Arqueologia das ruínas na serra do Piloto, Mangaratiba (RJ), laudo técnico para o IAB_2012

September 28, 2017 | Autor: Ulisses Cyrino Penha | Categoria: Arqueologia Histórica
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SÍTIO ARQUEOLÓGICO RUÍNAS DA SERRA DO PILOTO

LAUDO TÉCNICO GEOLÓGICO








ULISSES CYRINO PENHA
MARÇO DE 2012



















INTRODUÇÃO

A convite do Instituto de Arqueologia Brasileira, o autor visitou nos dias
17 e 18 de março o sítio histórico Ruínas Serra do Piloto. Acompanhado da
arqueóloga Marcelle Mandarino e do auxiliar Cláudio, desta instituição,
foram levantados dados de campo que, espera-se, venham contribuir para o
entendimento da história ocupacional do sítio, especialmente no tocante à
funcionalidade da área interna da muralha (Foto 1). Após terem sido
mostrados ao autor a setorização do sítio, os trabalhos de evidenciação das
estruturas construtivas e as escavações realizadas, foram feitos
caminhamentos geológicos, bem como quatro sondagens manuais com escavadeira
articulada na área da muralha.


OBJETIVOS

Caracterização sucinta do meio físico do sítio e entorno (geologia e
geomorfologia) e do perfil de solo na área da muralha. Espera-se auxiliar
na questão colocada pelos arqueólogos do levantamento: a que propósito
serviria o represamento de água no interior da muralha?


CARACTERIZAÇÃO DO MEIO FÍSICO

Em termos gerais, o relevo do sítio e de seu entorno é acidentado, com
morros abaulados e encostas de declividades moderadas a suaves. Uma pequena
parcela das porções mais elevadas do terreno contém afloramentos de rochas
gnáissicas (foto 11), ao passo que nas médias e baixas encostas são mais
freqüentes matacões e blocos deslocados de sua posição original por
processos erosivos.

Os tipos litológicos observados são dois. Predominam largamente os biotita
gnaisses bandados de coloração clara, com granulação fina a grossa,
contendo frequentemente fenoblastos de feldspato. Os gnaisses ocorrem em
clastos desde a dimensão de seixos até matacões com mais de 2 metros,
subarredondados, ponteando a paisagem sobre solos coluvionares arenosos bem
drenados. Pouco comuns são rochas ígneas máficas de granulação fina como
diabásio, alteradas na forma característica de esfoliação esferoidal (fotos
4, 7 e 9), observadas próximo à área interpretada com possível sede de um
moinho e na sondagem 4, internamente à muralha.

O manto de intemperismo não é espesso, e ainda que as sondagens não tenham
atingido a rocha sã, em corte de barranco na estrada asfaltada pode-se
estimar sua espessura, de ordem inferior a 10 metros (foto 20).

O solo no topo dos morros e encostas é predominantemente arenoso, bem
drenado, de cor clara e com horizonte delgado de matéria orgânica devido à
intensa remoção da cobertura vegetal. Constituem exceção as raras manchas
remanescentes de Mata Atlântica (fotos 1, 5 e 20) e a pequena zona de
várzea da drenagem que passa lateralmente ao cemitério das Alminhas, onde a
maior umidade e a presença de raízes permitiram a fixação de argilo-
minerais e um maior desenvolvimento do horizonte rico em húmus. Embora não
tenha sido sondada, depreende-se um solo argiloso e úmido nesta drenagem
pela presença de monocotiledôneas higrófilas, como zingiberáceas (açucenas)
e poáceas de pequeno porte.

São dois os vales fluviais da área, um situado nas proximidades do
cemitério mencionado, pouco entalhado, e outro de maior porte, com água
corrente e encaixado (foto 6), posicionado entre a muralha e o dossel de
Mata Atlântica externa, posicionada a norte e nordeste do sítio.

As interferências antrópicas na paisagem mais significativas são:

1. A Estrada do Sertão, que corta o sítio no sentido RJ 149/Serra do
Matoso;
2. Pastagens e uso de máquinas pesadas no preparo do solo;
3. Os cortes e aterros que entalharam parte das encostas; e
4. A remoção quase que completa da vegetação do sítio e de seu entorno, o
que inclui as margens das duas drenagens citadas.

Admitindo-se que os itens 3 e 4 acima sejam intervenções ocorridas em
tempos históricos, elas contribuíram para a não retenção dos sedimentos
finos que constituíam o horizonte superior do terreno, expondo o solo
arenoso e incrementando sua movimentação e dos matacões rochosos topografia
abaixo.


O SOLO NO INTERIOR DA MURALHA

Foram efetuadas quatro sondagens com escavadeira articulada manual no
interior da área da muralha, visando averiguar a natureza do solo. As
sondagens foram dispostas segundo as direções N25oE e N65oW (figuras 1 e
2), e suas profundidades oscilam de 1.20m a 1.70m, todas finalizando em
material úmido, contudo sem atingir o bedrock (rocha gnáissica in situ). As
descrições sedimentológicas de campo foram balizadas por mudanças na
coloração, natureza e/ou granulometria dos sedimentos, tendo sido coletadas
amostras em duas sondagens.

Sintetizando o observado nas sondagens, o perfil de solo compreende
essencialmente areia média a grossa, angulosa e muito rica em quartzo,
contendo fragmentos de biotita gnaisse (comuns) e de diabásio (raros, foto
4) com até 25 de diâmetro, além de fragmentos centimétricos de quartzo de
veio. Clastos destas dimensões e areia angulosa caracterizam um solo
coluvionar com transporte curto de material durante chuvas fortes. Matéria
orgânica associada a areia foi constatada nas sondagens 1, 2 e 3 em uma
profundidade de 0.7-1.30m, indicando atividade humana, reforçada pela
presença de fragmentos milimétricos de carvão nas sondagens 1, 2 e 3, e de
cacos centimétricos de telha nas sondagens 1 e 2. A presença de argila está
restrita à base dos perfis sondados, em associação com hidróxidos de ferro
ocre (limonita) e envolvendo os grãos angulosos de quartzo.

O percentual observado de argila associado à areia existente na base da
porção sondada, estimado visualmente entre 5 e 10%, é possivelmente
suficiente para reter água de chuva em uma depressão confinada, contudo o
seu posicionamento estratigráfico deveria ser próximo à superfície e não
basal à camada arenosa. Isto porque seria necessário encharcar, saturar de
água toda a camada arenosa porosa superior (~1.50m), para em seguida
acumular-se água na forma de um pequeno lago.

Há uma segunda evidência, necessária, e que não foi constatada pela
sondagem: a formação artificial, antrópica, de um horizonte de areias finas
e siltes, de sedimentação esperável no fundo de lâminas d'águas de ambiente
lacustre sujeito a chuvas. Este horizonte deveria ocorrer acima do
horizonte arenoso mal selecionado natural, geológico.

Os dados de campo não negam a possibilidade de ter ocorrido, nas estações
chuvosas e por períodos imediatamente posteriores a elas, um aporte de água
pluvial da média-alta encosta por canalização para o interior da muralha e
seu uso como água corrente. A interpretação aqui apresentada somente
discorda da existência de uma lâmina d'água (lago) perene na porção mais
deprimida do espaço interno da muralha, a partir dos locais sondados.

















Figura 1 – Croquis da área sondada, incluindo drenagem a norte da muralha.
Os números 1, 2 3 e 4 referem-se aos pontos sondados.


Figura 2 – Perfis topográficos expeditos secionando a depressão interna à
muralha, com localização das escavações do IAB e das sondagens do presente
laudo. Notar presença de matacões gnáissicos no terraço de aluvião do
perfil inferior.



A HIPÓTESE DA FUNCIONALIDADE DA MURALHA

Foi aventada pelo arqueólogo Divino de Oliveira (inf. verbal de Marcelle) a
hipótese da existência de um canal antigo de água a partir do morro situado
a sudeste do sítio. Este canal teria alimentado o moinho citado (foto 18) e
a área interna da muralha. Corroboram parcialmente esta hipótese o sulco
artificial verificado na média-alta encosta situada a sudeste do sítio
(foto 19) e a passagem de água fluvial de cantaria (foto 17) evidenciada
pelo IAB na base do talude cortado (foto 10).

Ainda que faltem evidências de campo que comprovem o local da bifurcação
deste canal de água, de modo a ter alimentado as áreas da muralha e do
moinho, estas podem ter sido destruídas em tempos recentes pela estrada de
rodagem e por terraplenagem próxima à escavação que expôs a passagem de
água fluvial da foto 17.

As sondagens realizadas não detectaram um horizonte de silte e areia fina,
esperáveis em perfis de solo de locais que funcionam como armazenamento de
água, nem mesmo nas duas sondagens da porção mais rebaixada da depressão
(sondagens 1 e 4). Pelo contrário, predomina um solo arenoso muito drenado,
com areia mal selecionada e impróprio à acumulação de água nos períodos não
chuvosos.


CONCLUSÕES

Seguem algumas considerações, limitadas pelo tempo relativamente curto de
investigação na área. O autor, cuja experiência em arqueologia é restrita,
salienta que os itens 4, 7 e 8 são hipóteses a serem testadas por trabalhos
adicionais, e que não desmerecem as interpretações dos experientes
arqueólogos do IAB:

1. A existência de gnaisses, matéria-prima rochosa freqüente na área foi um
elemento facilitador da edificação dos elementos construtivos do sítio.
2. As pedras de formato subarredondado, com bandamento gnáissico pouco
desenvolvido, são as mais abundantes na muralha e muros (fotos 2, 7 e 12)
e foram muito provavelmente extraídas do leito e terraço fluvial da
drenagem maior, devido à sua proximidade (foto 6, figura 1). As mesmas
foram utilizadas in natura.
3. As pedras de formato planar, utilizadas como base da muralha, soleiras e
locais de provável controle de vazão de água (fotos 2, 15 e 16) podem ter
sido trazidas de distâncias maiores e foram talhadas. Tal tecnologia
envolvia a percussão dos gnaisses, que podem assim ser partidos em placas
relativamente regulares caso golpeados ao longo dos planos de bandamento.
4. O intemperismo do diabásio, encontrado no local do possível moinho, gera
solos escuros, pouco drenados e muito férteis, diferentemente dos solos
oriundos dos gnaisses. Sobre eles pode ter ocorrido agricultura, o que
poderia ser comprovado por escavações futuras.
5. A análise do perfil de solo interno à muralha não sustenta a hipótese de
armazenamento de água estacionária no local sob a forma de lago. Admite-
se, todavia a possibilidade de terem sido feitos trabalhos que
utilizassem água canalizada corrente.
6. As sondagens não detectaram a presença de um horizonte antrópico de solo
formado por areias finas e siltes, esperável na base de lagos ou pequenas
bacias.
7. Dois locais do sítio apresentam características geomorfológicas mais
propícias ao represamento de água para usos agropecuários, como lavagem
de café, criação de porcos ou outros:
a pequena drenagem com várzea brejada e solo argiloso próxima ao
cemitério (bastaria a construção de diques de terra); e
a drenagem maior, ao norte da muralha (figuras 1 e 2), a partir de
desvio e represamento de suas águas.
8. O porte da muralha parece ao autor bastante considerável e, portanto
indicativo de outra(s) funcionalidade(s), não excludentes à existência de
canalização e passagem de água corrente no local, o que demandaria
escavações segundo trincheiras extensas secionando o terreno.



Foto 1 – Visão panorâmica da muralha com aproximadamente 90m de extensão,
grosso modo subparalela ao eixo da estrada, antes de sofrer inflexão de 45º
e atingir a estrada por mais 40m. A matéria-prima principal para a sua
edificação são gnaisses que ocorrem como matacões na drenagem vizinha e nos
morros. Em seu topo há preservação parcial de adobe. Ao fundo, vegetação de
Mata Atlântica.





Foto 2 – Cavidades intencionais na base da muralha, interpretadas como
locais para escoar água represada no lado interno da muralha.



Foto 4 – Matacão submétrico de diabásio encontrado na sondagem 4.







Foto 3 – Sedimentos da sondagem 1, na porção mais rebaixada da depressão
circunscrita pela muralha. Horizonte de matéria orgânica aos 0.5-1.2m.


Foto 5 – Visão parcial interna da muralha. A parte mais rebaixada
"desemboca" no local escavado pelo IAB (Foto 8).








Foto 6 – Matacões, blocos e calhaus de biotita gnaisse na drenagem situada
entre a muralha e a mancha de Mata Atlântica (Foto 1). Matéria-prima
disponível à construção da muralha.





Foto 8 – Escavação efetuada pelo IAB no lado oposto (interno) ao mostrado
na foto 2. O topo do perfil de solo é de adobe desmoronado da parte
superior da muralha.











Foto 7 – Face sul do muro do cemitério das Alminhas, com 2 fragmentos de
diabásio (setas).



Foto 9 – Matacões de diabásio próximos ao local do provável moinho. Seu
intemperismo gera solo fértil.



Foto 10 – Evidência pedológica de corte e movimentação de material de
talude (foto 18): fragmentos de gnaisse em meio a sedimentos sem
ordenamento estratigráfico.




Foto 11 – Corte de talude em cuja base há passagem de água pluvial (foto
17) para alimentar moinho (foto 18). Ao fundo, serra sustentada por
gnaisses.



Foto 13 – Solo arenoso muito rico em matéria orgânica, com fragmento de
telha associado. Sondagem 1.



Foto 15 – Base de edificação próxima à área da provável capela. Notar
placas mais regulares e submétricas de gnaisse.


Foto 12 – Porção sobrelevada do solo em contato com face interna da
muralha. Tal elevação se deve ao desmantelamento do adobe do topo da
muralha.

.
Foto 14 – Solo areno-argiloso da base da Sondagem 2, rico em carvão e com
caco de telha.


Foto 16 – Muro próximo à área da provável capela, com fendas emolduradas
por placas mais regulares de gnaisse.


Foto 17 – Passagem para água pluvial evidenciada pelo IAB na base da talude
da foto 11.


Foto 19 – Média-alta encosta do morro situado a sudeste do sítio, com
homens posicionados em estreito (40-50cm) e longo (> 150m) canal a céu
aberto.






Foto 18 – Cortes ortogonais em encostas, interpretados pelo IAB como local
em que parte dsa água captada (Foto 8) era direcionada a um moinho.





Foto 20 – Relevo moderadamente acidentado com perfil de intemperismo da
ordem de 10m em rochas gnáissicas expostas em corte da rodovia RJ-149.
Desmatamento pronunciado.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

DOMENICO, P.A. & SCHWARTZ, W. 1998. Physical and Chemical Hydrogeology
Second Edition, John Wiley & Sons.
Relatório do IAB sobre Levantamento e Resgate das Ruínas da Serra do
Piloto, município de Mangaratiba. 2012. Inédito (cedido por Marcelle
Mandarino).


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