de cidade o antigo povoado de Santo Antônio do Aracaju, como também transferiu a capital sergipana de São Cristóvão para o município que surgia às margens do rio Cotinguiba e próximo do encontro deste com o mar. Na realidade, não se tratou de uma atitude unilateral e tempestuosa de um governante caprichoso. Como bem aponta Thétis Nunes, em todo Império do Brasil vivia-se um novo contexto, segundo o qual já não era mais importante proteger os núcleos de povoamento dos ataques de índios bravios ou dos saques de povos europeus nos mais elevados outeiros, como se dava durante o período colonial. Já com os indígenas dizimados ou subjugados, e o controle do território devidamente assegurado, era chegada a hora de garantir o desenvolvimento econômico do Brasil por meio do comércio internacional, sobretudo a exportação da produção açucareira. Já em nível local, o escoamento do açúcar achava-se comprometido. A então capital, São Cristóvão, situada a mais de 20 quilômetros de distância do mar, tinha como porto o raso rio Paramopama, que permitia apenas a chegada de embarcações de pequeno porte. Além disso, as principais zonas produtoras ficavam mais ao norte da província, às margens dos rios Cotinguiba ou Japaratuba. Dessa maneira, Inácio fora destinado a Sergipe pelo Imperador D. Pedro II em 1853 a fim de modernizar a província, conferindo-lhe ares novos ao acelerar seu crescimento e desenvolvimento. Após promover uma conciliação entre os partidos locais e contando com amplo apoio das elites sergipanas – notadamente do Barão de Maruim, mais rico proprietário rural da região e político de renome –, Inácio promove a delicada operação de trasladação.

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Deve-se frisar, todavia, que não fora uma manobra marcada por ineditismo: em 1852 o Piauí já houvera transferido sua capital, de Oeiras para Teresina, por motivos deveras semelhantes.3 Ao contrário do que afirmaram Pires Wynne, Felisbelo Freire, dentre outros, Aracaju não era uma região tão erma assim. Itamar Freitas e Jorge Carvalho ressaltam que próximo ao povoado Santo Antônio do Aracaju, localizava-se a Olaria e a Olaria de Cima. “Na região que circundava as duas olarias, conhecida como Massaranduba e Tramandaí, havia engenhos, sítios, lavouras, criatórios, casas de telha e de palha e escolas.” 4 Mas a cidade não surgiria ali, numa colina – tampouco a circundando. Não faria sentido imprensar a capital, pela segunda vez, em uma região de topografia acidentada. Inácio Barbosa incumbiu ao capitão de engenheiros Sebastião José Basílio Pirro, residente em Sergipe desde 1848, a honrosa missão de planejar Aracaju. Pirro imaginou-a como um tabuleiro de xadrez que teria como ponto de partida a Praça do Palácio (atual Fausto Cardoso); um quilômetro além, tanto a norte, quanto a sul e oeste, far-se-ia a divisão em quarteirões, cujas ruas desembocariam no rio Sergipe. Fora um grande feito da engenharia à época: vencer os pântanos da região, drenar os alagadiços e mangues “de águas paradas e pútridas”, como diria Wynne (1970); derrubar casebres de taipa e palha, erigindo uma cidade onde outrora havia apenas “maus ares”, nos dizeres de populares. A arquitetura estrangeira fora importada para embelezá-la. Surgiram, assim, as primeiras edificações da cidade, com exceção da Alfândega, de 1854: um palácio provisório e uma modesta igreja. Posteriormente, são construídas a Ponte do Imperador, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição (não à toa, padroeira de Aracaju), o Palácio de Governo, a Casa de Prisão, o Atheneu. Surgem, concomitantemente, casas de comércio, pontos de lazer e interação social (NASCIMENTO, 2012). “Sem dúvida, no Aracaju está tudo para fazer, mas é justamente o que ele tem de melhor”: dessa maneira era anunciada a mudança da capital pelo Jornal Correio Sergipense, em 19 de março de 1855. E, de fato, sob essa lógica fundou-se não só uma cidade, mas a história de um povo. Assim, Aracaju nasceu de um sonho, segundo uns; outros afirmam que ela surgiu devido aos mais escusos interesses econômicos; há, ainda, quem diga que a cidade é mero fruto da engenhosidade política dos homens de elite. Seja como for, sua história de apenas 157 anos lhe assegura a alcunha de Cidade Menina, ostentada com orgulho: um 3

ANJOS, Claudio José. Teresina – processo de estruturação e expansão urbana e suas influências ambientais na zona sul. Disponível em < http://meuartigo.brasilescola.com/geografia/teresinaprocesso-estruturacao-expansaourbana-suas-.htm >. Acesso em 18 de abril de 2012. 4 BARRETO, Luiz Antônio e NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Aracaju, cidade das águas. São Paulo: Cortez Editora. 2011, p. 02. 3

município novo, que se moderniza a passos largos e nasceu duma guerra empreendida contra a natureza. Aqui, sem acanhamento, aterra-se, desapropria-se, derruba-se, constrói-se e reconstrói-se como parte da crucial da tradição econômica e cultural de sua gente. Diante disso, o que se entende por patrimônio cultural em Aracaju? O que se deseja preservar da sua bela – embora curta – trajetória?

POLÍTICAS PÚBLICAS DE PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL No Brasil, o patrimônio cultural é alvo de políticas públicas desde a década de 1930, quando o Estado Novo outorgou a legislação que trata da sua proteção e reconhecimento. De fato, Getúlio Vargas herdou do movimento artístico modernista brasileiro, que organizara a Semana de Arte Moderna de 1922, a preocupação com as discussões sobre a natureza da identidade nacional. Segundo estes intelectuais paulistas, 100 anos após a emancipação política brasileira dever-se-ia promover por fim a independência cultural da nação, sendo necessário, para tanto, redescobrir e revalorizar os elementos considerados típicos da “brasilidade”. Dessa maneira, o Decreto-Lei nº 25 fora assinado poucos dias após a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1937. Por meio deste, criou-se o tombamento como instituto jurídico de regulação governamental que determina o que poderá receber status de patrimônio cultural nacional e ser objeto de acautelamento oficial. Surge, assim, o SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional -, que em seus primeiros anos tem a difícil tarefa de determinar os alicerces culturais da nacionalidade. O objetivo era moldar a face do país, conferindo-lhe visibilidade internacional através do estudo de tradições cuja imanência temporal e espacial fosse devidamente estabelecida. 5 Destacou-se, nessa fase, a atuação de Rodrigo Melo Franco de Andrade6, primeiro presidente do Serviço. Contando com assessoria de intelectuais do porte de Lúcio Costa7 e

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VELOSO, Mariza Motta Santos. Nasce a Academia SPHAN. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 78, 1996. 6 Foi presidente do SPHAN entre os anos 1937 e 1967, período reconhecido como “fase heróica” pela historiografia oficial. “Não é por acaso que ela é a mesma em que Rodrigo M. F. de Andrade esteve à frente da instituição, (...) torna-se difícil ou quase impossível entender o Patrimônio sem conhecer e compreender a personalidade e a atuação de Rodrigo M. F. de Andrade” (MEC, 1980, p. 27-28). 7 O arquiteto modernista Lúcio Costa foi diretor da Divisão de Estudos e Tombamentos do SPHAN de 1937 a 1972. Para VELOSO (1996), ele foi o “teórico do patrimônio”, aquele que ajudou “a delinear o significado das categorias-chaves organizadoras do discurso sobre o patrimônio e, em última análise, a arbitrar sobre o que deveria ou não ser tombado” (p. 77-78). 4

Mário de Andrade8, Franco de Andrade institucionalizou o primeiro representante cultural brasileiro: o barroco, visto como um emblemático legado do Brasil Colônia.9 Consequentemente, a arquitetura de templos católicos tornou-se foco dos tombamentos ocorridos nesse período. Não é exagero afirmar que esta concepção alijou os bens culturais de herança popular da possibilidade de reconhecimento. Esta exclusão, conforme a socióloga Maria Cecília Londres Fonseca10, teve como justificativa a não existência de registros materiais expressivos da cultura destes grupos sociais em questão. Engendra-se nessa época o termo “patrimônio cultural não-consagrado”, em alusão à herança de grupos marginalizados pela historiografia tradicional nacional, a exemplo de indígenas, negros, populações rurais, imigrantes, etc.. 11 Esta tendência somente será abrandada entre as décadas de 1970 e 1980 – período marcado pela reabertura política do país –, quando novos protagonistas sociais lutam pelo direito à memória e reconhecimento oficial da sua contribuição enquanto cruciais à formação da identidade e cultura brasileiras. Em 1982, os primeiros tombamentos de bens concernentes à cultura afrobrasileira representaram um marco da afirmação sociocultural de grupos não contemplados pelas políticas federais de preservação. O acautelamento do Terreiro da Casa Branca (Salvador/BA) e da Serra da Barriga (União dos Palmares/AL) foi fruto de grande mobilização de intelectuais, político e do movimento negro. “A luta reivindicou que fossem inscritos por seu valor histórico (e não apenas etnográfico), de testemunhos da presença do negro na construção de uma civilização brasileira”.12 Nesse sentido, a Constituição federal de 1988 representou um significativo avanço às lides relativas a patrimônio cultural no país, pois, com esta nova Carta, ampliou-se a ideia de patrimônio cultural no Brasil. Em seu artigo 216, ao preconizar que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e 8

Então diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, o poeta Mário de Andrade foi o autor do projeto de lei que criou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dentro da estrutura do Ministério da Educação e Saúde (idem, p. 21-23). 9 Idem, p. 91. 10 Entre os quais se destacam: pesquisadora do Centro Nacional de Referência Cultural-CNRC (1976-1979), coordenadora de projetos da Fundação Nacional Pró-memória (1979- 1990), assessora do Ministro da Cultura (1995-1998), coordenadora de Políticas da Secretaria de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas do MinC (19992001) e conselheira do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural desde 2004. 11 FONSECA, Maria Cecília Londres. Da Modernização à participação: a política federal de preservação nos anos 70 e 80, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, 1996, p. 159. 12 Idem. 5

tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”13,

a CF legitima a luta das antigas minorias por mais espaço nos tombamentos – a fim de que eles representem, de fato, a diversidade cultural que é postulada enquanto referência histórica mor da nação.

“ARACAJU E SEUS MONUMENTOS” Em Sergipe, o patrimônio cultural teve sua política pública definida em 1938, quando o Interventor Eronildes Ferreira de Carvalho promulgou as bases legais que regem sua salvaguarda. Como ocorreu nos demais Estados da Federação, o decreto é uma mera cópia da legislação federal do Estado Novo, com poucas adaptações à realidade local. Desde então, já contamos com mais de sessenta bens – dentre materiais e imateriais – tombados pelo Governo do Estado, distribuídos em cerca de 20 municípios. No ano de 2005, em comemoração ao sesquicentenário da Capital, o Governo do Estado de Sergipe, através da Secretaria de Estado da Cultura, editou o catálogo “Aracaju e Seus Monumentos”. Coordenado por José Carlos Mesquita Teixeira, então Secretário de Cultura do Estado, contou com levantamento técnico de Ana Conceição Sobral de Carvalho, então coordenadora da Divisão de Bens Culturais Sergipanos. Em suas 52 páginas, a obra tinha como objetivo celebrar o aniversário de Aracaju por meio de um rico registro documental. Para tanto, contou com fotografias de Marcel Nauer, projeto conceitual de Rosina Fonseca Rocha e arte final da Gráfica e Editora Triunfo. Os textos que o compõem são de historiadores de renome, tais como Maria Thétis Nunes e Luiz Antônio Barreto, e revelam belas nuanças da vida político-econômica e sócio-cultural de Aracaju através dos tempos. O projeto contou com financiamento de órgãos como Fundação Oviêdo Teixeira, Petrobrás e rede GBarbosa para que uma tiragem de 10000 livros fosse rodada e distribuída entre instituições de ensino e de cultura de Sergipe, bem como de outros Estados brasileiros. A obra tem como objetivos “despertar e conscientizar a população sobre a importância da preservação de bens culturais, divulgando os monumentos que já se encontram tombados ou que estão em processo de estudo para posterior tombamento”. Na justificativa do livro, Ana Sobral também destaca a edição deste catálogo como importante ação de incentivo à 13

Disponível em < http://www.dji.com.br/constituicao_federal/cf215a216.htm> 6

salvaguarda de bens através de ações educativas, já que “o processo de educação patrimonial é fundamental para as diversas atividades interdisciplinares, abrindo caminhos para a preservação da memória cultural, em especial da memória sergipana.” Nesse sentido, “o patrimônio cultural do povo deve ser preservado por cada um de nós”. 14 Na ocasião de seu lançamento, a referida especialista declarou que o livro “registra a diversidade arquitetônica existente no centro da cidade, espaço ambiental que incorpora a memória histórica, artística e cultural da sociedade aracajuana”

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. Revela-se, assim, já nas

suas primeiras linhas, a área de maior concentração de bens tombados pelo Governo do Estado: o antigo Centro de Aracaju, pouco extrapolando os limites do chamado “Quadrado de Pirro”. 27 dos 30 bens reconhecidos até 200516, entre patrimônio arquitetônico e patrimônio artístico, mais de 2/3 localizam-se ou estão expostos na área central da cidade ou seus

10%

Bairro Centro (24 bens) 10%

Bairro São José (03 bens)

80%

Bairros Farolândia, Aeroporto e Atalaia (01 bem cada)

arredores (Bairro São José). Quadro 1: distribuição dos bens culturais tombados por bairros em Aracaju até 2005.

A explicação para tal fato, sagazmente, lê-se logo no primeiro texto do livro, intitulado “Os 150 anos de Aracaju capital”. Escrito pela professora Maria Thétis Nunes, narra a história 14

GOVERNO DE SERGIPE. Aracaju e seus Monumentos: Sesquicentenário da Capital 1855-2005. Aracaju, Secretaria de Estado da Cultura, Gráfica e Editora Triunfo Ltda., 2005, p. 07. 15 Governo lança catálogo “Aracaju e seus Monumentos”. Infonet, 05/04/2005, seção Cidade. Disponível em . Acesso em 20 de abril de 2012. Disponível em 16 À época de lançamento do catálogo, ainda não tinham sido alvo de acautelamento estadual os monumentos “Vultos Históricos Sergipanos”, “Vultos Históricos Brasileiros” e “Comemoração aos 150 Anos de Aracaju”, localizados na orla da Atalaia e tombados em 2006, assim como a Escultura de Nossa Senhora da Conceição, situada no Parque Governador José Rollemberg Leite (2006), e o Instituto Parreiras Horta, na Rua Campo do Brito (2008). 7

do surgimento da cidade a partir do tabuleiro de xadrez idealizado por Sebastião Pirro, destacando os principais monumentos erigidos quando da formação da cidade. Desta forma, aqui estão tombados principalmente (56% deles) prédios construídos para abrigar órgãos públicos, a exemplo do antigo Juizado de Menores (hoje Memorial do Judiciário), do antigo Tesouro do Estado (hoje Câmara de Vereadores de Aracaju), do antigo Tribunal de Justiça (hoje Procuradoria Geral do Estado), além dos Palácios Inácio Barbosa (sede da Prefeitura de Aracaju) e Olímpio Campos (hoje Palácio-Museu). A segunda porção deste rol de bens culturais aracajuanos tem um caráter mais diversificado. Há bens destinados ao culto católico (Catedral Metropolitana e Tela “A Virgem”, de Murilo, cópia de Horácio Hora), ao ensino básico e superior (antiga Faculdade de Direito, antiga Escola Normal, antigo Colégio Nossa Senhora de Lourdes e antiga sede do Colégio Atheneu Sergipense) e residências das elites locais, a exemplo das outrora pertencentes ao médico Leonardo Leite (hoje sede da Superintendência de Sergipe do IPHAN) e à família Rollemberg (hoje sede a seccional de Sergipe da OAB). Além destes, há patrimônio natural (as Palmeiras Imperiais da Praça Almirante Barroso e a margem entre

7%

Administração Pública (17 bens)

7%

Culto Católico (2 bens) 13% 56%

Residências (3 bens) Instituições de Ensino (4 bens)

10%

Patrimônio Natural (2 bens) 7%

Artes Plásticas (2 bens) Aracaju e Barra dos Coqueiros do Rio Sergipe) e dois conjuntos de obras do artista plástico Jenner Augusto.

Quadro 2: perfil dos bens culturais tombados em Aracaju até 2005.

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Todavia, tal diversificação não significa uma diversidade sociocultural. Em Aracaju, verifica-se o que historiador Francisco José Alves indica como uma tendência sergipana nesta área: a de tombamento de heranças da aristocracia branca católica. Nesse sentido, não figuram na lista aracajuana, bens culturais de origem indígena ou afrobrasileira, tampouco doutras matrizes religiosas. Também está de fora a memória das camadas populares, como operários, pescadores, comerciários e camponeses. O patrimônio cultural da capital sergipana ainda não representa um multiculturalismo democrático, pautado pelo reconhecimento oficial das diferenças. Esta mesma hegemonia sociocultural se evidencia nos tombamentos realizados pelo IPHAN no interior de Sergipe. Na atual lista de bens tombados em nível federal no estado, grande parte de sua composição é representada por templos católicos. E muitos dos quais são remanescentes dos antigos engenhos de açúcar. Alguns exemplos são: a Capela do Engenho Jesus, Maria e José e a Capela do Engenho Comandaroba, ambas em Laranjeiras, a Capela do Engenho Penha, em Riachuelo, a Capela do Engenho Caieira, em Santo Amaro das Brotas, e a Capela do Engenho Poxim, em São Cristóvão. Ademais, a outra parte da lista federal é composta por sobrados e conjuntos urbanos edificados nos períodos colonial/imperial por estas mesmas elites. É o caso, por exemplo, dos sobrados de São Cristóvão e Estância e dos centros históricos de Laranjeiras e São Cristóvão. Desta forma, quase 100% do patrimônio cultural sergipano tombado pelo governo federal remete à memória de grupos sociais dominantes e hegemônicos: clero católico e membros da “açucarocracia”. Certamente, este traço preferencial do IPHAN em Sergipe de tombar bens de origem colonial e início do imperial (nitidamente as famosas "igrejas barrocas"), apresenta indícios elucidativos (porém, não justificativos) sobre a ausência de bens culturais aracajuanos tombados pelo órgão. Enquanto em outras capitais já se discute o estudo e reconhecimento de seus patrimônios imateriais como bem cultural da nação – e até do mundo –, nem sequer imóveis reconhecidos há em Aracaju. Porém, desde o ano 2000 Aracaju vive uma fase de valorização do seu patrimônio cultural. A partir da grande obra de reforma dos mercados centrais, empreendida pelo Governo do Estado na gestão de Albano Franco, tendo como base o projeto de mestrado da arquiteta Ana Libório, inicia-se um processo de retomada desses espaços, outrora abandonados pelos poderes públicos – tanto estadual, quanto municipal. Nos últimos anos, importantes trabalhos de restauro foram concluídos e entregues a população: a Ponte do Imperador; o Palácio Olímpio Campos, que se fez Palácio Museu; as praças Fausto Cardoso, 9

Olímpio Campos e Almirante Barroso; a Igreja de São Salvador; o prédio do Antigo Ateneuzinho, hoje Museu da Gente Sergipana; a antiga Escola Normal, hoje Centro de Tradições e Rua do Turista; prédio do antigo Tesouro do Estado, atual sede da Câmara de Vereadores; prédio situado à Avenida Ivo do Prado, hoje sede da OAB/Seccional Sergipe; imóvel localizado na Praça Camerino, atual sede do IPHAN; prédio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe; o Teatro Ateneu e mesmo os painéis e Murais de Jenner Augusto. Em 2010, foram anunciados na Praça São Francisco, sítio histórico sancristovense ora candidato a Patrimônio Cultural Mundial, os investimentos do Plano de Aceleração do Crescimento das Cidades Históricas em Sergipe. Verbas da ordem de 230 milhões de reais seriam destinadas ao Estado, para obras de revitalização e requalificação de espaços urbanos em três cidades: São Cristóvão, Laranjeiras e Aracaju17. Na ocasião, fizeram-se presentes, além das autoridades locais, o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, e o Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional, Luis Fernando de Almeida. A vinda do PAC das Cidades Históricas para Aracaju representa um esforço das 3 esferas governamentais no sentido de gerir, promover e salvaguardar os bens da cidade, já que o plano de ação que habilita o município a concorrer a esses investimentos deve ser coerente com o Sistema Nacional e Patrimônio Cultural e articulado entre Município, Estado e União. O IPHAN, nesse caso, age tanto como norteador de estratégias, como enquanto fiscalizador do planejamento e desenvolvimento das ações propostas. Embora a presidenta Dilma Roussef tenha anunciado cortes no Orçamento da União, verbas do PAC-CH hoje já financiam obras a sede da antiga Alfândega, com projeto de tornar-se o futuro Museu da Cidade; dentro em breve, mantido ritmo, será a vez d’outros espaços urbanos. Pelo exposto acima, evidencia-se que, além da pura e simples reforma de edificações, pensa-se no uso desse patrimônio, na destinação de sua revitalização: é como se vivêssemos um processo de ressignificação dos bens – seja de forma isolada, se considerados individualmente, seja do complexo do Centro Histórico e seu entorno. Não nos furtamos de polêmicas, como as demolições na calada da noite ou aos finais de semana – vide os casos da derrubada do casarão do Dr. Augusto Leite, na Avenida Barão de Maruim, a fim de alojar uma agência da Caixa Econômica Federal, ou da demolição de belo imóvel em estilo eclético na Rua Itabaiana, nas cercanias da Secretaria de Segurança Pública, e, portanto, área de interesse cultural, para fins ainda desconhecidos. Fala-se até mesmo em uma 17

PAC Cidades Históricas prevê investimento de R$230 milhões em Sergipe. Infonet, 21/06/2010, seção Cultura. Disponível em . Acesso em 20 de abril de 2012. 10

“estacionamentalização” do nosso centro, diante da derrubada de inúmeros imóveis com vistas à construção de estacionamentos privados. Também há o polêmico caso do destombamento do Cine Rio Branco, que posteriormente foi destruído. Fundado na aurora do século XX, ele cravou-se na história da cidade como uma das mais movimentadas casas de entretenimento da sociedade sergipana. Diariamente estavam em cartaz espetáculos teatrais e musicais, vindo depois a incorporar a recém criada sétima arte. Foi tombado em dezembro de 1988 pelo Governo do Estado; todavia, em 1998 sofreu um inédito e conturbado processo de destombamento, vindo a parar suas exibições. Não demorou, foi vendido e demolido, abrigando hoje uma loja comercial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A cada prédio em ruínas, os intelectuais e especialistas prontamente apontam Aracaju enquanto “cidade sem história”, e o aracajuano como um “povo sem memória”. Não estão de todo equivocados: de fato, Aracaju precisa repensar sua relação com a rica herança arquitetônica que lhe cerca, largando mão da dialética entre a soberba de afirmar-se jovem e arrojada e a necessidade premente de recobro da sua herança cultural. Porém, enfim vivenciamos uma década alvissareira à Cidade Menina no tocante ao seu patrimônio edificado. Foi um belo início. Aguardemos o desenrolar deste processo – quiçá, dentro em breve, consigamos alçar voos mais altos...

REFERÊNCIAS ALVES, Francisco José. Sobre os bens sergipanos tombados - nota prévia, Jornal da Cidade, Aracaju, p. 4, 20 abr. 2008. ANJOS, Claudio José. Teresina – processo de estruturação e expansão urbana e suas influências ambientais na zona sul. Disponível em . Acesso em 18 de abril de 2012. BARRETO, Luiz Antônio e NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Aracaju, cidade das águas. SP: Cortez Editora. 2011. (Col. Nossa Capital: Sergipe) FONSECA, Maria Cecília Londres. Da Modernização à participação: a política federal de preservação nos anos 70 e 80, Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 153-163, 1996. FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. Petrópolis: Vozes, 1977. FREITAS, Itamar. Aracaju, uma história em quadrinhos. Aracaju: TECNED. 2011. 11

LE GOFF, Jacques. História e Memória. 3 ed. Campinas: UNICAMP, 1994. GOVERNO DE SERGIPE. Aracaju e seus Monumentos: Sesquicentenário da Capital 18552005. Aracaju, Secretaria de Estado da Cultura, Gráfica e Editora Triunfo Ltda., 2005. __________. Monumentos Sergipanos: bens protegidos por lei e tombados através de decretos do governo estadual. Aracaju: Sercore, 2006. Governo lança catálogo “Aracaju e seus Monumentos”. Infonet, 05/04/2005, seção Cidade. Disponível em . Acesso em 20 de abril de 2012. IPHAN. Bens móveis e imóveis inscritos nos Livros do Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: 1938-2009. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009. Disponível em: < http://www.iphan.gov.br > Acesso em: 20 de abril 2012. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. Brasília: MEC/SPHAN, 1980. NUNES, Thétis. Sergipe Provincial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio: um guia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. PAC Cidades Históricas prevê investimento de R$230 milhões em Sergipe. Infonet, 21/06/2010, seção Cultura. Disponível em . Acesso em 20 de abril de 2012. SANTOS, Jairton Peterson Rodrigues dos. Cine Rio Branco: entre a preservação e a destruição. Aracaju: Faculdade São Luís de França, 2011. (TCC) __________. No panteão da memória: pareceres do Conselho Estadual de Cultura-SE sobre tombamentos de bens (1972-2000). São Cristóvão: UFS-DHI, 2008. (monografia) VELOSO, Mariza Motta Santos. Nasce a Academia SPHAN. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 24, p. 77-95, 1996. WYNNE, João Pires. História de Sergipe: 1575-1930. Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1970.

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