\"Armamos uma ratoeira ao nosso imaginário\": entrevista com Ricardo Pais sobre \"Sombras\"

July 21, 2017 | Autor: Pedro Sobrado | Categoria: Theatre Studies, Teatro em Portugal
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“ARMAMOS UMA RATOEIRA AO NOSSO IMAGINÁRIO”

coisa que correspondesse, na medida do possível, à encomenda brasileira: uma incursão no território da nossa língua, aí incluindo o fado. Pensando nisso, ocorreu-me que seria engraçado brincar um pouco Entrevista com Ricardo Pais às nossas próprias histórias, ao nosso próprio sisPor Pedro Sobrado tema lendário, com remissões para a Castro, para a Pode falar um pouco sobre a génese deste espec- mitologia sebástica, etc. táculo, ou ela é tão longínqua que exigiria um As sombras que dão nome ao seu espectáculo grande esforço genealógico? A génese talvez seja, de facto, um tanto longín- começam por ser, portanto, os assombramentos qua… Mas valerá a pena dizer que, quando há um daquilo a que se convencionou chamar “portugaano estivemos no Brasil a apresentar o Turismo lidade”. Infinito, me perguntaram porque é que nós não São as coisas – temas, figuras, referências – que fazíamos um espectáculo de fado “a sério”. Ao que fantasmizam o nosso ideário e o nosso imaginário, respondi: “Mas já fizemos várias coisas de fado a nomeadamente o meu imaginário teatral. Temos, sério!” Referia-me não só àqueles felicíssimos cru- enquanto portugueses, um problema de autozamentos que fizemos com o Mário Laginha nas -identidade de que a melhor metáfora é o jogo de Raízes Rurais. Paixões Urbanas [1997] – e que me retratos do Frei Luís de Sousa… Mas reconheçamos parecem fazer a redenção daquilo a que miseravel- que alguns dos mitos ditos fundadores do nosso mente se chama “música de fusão” –, mas também imaginário popular ou colectivo configuram uma ao Cabelo Branco é Saudade [2005]. Seja como for, realidade algo artificial. O próprio fado é uma essa proposta dos nossos amigos brasileiros aconte- espécie de fenómeno mantido artificialmente. ceu porque a identificação do público de São Paulo A mitologia do fado, as referências do fado – do Macom o Turismo Infinito e com o Fernando Pessoa foi rialva à Severa, passando mais recentemente pelas absolutamente fascinante. E boa parte do fascínio femininas espigas do Alentejo ou pelos masculinos decorreu do facto de as pessoas ouvirem portu- cacilheiros do Tejo… –, tudo isso não diz efectivagueses a dizer Fernando Pessoa. Portanto, quando mente nada a ninguém. Já ninguém olha para as apresentámos o Turismo Infinito com a “escola” que gaivotas com enlevo ou comoção. Há muito tempo é a do Teatro São João – há que reconhecer que não que os nobres foram para a sacocha, como acontece é um grupo qualquer de actores que granjeámos no Ubu, e os que voltam são uns tesos pindéricos. para levar ao Brasil; é um conjunto de pessoas que Quem os representa são uma espécie de cantores tem vindo ao longo dos anos a exercitar como se de blazer, mais parecidos com agentes bancários diz e porque se diz e quanto se diz –, foi uma coisa do que com monárquicos de Sintra. Tudo isto é, de completamente hipnótica. Pela minha parte, acho facto, um fenómeno mantido artificialmente. Mas que se fazem poucas coisas “a sério” sobre o fado, a verdade é que propicia uma forma de canto que porque não há muito por onde fazer: o fado são três é nossa. Conseguiu o prodígio de convergir em Lisou quatro coisas; depois, é a imensa variedade da boa e, naquela cidade-cais, transformar-se na única interpretação. Ele tem os seus próprios circuitos e forma de canção urbana genuinamente portuguesa, meios e lugares. Mas a verdade é que fiquei a pensar mantendo-se ao mesmo tempo um território aberto naquilo muito seriamente. Como um projecto que o à experimentação musical, nomeadamente no que Fabio Iaquone tencionava fazer sobre mim (e que diz respeito à interpretação vocal. Nesse sentido, curiosamente começou por se chamar Sombras) foi sempre achei que, por muito que se fale do pathos suspenso, propus ao Nuno Carinhas fazermos uma do fado, do ritus do fado, do xamanismo do fado e

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