Argentina: A questão da liderança

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Pós-graduação em Diplomacia Comercial Liderança em Ambiente Intercultural

Argentina: A questão da liderança

Professor Doutor Miguel Allison Miranda 220694

[email protected] 04 de Janeiro de 2016

Índice 1. Introdução ............................................................................................................3 Argentina ....................................................................................................................3 1.1.Enquadramento Histórico………………………………………………………………………..4 1.2.Enquadramento político………………………………………………………………………….4 1.3.Enquadramento económico...…………………………………………………………………….7 2. Dimensões Culturais…………..……………………………………………………………8 2.1.Geert Hofstede………………………………………………………………………..8 2.2.GLOBE Study………………………………………………………………………….11 3. Vivença a Crioja…………..…………………………………………………..12 4. Conclusão………..……………………………………………………………13 4.1.Entrevista………………………………………………………………………15 5. Bibliografia .........................................................................................................19

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1. Introdução No âmbito da disciplina de Liderança em Ambiente Intercultural pela pós-graduação em Diplomacia Comercial, foi proposto um exercício que pretende compreender os tipos de líderes e os elementos culturais que podem influenciar na tomada de decisão, no comportamento do líder e na sua relação com os liderados. Não obstante, é compreensível que essa análise pretenda ser genérica. Não se podendo aplicar de forma universal a todos os líderes argentinos, nesse caso. Porém busca-se compreender quais são os traços comuns a maioria dos líderes, de forma a tentar encontrar um comportamento padrão argentino, perceber o que é esperado de um líder argentino, o que um líder argentino valoriza nos seus liderados. Em última análise pretende-se compreender as diferenças e semelhanças gerais entre o líder argentino e o líder português. Tendo em consideração que cada vez mais as distâncias diminuem favorecendo a proximidade entre, não só pessoas, mas empresas, organizações, instituições, a necessidade de conhecer o comportamento padrão dos líderes se torna importante para conseguir concretizar um projeto, um negócio que seja. O exercício proposto vem de encontro com o suprir dessa necessidade. No trabalho a seguir pretende-se conhecer o líder argentino. Para tal, foi realizado uma entrevista com o Professor Doutor e investigador Marcelo Moriconi Bezerra. Professor da Universidade de Lisboa e investigador na área da ciência política. Além disso, recorreu-se a pesquisa em livros, artigos científicos, entre outras fontes.

2. Argentina Antes de mais, é importante conhecer-se melhor o país em questão. A Argentina é um país localizado na América do Sul, tendo cerca de 19 milhões de habitantes (Instituto Geográfico Nacional, 2016). É o segundo maior país da América do Sul, ficando atrás apenas do Brasil. É ainda, o maior país de língua espanhola. A colonização do que hoje se conhece como Argentina começou em 1512 pela Espanha. Outrora seu nome fora Vice-reinado do Rio da Prata. A Argentina tem como capital a cidade autónoma de Buenos Aires. A fim de se conhecer melhor esse país a que se pretende analisar, far-se-á um enquadramento a três níveis como se constata a seguir. 3

2.1. Enquadramento histórico A Argentina foi colonizada pela Coroa Espanhola, na época o então Vice-Reinado do Rio da Prata foi delimitado, não como ocorreu no caso brasileiro, pelo Tratado de Madrid, mas pela reorganização de jurisdições já existentes. Esse território abrangia a atual Argentina, Uruguai, Paraguai e parte da Bolívia. Sendo que desde o início da colonização a Argentina foi expandindo o seu território. Neste momento, como é natural, os seus habitantes ainda não tinham uma noção de identidade. “Na futura Argentina […] quando existia alguma identidade, esta era ‘americana’ e local. Não há nada de estranho nisso, uma vez que a identidade se define no plano simbólico em contraposição a um ‘outro’ – e o outro, no caso, eram os dominadores coloniais” (Fausto & Devoto, 2004) O processo de independência da Coroa espanhola começou com o episódio que ficou conhecido como a revolução de 25 de maio ou Revolução de Maio em 1810, mas que não veio a ter tanta adesão de outras províncias visto que estas queriam tanto independência da Espanha como de Buenos Aires. A Argentina teve inúmeros movimentos separatistas, mas a sua unidade foi mantida graças “a importância de um elemento em particular: a grande concentração de recursos financeiros em uma das províncias, Buenos Aires, graças ao controle aduaneiro.” (Fausto & Devoto, 2004) Em 1816 foi declarado a independência das províncias unidas e o empenho dessas de ajudar outros grupos congéneres aos ‘patriotas’ de se verem livres dos ‘realistas’ – defensores da coroa e da monarquia. Ao contrário do que se deu no Brasil, que teve um processo de independência rápido e tranquilo, o argentino, uruguaio, paraguaio e das demais regiões que formavam a América Espanhola, foram marcados pelas guerras independentistas. No caso do Vice-Reinado do Rio da Prata o grande libertador foi José de San Martín que criou um exército com vista a libertar a Argentina, Chile e Peru.

2.2. Enquadramento político Durante o século XIX ocorreu vários eventos de relevo para a política argentina. Primeiramente, essa conseguiu a sua independência junto com outros territórios como o Paraguai e o Uruguai, isso através da atuação de José de San Martín. A seguir a esse processo, instalou-se inúmeras disputas territoriais, não só entre as províncias, nos casos daquelas que queriam a independência 4

também de Buenos Aires, mas também disputas face as tribos indígenas, de modo a que o território argentino esteve a formar as suas fronteiras até 1902 (Romero, 2012). Contudo, em 1880 assumiu a presidência o General Julio A. Roca que tinha como

principais encargos assegurar a paz e a ordem e o efetivo controle do território (Romero, 2012), ainda segundo este, o período que se iniciou em 1880 procurava reformar as instituições de modo que “fue expandiendo sus propias instituciones, y llegó a adquirir consistencia y solidez mucho antes que la sociedad” (Romero, 2012) Outro facto determinante na história da Argentina neste período foi o seu aprofundar de relações com a Grã-Bretanha. Isso porque, até então essa era a grande potencia mundial, com algum porte industrial, entretanto, começa-se a surgir novos players como a Alemanha e depois os Estados Unidos da América (EUA). A partir daí o mundo começa a se dividir em áreas imperiais de forma mais ou menos formal. Assim o capital britânico na metrópole, Buenos Aires, aumentos substancialmente num pequeno espaço de tempo. Nos finais do século XIX e inicio do século XX dá-se uma vaga de imigrantes, que acolheram na maioria, italianos, espanhóis e em menor quantidade, franceses. De modo que a população da Argentina em 1869 era de aproximadamente 1,8 milhões de habitantes e em 1914 passou para 7,8 milhões de pessoas. Na cidade de Buenos Aires dois em cada três habitantes eram estrangeiros em 1895. Naturalmente que esse movimento massivo de imigração fez surgir nos locais uma ideia de identidade, face ao outro, que neste caso seriam os estrangeiros. As classes mais altas argentinas se sentiam tradicionais e afirmavam a sua ‘argentinidade’ (Romero, 2012), e isso fez surgir um domínio por parte desses homens no que eram os assuntos públicos, no que tocava a política. A alta política ficava reservada então para os notáveis, para as grandes famílias. Por isso mesmo que durante algum tempo a questão da liderança do país foi feita pelas mesmas pessoas. Esse período ficou marcado por uma clara falta de alternativa política. Sendo que a política era feita quase numa lógica de partido único com El Partido Autonomista Nacional, em que o líder do partido era o Presidente da República. Essa federação frouxa de governos provinciais só funcionava enquanto o tema era em torno de uma convicção comum (Romero, 2012) A partir de 1916 surgem governos mais radicais na Argentina, desde já com Hipólito Yrigoyen. Contudo essa não foi uma vaga exclusivamente argentina, isto é, em outros países como Paraguai, Chile e México também ocorria a mesma onda radical. Esse 5

movimento mais radical que teve lugar na América Latina, porém, não se assemelhava necessariamente com a atual ideia de radicalismo político. Isso porque o contexto era diferente do atual. Mas de forma geral, os radicais defendiam um forte sentido de nacional, ainda mais que os seus territórios ainda não estavam totalmente desenhados e ainda existiam muitos movimentos de secessão na Argentina. Contudo, o radicalismo que surgiu nessa época tinha ainda o encargo de por de pé e lidar com as instituições democráticas. Por outro lado, outro aspeto pode ser retirado dessa passagem pelo radicalismo. Yrigoyen embora não fosse partidário da ideia de pan-americanismo – deixando isso muito claro durante a Primeira Guerra Mundial, quando o EUA tentou arrastar atrás de si a América Latina para a guerra com este argumento – acabou por criar fez aflorar um sentimento ‘anti-estadosunidenses’ por conta do episódio em 1898 com a guerra de Cuba. Esse sentimento face aos EUA foi levado a cabo outrora por um vincular com ideias socialistas (Romero, 2012). Assim, pode-se ver o emergir de uma esquerda na América Latina, e neste caso, na Argentina. Anos mais tarde os seguidores de Yrigoyen seriam os embriões de outra liderança que veio a se tornar muito popular. A do General Juan Domingo Perón. Esse governo ficou marcado pelo seu forte cariz esquerdista e dentre diversas medidas adotadas que possam sustentar essa ideia, uma delas foi o facto de terem sido tirados das universidades os professores opositores ao governo e aos sindicatos e ter-se impulsionado a Central Geral Universitária (CGU). De qualquer forma a Argentina continuava tendo dificuldades económicas, mas isso não foi impedimento para que Perón fosse reeleito em 1951. No pós-Segunda Guerra Mundial a Argentina pôde se colocar numa posição de credora face aos países europeus, entretanto os esforços de Perón de se perpetuar no poder não foi bem sucedido e em 1955 deu-se um golpe militar. Perón foi exilado para a Espanha, mas continuou a ser popular na Argentina. Após a morte de Perón a Argentina mergulhou num caos político. O então líder do país, o ditador da Argentina, Jorge Videla, que esteve a frente da Argentina de 1976 à 1981, teve em suas mãos momentos complicados. Não obstante o seu governo foi implacável, quase entrou em confronto armado com o Chile por questões territoriais e por outro lado desrespeitou fortemente os direito humanos. Com o fim da ditadura militar, e em épocas mais recentes, surgiu o Kirchnerismo que se refere a filosofia política levado a cabo pelos Kirchner e defendida por seus apoiantes nos últimos 12 anos. Vale ainda frisar que estes pertencem ao Partido Justicialista que foi 6

fundado por Juan Perón, sendo estes seguidores da ideologia peronista, socialista e valorizando os princípios que tradicionalmente se alinham mais a esquerda.

2.3. Enquadramento económico Para fazer um enquadramento económico simples e com consistência, foi utilizado em geral a análise feita por Aldo Ferrer (2004). Este classifica a história económica da Argentina em cinco etapas. O Primeiro momento é entre o século XVI e o fim do século XVIII, sendo chamada de ‘economias regionais de subsistência’. Neste período as diversas atividades económicas desempenhadas trabalhavam para suprir as necessidades internas e pouco se fazia relativamente a trocas inter-regionais e menos a nível internacional. Num segundo momento compreendido entre o fim do século XVIII e 1860 foi classificado como uma ‘etapa de transição’, isso porque surge pela primeira vez uma atividade que vem suprir uma necessidade não só interna, que dá aso a produção de couro e de outros produtos de origem pecuária (Ferrer, 2008). Também é importante mencionar que nesse período Buenos Aires pôde colocar-se numa posição de mediador de trocas externas e fazer maior proveito do seu porto e da sua localização privilegiada. Em terceiro lugar, a economia argentina se tornou uma ‘economia primárias exportadora’ essa etapa se inicia mais ou menos a partir de 1860 quando a Argentina passa a fazer parte do trânsito de trocas e passa a integrar o comércio internacional. Sendo que essa trajetória de integrar o comércio internacional só dura até a crise de 1929. Além disso, o grande fluxo migratório mudou fortemente a economia e a sociedade argentina. A quarta etapa da história económica da Argentina deu-se entre 1930 e 1976 e se classifica como ‘industrialização não concluída’. Isso porque foi iniciado um processo de industrialização, mas o peso da política veio intervir na política económica levada a cabo até então. Com as mudanças drásticas que tiveram lugar no sistema político em meados dos anos 1970, a economia argentina tomou um novo rumo. A estrutura para a formação de uma industria e uma sociedade mais moderna existia, contudo, não fora suficiente para ser considerada moderna, como as europeias. Numa quinta fase, e com o golpe militar a Argentina adotou uma economia neoliberal, todavia, foi uma má fase para se liberalizar, a economia argentina se encontrava 7

fragilizada e o contexto internacional não favoreceu, fazendo com que, com essa abertura, a Argentina tenha sido inundada com a crise dos anos 1970 que afetava o mundo. Mais recentemente, no mandato de Cristina Fernández de Kirchner a situação económica do país se agravara e a dívida pública já não conseguia ser paga. Por uma questão de coerência política e ideológica, o governo não quis recorrer a instituições financeiras internacionais, e por outro lado, por conta da difícil situação económica da Venezuela – que vinha prestando auxílio a Argentina - dentre várias razões, a baixa do preço do petróleo não dava capacidade para que esta pudesse conceder créditos a taxas mais baixas que o Fundo Monetário Internacional (FMI). (Luca & Malamud, 2010)

3. Dimensões Culturais Tendo em consideração todo o enquadramento que foi feito, toda a contextualização, quer a nível histórico, político ou económico, pode-se agora avançar para o cerne da questão. Por mais que os elementos analisados até aqui possam influenciar – e de facto, influenciam – o nível que mais pode ser considerado relevante para conhecer o padrão comportamental do líder argentino é a cultura. A dimensão cultural reflete os inputs feitos pela dimensão histórica, política e económica. A cultura pode ser analisada segundo vários métodos, de forma a saber o que uma cultura valoriza mais ou menos em detrimento de um ou outro valor, para a finalidade desse trabalho, será usado o modelo 6-D de Hofstede e a análise feita a nível do GLOBE study.

3.1. Geert Hofstede O modelo 6-D de Geert Hofstede analisa basicamente seis elementos. São estes: o Power Distance, Individualism, Masculinity, Uncertainty Avoidance, Long Term Orientation e Indulgence. (Hofstede, 2016) Para o caso analisado, o argentino, eis os números em comparação com o caso português:

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Relativamente ao primeiro vetor, Power Distance, querendo dizer em termos mais simples a maior ou menor aceitação do facto de os indivíduos serem desiguais. No caso da Argentina esse elemento é aceito. Isto é, a cultura argentina valoriza o status de um indivíduo. Segundo Hofstede “In this society status should be underlined. Appearance is very importante” (2016). Ainda segundo o investigador, esses valores para essa dimensão podem ser justificados pela grande onda migratória que se deu na Argentina por volta do início do século XIX. No que concerne o Individualism, pode-se observar no gráfico que se trata de uma sociedade mais individualista que Portugal, por exemplo. Como é lógico, dado os valores revelados para a dimensão anterior. Embora essa se mantenha mais ou menos a meio, entre sociedades mais individualistas e sociedades mais coletivistas. A “Argentina is, by far, the most individualista of all Latin countries” (Hofstede, 2016). No que toca a terceira dimensão, Masculinity, quer dizer que uma sociedade mais masculina é aquela que valoriza a competitividade, o ‘ser o melhor’, busca o resultado 9

final como prémio, enquanto que uma sociedade feminina ou menos masculina, valoriza a melhor qualidade de vida, o ‘gostar do que faz’ e não necessariamente ser o melhor. A Argentina marca 56 pontos nessa dimensão, significando que a sociedade é levemente mais masculina que feminina. Hofstede ao analisar essa dimensão relativamente a Argentina descreve ainda uma curiosidade que sublinha a competitividade que existe nessa sociedade. Na dimensão Uncertainty Avoidance Portugal supera a Argentina, marcando 99 pontos enquanto a Argentina marca 86. Isso significa que culturalmente os portugueses preferem ‘jogar pelo seguro’ mais que os argentinos. Ou por outras palavras, pode-se dizer que os argentinos arriscam mais que os portugueses. O que mesmo assim, não deixa de ser muito alto quando comparado a generalidade das culturas analisadas por Hofstede. Este assinala ainda que a Argentina alinha com os demais países latino-americanos de proveniência do Reino da Espanha. Esse tipo de sociedade tem uma grande necessidade de ter regras, de ter normas que regulem suas vidas, contudo, esse aparato legal não é forte o suficiente, visto que a corrupção, o mercado negro e o ilícito são quase que características dessas sociedades. Essas sociedades que demandam regras acabam por gerar um mar de regras que quando corelacionadas tornam pesado e complexo o aparelho jurídico de forma que para cada lei exista uma outra que justifique de alguma forma a sua transgressão. (Hofstede, 2016). A orientação a longo prazo, no caso argentino, não é a longo prazo. Sendo na verdade, uma orientação a curto prazo. Isso por que como observável no gráfico a Argentina marca apenas 20 pontos. Porém, essa imagem se repete nos demais países latino-americanos, com exceção apenas do Brasil, que parece ter uma orientação a médio prazo. Hoftstede acrescenta que pessoas em sociedades que valorizam pouco uma orientação a longo prazo tendem por valorizar as tradições mas que têm pouca inclinação para guardar para o futuro e têm uma orientação para estar focado no resultado rápido. No último elemento analisado pelo modelo 6-D de Hofstede, a Indulgence, a Argentina ao contrário de Portugal tem uma alta marca com 62 pontos. Para explicar essa dimensão pode-se usar as palavras do autor: “This dimension is defined as the extent to which people try to control their desires and impulses, based on the way they were raised. Relatively weak control is called ‘Indulgence” (Hofstede, 2016). Isso significa que com a classificação obtida, a Argentina pode ser considerada uma sociedade que se prendem pouco e que cedem ao impulso do que querem fazer ‘aproveitando a vida’ e ‘se 10

divertindo’. Pode-se ainda considerar que estes têm uma forma otimista de encarar a vida e valorizam o prazer.

3.2. GLOBE study O projeto GLOBE foi um estudo realizado que teve como objeto de estudo a dimensão cultural de cerca de 62 países e que destacou nove dimensões culturais. Sendo essas: Performance Orientation, Institutional Colletivism, Gender Egalitarianism, Uncertainty Avoidance, tal e qual como no modelo de Hofstede, In-Group Colletivism, que pode ser comparado a dimensão individualism de Hofstede, Future Orientation, Humane Orientation, Assertiveness e Power Distance. (Cornelius, 2009) Como observado, algumas dessas dimensões são iguais as destacadas no modelo de Hofstede, As dimensões estudas pelo GLOBE acabam por não ter impacto só no que é analisado, mas acaba por desenhar novas dimensões, como por exemplo, forma de liderança. A partir desse estudo foi destacado duas formas de liderança: Autonomous leadership e Selfprotective leadership. Sendo que a primeira é caracterizada pelo grau de independência de superiores e um alto grau de independência dos subordinados e uma tendência por trabalhar sozinho. Sendo que essa dimensão mostra ter resultados favoráveis em países do leste europeu, e alguns países germânicos. Por outro lado, se mostra ineficaz na generalidade das sociedades latino-americanas, tendo como única exceção a Argentina. Isso também se mostra de acordo com outros dados já revelados por estudos como o de Hofstede, que aponta o individualismo como característica desse país. Esse contraste com o resto da América Latina pode ser justificado pela vaga imigrante que acabou por ser um input de peso para o definir da atual sociedade platina. No que toca a dimensão de Performance Orientation a Argentina mostra ter uma pontuação alta de 6.20 (numa escala até sete) o que a coloca junto com o grupo de países com maior pontuação nesse quesito. Mostrando ser então um país que valoriza a competitividade, tendo apenas quatro países latinos a sua frente. (House, Hanges, Javidan, Dorfman, & Gupta, 2004). No quesito Assertiveness a Argentina também fica no primeiro grupo de colocados. O que pode ser considerado normal se considerarmos outras variáveis como o ‘evitamento do desconhecido’. Sendo que mesmo nesse quesito, os modelos GLOBE e o 6-D 11

convergem. Ou seja, no modelo 6-D a Argentina aparecia com uma pontuação de 86 pontos, considerado muito alto e no GLOBE aparece no segundo grupo de maiores ‘evitadores’ de incerteza. De forma geral os traços que caracterizam a sociedade argentina, seja pelo GLOBE ou pelo modelo 6-D estão em concordância e através dessas dimensões destacadas pelos modelos observados, tem-se uma melhor ideia de como a sociedade se comporta. No caso do projeto GLOBE foi ainda mais elucidativo a questão do líder, visto que observou-se existir pelo menos dois tipos de liderança e que curiosamente a Argentina não se comporta como os seus vizinhos, mas mais como os países europeus que estiveram na base da construção da sociedade, não só por causa das razões de origem coloniais, mas pela vaga de imigrantes europeus que foram acolhidos, nomeadamente em Buenos Aires.

4. Viveza Criolla Em meio da entrevista com o Professor Marcelo Moriconi Bezerra, este menciona viveza criolla, pelo que após maiores explicações veio a se saber que esse é um elemento na sociedade argentina que pode ser considerado um elemento émico da sociedade argentina. A viveza criolla quer dizer, segundo o professor, “Utilizar todos os recursos para estar mesmo no limite da legalidade ou inclusivamente, superar a legalidade. Mas fazer parecer que nada aconteceu.” (Bezerra, 2016). Outra definição encontrada foi a seguinte: “Dícese de la habilidad de caer siempre bien parado, en lo posible dejando mal parado al otro.” (Toledo, 2010) Esse princípio como modus vivendi argentino é bastante criticado por alguns, como se pode observar em: “Un grave defecto moral y cultural, [a viveza criolla] con origen y predominio en Buenos Aires, afecta a la sociedad argentina y se convirtió en factor principal de su retroceso y de crisis sucesivas, que llevaron a la desaparición de la justicia social, a la dependencia económica y a la pérdida de la soberanía política” (Latin American Studies, 2016) Sendo que outros também criticam a viveza criolla, alguns até falam que esse tipo de viveza não só afeta a sociedade mas também a economia, como é o caso de (Hepp, 2016).

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5. Conclusão A argentina, tal como qualquer país, como qualquer sociedade, tem o seu lado positivo e o seu lado negativo. Quando se pensa na Argentina, temos algumas ideias préestabelecidas que nos ajuda a termos mais dados relativos ao país, contudo, nesse caso em especial, essa prática se torna perigosa. Isso porque, em termos gerais quando se olha para a América Latina, tem-se a ideia de um grupo homogéneo de países. Esse trabalho veio mostrar em diversas dimensões que embora historicamente exista um vínculo entre esses países, a Argentina se distingue numerosas vezes relativamente a outros países latino-americanos. Esse país teve uma história que em muitos momentos foi semelhante ao Brasil, por exemplo, quanto aos inputs mas que tiveram outputs diferentes. Isso reflete que a América Latina é mais heterogénea que se considera e que a forma de digerir determinados eventos, processos, acontecimentos são diferentes. Contudo, e à imagem do que aconteceu na Europa, muitas vezes um fenómeno passa de país para país. Na América Latina a onda de independências teve lugar mais ou menos no mesmo período, a vaga de governos militares ocorreu mais ou menos ao mesmo tempo em diversos países da América Latina, a vaga de governos esquerdistas surgiu mais ou menos na mesma época, todavia o que saiu desses eventos nem sempre foram iguais. Neste plano, é evidente o caso do acolhimento de imigrantes europeus. No caso do Brasil pode-se dizer que a sociedade brasileira foi menos afetada comparativamente com a sociedade argentina. Esse movimento migratório quase que pode ser considerado um ponto elementar para a Argentina se tornar aquilo que veio a se tornar, pois veio influenciar no comportamento coletivo e por vezes individuais da sociedade. Relativamente à questão que foi colocada no início dessa investigação, o líder argentino: pode-se dizer que o líder argentino está muito bem assente numa lógica paternalista. Notase isso claramente na história dessa sociedade, e principalmente na história política, em que sempre ou quase sempre existiu um líder que carregou o país. José de San Martín foi o primeiro a ter esse papel, e ainda é considerado o pai da pátria. Posteriormente outros líderes desempenharam o mesmo papel. Ainda para sustentar essa premissa, o professor Bezerra argumenta: “A Argentina é uma sociedade que acham que o líder tem sempre

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que ter uma prédica paternal. ‘Que está a tomar conta de nós de alguma maneira” (Bezerra, 2016). Outro traço que pode ser determinante para caracterizar como a liderança é vista na Argentina é que o status é altamente valorizado, é muito levado em consideração. (Hofstede, 2016) defende mesmo que é importante estar num bom hotel, ter um relógio valioso em sociedades como a argentina. É importante ter em conta que essa é uma sociedade considerada ‘masculina’ pelo modelo 6-D o que significa que valoriza a competição, a concorrência, o alcançar objetivos, o conquistar, assim, é importante ter em consideração qual é o melhor posicionamento face a um líder que tem essas características. Baseado nos modelos apresentados, pode-se dizer que essa é uma sociedade, por um lado, conservadora, aprecia as tradições. Por outro, mesmo sendo uma sociedade conservadora, a “bolha de privacidade [é] pequena e a proximidade física durante a conversa é grande” (Amaral, 2000). Contudo a Argentina continua tendo traços latinos e por isso vê-se algumas características latinas que também se aplicam à Argentina. Por exemplo, o facto de que a personalização é muito importante ao fazer um negócio com um líder argentino. Isto é, se tornar amigo do decisor é muito importante. Ter um enchhufado ou um intermediário local é importantíssimo para o sucesso de qualquer negócio. É uma sociedade mais formal que o Brasil, por exemplo, por isso deve-se ter atenção à etiqueta social. Com a presente análise foi descortinado algumas questões e reforçou-se a heterogeneidade da América Latina, com aquele que pode ser um dos melhores exemplos para tal, a Argentina. A questão da liderança, como é vista, o que esperar de um líder e o que a sociedade valoriza mais ou menos foi descrita de modo que se acredita ter percebido quais são alguns dos elementos que se deve ter em atenção ao lidar com um líder argentino ou ao lidar com a sociedade argentina, sendo que o paternalismo, entre outros elementos, parece ser uma marca clara na liderança argentina. A viveza criolla foi encarada como elemento emico, ou seja, elemento único e distintivo da sociedade argentina. Não sendo um elemento que caracterize formalmente o argentino, mas que sendo um elemento emico tem grande relevância.

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5.1. Entrevista

Eu sou argentino, estudei na Argentina, tirei o curso de periodista, fui para a Espanha. Depois de jornalista veio a parte académica. Tirei o doutoramento em Espanha e passei a vida académica. Tive em Londres, México e agora aqui [Lisboa], não há muito tempo. Por tanto também […] tenho o tema da liderança em três sentidos. No sentido de o país onde nasci, aquela coisa que vejo ou do ponto de vista do jornalismo […]. Onde entrevistei líderes de diferentes sectores, em questões económicas, política e depois com o tema da ciência política, claro que estive mais ligado a questão política. Quais são as características que o Professor atribui a líderes portugueses? Eu acho que a liderança [,,,] em Portugal, não sei, uma coisa que eu vejo, isso saindo da análise científica, eu vejo […] uma sociedade bastante conservadora em algum sentido. Sempre se fala que a Europa é uma sociedade que está a envelhecer. Uma sociedade de gente velha mas no entanto, o que se vê por exemplo, na política portuguesa é que: não é só que está a envelhecer mas que não há lugar a líderes novos. Tivemos uma candidatura presidencial agora, por exemplo, de alguém que falava da renovação, falava de todas as mudanças na política mas que vinha de 1975. Tens líderes de partidos como o do Partido Comunista que já vem quase desde 1975. Incrível. Não há renovação. Acho que isso é uma coisa que se vê com aquela tentativa do que foi feito em Espanha com o tema da crise. Movimentos sociais, surgimento de novos partidos, com Syriza na Grécia, Podemos! Na Espanha. Aqui foi impossível. Você pode me falar que se tentou mas não se criou. Isso porque não está dadas as bases para essa questão. Há uma liderança muito conservadora em Portugal nesse sentido. Há certo elitismo, aquelas famílias, aqueles nomes são sempre os mesmos […]. Há uma questão de liderança tradicional. Você acha que esses elitismos nas lideranças só se aplicam aos partidos políticos? Eu acho que uma coisa que surpreende aqui é isso, a continuidade da figura do líder, mas que não está mal, ou seja, claro que tem líderes históricos mas o que vejo em Portugal é a continuidade. Que as vezes as lideranças tradicionais são um grande obstáculo e por vezes um impedimento para o surgimento de outras lideranças que em sociedades mais

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abertas, é o que pode acontecer. Uma questão que se vê aqui, foi por exemplo, aquela rutura, em termos políticos, dentro do partido socialista entre José Seguro e António Costa. Uma coisa que aparece permanentemente na mudança de liderança é a tradição. […]. É uma sociedade que, pode até haver agora algum tipo de mudança que possa vir a afetar a compreensão da liderança mas acho que por enquanto é uma liderança muito tradicional. Comparando isso com a América Latina, se calhar há esse tipo de liderança mas num outro sentido, ou seja, lá a liderança é muito funcionalista-paternalista. Num sentido do clientelismo. ‘O líder tanto é enquanto me serve’ mas nesse sentido o líder é líder a vida toda. O liderado é quase um escravo do líder. […] O que se viu no início do século XXI, com isso que aparentemente foi uma mudança a esquerda, a emergência de governos muito personalistas, muito fechado na figura do líder como Chavez, Evo Morales, os Kichiner, e foi essa coisa de novos líderes que emergem do descredito. A pouca confiança na dirigencia tradicional faz emergir novos líderes. E o que se viu é que esses processos estão a acabar em alguns casos ou estão a colapsar essa coisa de como olhamos ante o muito pouco benefício adquirido. […] Na América Latina é mais uma liderança ideológica que está sustentada nos benefícios que eu tiro do líder e quando o líder deixa de ser o líder, eu posso escolher outro líder. […] O problema é que gera essa relação de paternalismo, clientelismo no sentido de patrão cliente. O líder sabe que para se manter líder tem que dar mas tem que ter os seus apoiantes numa posição de que continuam a precisar. Então o líder abusa dos seus apoiantes, isso por que ele por um lado tenta dar, mas por outro lado ele usa desses apoiantes? Sim, há um usufruir mesmo dos lados dos clientes, podem achar que é um ‘ganha-ganha’, hoje estamos ganhando, mas a realidade é que para a relação de líder e apoiante se mantenha é que os apoiantes têm que continuar sendo apoiantes, não podem ser líderes. Essa matriz de liderança tem sido um bocado como um lastre cultural para o desenvolvimento da América Latina. As grandes elites continuam a ser as mesmas. […] O povo tem que receber as gotinhas para continuar sendo ‘povo’. O líder dá para que não se exploda tudo, mas dou o suficiente para que tudo continue igual. De forma genérica, o que é esperado de um líder argentino, quais seriam as características pessoais de um líder argentino?

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O carisma é muito importante, a presença física. A Argentina é uma sociedade que acham que o líder tem sempre que ter uma prédica paternal. ‘Que está a tomar conta de nós de alguma maneira’. É o dono da empresa, ‘mas pronto’, está a nos dar emprego e temos contrato precario, mas ele está a tentar melhorar. Hoje tem-se contrato precario mas estamos a fazer tudo para que no futuro possa ter uma melhor situação. Eu acho que se há uma relação muito interesseira, no sentido em que espera-se que o líder dê alguma coisa positiva. Imagina que eu vou fazer um negócio na Argentina. Que elementos podem ser facilitadores ou impeditivos? Ter dinheiro para pagar subornos. […] A questão da informalidade é conhecida na América Latina. Vai-se fazer negócio na Argentina, não se leva só a palavra. Tem que tirar crédito daquilo. Pode-se pensar na formalidade e na informalidade das negociações. E essa parte informal ganha tanto quanto quem abre portas e quem facilita como quem o comerciante. Você acha que a questão do suborno é mesmo importante para fazer negócios na Argentina? Não é tema só de pagar suborno, por que isso é aplicável a todo o mundo, mesmo a Alemanha. Mas já não é que se paga suborno. O que acontece é o sobre preço. […] e depois parte do dinheiro volta em campanhas políticas. Em Portugal existe a ‘cunha’, em Angola existe a ‘gazoza’, no Brasil existe o ‘jeitinho brasileiro’. O que você diria ser o Argentino? É mais ou menos como a ‘cunha’, cunha que se pode fazer em diferentes formas. Com o tema de refinarias, você provavelmente teria que ir no ministério do meio ambiente, ministério da industria, invés de ir formalmente ao ministério, vai ter sempre alguém que vai ser o vínculo. […] Sempre vai ter alguém, como diria na Argentina, a viveza criolla. […] O que é exatamente esse ‘viveza criolla’? É por exemplo essa coisa de […] um exemplo muito claro é o gol do Maradona com a mão. Utilizar todos os recursos para estar mesmo no limite da legalidade ou inclusivamente, superar a legalidade. Mas fazer parecer que nada aconteceu. Na 17

Argentina, a viveza criolla valoriza que, neste caso, mesmo todo mundo sabendo que o gol foi feito com a mão, o importante é que foi válido igual. É mais importante que todo mundo saiba que foi feito com a mão e que ganharam ao árbitro, mas que tudo ficou certinho. O importante é que: fez um gol com a mão e que foi válido. O Importante é que podemos ir ao lado de lá da legalidade e mesmo assim fica tudo bem. Colocando o foco nos liderados, o que você acha que é importante aqui em Portugal para ser considerado um bom funcionário, o que um líder aprecia? A lealdade num sentido que tem a ver com a tradição. Acho que uma lealdade seguindo as normas e as regras que são impostas pelo líder. Acho tem que impor qual é a normas a seguir. E uma relação tradicional paternalista. Pode-se ter a ideia de criar o novo […] e ficar milhonário mas se o líder disser que não é ‘por aí’, você está fora. Out of the vision. Na universidade por exemplo, se tu está a trabalhar com alguém e um Professor te convida a fazer um projeto e te apresenta a teoria e tu dizes ‘sabes que eu li que essa teoria diz isso, isso e isso’ o Professor responde que não estas a ler coisas boas. [o entrevistado continua a relatar tal situação].

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