Arqueologia, ciência que ajuda o Brasil

July 18, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Archaeology, Arqueología, Arqueologia, Arqueologia Brasileira
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Arqueologia, ciência que ajuda o Brasil

Na cabeça de muitos brasileiros, a arqueologia é sinônimo de Indiana Jones. A ciência Arqueologia tem o seu glamour de Hollywood, mas na verdade, sua maior aventura está no desenvolvimento de diversas áreas importantes do saber. Seja a história, a antropologia, a anatomia, a gastronomia, o turismo, e principalmente em construir o real valor de uma sociedade, a arqueologia só contribui para o desenvolvimento de uma sociedade.

A Arqueologia é uma ciência que ajuda a construir a história através de artefatos e registros do comportamento social. A Arqueologia ajuda resgatar histórias perdidas. A Arqueologia ajuda entender o passado para constituir um futuro melhor. A Arqueologia ajuda preservar. A Arqueologia ajuda no desenvolvimento do turismo. E nesse ponto, o Brasil só tem a ganhar com a Arqueologia. O Brasil é um grande sítio arqueológico, de Norte a Sul, o país em todas as suas áreas e rincões têm diversas evidências do passado, que são grandes riquezas arqueológicas a céu aberto.

Nos últimos anos, a Arqueologia ganhou um corpo maior no Brasil, seja pela pesquisa e formação, como também pela própria legislação federal de proteção do patrimônio. Hoje praticamente as grandes obras públicas e privadas, dependendo da área de atuação, dependem de licenças arqueológicas, e com isso, independente do processo burocrático, significa proteção e registro do patrimônio histórico e arqueológico de uma determinada região.

A Arqueologia no mundo inteiro teve um desenvolvimento importante. Hoje existem grandes centros de estudos, e milhares de publicações científicas nos seus diversos ramos de estudos. Da pré história à arqueologia histórica, a ciência ganho um novo patamar, e com a tecnologia, um novo desenvolvimento.

O brasileiro precisa valorizar esta ciência. A Arqueologia só contribui com o desenvolvimento regional. Seja através do turismo, e principalmente da educação patrimonial. Muitas regiões no Brasil se desenvolvem a partir da Arqueologia. A mesma ajuda na economia e no

desenvolvimento social de diversas regiões carentes, com grandes sítios arqueológicos. A Arqueologia não pode ficar somente nos bancos escolares e museus, ela deve ser parte da sociedade.

O Blog EXAME conversou com um dos maiores especialistas em arqueologia histórica, o professor da Unicamp e arqueólogo, Pedro Paulo Funari. O professor Funari que tem uma grande experiência no segmento da arqueologia histórica, deu um panorama sobre a arqueologia e sua visão da ciência. Agora em janeiro de 2014, o professor Pedro Paulo Funari apresentará trabalho no Congresso Mundial de Arqueologia Histórica em Quebec, Canadá sobre os cenários da arqueologia na América Latina.

Professor Pedro Paulo Funari Professor Pedro Paulo Funari Brasil no Mundo: A história e a arqueologia ainda parecem estar muito distante do brasileiro. Como o senhor vê o atual cenário da arqueologia no Brasil? E, se compararmos com outras potências, como nossa arqueologia está posicionada?

Pedro Paulo Funari: A Arqueologia tornou-se relevante, para a sociedade brasileira, em particular a partir da democratização da sociedade brasileira. Com isso, temas ambientais e patrimoniais passaram a ser objeto de legislação. Todo tipo de obra, como construção de estradas, represas ou edifícios, exige uma avaliação de impacto ambiental e patrimonial. Isso levou a um desenvolvimento exponencial de áreas dedicadas a tais aspectos, incluindo, com destaque, a Arqueologia. Havia algumas dezenas de arqueólogos no Brasil, há trinta anos, e hoje são milhares. A pesquisa de campo, hoje, está em todo o país, com uma produção como nunca antes. O mercado de trabalho fornece oportunidades para iniciantes e escolados, com salários muito competitivos. Estamos muito bem posicionados em relação a países com renda per capita similar e mesmo se compararmos com algumas potências, que enfrentam dificuldades em temas ambientais e patrimoniais. Houve, portanto, um ganho considerável.

Brasil no Mundo: A arqueologia brasileira tem muito dos estudos indígenas e também de pré história. O senhor é um dos grandes desbravadores da chamada Arqueologia Histórica. Como este ramo da arqueologia está se desenvolvendo no Brasil? Quais os grandes estudos?

Pedro Paulo Funari: Hoje, a grande maioria das pesquisas, tanto na academia, como no âmbito empresarial, são de Arqueologia Histórica, referente ao período posterior à chegada dos colonizadores europeus (1500 em diante). Isso é explicado por um par de motivos. Por um lado, a grande maioria dos vestígios materiais referem-se aos últimos quinhentos anos. Além

disso, esses restos estão em relação direta com a nossa sociedade atual. A expansão capitalista que vivemos já estava lá nos primórdios da colonização, com as trocas de mercadorias entre Europa, África, Ásia e América. Também as relações patriarcais e patrimoniais já estavam lá e continuam a nos caracterizar, assim como o autoritarismo e as desigualdades sociais. Isso ajuda a explicar o apelo da Arqueologia Histórica, que mostra que nossas agruras, e méritos, são mais antigos do que se costuma imaginar.

Brasil no Mundo: Nos grandes centros de pesquisas referente à arqueologia mundial, como o Brasil participa das pesquisas e estudos? E o quanto o Brasil é foco de estudos internacionais?

Pedro Paulo Funari: O Brasil continua marginal, poucos sabem que existimos, em qualquer área e aspecto, o que não surpreende, pois somos muito menos populosos que a Índia, com produção bem menor do que a China. Nosso idioma não é falado por tanta gente. Mesmo assim, o Brasil ocupa hoje um espaço na Arqueologia mundial bem acima do seu peso. Autores brasileiros têm publicado livros em inglês e outros idiomas, organizado enciclopédias, participado da gestão das principais entidades, como o Congresso Mundial de Arqueologia e a União Internacional de Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas. Em algumas áreas, como na Arqueologia Histórica, o Brasil tem se destacado, em particular em temas originais como Arqueologia da Repressão (Escravidão, revoltas, ditaduras e resistência). O Brasil tem sido foco de atenção nesses temas, como grande laboratório das pesquisas arqueológicas da repressão e da resistência.

Brasil no Mundo: Diferente do que muitos brasileiros pensam, a arqueologia no Brasil tem um vasto campo de atuação. Quais as grandes barreiras, ou dificuldades que a ciência e os arqueólogos sentem para o desenvolvimento da arqueologia no Brasil?

Pedro Paulo Funari: Dificuldades há em tudo na vida. Ainda mais no Brasil, cujas características históricas e culturais dificultam, em muitos aspectos, o florescimento de talentos e de atividades criativas. As principais dificuldades relacionam-se a questões estruturais e históricas. O Brasil esteve desde sua constituição como periferia do sistema mundial, o que dificultou o desenvolvimento cultural e econômico (ou vice-versa) do território. Além disso, também desde sempre a sociedade foi muito desigual e, ainda hoje, continua a ser uma das mais desiguais do mundo. Isso afeta tudo, todas as ciências e a Arqueologia também. As barreiras para a Arqueologia estão nessa situação pouco propícias para a democratização da cultura. As grandes obras, por imposição democrática, devem ser objeto de pesquisa arqueológica, o que é muito bom e resultado da luta pela democracia. Mas, há poucos mecanismos que permitam a popularização da pesquisa arqueológica, de modo que, ainda hoje, poucos conhecem o passado e, menos ainda, a materialidade desse passado. O número de universitários no Brasil não para de crescer, mas ainda são apenas 15% dos jovens, ante uma imensa maioria na Coréia. Essa é uma barreira para o desenvolvimento da Arqueologia: a

pouca ênfase na educação em nosso país. Mas, é um problema que transcende em muito a disciplina, é da nação.

Brasil no Mundo: Na sua opinião, quais as grandes agendas da arqueologia brasileira atualmente?

Pedro Paulo Funari: São várias, a começar pela sua inserção nos grandes debates sociais contemporâneos. A Arqueologia da Repressão e da Resistência, relativa às ditaduras recentes (1937-1945 e 1964-1985), a Arqueologia Pública, ou seja, a popularização do conhecimento arqueológico para todos, são os grandes temas. Mas, questões nacionalistas continuam muito importantes, em particular quanto à antiguidade dos vestígios humanos, na Serra da Capivara, com a Niède Guidon, ou da Luzia, Walter Alves Neves, o biólogo da USP.

Brasil no Mundo: Agora em Janeiro de 2014, o senhor participará da Conferência Mundial de Arqueologia Histórica em Quebec, Canadá, com apresentação de palestra sobre o tema: Arqueologia Histórica, um perspectiva a partir da América Latina. Quais serão os grandes pontos e objetivos de sua palestra?

Pedro Paulo Funari: De fato, será numa sessão sobre os rumos da disciplina, com a participação de estudiosos de todos os continentes. Lúcio Menezes Ferreira, professor da UFPel, e eu escrevemos um estudo sobre a América Latina, no qual ressaltamos nossas contribuições específicas, que se relacionam com os direitos humanos e com a atualidade. A América Latina tem estado na dianteira em temas como democracia e ditadura, repressão, autoritarismo, mas também popularização do estudo da cultura material. Temas como a transculturação, ou mestiçagem, tem tido atenção mundial e a América Latina destaca-se nessas questões.

Brasil no Mundo: Muitos brasileiros ainda têm em mente a imagem de Indiana Jones sobre a arqueologia. O mesmo ajuda ou atrapalha a real função da arqueologia?

Pedro Paulo Funari: Quem não se deixa encantar pela aventura? Não é possível desvencilhar a Arqueologia desses sentimentos, desde o início, no século XIX, até hoje. Portanto, não é o caso de ajudar ou atrapalhar, mas de constatar a importância histórica dessa associação da Arqueologia com a aventura. Mas, isso pode ser enganoso. A Arqueologia é, em 99% do tempo, uma atividade árdua, tanto em campo como no gabinete, com muita leitura e reflexão e muito pouco glamour. Mesmo assim, a aventura nunca está muito longe, mesmo na pesquisa mais sofisticada e estranha.

Brasil no Mundo: Em tempos de Copa do Mundo e Olimpíadas, como a arqueologia pode ajudar o desenvolvimento do turismo no Brasil?

Pedro Paulo Funari: A Arqueologia é um vetor turístico de primeira ordem em diversos países, como o Egito, a Itália, o México ou o Peru, para citar alguns apenas. No Brasil, a Arqueologia é, ainda, marginal no turismo, mas o potencial não é pequeno, em particular pelo interesse crescente das pessoas em conhecer mais sobre si mesmas. A Arqueologia apresenta objetos sobre os antigos colonizadores, sobre os que lutaram pela liberdade, tudo isso pode atrair turistas do Brasil e do mundo.

Brasil no Mundo: Quais são os seus próximos projetos?

Pedro Paulo Funari: O CNPq acaba de aprovar um projeto sobre divulgação da Arqueologia para o grande público, com a publicação de livro para crianças e oficinas com estudantes. Além disso, temos um pesquisa com a Vanderbilt e UFPel para estudo dos quilombos nas charqueadas gaúchas. No âmbito da Arqueologia Clássica, o estudo da economia antiga tem resultado em livros e artigos e conta com apoio também do CNPq e da Universidade de Barcelona. Como distinguished lecturer de Stanford, as pesquisas giram em torno das identidades étnicas e com Cuba as investigações caminham pelas discussões da mestiçagem. São, assim, muitas frentes e diversas parcerias, todas sob o signo da relevância social da disciplina.

Pedro Paulo Funari é bacharel em História (1981), mestre em Antropologia Social (1986) e doutor em Arqueologia (1990), sempre pela Universidade de S. Paulo, livre-docente em História (1996) e Professor Titular (2004) da Unicamp. Professor de programas de pós da UNICAMP e USP, Distiguished Lecturer University of Stanford, Research Associate – Illinois State University e Universidad de Barcelona, atual líder de grupo de pesquisa do CNPq, assessor científico da FAPESP, foi colaborador da UFPR, UFPel, docente da UNESP (1986-1992) e professor de pós-graduação das Universidades do Algarve (Portugal), Nacional de Catamarca, del Centro de la Provincia de Buenos Aires e UFRJ. Supervisionou 13 pós-doutoramentos, 29 doutoramentos, 34 mestrados, hoje destacados pesquisadores e líderes em instituições de prestígio (Université de Mulhouse, UNICAMP, USP, UNESP, UFF, UFMG, UFPR, UFRJ, MASJ, UEL, UFPel, UCS, UEMG, UEM, UMESP, Uniplac, PUCPR, FESB, UNIFAP, UFS, UNIP, Unifesp, U. Einstein de Limeira, UFG, UFBA, UNIFAL, UFMA, UFPA, UFV, Museu Nacional da UFRJ, UEG, UFPE, Museu da Bacia do Paraná, Unip). Na Unicamp, Coordenador do Núcleo de Estudos Estratégicos (2007-2009), representante do IFCH na CADI (2005-2009), membro da CAI/Consu (2009), Assessor do Gabinete do Reitor e Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp (2009-2013), apresentador do programa da RTV Unicamp “Diálogo sem fronteira”,

desde 2011. Participa do conselho editorial de mais de 50 revistas científicas estrangeiras e brasileiras. Publicou e organizou mais de 80 livros e reedições e de 215 capítulos nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália, Áustria, França, Holanda, Itália, Espanha, Argentina, Colômbia, Brasil, entre outros, assim como mais de 545 artigos em mais de 130 revistas científicas estrangeiras e brasileiras arbitradas, como Current Anthropology, Antiquity, Revue Archéologique, Journal of Social Archaeology, American Antiquity, American Journal of Archaeology, Dialogues d’ Histoire Ancienne. Foram publicadas mais de 70 resenhas de seus livros, mais de 30 delas em revistas estrangeiras de ponta. Projetos conjuntos com pesquisadores estrangeiros resultaram na visita de numerosos estudiosos, das principais instituições de pesquisa do mundo (Universidades de Londres, Paris, Saint Andrews, Boston, Southampton, Durham, Illinois, Barcelona, Havana, Buenos Aires, Londres, CNRS). Co-editou enciclopédias como Encyclopaedia of Historical Archaeology, Oxford Encyclopaedia of Archaeology e Encyclopaedia of Archaeology (Academic Press). Participou de mais de 400 eventos e organizou mais de 115 reuniões científicas. Foi Secretary, World Archaeological Congress (2002-2003), membro permanente do conselho da Union Internationale des Sciences Préhistoriques e Protohistoriques (UISPP) e sócio da ANPUH, ABA, SAB, SBPH, SHA, SAA, WAC, ABIB, AAA, Roman Society, académico estranjero de la Academia de Historia de Cuba desde 2013. Líder de Grupo de Pesquisa do CNPq, sediado na Unicamp e vice-líder de dois outros grupos. Editor de coleção de livros com 33 volumes, a maioria com apoio da FAPESP, CNPq, CAPES, FAPEMIG e UNICAMP. Tem experiência na área de História e Arqueologia, com ênfase em História Antiga e Arqueologia Histórica, além de Latim, Grego, Cultura Judaica, Cristianismo, Religiosidades, Ambiente e Sociedade, Estudos Estratégicos, Turismo, Patrimônio, Relações de Gênero, Estudos Avançados.

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