Arbitragem Privada: inteligência do artigo 7° da Lei 9.307/96

August 31, 2017 | Autor: Frederico Favacho | Categoria: ARBITRAGEM, Arbitragem No Brasil
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Arbitragem Privada:
inteligência do artigo 7° da Lei 9.307/96


Por Frederico Favacho[1] e Renata Alvares Gaspar[2]

Sumário: I. Introdução; II. Existência da convenção de arbitragem como
pressuposto da posta em marcha do Artigo 7° e seus parágrafos: cláusula
compromissória "cheia" e "vazia"; III. Execução forçada e arbitragem:
Paradoxo ou necessidade?; IV. Conclusão; V. Bibliografia.


I. Introdução

Este artigo tem por finalidade colocar em relevo uma das novidades
introduzidas pela Lei de Arbitragem – a execução forçada da convenção de
arbitragem – que permitiu um passo importante, controvertido ou não[3],
para romper com a sistemática arbitral anterior, fazendo com que a via
arbitral amadurecesse e se tornasse também um direito subjetivo na medida
em que dotada de coercitividade, adotando o clássico modelo direito x
obrigação[4].

O tema escolhido para este artigo em si mesmo não é novo, já tendo sido
abordada nas hoje já clássicas obras sobre arbitragem, entre elas inúmeros
textos escritos pelo ilustre professor Carlos Aberto Carmona[5]; já seu
tratamento, desde a ótica que aqui se pretende, este sim foi pouco
abordado, quiçá pela profícua discussão sobre sua constitucionalidade que
então pautava aqueles trabalhos, questão agora pacificada pelo Supremo
Tribunal Federal do Brasil[6].

Este breve artigo já parte deste quadro bem definido e aborda
especificamente a forma pela qual se dará a execução forçada da cláusula de
arbitragem.

II. Existência da convenção de arbitragem como pressuposto da posta em
marcha do Artigo 7°e seus parágrafos: cláusula compromissória
"cheia" e "vazia"

O artigo 7° e seus parágrafos da Lei 9.307/96 disciplinam a execução
forçada de uma cláusula compromissória que, validamente celebrada, permite
ao interessado colocar em marcha a arbitragem, sempre que tenha
legitimidade processual e interesse de agir, ainda que seu parceiro
comercial renuncie a este modo de solução de controvérsias.

Com esta mudança legislativa o legislador quis dotar a convenção de
arbitragem de eficiência e eficácia, transformando o panorama anterior que
apenas lhe conferia a qualidade de um pacto in contrahendo e que resultou
no desuso da arbitragem por absoluta ineficácia do sistema.

Para revitalizar a arbitragem como verdadeira alternativa ao Poder
Judicial, nas palavras de Carlos Alberto Carmona, "o legislador brasileiro,
querendo valorizar a idéia do pacta sunt servanada, procurou dar à cláusula
arbitral – ainda que vaga ou incompleta – total eficácia, dotando o juiz de
poderes verdadeiramente extremados para instituir – a todo custo, entenda-
se – a arbitragem"[7].

Desta forma, fica claro que a Lei de Arbitragem dotou a cláusula
compromissória das mesmas qualidades executivas do compromisso arbitral,
razão pela qual trata dos dois institutos como sendo espécies do mesmo
gênero Convenção de Arbitragem[8], espancando qualquer dúvida a este
respeito.

A questão de interesse vem da seguinte pergunta: em que momento e como se
deve colocar em marcha os mecanismos do artigo 7° da Lei em questão?

As respostas a estas perguntas traduzem a importância e controvérsia do
dispositivo legal aqui analisado. Senão vejamos.

O artigo 7° da Lei de Arbitragem evidentemente está pensado para ser
acionado sempre que houver resistência de uma das partes em cumprir com o
pacto arbitral já estipulado anteriormente e desde que, da cláusula
arbitral não se possa aferir, com segurança, a forma em que a arbitragem
deva ser processada. Tal entendimento pode ser apreendido da combinação
deste dispositivo com o artigo 6° do mesmo Diploma Legal.

Assim temos que a executoriedade judicial da cláusula compromissória
somente se dará no caso de tratar-se de pacto arbitral vago ou incompleto,
que não permita ao interessado, por falta de dados suficientes, instituir
diretamente a arbitragem. Em outras palavras, os mecanismos do artigo 7°
da LA serão colocados em marcha sempre e quando a convenção de arbitragem
for vaga, omissa ou incompleta (vazia, como se costuma denominar) quanto
aos dados essenciais para sua instituição de plano.

Como corolário lógico da afirmação anterior temos que nem toda cláusula
compromissória reclama um compromisso arbitral: apenas aquelas cláusulas
vazias, que não determinam a forma em que a arbitragem se deva realizar é
que demandam um compromisso arbitral para que o pacto celebrado se efetive.
Este compromisso arbitral, nos limites da questão aqui apresentada, poderá
ser judicial ou extrajudicial, dependendo da disposição dos interessados em
cumprir corretamente o pactuado.

O Direito Comparado nos revela que o problema gerado pela cláusula arbitral
vazia é enfrentado de diversas formas pelos ordenamentos jurídicos
estatais, pelas convenções internacionais e pelos organismos internacionais
ou regionais, que cuidam do desenvolvimento do Comércio Internacional,
servindo-nos estas soluções de contrapontos ou de paradigmas para nosso
ainda imberbe procedimento arbitral.

Assim temos, a guisa de exemplo do que ocorre em outros ordenamentos
estatais, de um lado a legislação francesa, em que uma cláusula
compromissória vazia é, por dispositivo legal, considerada nula[9], e, de
outro lado, a nova Lei Espanhola de Arbitragem[10] que dispõe sobre a
possibilidade de o Juiz de Direito, diante de uma cláusula vazia, nomear o
árbitro – ou os árbitros – que, uma vez investido na função, resolverá as
demais lacunas deixadas pelo pacto arbitral incompleto.

Já no plano convencional e da Lex Mercatoria[11], temos a Convenção
Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional[12], conhecida como
CIDIP I, Panamá/1974 e a Lei Modelo de Arbitragem Comercial Internacional
adotada pela UNCITRAL[13] em 1985, que prevêem a possibilidade e validade
da execução forçada do pacto vazio ou, ainda, tal e como ocorre com a Lei
Espanhola, a possibilidade de intervenção judicial para nomeação de
árbitro.

Com todo o exposto se pretende dizer que realmente a Lei 9.307/96 quis a
todo custo, dotar a cláusula compromissória, ainda que redigida com
impropriedades técnicas e de forma irresponsável, de força executória, para
garantir segurança jurídica às partes que elegem a Arbitragem como modo
alternativo de solução de disputas.

Vale dizer, a contrario sensu, que a cláusula compromissória em que se
encontram detalhadas todas as regras referentes à instituição e
processamento da arbitragem ou que, pelo menos tenha elegido um critério
claro de nomeação de árbitros e de escolha do regulamento da arbitragem
(via eleição do regulamento de uma câmara arbitral, por exemplo), não
haverá necessidade do compromisso, ainda que a uma das partes seja
renitente à instituição do procedimento arbitral.

Assim pode se afirmar com certeza que a cláusula compromissória cheia e
validamente celebrada, tem o condão de colocar em marcha o procedimento
arbitral, ainda que haja resistência da outra parte, pois a arbitragem se
constituirá na forma estabelecida pelos contratantes, cabendo à parte
faltosa, arcar com o ônus da sua ausência[14].

Como se vê, a revelia não obsta o curso regular do procedimento arbitral e
não impede ou invalida a prolação de decisão.

III. Execução forçada e arbitragem: Paradoxo ou necessidade?

Quando dos trabalhos preparatórios da Lei 9.307/96 se discutia a questão da
execução judicial da cláusula compromissória vazia. Houve, então,
controvérsias quanto à pertinência ou não de tal dispositivo legal, dada a
natureza consensual deste Instituto Jurídico[15].

Como falar de execução forçada de um pacto arbitral, sendo que a arbitragem
nasce, vive e morre, em termos puros, na autonomia da vontade convergente
das partes contratantes? A resposta é simples e se encontra na prática da
arbitragem no regime anterior à Lei 9.307/96.

Como já se disse antes, no sistema anterior a cláusula compromissória era
considerada apenas um pacto in contrahendo, gerando, em caso de seu
descumprimento, apenas direitos a perdas e danos para a parte lesada, Como
essa reparação sempre foi considerada de difícil aferição a opção pela
solução arbitrada não encontrou eco no direito interno brasileiro naquele
momento.

Para responder ao que seria a grande falha do sistema anterior, o
legislador criou mecanismos "dolorosos"[16] para que os contratantes não
pudessem mudar de idéia ao seu alvedrio, quando diante de um pacto
arbitral. Assim que, a dureza das disposições constantes na LA, respondem a
um regime anterior nada responsável, visando não apenas o cumprimento de um
acordo prévio, mas e sobretudo, à educação das pessoas[17], que usavam a
cláusula compromissória vazia, como subterfúgio para cumprimento de suas
obrigações.

Desta forma e contextualizado os dispositivos constantes do Artigo 7° e
seus parágrafos, fica evidente que em nada contrariam a liberdade
autonômica que norteia a Arbitragem; ao contrario, traz a seriedade que
faltava para este instituto tão importante e fundamental para o
desenvolvimento do comércio tanto internacional como interno, já que é o
meio usado por excelência pelos seus agentes, para buscar soluções de seus
conflitos.


IV. Conclusão

A introdução do artigo 7° e seus parágrafos na Lei 9.307/96 foi fundamental
para tornar viável a prática arbitral no Brasil, o que, indubitavelmente,
trouxe conseqüências positivas para o desenvolvimento do Comércio
Internacional do Brasil com seus parceiros comerciais, que têm neste
Instituto, seu porto seguro, para o incremento e desenvolvimento de suas
relações jurídicas[18].

Obrigar as pessoas a cumprirem com suas obrigações validamente celebradas,
sobretudo no âmbito dos direitos patrimoniais disponíveis e entre partes
plenamente capazes, de acordo com o Código Civil brasileiro, é função
intrínseca do Direito e, em conseqüência, do próprio Estado Democrático de
Direito. Significa a passagem da vida juvenil à vida adulta, o que somente
pode ser festejado.

As modificações introduzidas pela LA, nomeadamente a que é objeto deste
artigo, colocou a legislação brasileira em pé de igualdade com as
legislações produzidas pelos chamados países de primeiro mundo e àquelas
produzidas pela Lex Mercatoria, revelando a vocação do Brasil, como
condutor dos países da América Latina na integração regional e como
parceiro responsável nos negócios internacionais.

Contudo, fica também evidenciado que estes mecanismos são excessivamente
duros, porque respondem a um regime arbitral anterior, completamente
irresponsável, que somente colaborou para a efetivação de prática arbitral
predatória, que a conduziu ao desuso deste Instituto Jurídico.

Desta forma, se entende que no momento em que a arbitragem passe a ser
"arroz com feijão", na prática jurídica brasileira, este dispositivo tende
a ser matizado, já que não se necessitará de instrumentos jurídicos tão
duros para se realizar o ideal de ver cotidiana a prática dos modos
alternativos de solução de controvérsias no Brasil, tal e como ocorre em
países do velho continente, para não citar como exemplo as ocorrências do
nosso vizinho distante da América do Norte.


V. Bibliografia


Livros


Carmona, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo – um comentário à Lei
9.307/96. Malheiros Editores. 1998.

Casella, Paulo Borba e Araújo, Nadia. Integração Jurídica Interamericana.
Editora LTr. 1998.

Gaspar, Renata Álvares. Obrigatoriedade da Cláusula Compromissória: fere o
princípio de inafastabilidade do Poder Judiciário? Artigo publicado no
Jornal do Advogado de São Paulo. paginas 26 e 27. Setembro de 1998.

Rechsteiner, Beat Walter. Direito Internacional Privado: teoria e prática.
Editora Saraiva. 2000.

Strenger, Irineu. Contratos Internacionais do Comércio. Editora LTr. 3ª
edição. 1998.



Textos Legais (direito interno e internacional privado)


- Lei Brasileira número 9.307 de 1996.
- Código de Processo Civil Francês.
- Nova Lei de Arbitragem Espanhola, número 36/1998.
- Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, CIDIP-
I, Panamá/1974.
- Lei Modelo de Arbitragem Comercial Internacional, adotada pela UNCITRAL
em 1985.

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[1] Frederico Favacho é mestre em Filosofia do Direito, Professor
Universitário e Coordenador do Curso de Direito da Faculdade das Américas
sediada em São Paulo; é também advogado militante, sócio do escritório
Favacho e Zanetti Advogados.
[2] Renata Alvares Gaspar é doutoranda em Direito Internacional Privado
pela Universidade de Salamanca, Espanha, Professora Universitária e
advogada do escritório Favacho e Zannetti Advogados.
[3][4] A questão controvertida quanto à execução forçada da convenção de
arbitragem foi devidamente discutida pela nossa Suprema Corte Federal, num
incidente de inconstitucionalidade levantado no processo de homologação de
sentença estrangeira número SE5206-8/347, hoje superada pela decisão neste
mesmo processo favorável a manutenção do artigo 7° e seus incisos da Lei
9.307/96 (o que pode ser visto no site do STF www.stf.gov.br).
[5] Esta questão já foi discutida por Renata Alvares Gaspar em artigo
publicado no Jornal do Advogado de São Paulo, edição de setembro de 1998,
paginas 26 e 27, sob o título Obrigatoriedade da Cláusula Compromissória:
fere o princípio de inafastabilidade do Poder Judiciário?.
[6] O assunto foi comentado pelo autor em questão em seu livro Arbitragem e
Processo – um comentário à Lei 9.307/96, nas paginas 24, 30, 72 e 104/108,
publicado pela Malheiros Editores, 1998.
[7] Como se pode ver da sentença proferida no processo SE 5206-8, já citado
em nota anterior.
[8] Obra do autor já citada pagina 108.
[9] Vide artigo 3° da Lei 9.307/96.
[10] Parágrafo § 1°, do artigo 1443 do Código de Processo Civil Francês.
[11] Na nova Lei espanhola de arbitragem – 36/1998 - foram recolhidos os
princípios das convenções internacionais sobre a matéria, consoante se vê
de sua exposição de motivos.
[12] Sobre o conceito, alcance e vicissitudes da Lex Mercatoria ler Beat
Walter Rechsteiner, Direito Internacional Privado: teoria e prática,
paginas 59 em diante, Editora Saraiva, 2000.
[13] Comentários sobre esta convenção internacional, que foi internalizada
pelo Brasil por Decreto Legislativo n° 90, em 1995, ler artigo publicado
por Lauro da Gama e Souza Jr. A Convenção Interamericana sobre Arbitragem
Comercial Internacional, in obra coordenada por Paulo Borba Casella e Nadia
de Araújo, paginas 373/409, publicada pela Editora LTr., 1998.
[14] UNCITRAL (termo inglês) é o organismo das nações Unidas para o
desenvolvimento do Comércio Internacional, chamado em português de CNUDCI –
Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Comércio
Internacional.
[15] Por não se tratar de jurisdição, na arbitragem não cabem os efeitos da
revelia; contudo, a parte faltosa responde por não haver participado do
procedimento, sobretudo relativamente à produção de provas para a formação
da convicção julgadora (§ 2° e 3° da LA).
[16] Ver exposição de motivos da LA na página eletrônica do Senado Federal,
www.senado.gov.br.
[17] Sobre a dureza dos mecanismos previstos no artigo 7° e seus
parágrafos, ler ob. cit. Carmona, paginas 111 e seguintes.
[18] Sobre ser o método adotado pela LA educativo, mais com altos custos
sociais, ver ob. cit. Carmona, pagina 108.
[19] Para ampliar sobre a importância da Arbitragem no Comércio
Internacional, ler Irineu Strenger, Contratos Internacionais do Comércio,
3ª edição, paginas 214 em diante, publicado pela Editora LTr, 1998.
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