Arquitetura em Situação: arquitetura como instrumento de manutenção da sua própria dominação

May 27, 2017 | Autor: T. de Souza Gaspar | Categoria: Mercado Imobiliário, Apartamentos, Niterói, Arquiteto Urbanista
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ARQUITETURA EM

TATIANA DE SOUZA GASPAR SONIA MARIA TADDEI FERRAZ

UFF.EAU.TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO.2SEM09

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE ARQUITETURA E URBANISMO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO

Arquitetura em Situação:

Arquitetura como instrumento de manutenção da sua própria dominação.

ALUNA: TATIANA DE SOUZA GASPAR ORIENTADORA: SÔNIA MARIA TADDEI FERRAZ SUPERVISORA: LAURA ELZA LOPES FERREIRA GOMES NITERÓI – II PERIODO 2009

Este trabalho é dedicado a todos os professores e alunos desta Escola.

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RESUMO:

Este trabalho propõe uma reflexão crítica acerca do profissional arquiteto em sua trajetória acadêmica e profissional, identificando e contrapondo discursos e produtos de sua atuação. Partindo da releitura de conceitos já explorados por autores como Vilanova Artigas e Sérgio Ferro, concernentes à função social do Arquiteto, o trabalho transita entre o campo teórico e empírico, através de uma análise interdisciplinar, que procura explorar as possibilidades profissionais da arquitetura em contraste com os valores e demandas da sociedade contemporânea. Estabelecendo uma relação entre profissão-cliente-produto, foi empreendida pesquisa acerca de algumas plantas de arquitetura residenciais, em projetos de apartamentos lançados no mercado imobiliário da cidade de Niterói, no ano de 2009.

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As seções desta monografia são alternativas. Em detrimento das partes tradicionais (introdução metodologia, objetivo e conclusão, etc), optou-se pelos termos constantes dos projetos finais de graduação (Memorial Justificativo, Memorial Descritivo, Situação, Vistas, Cortes Planta-Baixa e Perspectivas). Isto porque, apesar de seu aspecto teórico, este trabalho é também um projeto, no qual a arquitetura torna-se o objeto de estudo principal. A arquitetura será abordada em sua situação, ou em diferentes vistas sobre o seu profissional; além dos cortes, que desnudam os valores da sociedade em que está inserida, para então chegar às plantas projetadas, e, por fim, às perspectivas desta profissão.

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SUMÁRIO:

1/7 SITUAÇÃO ................................................................................................................................................................... 06 2/7 MEMORIAL JUSTIFICATIVO ...................................................................................................................................... 07 3/6 MEMORIAL DESCRITIVO ........................................................................................................................................... 10 4/7 VISTAS – O ARQUITETO ............................................................................................................................................ 11 Segundo a autora .............................................................................................................................................................. 11 Segundo Artigas, Paulo Bicca, Sérgio Ferro e Carlos Lemos ...................................................................................... 13 A Formação ........................................................................................................................................................................ 16

5/7 CORTES – O MORAR ................................................................................................................................................. 21 Analisar o morar, independente de como, de quem, de quando ou onde se more .................................................... 21 Considerações sobre o morar .......................................................................................................................................... 21 O Apartamento ................................................................................................................................................................... 26

6/7 PLANTAS – OS PROJETOS ....................................................................................................................................... 44 7/7 PERSPECTIVAS .......................................................................................................................................................... 74 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................................... 78

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“É claro que para todos a arquitetura está sempre ligada à construção, mas nem todo mundo sabe dizer com precisão como se entrelaçam os significados dessas expressões. Também, de um certo modo, as pessoas procuram achar um vínculo entre a arquitetura e a beleza e para quase todos, então, arquitetura seria a providência de uma construção bela.” (LEMOS, Carlos A.C., 1980.p.07)

Qual estudante de arquitetura nunca arrancou o suspiro daquele familiar ou conhecido ao responder à pergunta sobre sua formação profissional? Pelo menos, no meu caso, esse suspiro, seguido da frase – “Ah, arquitetura é uma profissão tão bonita!” – foi muito comum. Confesso que, se a princípio isso me engrandecia, ao longo dos anos esta frase despertou-me indagações e, ao final da graduação, resultou neste trabalho. Durante muito tempo questionei-me sobre estar ou não no curso certo. A dúvida nascida no colegial (Arquitetura e Urbanismo ou Ciências Sociais?) prolongou-se até os primeiros anos de faculdade, até que, enfim, descobri a possibilidade de unir teoria e prática, através de um trabalho consciente e crítico, que me permitisse construir um ideal palpável. Desde então, a beleza reduzida da arquitetura - expressa nos “belos” edifícios, modernos e altos ou antigos e requintados; nas “charmosas” residências ou com seus “elegantes” interiores – transformou-se na oportunidade de comprovar que outra visão de nossa profissão é possível, necessária e urgente. Eis meu primeiro passo.

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Foi durante a apresentação de um trabalho voltado para a Regularização Fundiária e Habitação Popular que a discussão sobre a função social do arquiteto ganhou forma e verdade. Até aquele momento, o que poderia dizer sobre o assunto era nada mais do que algumas frases penosas, de pura lamentação ou simples indignação pelo fato da arquitetura demonstrar-se tantas vezes algo meramente estético, a serviço das classes mais abastadas, promovendo a especulação e contribuindo com o sistema excludente e segregante. Lembro que, durante aquela apresentação, pude desfiar um novelo sobre como acreditava que o trabalho com as classes mais baixas era de fato a verdadeira função social do arquiteto. Mas bastou o término do evento para que desabasse em mim um mundo de novas idéias, alavancadas pelo amigo que, até então, havia se mantido calado. Discordando do que havíamos discutido com tanto fervor durante a apresentação, ele disse que considerava romântica a visão do arquiteto como profissional que deve servir de instrumento para se fazer o “bem” à população marginalizada e excluída na sociedade formal. Mas como alguém podia discordar do dever de o arquiteto trabalhar em prol dos excluídos? Mais alguns passos e a idéia foi ganhando argumentos e então pude compreender o que possivelmente somente os mais românticos ou distraídos não são capazes de ver. Pois o que nos faz pensar que, somente ao trabalhar com, para ou em prol das minorias privilegiadas, não estamos exercendo uma determinada função na sociedade? O fato é que acredito na compreensão dos caminhos da profissão arquiteto-urbanista, juntamente com seus desdobramentos na sociedade, como o que há de mais urgente; e sou franca ao reconhecer que não sou capaz de apontar o rumo correto a tomar. Porém, acredito que a construção de um pensamento crítico sobre o arquiteto, a 7

arquitetura e suas possibilidades é o ponto de partida num caminho que deve levar ao entendimento da sociedade em que vivemos, das imersões desta realidade na atuação do arquiteto e à análise dos produtos da arquitetura em tempos atuais. Portanto, traço, como objetivo para este trabalho final de graduação, a construção de um estudo crítico sobre a arquitetura em seu âmbito acadêmico e profissional, que identifique e contraponha possibilidades e produtos de sua atuação na sociedade contemporânea. Entretanto, trata-se de um tema pouco abordado nas cadeiras acadêmicas da Arquitetura. E, não obstante, a importância deste trabalho, antes da relevância acadêmica que possa vir a ter, está no grande aprendizado que tem me possibilitado. A busca deste tema passou pela descoberta de ideais presentes na arquitetura brasileira, e que até então, não fosse por suas expressivas representações projetuais, eu pouco conhecia. É o caso de Vilanova Artigas e Sérgio Ferro. Foi verdadeiramente reconfortante “contar” com os depoimentos, relatos e teorias de arquitetos, que existiam para muito além das palavras1. Pois sim, este é também um problema corrente a quem se dedica a “pensar” a arquitetura. Subjugados por uns ou outros, o trabalho teórico não raramente é posto em cheque quando lhe falta o projeto, como algo que se acredita ser a extensão de todo trabalho desenvolvido por um arquiteto. O fato é que, pensando e repensando as possibilidades para meu TFG – trabalho final de graduação, não poderia chegar a algo que fosse diferente disto - uma exposição dos questionamentos que me rondaram durante todo o curso. Mais que isto, acredito que somente o exercício reflexivo e crítico de nossa profissão poderá levar a uma produção de qualidade, verdadeira, consciente do mundo, repleta de significados e significantes - e espero ser este o mérito deste trabalho. Espero conseguir, através de reflexões e análises, que as palavras aqui redigidas se transformem, no dia em que 1

Sobre: ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da Arquitetura. São Paulo: Cosac Naify, 2004 e FERRO, Sérgio Ferro. Arquitetura e Trabalho Livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

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encontrarem a prancheta - ou o computador- em plantas, fachadas, fachadas, etc. “bem resolvidas”, não só no sentido técnico, funcional, estético ou formal que esta expressão possa ter, mas na sua capacidade de identificação e interpretação dos fatos do mundo, processadas e manifestadas (até onde for possível) através da arquitetura. Para tanto, a estruturação do trabalho necessita não só dos questionamentos sobre a profissão do arquiteto e seus papéis na sociedade, mas também de um objeto de estudo que seja comum a todo arquiteto, e esteja relacionado a uma necessidade básica para qualquer indivíduo, neste caso, a moradia. Para Le Corbusier, as moradias constituem o teatro primordial onde atua nossa sensibilidade, a partir do momento em que abrimos os olhos para a vida e, seu programa, deve recolocar o homem no centro da preocupação arquitetônica2. Somente a partir daí podemos realizar uma análise que relacione profissão-cliente-produto. A pesquisa deve ainda fornecer contribuições para avaliação de projetos arquitetônicos residenciais, uma vez que o trabalho avança para o campo empírico, avaliando e confrontando qualitativamente, projetos de apartamentos destinados a variados estratos sociais, lançados na cidade de Niterói durante o ano de 2009. O processo metodológico foi de particular relevância, uma vez que até o início deste TFG, só havia aplicado métodos de avaliação em projetos de urbanismo ou, no caso da arquitetura, para avaliação pós ocupação - mas estes não supriam as necessidades desta pesquisa. Foi então que, numa busca por novos referenciais, encontrei em uma dissertação de mestrado defendida na Universidade de São Paulo3, a base que me auxiliou na análise das peças gráficas definidas para este trabalho, explorando as possibilidades de uso da planta como um dos principais documentos em análises espaciais qualitativas.

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LE CORBUSIER. Mensagem aos Estudantes de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.26. SOUZA, Mayara Dias de. [Des] Interesse Social: procedimentos metodológicos para análise de peças gráficas de apartamentos, tese de mestrado em Arquitetura e Urbanismo, Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

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A proposta, aqui, é, portanto, discutir a função social do arquiteto, a partir da análise de plantas de apartamentos. Buscar compreender como o sistema econômico vigente determina as formas de morar da sociedade, e de projetar dos arquitetos. Ou seja, como a mesma necessidade de morar pode adquirir variantes, “identificadas” e expressas nas plantas produzidas por arquitetos, e apropriadas e legitimadas de acordo com seus moradores. No primeiro capítulo, o trabalho traz a discussão sobre o papel do arquiteto na sociedade, como o agente produtor e reprodutor no espaço construído. O segundo capítulo é iniciado pela fundamentação dos valores universais do morar, para em seguida identificar as diferenciações que estes podem adquirir, segundo novas tendências mercadológicas, que encontram respaldo na ótica da segregação espacial e social. O terceiro capítulo busca relacionar o trabalho do arquiteto, discutido no primeiro capítulo, aos valores de mercado da moradia, apresentados no segundo capítulo, através de um ensaio comparativo entre plantas de apartamentos produzidas para diferentes estratos sociais - de acordo com a localização do empreendimento na cidade. Por fim, a conclusão, que deve apresentar perspectivas para novos caminhos e horizontes de pesquisas neste campo. A Arquitetura não é simplesmente uma arte, mais ou menos bem executada; é uma manifestação social. Se quisermos saber por que algumas coisas são o que são em nossa arquitetura, é necessário que olhemos para o povo; pois os edifícios no seu conjunto são uma imagem do povo como um todo, embora especificamente eles sejam a imagem individual daqueles aos quais, constituindo uma classe, o público delegou e proporcionou poderes para construir. Isto posto, o estudo crítico da arquitetura nada mais é... na realidade, que o estudo das condições sociais que a produzem.4 4

Apud: ARTIGAS, 2004, p.43.

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Segundo a autora... O que tenho a discursar aqui sobre a profissão arquiteto é algo constituído a partir do momento em que iniciei minha graduação, segundo minha formação acadêmica, meus passos profissionais e pontos de vista, derivados de observações que interligam os diversos e muitas vezes divergentes conhecimentos adquiridos durante estes anos. Antes de tudo, imaginava que os arquitetos eram aqueles que ordenavam as coisas, punham-nas em seus devidos lugares. Mas, logo pude perceber que ser arquiteto não era simplesmente “arrumar a casa”. Diante de toda novidade, que incluía desde o sotaque carioca até a compra de materiais desconhecidos por mim e que, no entanto, eram ferramentas fundamentais do trabalho do arquiteto, essa profissão foi desde o início a tarefa das descobertas. As primeiras disciplinas, voltadas para desenho, pintura e plástica exprimem o lado estético do curso, o que combina com a beleza da arquitetura. E era tudo muito bonito mesmo, não obstante a pouca prática artística que anulava o prazer da arte no esforço que tudo aquilo significava. Neste período, ser arquiteto significava ser, sobretudo, um bom artista, capaz de riscar traços e pinceladas, que transformassem a realidade em algo bonito de se ver e apreciar. Logo depois, vieram os projetos. Linhas, retas, curvas e todo o rigor da técnica gráfica. Também nesta época os Sistemas Estruturais se “estruturaram” e notei que a arquitetura, ao sair da minha imaginação, passava por um cruel acerto de contas com a gravidade, no duplo sentido da palavra. Além de não poder flutuar, deveria, obviamente, “parar em pé”, sem vir ao chão. Então percebi que o arquiteto precisa entender cálculos, raciocinar fisicamente e racionalizar suas idéias, com exatidão, sem falhas, obedecendo às normas técnicas. Assim o arquiteto, de artista, tornou-se projetista.

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A partir daí, vieram as noites “viradas” na elaboração de projetos e a necessidade de possuir um computador capaz de operar programas gráficos, de edição de imagem, vídeo, etc. Agora, ser arquiteto implicava em ser também um “expert” em programas de computador. Apropriado lembrar também das disciplinas teóricas, dos textos, sobre a história e os conceitos fundamentais da Arquitetura e do Urbanismo, que possibilitaram o desvio entre a mão e o traço - no ato muitas vezes mecânico de projetar - passando pelas partes críticas do pensamento. Neste caminho de muitas descobertas, e alguns sustos, não é justo dizer que determinada disciplina foi mais ou menos importante. Ocorre que, a partir do momento em que pude relacionar os conhecimentos adquiridos na escola com a prática profissional, na experiência dos estágios, alguns conceitos pareceram fazer mais sentido que outros. Enquanto os conhecimentos ligados à área tecnológica são naturalmente utilizados, os conceitos de aplicação das técnicas, e mesmo a análise crítica sobre o que se é produzido - seus efeitos sobre a sociedade e sua relação com fundamentos e história da arquitetura - são deixados de lado. Assim, os arquitetos vão se formando e tendem a tornarem-se sujeitos de expectativas limitadas, que não exploram as multireferências de sua profissão e, todas as possibilidades que estas relações podem proporcionar. Desta forma, a setorização e segmentação do ofício corroe não apenas o valor da arquitetura, mas, principalmente, o valor humano do sujeito em buscar uma atuação completa5. No AutoCAD, pode-se desenhar na máquina uma pequena parte de um objeto e ver quase imediatamente ele todo; se imaginamos como ficaria uma cena ampliada, reduzida, invertida, por detrás, umas poucas teclas nos mostram. Mas não nos dirá se a imagem serve para alguma coisa.” 6

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Para compreender melhor o significado do trabalho na economia pós-moderna: SENNET, Richard. A corrosão do caráter – conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2009. 6 Ibid., p.87.

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Segundo Artigas, Carlos Lemos, Sérgio Ferro e Paulo Bicca... Neste momento, realizaremos uma análise da profissão, baseada, principalmente, em conceitos de autores como Vilanova Artigas, Carlos Lemos, Sérgio Ferro e Paulo Bicca, arquitetos que, aliando a palavra aos traços, pensaram criticamente o papel do arquiteto na sociedade. Expostos em discursos, artigos e testemunhos, os ideais do arquiteto Vilanova Artigas serviram, primeiramente, como inspiração. Entre o ateliê e a universidade, seu trabalho é exemplo de um senso de responsabilidade social raro entre os grandes nomes da arquitetura brasileira. Ligou prática e ensino de arquitetura à vida histórica de seu tempo, concebendo o projeto arquitetônico como projeto social. Tratou de assuntos como ética na arquitetura, denunciando o que chamou de “malandragem” ou “maquiagem” profissional. Propôs a revisão do ensino e do currículo na formação do arquiteto, de forma a relacionar-se saber e ação, além de especular sobre as fronteiras profissionais, enxergando na realidade brasileira e sua condição de subdesenvolvimento os reflexos sobre a formação, o trabalho e a criação dos arquitetos no país7. O mote para o desenvolvimento deste trabalho vem da obra de Artigas: “Arquitetura ou Revolução?...até lá, uma atitude crítica em face da realidade”.8 De Paulo Bicca a contribuição vem pela coragem em levar suas críticas à arquitetura às últimas conseqüências9. O autor analisa a profissão como fruto da divisão social do trabalho na sociedade de classes, situando o arquiteto na posição de “cabeça”, que exerce o controle e dá suporte à relação entre dominadores e dominados. Na divisão entre trabalho intelectual e manual, em que o arquiteto não constrói, apenas comanda em nome do capital, o projeto se torna um exercício de poder e uma forma de fiscalização na produção civil. Desta forma, a produção arquitetônica permanece vinculada às classes dominantes, sendo o projeto uma forma de distinção entre o arquiteto e o operário, na separação

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Ver: ARTIGAS, 2004, p.7-11. Ibid., p.50. 9 Ver: BICCA, Paulo. Arquiteto a máscara e a face. São Paulo: Projeto Editores Associados, 1984, p.11. 8

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entre a concepção e a construção. É assim desmistifica a função do arquiteto, imaginando uma sociedade sem classes – livre da dominação e da exploração – na qual a existência deste “cargo” não teria mais razão de ser10. Quanto ao discípulo de Vilanova Artigas11 e mestre de Paulo Bicca, Sérgio Ferro, apreende-se a disposição por novas perspectivas de intervenção no campo da produção de arquitetura no Brasil. Através de uma perspectiva marxista, e como professor, convoca alunos e professores a participarem de uma tomada de posição na luta de classes e, questionando os fundamentos da prática arquitetônica, chega a abandonar o projeto quando o vê como parte coextensiva do próprio desenvolvimento desigual do capitalismo. Sua teoria crítica é considerada a base das investigações sobre a condição do canteiro de obras como um ”território intelectualmente invisível e materialmente escamoteado”, importante na luta de classes, na extração da mais-valia e alienação do trabalhador, onde se dá forma ao fetiche da mercadoria arquitetura. Estabelecendo semelhanças entre o atraso nos canteiros das obras e o subdesenvolvimento da economia brasileira, Sérgio Ferro aponta o papel da construção civil na economia nacional, colocando em dúvida a premissa modernista de progresso e democratização e contrapondo desenvolvimento técnico e avanço social. Interessase pela questão da habitação, explorando o modo de produção da moradia no Brasil como forma-mercadoria e, utilizando referenciais concretos, o arquiteto pesquisa desde a auto-construção até a mansão, passando pelo mercado da classe média no Brasil. Seus estudos combatem o conformismo, vislumbrando na arquitetura um campo de experimentação fértil para o trabalho livre, onde seu instrumento, o desenho, não mais servirá de molde à mercantilização do espaço, e, sim, conduzirá a uma prática modificadora, vinculada a um programa que alie técnicos e trabalhadores12. Seguindo o “mote” da produção da moradia brasileira, será adotada de Carlos Lemos a análise que relaciona a questão da habitação aos usos e costumes de uma sociedade. Desta forma, a arquitetura se torna também uma atividade interdisciplinar, ligada não só aos cálculos estruturais ou à arte, como também à sociologia, à antropologia e à psicologia. 10

Ver: BICCA, 1984, p.8-12. Ver: FERRO, 2006, p.9. 12 Ibid., p.9-30. 11

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Portanto, analisar arquitetura é mais que capturar apenas seus materiais, técnicas, formas e dimensões físicas. Há que buscar sua relação com o tempo, o espaço e a sociedade13. Os depoimentos de Vilanova Artigas coadunam perfeitamente com o caráter deste trabalho, tentando desvendar as conexões entre o trabalho do arquiteto e seu reflexo na sociedade. Por outro lado, a tese de Paulo Bicca faz refletir sobre a reprodução da sociedade na arquitetura e alerta sobre a mitificação do arquiteto. Sérgio Ferro avança em direção a uma nova proposta de atuação e relaciona a forma como se dá a produção arquitetônica nas diferentes classes sociais. Já Carlos Lemos incrementa esta discussão, trazendo questões importantes em relação ao ato de projetar habitação numa sociedade de classes. Todos esses conceitos formulam um repertório de grande relevância nas pesquisas de cunho crítico à arquitetura no Brasil e constituem a base para os questionamentos apresentados neste trabalho. Cada autor assume um importante papel na compreensão de aspectos abordados, contribuindo para uma visão multireferencial do papel do arquiteto na sociedade. Outros autores e obras ainda serão citadas no decorrer do trabalho, e vêm contribuir para o desenvolvimento das análises e reflexões já consideradas, aproximando as formulações sobre a função do arquiteto no cenário atual. Neste sentido, são utilizadas também reportagens, propagandas e matérias jornalísticas que ilustram a realidade imobiliária e suas novas demandas surgidas, ou impostas para e pela sociedade de consumo.

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Sobre esta relação, ver: LEMOS,Carlos A. C. História da Casa Brasileira. São Paulo: Ed. Contexto, 1996, na seção: O Autor no Contexto.

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A Formação E insistia na idéia de que o ensino da arquitetura não se deve limitar à arquitetura propriamente dita. Mas invadir todos os setores de cultura que a meu ver se entrelaçam e completam. Daí referir-me à necessidade do arquiteto – mesmo pela tangente – se informar melhor, ler muito, sentir o mundo que o espera, suas mazelas e inquietações. Só assim ele poderá, desinibido, defender seus projetos e numa linguagem simples e convincente explicar o que com desenhos apenas nunca é compreendido. E ter presente que a arquitetura não se pode limitar aos desejos das classes dominantes, mas atender aos mais pobres que dela tanto carecem. E ser intransigente na defesa desse mundo sem classes que desejamos e no qual a arquitetura assumirá, um dia, sua verdadeira identidade.14

Neste momento é importante resgatar a discussão sobre a formação do Arquiteto Urbanista. Se a intenção deste trabalho é discutir as formas de atuação do arquiteto, é preciso identificar a base que fundamenta os conceitos que depois serão experimentados na prática. A formação que contempla disciplinas teóricas (de fundamentação histórica e conceitual sobre a arquitetura e o urbanismo), tecnológicas, técnicas (gráficas, construtivas, entre outras), de cálculo, computação, artes e projeto, prepara para as diversas possibilidades de atuação do profissional arquiteto, sendo esses os conhecimentos que deverão alicerçar sua trajetória profissional. Diante desta gama de informações recebidas, é comum que as características pessoais de cada estudante, aliadas às expectativas iniciais do que se espera alcançar com o curso, influenciem na trajetória acadêmica, despertando interesses por determinados campos de conhecimento em graus variáveis.

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NIEMEYER, Oscar. Conversa de arquiteto. Rio de Janeiro. Ed. Revan, 1993, p.31.

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Portanto, são diversos os fatores que influenciam a formação de um profissional. Mas, se é natural que haja diferentes interesses por parte dos alunos, na predileção por um ou outro campo é função da academia fazer a junção entre estes campos e “costurá-los” de forma a se tornarem indissociáveis, apesar das predileções. É compreensível que as escolas se preocupem em formar profissionais vaidosos de seus ofícios, mas, à medida que esta vaidade não encontra base sólida numa consciência plena sobre a capacidade desta profissão, o que se vê são apenas fragmentos do que poderia ser um arquiteto. É verdade que não foram raras as vezes em que o ensino acadêmico da arquitetura foi alvo de críticas, tendo a frase: “terminou a faculdade para aprender com a vida”, como plano de fundo. Mas esta não é essencialmente a crítica buscada no desenvolver neste trabalho. Reconhecemos que existe, de fato, a separação entre academia e vida profissional, mas concordando com a posição de Vilanova Artigas sobre esta situação, “é preciso procurar fora das escolas a causa dos desajustes”15. Afinal não se pode admitir que as instituições de ensino se voltem agora para uma formação em concordância com os padrões de capacitação efetuados na sociedade contemporânea, a curto prazo, supérflua, flexível, vulnerável e fluida16. Portanto, quando comentamos, na abertura deste capítulo, a respeito dos contra-sensos, fazíamos referência a esta distinção, porque, se por um lado encontramos na escola um aparato completo para exercer a arquitetura de forma plena, a vida profissional, ligada a valores contemporâneos, exige a segregação entre os conhecimentos e a especificidade de atuação. No período de estágio, o aluno inicia seu contato com a prática profissional e, ao invés de colocar em prática, de forma absoluta, todo o conhecimento acumulado ao longo do curso, acontece o contrário. Quando não é deslegitimado, o saber é desintegrado, numa forma de trabalho pautada por tarefas específicas, em que os conhecimentos pertinentes à arquitetura estão desconectados, segmentados, como uma máquina de mp3:

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ARTIGAS, 2004, P.66. Sobre esta questão, ver: SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2008.

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A máquina de MP3 pode ser programada para tocar apenas algumas faixas de seu repertório; da mesma forma, a organização flexível pode selecionar e desempenhar a qualquer momento apenas algumas de suas muitas possíveis funções.17

Preocupante é observar que mesmo os estudantes tendem a enxergar esta situação como natural – e parecem tentar reproduzir, ao longo do curso, esse perfil de profissional fragmentado, empenhando-se em focar determinados fundamentos enquanto outros são deixados de lado. Muitas vezes falta a conscientização sobre a necessidade de se constituírem profissionais completos e atentos para sua função na sociedade. Neste sentido, a discussão sobre o papel da escola na formação do arquiteto é mais que necessária, pois não é possível que, num país de sistema econômico subdesenvolvido e desigual como o Brasil, em que a arquitetura pode trazer sugestões para a solução de problemas urgentes para a grande parte da população, arquitetos ainda se formem com uma visão fragmentada de suas possibilidades. Deixando evidente o quão fundamental é esta discussão, os principais autores a que se faz referência neste trabalho trazem considerações a respeito da formação do arquiteto, propondo mudanças relacionadas ao conteúdo e aos métodos de ensino, pesquisa e projeto. Para Artigas, a escola é vítima18, efeito das limitações hoje existentes ao trabalho de criação. Pondera que: os empregos públicos dessangram o entusiasmo jovem e criador, pela inanição, pelos cortes de verbas, pelas economias, pela submissão a interesses de política partidária, que aniquilam qualquer ímpeto criador. A construção consome a maior parte das energias na organização comercial paralela e acaba provocando a inutilidade do talento criador, porque todo o sucesso econômico indispensável provém não do exercício de uma capacidade técnica ou artística, mas da maior ou menor capacidade ou felicidade de manobras comerciais, para as quais a escola não preparou, nem poderia preparar, o profissional19.

Suas considerações ficam mais no campo do apoio do que da modificação do ensino, salientando, no entanto, a importância da elevação do nível teórico e cultural voltado para a cultura brasileira e sua história, de forma a aproximar o conhecimento do aluno à realidade social brasileira. Focaliza no exercício da profissão o alvo para as modificações: “não 17

SENNETT, 2008, p.49. ARTIGAS, 2004, p.66. 19 Ibid., p.67. 18

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podemos permitir que nos transformem em meros experimentadores dos laboratórios de arquitetura a serviço de uma minoria opulenta, desligada dos interesses populares”20. Sérgio Ferro e Paulo Bicca compartilham de uma opinião próxima sobre o papel da escola na formação do arquiteto. Suas críticas estão fundamentalmente voltadas para as formas de ensino, que não interligam o trabalho intelectual ao trabalho manual, formando arquitetos que não, efetivamente, construam21. Neste sistema de ensino, pautado a partir de uma diferenciação de classes, em que cada profissão assume um papel conforme seu grau de instrução, o arquiteto servirá de suporte para o setor imobiliário, sendo a “cabeça” que comandará toda a massa operária ligada à construção civil, determinando o projeto a ser seguido com rigor, estipulando prazos e comandando a forma da execução. Aos operários, sem formação acadêmica, só cabe a subordinação. Para estes autores a escola é parte de um sistema onde se reproduz o conceito de divisão social do trabalho. Propõem a inserção do canteiro de obras à escola, numa forma de conscientizar o aluno, futuro arquiteto, de que seu conhecimento acadêmico não basta para que seu trabalho se torne real. O trabalho manual, hoje ligado apenas ao operário, é algo intrínseco à construção e tão necessário quanto o trabalho do arquiteto, portanto, há que se desmistificar a existência do arquiteto para que surja um novo profissional que conceba e construa de forma cooperada aos demais profissionais, sem hierarquizações. Compartilhamos da visão de Vilanova Artigas sobre a importância da aproximação da escola à realidade brasileira, assim como em acordo com Sérgio Ferro e Paulo Bicca quando denunciam a desconexão entre trabalho intelectual e manual na realização da arquitetura. São todas considerações relevantes e advertem para a formação, por parte das escolas, de profissionais autistas que tendem a produzir a arquitetura auto-referenciada, deslocada e desvinculada do contexto em que se inserem.

20 21

ARTIGAS, 2004, p.63. BICCA, 1984, p.16

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Entretanto, acreditamos que ainda exista, por parte de muitas escolas e seus professores, um esforço em contextualizar o ensino e a realidade assistida. A verdade é que além dos portões da academia, as possibilidades de atuação do arquiteto praticamente o conduzem quase que exclusivamente aos caminhos que tendem a torná-lo instrumento de reprodução do sistema em vigor, através de uma atuação segmentada e setorizada. Resistir a esta situação pode não se tratar sempre de uma escolha ou uma opção, mas, pode ser, lamentavelmente, simplesmente o que resta, numa realidade em que ser arquiteto é ser, ao mesmo tempo, dominador e dominado. Na afirmação de uso e senso comum, o objeto arquitetônico, assim com a pá ou a arma, é utensílio. Afirmação pelo menos destoante: sem “má-fé”, todos pressentimos que o uso hoje não é muito mais que a contrafação de uso e a funcionalidade, álibi suspeito. No fundo, pouco importam uso e funcionalidade, ex-noções perdidas nos desencontros. A palavra utensílio só aparece aqui por transferência. Porque, na verdade, a figura que transita aqui é outra: o objeto arquitetônico, assim como a pá ou arma, é fabricado, circula e é consumido, antes de mais nada, como mercadoria.22

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FERRO, 2006, p.105.

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Analisar o morar, independente de como, de quem, de quando ou onde se more. Neste capítulo, após as primeiras considerações acerca do papel do arquiteto como agente social, partimos para a compreensão dos valores humanos contidos no morar, através da perspectiva fenomenológica apresentada por Bachelard, segundo a qual morar é uma condição universal e atemporal, própria da totalidade dos sujeitos e dos tempos históricos. Entretanto, no desenvolvimento desta análise, compreenderemos que quando situados o lugar, o tempo e o sujeito, o morar ganha particularidades, da mesma forma que a casa, na sociedade de mercado, transforma-se em mercadoria. Isso porque, segundo Marx, a mercadoria é "um objeto externo, uma coisa que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie"

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possui valor de uso e valor de troca, tornando-se, portanto,

mercadoria. E, no capitalismo, uma “imensa acumulação de mercadorias”

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apresenta-se como um simbólico de riqueza

e prosperidade. Assim, a historicidade do morar contemporâneo está impregnada de valores sociais, implícitos nas distintas formas de moradia que – no caso dos apartamentos residenciais – serão o objeto de estudo desta seção. Considerações sobre o morar: abrigo, cotidiano e mercadoria Dentre as funções do morar, o abrigo é certamente a mais evidente, pois constitui uma necessidade básica do ser humano e está presente no imaginário de qualquer sociedade, pelo menos desde a pré-história. Morar é abrigar-se, proteger-se do sol, da chuva, das intempéries, da ameaça de outros seres humanos ou de animais; considerando que “todo espaço verdadeiramente habitado traz a essência da noção de casa”

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, identificamos também os valores da

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MARX, Karl. O Capital. Livro I. São Paulo: Civilização Brasileira, 1974, p.41. Apud: Ibid., p.41. 25 BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 1988, p.112. 24

21

intimidade inerentes à função da casa: ”abriga o devaneio, a casa protege o sonhador, a casa nos permite sonhar em paz”.26 Ou seja, quem mora busca na casa refúgio. A casa, na vida do homem, afasta contingências, multiplica seus conselhos de continuidade. Sem ela, o homem seria um ser disperso. Ela mantém o homem através das tempestades da vida. Ela é corpo e alma. É o primeiro mundo do ser humano. Antes de ser ‘atirado ao mundo’, como professam os mais apressados, o homem é colocado no berço da casa. E sempre, em nossos devaneios, a casa é um grande berço.27

Portanto, antes de examinarmos as demais funções da casa, os hábitos a elas relacionados ou determinados socialmente, a casa tem que ser entendida como um invólucro seletivo e corretivo das manifestações climáticas, enquanto oferece as mais variadas possibilidades de proteção.[...] Morar, como vestir, alimentar, é uma das necessidades básicas dos indivíduos. Historicamente mudam as características da habitação, no entanto, é sempre preciso morar, pois não é possível viver sem habitar um espaço.28

A casa adquire ainda muitas funções, como um local de suporte para as necessidades concretas de sobrevivência física. Segundo Arlete Moysés Rodrigues, “é onde se dorme, tem-se privacidade, faz-se a higiene pessoal, convive-se com o grupo doméstico, etc. A moradia também é local de trabalho - sempre se trabalha na casa para a própria manutenção, como lavar, cozinhar, passar...”

29

. Igualmente, conforme adverte Sonia Ferraz, “o uso da casa como abrigo das

atividades cotidianas de sobrevivência, convivência e reprodução da força de trabalho, consubstancia uma essência da noção de casa.”

30

Entretanto, estas atividades comumente passam despercebidas na rotina da habitação, no espaço

arquitetônico destinado à moradia, resultando, disto, a dificuldade de relacionarem-nas aos hábitos e práticas sociais, que se modificam ao longo do tempo e conforme fatores históricos, econômicos, sociais, culturais, etc.

26

BACHELARD, p.113. Ibid., p.113. 28 LEMOS, 1996, p.9. 29 RODRIGUES, Arlete Moyses. Moradia nas Cidades Brasileiras. São Paulo: Ed. Contexto, 1997, p.11. 30 Apud: FERRAZ, Sônia M. T.: A favela como lugar da Operação Rio (1994/1995): Discurso Jornalístico e Dispositivos de Enunciação, tese de doutorado em Comunicação e Cultura, Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ, julho 1999, p.72. 27

22

Conforme Sonia Ferraz: São os sentidos cotidianos comuns que atribuem sentidos à habitação. A utilização cotidiana é a maneira de apropriação, delimitando lugares e territórios, instituindo-lhes referencialidades.(...) A vida cotidiana se realiza portanto em uma dada espacialidade, a partir de diversos “habitus”. Sobre essa espacialidade, a casa, a moradia, pode ser considerada como lugar fundante dessa cotidianidade. 31

O conhecimento e a compreensão desses processos permitem ao arquiteto abranger, em seus projetos, as entrelinhas das necessidades do dia-a-dia, pois ainda como afirma a autora: A vivência, enquanto ação de habitar, seria o conteúdo concretizador da habitação, constituinte da sua noção. A casa - habitação se concretiza, portanto, a partir da presença, da ação e do intercâmbio humano. Porque são sempre os acontecimentos vivenciados que produzem as noções que elevam os objetosedifícios à categoria de lugares: de morar, de trabalhar, de circular, de recrear, de festejar, de trocar, de transgredir, etc. Porque os acontecimentos e as noções são modificados, ampliados e consolidados, em espaços e tempos de vida. 32

Por outro lado, corroborando a opinião de Carlos Lemos sobre a utilização cotidiana da casa, temos que as moradias “devem se desenvolver em circunstâncias ideais e a qualidade do desempenho evidentemente está condicionada às condições oferecidas pela construção”

33

. Pois se é na casa que as funções do morar acontecem, se é na casa que se

desenvolvem as atividades cotidianas, é necessário que o programa desta casa seja pensado de forma a entender e a atender os atos e expectativas do morador em relação à sua residência. Entretanto, muitas vezes o programa de necessidades da habitação não é elaborado considerando as atuações domésticas que ela deverá abrigar, tornando-se a casa um aglomerado de dependências genéricas, numa relação simplista entre os cômodos e a moradia. Le Corbusier já declarou que “a moradia abriga a família, função que constitui por si só todo um programa e coloca um problema cuja solução (...) está hoje entregue, em geral, ao acaso”.34 Por isso, o interesse da residência neste trabalho 31

FERRAZ, 1999, p.70-71. Ibid., p.71. 33 LEMOS, 1996, p.9. 34 LE CORBUSIER. A Carta de Atenas. São Paulo: Ed. Hucitec – Edusp, 1941, p.10. 32

23

coincide com o que nos aponta Carlos Lemos em seu livro, A História da Casa Brasileira: “a casa deve ser entendida como um todo (...) e seu interesse está muito mais no aspecto sociológico, do que nas suas qualidades arquitetônicas decorrentes da técnica construtiva ou intenção plástica”

35

. Também concordamos que o ato de projetar uma casa é

interdisciplinar e a produção do espaço arquitetônico de morar transcende ao espaço geométrico: “Compreender a casa como uma realidade visível e tangível: volumes, planos, linhas retas, linhas curvas... Mas, casa não é um frio sólido que envolve o homem. A casa é vivida pelo homem; adquire valores humanos...” 36 Noutro aspecto, ainda que não seja a intenção deste trabalho analisar a transformação histórica da casa, é preciso reconhecer que a distribuição espacial de seus diversos setores funcionais está diretamente ligada à formação e a evolução da sociedade. No Brasil, por exemplo, as dependências das habitações costumam dispor-se conforme padrões de segregação sexuais, socioeconômicos, políticos, religiosos ou simplesmente etários, que guardam correspondência com a evolução/transformação histórica da sociedade brasileira desde o período colonial.37 Outros itens também devem ser levados em conta ao examinarmos o morar. Questões como a propriedade individual de bens e a produção diferenciada das cidades são relevantes na identificação comparativa dos espaços de moradia e, sobretudo, na compreensão dos valores de mercado que a habitação incorpora. Neste sentido, Sonia Ferraz afirma que “a casa é mercadoria e, como tal, determinada pelos níveis de apropriação de renda de seus moradores, expressando esta relação econômica que lhe é subjacente. O que constitui, então, as referências comparativas de suas diferenças, além da categoria, são a tipologia, padrão, forma e localização”.38 A diferenciação na apropriação da riqueza na sociedade capitalista torna possível uma segregação espacial em que se vêem, num mesmo espaço e ao mesmo tempo,

35

LEMOS, 1996, p.11. Sobre esta questão, ver: VERÍSSIMO, Francisco Salvador, BITTAR, William Seba Mallmann. 500 Anos da Casa no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999, p.09. 37 Ibid., p.10. 38 FERRAZ, 1999, p.72-73. 36

24

grandes mansões, e/ou residências confortáveis, contrastando com a casa popular, ou a “não-moradia”, na rua, de quem não possui qualquer propriedade. 39 Para Arlete Moysés Rodrigues, Esta diversidade deve-se a uma produção diferenciada das cidades e refere-se à capacidade diferente de pagar dos possíveis compradores, tanto pela casa/terreno, quanto pelos equipamentos e serviços coletivos. Somente os que desfrutam de determinada renda ou salário podem morar em áreas bem servidas de equipamentos coletivos, em casas com certo grau de conforto. Os que não podem pagar vivem em arremedos de cidades, nas extensas e sujas “periferias” ou nas áreas centrais ditas “deterioradas”. Nestes arremedos de cidades, há inclusive aqueles que “não moram”, vivem embaixo de pontes, viadutos, em praças, em albergues, não têm um teto fixo ou fixado no solo. 40

No Brasil, assim como nos países de sistema econômico semelhante, “a terra urbana é como um bem permanente, que nunca se desgasta, e as edificações são mercadorias do modo de produção capitalista, propiciando uma oportunidade de acumular riquezas”

41

. A especulação imobiliária, refletindo no plano urbanístico a busca pelo lucro, que marca a ética

capitalista, imprime à mercadoria casa preços cada vez mais exorbitantes, tornando a sua propriedade monopólio dos grupos com maior acúmulo de riquezas. No extremo oposto, aqueles que não possuem casa própria e tampouco podem alugar uma habitação procuram se organizar em movimentos de resistência, que reivindicam transformações sociais e urbanas.42 Portanto, antes de chegarmos à análise comparativa dos espaços de moradia, é preciso lembrar que morar significa também ter capacidade de pagar por esta mercadoria: terra, edificação e preço dependem da localização, da infraestrutura e até mesmo de mecanismos de segregação social. O próprio espaço dá margem à reprodução das relações sociais desiguais. Segundo Lobato Correa, “as áreas residenciais segregadas representam papel ponderável no processo 39

Sobre esta questão, ver: RODRIGUES, 1997, p.11-12. Ibid., p.12. 41 Ibid., p.16. 42 Ibid., p.24. 40

25

de reprodução, no bojo do qual se reproduzem as diversas classes sociais e suas frações: os bairros são os locais de reprodução dos diversos grupos sociais”.43 O Apartamento Já que, posteriormente, ao analisarmos peças gráficas de residências, trabalharemos com plantas arquitetônicas de apartamentos, um breve histórico de seu surgimento no Brasil pode estabelecer a relação entre o que foi discutido anteriormente quanto às modificações da moradia conforme sua época, seus hábitos e costumes e a importância da terra como mercadoria na sociedade. O apartamento surgiu como uma nova tipologia residencial nas primeiras décadas do século XX, durante o processo de verticalização das cidades, seguindo a tendência de adensamento populacional nos grandes centros. Como explica Carlos Lemos, os primeiros edifícios de apartamentos tiveram suas plantas norteadas pela idéia de empilhar, em um mesmo terreno, várias casas, todas iguais entre si, mas confortáveis e isentas de promiscuidades que pudessem sugerir ao conjunto de moradias a pecha de encortiçamentos. Antes de tudo, amplos e cômodos, como se fossem realmente a solução ideal: a casa nobre no coração da cidade. Casa com circulações definidas, a social e a de serviço.44

Esta distinção entre as áreas de serviço – entre nós, a princípio relacionada ao trabalho de empregadas domésticas e, atualmente, ao dos fornecedores – e as demais, denominadas sociais, que vemos até hoje na circulação dos edifícios residenciais, é conseqüência de uma política de agregado coletivo, e caracteriza, desde a entrada do prédio, a segregação entre as classes. Vale ressaltar que o Brasil tornou-se o primeiro e único país a possuir edifícios com essa preocupação segregacionista.45

43

CORREA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Ed. Ática, 2005, p.9. LEMOS, 1996, p.79. 45 Ver: LEMOS, 1996, p.79. 44

26

Pode-se dizer que, desde o seu surgimento até os dias atuais, o apartamento ampliou seu público consumidor, servindo primeiramente à classe média, depois à classe alta e, mais recentemente, alcançando o mercado da classe baixa. Embora esta ampliação no mercado tenda a gerar variadas expectativas programáticas, que obedeçam à heterogeneidade social dos moradores, o que ocorre é uma manipulação dos programas de necessidades dos apartamentos conforme os interesses de seus promotores, ou incorporadores, que se regem primeiramente pela “lei de mercado” imobiliário, em detrimento dos usos, costumes e anseios dos habitantes. Os interesses econômicos e financeiros têm regido cada vez mais a produção imobiliária, incentivando, neste sentido, a homogeneização de soluções: “Sempre de aluguel, essa produção já nasceu caracterizada pelo desejo de agradar indistintamente à clientela com a adoção de soluções homogeneizadas onde a média dos desejos estivesse expressa”.46 Ainda assim, como vimos, as características das edificações estão relacionadas a fatores históricos, culturais e econômicos. Estas matrizes ainda dão margem à diversidade no processo de “construção” da casa e da cidade, e apontam também para a diferenciação do morar entre as classes sociais na cidade e da cidade. Nesta relação entre arquitetura e sociedade, é substancial fortalecer a idéia partilhada neste trabalho, segundo a qual o espaço da morada é influenciado, ao mesmo tempo em que influencia, o comportamento dos grupos sociais. Estamos lidando com objetos geométricos que são também objetos humanos e sociais. Acompanhando o processo de verticalização da cidade e o aumento da construção de edifícios residenciais, verificamos que seus programas não contemplam simplesmente os hábitos e costumes já arraigados socialmente. Ao contrário, refletem novas demandas, inventadas conforme os interesses e as vertentes de consumo do sistema econômico e financeiro. “No processo de comercialização, a casa tem sido fetichezada pela agregação e/ou incorporação de novos significados, que consolidam e ampliam seus valores de uso e de troca”.47 Consubstancia-se o que David Harvey chamou 46

Ibid., p.79. FERRAZ, Sonia M.T., POSSIDÔNIO, Edson dos Reis. Violência, Medo e Mercado: uma Análise da Publicidade Imobiliária. Piracicaba: Revista Impulso, v.15 n.37, mai./ago.,2004, p.89.

47

27

de manipulação do gosto e da opinião.48 Nesta sociedade de consumo e de descarte, a publicidade é um meio eficiente de divulgação e promoção de novas demandas, deixando explícitas as convenções tendenciosas que simulam ascensão social e felicidade. Utilizaremos, portanto, alguns exemplares deste meio de comunicação, a fim de ilustrar os padrões de consumo vigentes49, já que, como considera David Harvey, “o capitalismo agora tem preocupação predominante com a produção de signos, imagens e sistema de signos, e não com as próprias mercadorias”.50 Como exemplo deste processo de “invenção” de tendências relacionadas ao morar no Brasil, podemos citar a descrição de Carlos Lemos sobre o surgimento de uma nova demanda, as denominadas Kitchenetes, em meados do século passado. Viu-se que a classe média era a mais receptiva a esse programa compacto caracterizado pela superposição estar-repouso, o apartamento mínimo de uma sala-quarto, banheiro e Kitchenete.(...)Esses minúsculos apartamentos foram oferecidos à exaustão, até ficar saturado o mercado. Hoje são raramente ofertados com a denominação oficial de studios, já que seus apelidos originais seriam anti-comerciais.51

Atualmente, com a crescente diminuição dos espaços vazios na cidade, assistimos à retomada do mercado dos antigos quarto-e-sala. Agora voltados para o público jovem das classes mais altas, a denominação Kitchenete se torna anticomercial, e os apelidos Studio ou Flat parecem mais adequados, conforme se vê no recorte abaixo:

Fonte: Jornal O Globo, Caderno Morar Bem, p.03. 25/08/2002

48

HARVEY, David. A condição pós-moderna: Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. São Paulo: Ed. Loyola, 1996, p.258. Todas as publicidades imobiliárias e reportagens utilizadas neste capítulo foram extraídas do banco de dados ArqViol/UFF. 50 HARVEY, 1996, p.258. 51 LEMOS, 1996, p.80. 49

28

Apropriando-se de elementos que sejam atrativos para as fantasias individuais do ser humano, as propagandas imobiliárias estabelecem relações de fetiche entre o espaço de moradia e seu habitante, já que, como nos diz Sônia Ferraz: a habitação (casa ou moradia), então, como mercadoria e objeto de consumo, pode ser transformada também em objeto de representação simbólica e revestida de um sentido ideológico, que ultrapassa suas próprias particularidades (funções). Passa a representar (ou significar) o indivíduo que mora, expressando sua real inserção econômica e social.52

Vende-se, por exemplo, a idéia da ausência de paredes divisórias como uma imagem de liberdade e flexibilidade sem, contudo, considerar os aspectos negativos deste tipo de moradia, como sua reduzida área privativa.

Fonte: Jornal do Brasil. Caderno Imóveis. p.03. 08/12/2002

Anúncio publicitário extraído do banco de dados ArqViol/UFF 52

FERRAZ, 1999, p.73.

29

Por outro lado, se nos lofts a reduzida área privativa apresenta-se como uma nova solução arquitetônica para a moradia, o mesmo não se aplica à gradual diminuição das áreas dos apartamentos. Em pesquisa desenvolvida pelo Habitação

e

Modos

de

Vida

Núcleo de Estudos sobre (Nomads),

na

USP,

são

apresentados alguns exemplos da subtração de área nos comôdos do apartamento, ao longo do século XX. A pesquisa aponta ainda que a redução em cômodos como sala, cozinha e quartos, deixou os apartamentos em média 33% menores, isto em 50 anos. Compreender a relação e também a influência da redução espacial dos apartamentos nas formas de morar é fator importante, o que tentaremos realizar, no próximo capítulo, quanto às plantas de apartamentos residenciais lançadas recentemente.

A seguir, apresentaremos alguns exemplos sobre o que consideramos novas e representativas formas de morar, apoiadas em conceitos e ideais da sociedade atual, diretamente vinculados à redução espacial dos apartamentos. Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.01. 02/02/2003.

30

A solução arquitetônica para cômodos progresssivamente menores foi encontrada na sobreposição de funções. Com isso, os móveis são submetidos a transformações espaciais e de adaptabilidade, com apelo direcionado para o design multi-funcional ou mutante, capaz de acoplar os diferentes elementos “necessários” à vida do morador na sociedade moderna, como tv’s maiores, computadores em todos os quartos, aparelhos de som, etc.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Classificados Niterói. p.02. 16/03/2003.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.03. 30/03/2003.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.03. 20/07/2003. Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.21. 07/09/2003.

31

Outras mudanças também ocorrerão fora dos limites privativos. Com áreas reduzidas, poucas são as possibilidades de diferenciação entre as moradias, o que faz com que os empreendimentos imobiliários dêem maior ênfase às áreas sociais dos prédios, que oferecem diversos espaços de lazer e serviço aos moradores. Através imagens convidativas, os moradores são levados a acreditar que a carência interna de seus apartamentos seria suprida nas áreas externas.

Fonte: Jornal O Fluminense. Caderno Habitação. p.09. 28/09/2009.

Anúncio publicitário extraído do banco de dados ArqViol/UFF

Anúncio publicitário ArqViol/UFF

extraído

do

banco

de

dados

32

Seguindo esta tendência, surgem os condomínios fechados, que reúnem, em grandes loteamentos, grupos de residência, lazer e serviços. Na medida em que se torna mais difícil encontrar nas metrópoles, grandes áreas livres para este tipo de atividade, os condomínios fechados estão geralmente localizados longe dos centros. Para suprir o distanciamento das áreas de lazer e serviços, criam-se novas relações de moradia, com moradores auto-confinados e auto-segregados da cidade formal. Como afirma Caldeira, “o ideal de um condomínio fechado é a criação de uma ordem privada na qual os moradores passam a evitar muitos problemas da cidade e desfrutar um estilo de vida

Fonte: Revista Veja. Especial “Viver em Condomínio”. p.95. 15/05/2002.

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alternativo com pessoas do mesmo grupo social”. 53

Nos anúncios de venda deste tipo de empreendimento, ganham destaque os discursos que ressaltam a conveniência dos serviços prestados ao morador e a segurança garantida pelo condomínio. 53

Apud: FERRAZ, S.M.T, POSSIDÔNIO, E.R, 2004, p.92.

33

Aliás, a questão da segurança ganhou atualmente destaque como atrativo de mercado. Entre grandes muros, sob a proteção de câmeras e empresas de vigilância, os empreendimentos se armam contra as ameaças do mundo real, sem se dar conta da violência incutida em suas próprias formas, através da coerção panóptica, de um lado, e da sensação de pânico, de outro. Trata-se da “venda do medo, produzindo imediatamente, desejo,

a

como

necessidade

segurança,

e,

e

como

desdobramento, o aumento da venda de

Anúncios publicitários extraídos do banco de dados ArqViol/UFF

proteção em suas mais diferentes formas e padrões”.54

“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.” (B.Brecht)

54

FERRAZ, POSSIDÔNIO, 2004, p.89.

34

Assim, ao longo do tempo são criados novos mercados, novas demandas e estratégias de consumo, sendo as propagandas imobiliárias o meio de veiculação destas mensagens, incentivando a adoção de novas maneiras de pensar, de sentir e de agir frente às moradias. Uma vez aceitas, estas novas imagens tornam-se, elas próprias, padrões ideológicos, sempre coercivos, que definem o estereótipo de habitação desejada. Tanto assim que, na ocasião de compra de um novo apartamento, o indivíduo se vê diante de inúmeras ofertas, que deixam claras as tendências do que é considerado, atualmente, um ideal de moradia. Interessante observar que, no caso dos apartamentos, os ideais nem sempre estão voltados para o interior da construção, mas, ao contrário, na maioria das vezes a valorização do imóvel está ligada a padrões exteriores, como nos mostra o quadro abaixo:

Ressalte-se a inexistência de referência ao interior da moradia. Diferentes razões podem explicar

este

fenômeno,

tais

como,

por

exemplo, o elevado preço da terra e a conseqüente diminuição nas áreas privativas, levando à tendência de homogeneização dos apartamentos

e

à

transferência

das

expectativas dos moradores para fora das quatro paredes. No entanto, neste momento é importante reconhecer as conexões feitas, pelo e para o morador, entre os valores desejados e os valores impostos pelo mercado da moradia para, em seguida, relacioná-los a alguns valores da sociedade atual. Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.01. 14/04/2002.

35

Um item citado no quadro anterior deixa explícita a importância dos elementos externos à moradia: trata-se da preocupação com as fachadas dos edifícios. Quanto a isto, vende-se a definição de um morador cioso da imagem, que espera ter vinculado a si próprio, de status e de exclusividade.

Fonte: Jornal do Brasil. Caderno Imóveis. p.03. 08/12/2002

Se a fachada é clássica, a imagem transmitida tende a infundir os sentimentos de respeito e poder. Ou faz-se uso de transparências, como vidros temperados verdes e acabamento em cores claras, e do clean. Já as cores escuras e os vidros espelhados podem ressaltar modernidade e ousadia. A varanda também aparece como um elemento de atração para os habitantes. Em alguns casos, como mostra a reportagem veiculada à manchete abaixo, moradores exigem reformas em fachadas de prédios para introduzir esta nova área.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.01. 09/01/2005.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.03. 17/11/2002.

36

Outro

item

também

relacionado

ao

status

de

exclusividade nas moradias é a proximidade entre habitações e elementos “naturais” (como áreas verdes, praias, montanhas, etc), agregando-se o discurso da sustentabilidade ambiental à construção, constituindo os novos “eco” empreendimentos. Assim sendo, o fato de a natureza ser considerada um bem não comercializável, ou seja, algo que “o dinheiro não pode comprar”, apenas potencializa o capital simbólico da moradia e do morador ecológicos,

tanto

maior

quanto

mais

privativa

a

observamos

a

interseção entre habitação e “natureza”. Por

exemplo,

na

imagem

acima,

Anúncios publicitários extraídos do banco de dados ArqViol/UFF

propaganda de um empreendimento de alto padrão, que, por estar localizado em meio a grandes áreas naturais, expressa a idéia do contato “exclusivo” que só o morador daquele determinado condomínio pode usufruir. Este ideal é partilhado com os diferentes segmentos sociais, porém,

devido

ao

menor

poder

aquisitivo,

gradativamente, estes se diferenciam. Como vemos na imagem ao lado, vinculada a um condomínio menor, percebemos que a dimensão da integração entre morador e meio ambiente é, na verdade, uma tentativa de reprodução deste tipo ideal privativo. 37

Quando não é possível a proximidade física com o meio ambiente, são utilizados elementos que assegurem senão o contato, ao menos a idéia da natureza presente, ou o ideal de “consciência sustentável” e do “ecologicamente correto”. Como exemplo, podemos citar a presença, em prédios e apartamentos urbanos, ainda que de forma meramente decorativa, de jardins, vasos, cascatas, pequenos lagos com peixes, pedras decorativas, etc., como uma forma de reprodução do ambiente natural. Outra tendência são edifícios e condomínios “sustentáveis”, que fazem uso de sistemas de reaproveitamento de água e Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.03. 13/10/2002.

chuva, de energia solar, de tratamento de esgoto, entre outros. Estes elementos incentivam o discurso da consciência ambiental aliado ao da economia doméstica. Entretanto, há que atentar para o impacto real das medidas “sustentáveis”, muitas vezes irrisório, mascarando a verdadeira dimensão dos problemas e das contradições relacionados ao meio ambiente. Por fim, é válido salientar os interesses econômicos na exposição deste novo mercado, quando o discurso sustentável serve também como forma de super valorização dos empreendimentos.

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38

Outra demanda relevante do mercado imobiliário atual é a busca por vagas de estacionamento nos prédios.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Morar Bem. p.01. 14/11/2004

Fonte: Jornal do Brasil. Caderno Imóveis. p.01. 09/01/2002

As reportagens acima falam sobre a necessidade dos prédios residenciais abrigarem cada vez mais vagas de estacionamento por apartamento. Se fizéssemos um estudo comparativo verificaríamos o aumento gradativo no número de vagas nos edifícios residenciais. Quando criados, os apartamentos nem mesmo vinham acompanhados das vagas individuais. Mas, atualmente, dependendo do padrão do edifício, não raramente encontramos a opção de três ou quatro vagas. Se relacionarmos este dado è realidade do tráfego de veículos nas metrópoles brasileiras, estaremos diante de uma enorme incoerência divulgada pelo discurso arquitetônico sustentável. Pois, não obstante o reconhecimento do papel poluidor desempenhado por motores movidos a combustível fóssil, o mercado imobiliário não pôde abandonar a ideologia ligada ao “padrão de vida” das classes altas e médias, no qual o componente automóvel ainda desempenha papel fundamental.

39

Comuns a quase todos os recentes empreendimentos imobiliários, todas estes novos valores e demandas dizem muito sobre as formas de morar adotadas hoje no Brasil. A diminuição das áreas internas dos apartamentos; a sobreposição de funções por cômodo; o apelo às áreas externas e aos condomínios, muitas vezes murados e controlados por sistemas de segurança; a valorização da fachada como meio de representação e, por fim, o contraditório discurso do “viversustentável” expressam ordens comportamentais e sociais ligadas à sociedade de consumo, em que o parâmetro individualista, com confrontos materiais e simbólicos entre pessoas e grupos, muitas vezes se camufla em imagens de harmonia social, nacional ou planetária. Este contexto histórico, iniciado a partir da década de 1970, ganhou força na última década do século XX, após o colapso do socialismo soviético, quando a nova ordem burguesa hegemônica se instaura. Esta nova ordem se expressou, entre outros elementos, no desenvolvimento acelerado de novas tecnologias, logo tornadas obsoletas.

O

aparente

progresso

científico

e

tecnológico,

entretanto, não significou bem-estar social ou psicológico. Ao contrário, novos conflitos surgiram, agregados aos já tradicionais problemas de exclusão, exploração e miséria social, tornando ainda mais abismal a diferenciação entre as classes sociais. Esta nova ordem, por vezes denominada pós-moderna, apresentase a princípio como um projeto alternativo, mas, ao contrário do que nos diz a imagem ao lado, não deve ser considerada “inspirada por uma vida mais frugal, mais barata e mais feliz”. Trata-se, na Fonte: Revista Época. Capa “Viva melhor com menos”. 05/01/2009.

verdade, de um período em que as aspirações sociais foram 40

setorizadas. Tendências diversas vieram à tona, cada qual engajada em sua luta específica: movimentos feministas, “ONG’s verdes”, movimentos de proteção animal, grupos de direitos humanos, de defesa de minorias, entre outros. Essa setorização das demandas sociais, por vezes excessiva e alienante, criou (ou foi criada por) uma sociedade pautada no ideal individualista, de fundo liberal. Este individualismo acarretou forte descrédito das ações estatal, grupal ou comunitária, promovendo a idéia do “cada um por si”. Acentua-se a competição entre os indivíduos na mesma medida em que eles se tornam virtualmente alheios à participação política efetiva e, por conseguinte, desprovidos de formas eficazes (ou estruturais) de contestação e de proposição de novas soluções sociais. Estes fatores implicaram resultantes em diversos campos. De forma geral, as relações sociais tornaram-se voláteis ou efêmeras. Trata-se da “Sociedade do descarte”, como afirma David Harvey, onde há “volatilidade e efemeridade de modas, técnicas de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas estabelecidas”.55 No campo arquitetônico, o teor descartável da relação entre homem e meio foi transplantado para o espaço, tornando-o superficial. A decoração da moradia, por exemplo, sugere possibilidades constantes de mudanças, seja na cor das paredes, na iluminação dos ambientes, ou mesmo, como sugere a imagem ao lado, na disposição do mobiliário, que, “sobre rodinhas”, pode acompanhar o instantâneo desejo do morador. Assim também é a relação com os bens de consumo e serviço: seja freqüentando determinadas lojas ou “baladas da moda”, seja vestindo Fonte: Jornal O Globo. Classificados Niterói. p.02. 30/03/2003 55

certos “estilos de roupas”.

HARVEY, 1996, p.258.

41

Já a relação entre indivíduos sofreu mutações significativas. Prova disto está na moderna composição das famílias, que, concomitantemente ao decréscimo dos matrimônios oficialmente instituídos e do número de filhos por casal56, por um lado, e ao acréscimo de divórcios e de relações conjugais informais, homossexuais inclusive, por outro, adquire caracteres muito mais complexos.

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Rio. p.31. 14/04/2002. Fonte: Jornal Folha de São Paulo. Caderno Folhaeen. p.01. 11/10/2004. Fonte: Jornal O Globo. Caderno Rio. p.29. 01/05/2005.

Segundo David Harvey, este novo quadro têm forçado a ação de “ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser”.57

Fonte: Jornal O Globo. Caderno Jornal da Família. p.01. 28/07/2002.

Socialmente, determinam-se novas concepções de moradia e novas formas de se morar: “a dinâmica da vida social estabelece uma correspondência entre os lugares e os acontecimentos humanos, imutável e influenciável, originando continuamente

novas

noções

de

lugares

(e

de

sujeitos)”.

58

56

Ver tabela, p.53. HERVEY, 1996, p.258. 58 FERRAZ, 1999, p.71. 57

42

Contudo, a ausência de uma visão social global faz com que cada indivíduo só reconheça suas próprias demandas. Desta forma, cada qual busca empreendimentos imobiliários capazes de suprir “todas as suas necessidades”. Condicionados por suas rendas desiguais, para uns a moradia torna-se sinônimo de ostentação material e simbólica, enquanto que, para outros, apresenta-se como auto-imagem de suas posições subalternas, por vezes atreladas a estigmas sociais depreciativos, como no caso das populações habitantes de favelas ou de bairros periféricos das grandes cidades. Sérgio Ferro, ao escrever sobre a produção da casa no Brasil nas diferentes escalas sociais, comenta, sobre o uso da casa popular: o utensílio elementar encaminha a uma utilização imediata, exata: assim como o supérfluo não aparece na construção, o uso dispensa cuidados. Restando no mínimo, não há excessos que se interponham entre objeto e sua serventia. Da casa, o operário requer, inicialmente, pouco mais do que a proteção contra chuva e frio, espaço e equipamentos suficientes para o preparo de alimentos e descanso. (...) A casa é feita para servi-lo e serve-se naturalmente dela.59

Há o contraponto com a construção da mansão: o “fazer sua casa” significa aplicar capital. E, ao invés do mínimo indispensável, a construção contém o maior acúmulo de elementos supérfluos compatíveis com o funcionamento e a sanidade mental. (...) Se o deus capital existe, tudo é permitido, tudo e todos estão disponíveis.60

Fonte: Jornal do Brasil. Capa. p.01. 24/12/2000.

No capítulo seguinte, pesquisaremos as soluções adotadas nas plantas de arquitetura residenciais voltadas para o atendimento de diferentes grupos sociais, divisados por sua localização no espaço e diferenciação de renda.

59 60

FERRO, 2006, p.63. Ibid., p.67.

43

No capítulo anterior considerou-se o morar em sua essência atemporal, cotejando-o historicamente a seus desenvolvimentos contemporâneos. Vimos que sua função desenvolveu-se para muito além de seu princípio elementar ou matricial, como abrigo, adquirindo nos dias atuais outros valores, como efemeridade, volatilidade e consumo. Também durante o segundo capítulo desenvolveu-se breve histórico

do

surgimento

dos

apartamentos

no

Brasil.

Primeiramente, eles atendiam ao mercado da classe média, depois, seu programa passou por mudanças e o apartamento transformou-se em objeto de consumo para as classes altas e, no limite, também popular. São recentes as atividades construtivas financiadas pela iniciativa privada voltadas à edificação de prédios populares. Este cenário se transformou, como aponta David Harvey, na medida em que “a mobilização dos mercados de massa (em oposição a mercados de elite) forneceu um meio de acelerar o ritmo do consumo...”61 Com programas de financiamentos bancários para a compra e construção da casa própria, aliados à liberação de verbas, pelo governo federal, de incentivo à compra de moradias populares, Fonte: Jornal O Globo. Caderno Economia. p.17. 04/01/2010. 61

HARVEY, 1996, p.258.

44

um novo mercado vem ganhando espaço na construção civil. Este novo mercado voltado para as classes mais baixas está, assim como os demais, relacionado aos padrões comportamentais da pós-modernidade, que, por sua vez, refletem-se em novas concepções sobre o morar. Estes valores satisfazem (ou buscam satisfazer) os interesses do construtor, no seu anseio por lucro, e também do consumidor humilde, detentor de limitado poder de compra e consumo. Neste sentido, podemos constatar como o valor universal do morar sofre diferenciações, conforme o poder aquisitivo de seu morador e em razão de particularidades econômicas manifestas. Neste capítulo, será elaborada uma análise comparativa de objetos arquitetônicos, a fim de investigar diferentes concepções sobre o morar contemporâneo. Para isto, foram selecionadas três plantas residenciais de empreendimentos imobiliários, localizadas na mesma cidade e lançadas no mesmo período, mas voltadas a três tipos distintos de público (consumidor). Os três empreendimentos estão situados em Niterói, cidade litorânea da região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, com aproximadamente 500.000 habitantes, alocados em 52 bairros62. Em geral, nos bairros que margeiam o litoral, a população residente apresenta maior renda familiar, além de bairros com consolidadas opções de comércio, serviço e lazer. Em contrapartida, nos bairros mais afastados do litoral, onde moram as famílias de menor renda, há precariedade em serviços básicos de infra-estrutura, como saneamento, saúde e transporte. Esta situação pode ser visualizada através da análise dois mapas temáticos (da riqueza e da pobreza) produzidos pelo IBGE no último censo demográfico da cidade de Niterói, segundo a renda dos moradores por bairro:

62

Fonte: CENSO DEMOGRÁFICO IBGE 2000.

45

Neste mapa, que aponta o percentual de rendimento mensal dos chefes de família por domicílio, observa-se que, na maioria dos bairros que margeiam o litoral, o rendimento está acima de vinte salários em, no mínimo, 10% dos domicílios.

46

À medida que os bairros se distanciam do mar, o rendimento familiar tende a diminuir e, na maioria dos bairros que fazem limite com a cidade de São Gonçalo, 50% dos chefes de domicílio recebem, no máximo, três salários mínimos.

47

Conforme alerta Arlete Moysés Rodrigues: a diferenciação social entre bairros de uma mesma cidade deve-se à própria produção desigual do espaço urbano, que obedece, numa parte, ao mercado imobiliário capitalista e, noutra, às diferentes capacidades de consumo dos moradores. Apenas os que desfrutam de determinada renda ou salário conseguem morar em áreas com propriedades imóveis mais caras, em geral bem servidas de equipamentos urbanos coletivos e constituídas por outras propriedades também dotadas de conforto. Os que não podem pagar vão fixar-se nas periferias ou adjacências ou mesmo nas áreas centrais, quando “deterioradas”.63

E, por fim, excluídos do mercado imobiliário, mas ainda desconfortavelmente presentes nas cidades, situam-se os “sem teto”, que, servindo-se de precários mecanismos de instalação, sobrevivem nos mais diferentes bairros ou lugares da urbe. Este mosaico social-urbano, comum à maior parte das cidades brasileiras, existe também em Niterói. Buscou-se, por isso, determinar os objetos de análise - plantas de apartamentos - a partir de sua distribuição imobiliária na cidade, durante o ano de 2009. Através de uma pesquisa nos sites de divulgação das principais construtoras atuantes na cidade, foi possível recolher informações pertinentes à investigação. Plantas, imagens ilustrativas, valores e características dos condomínios, foram itens disponibilizados nas páginas virtuais. A utilização deste tipo de fonte permitiu que as plantas viessem acompanhadas do layout com mobiliário. Por outro lado, foi necessário aliar esta pesquisa à outra, mais específica, que pudesse revelar as rendas familiares discriminadas por bairro. Através do cotejamento entre os empreendimentos construtivos e a natureza das rendas familiares definiram-se os exemplos a serem aqui analisados. Nas tabelas a seguir, estão demarcados os resultados desta pesquisa:

63

RODRIGUES, 1997, p.12.

48

Nesta tabela podemos identificar a diferenciação de renda entre os responsáveis por domicílios particulares em Niterói, segundo o bairro em que residem. Ressaltam-se três faixas de rendimento nominal mediano mensal, nos valores até R$500,00, até R$1.000,00, ou acima dos R$2.000,00, respectivamente nos bairros: Baldeador, Fonseca e Icaraí.

49

No bairro Baldeador, em grande parte dos domicílios, o

rendimento

mensal

nominal

da

pessoa

responsável varia entre

¾e

1 salário mínimo. Já

no

rendimento

Fonseca,

o

predominante

está entre 5 e 10 salários mínimos. Em

Icaraí,

residências responsáveis

são em

comuns que

têm

os

renda

superior a 30 salários.

50

Ao observarmos a tabela que descrimina o rendimento nominal mensal dos moradores destes domicílios, confirmam-se valores muito próximos dos que estão expostos na tabela anterior.

51

É

importante frisar ainda esta

última tabela, que informa sobre o número de moradores por domicílio nos bairros de Niterói. Através dela, podemos observar que, nos bairros onde a família detém menor poder aquisitivo, a média de moradores por domicílio é maior do que nos bairros

onde

as

famílias

têm

melhores condições financeiras. Estes dados são essenciais para avaliar

as

plantas

dos

apartamentos, na relação entre a área da moradia por número de moradores, conforme a situação do bairro

em

que

se

situa

o

empreendimento. Além disso, este quadro expressa a tendência,



apontada,

de

decréscimo

na

composição

da

família contemporânea.

52

A partir dos lançamentos imobiliários de apartamentos pesquisados, foram selecionados três bairros ocupados, respectivamente, por três classes de renda diferentes - Baldeador, Fonseca e Icaraí - segundo a perspectiva da segregação espacial, que se desdobra na desigualdade dos espaços de moradia. Assim, os empreendimentos selecionados para analise foram: RESIDENCIAL PARQUE ARBORIS Baldeador Informações sobre o empreendimento: - Apartamentos de 1, 2 e 3 quartos c/ opção de coberturas duplex - Área Gramada; Churrasqueira; Espaço Zen; Playground; Quadra Esportiva; Piscina; Salão de Festas - Fácil acesso ao centro de Niterói e à ponte Rio Niterói - Unidades a partir de R$ 73.000,00. – Opção de financiamento: Caixa Econômica Federal - Construtora: Tenda Imagens Ilustrativas: FACHADA

Fonte: www.tenda.com em 10/01/2010

PLAYGROUND

53

RESERVA FONSECA Fonseca Informações sobre o empreendimento: - Apartamentos de 2 e 3 quartos e coberturas, com suíte, varanda e vaga de garagem - Estrutura completa de lazer com Piscina, Churrasqueira, Quadra de Esporte, Salão de Festas e Sauna. - Localização com todo comércio e serviços próximos, como bancos, supermercados, hospitais, academias, salões de beleza e colégios; bem como a farta condução, e acesso ao Rio de Janeiro e Icaraí. - Unidades a partir de R$ 105.000,00 - Opção de financiamento junto à construtora - Construtora: RJZ Cyrela Imagens Ilustrativas:

FACHADA

FITNESS

Fonte: www.niteroi.olx.com.br em 10/01/2010

54

SALA DE REPOUSO

SALÃO DE FESTAS

BRINQUEDOTECA

LAN HOUSE

Fonte: www.niteroi.olx.com.br em 10/01/2010

55

TERRAZAS Icaraí Informações sobre o empreendimento: - Apartamentos com 4 suítes, 3 suítes e coberturas dupléx e lineares. 2 ou 3 vagas de garagem. Hall social exclusivo para cada um ou dois apartamentos - Piscina Adulto e Infantil, Deck Molhado e Hidro; Fitness; Saunas Seca e a Vapor e Repouso; Salão de Festas Gourmet; Espaço Pizza; Home Cine; Lan House; Salão de Jogos; Play Coberto; Brinquedoteca; Tecnologia e Segurança; Consciência Ambiental; - Ao lado do Campo de São Bento, da praia e dos melhores serviços e comércio, o seu endereço está no ponto central de Icaraí; - Unidades a partir de R$ 598.000,00 - Construtora: Pinto de Almeida Imagens Ilustrativas: FACHADA

Fonte: www.pintodealmeida.com.br em 10/01/2010

FITNESS

56

SAUNAS SECA E A VAPOR E REPOUSO

SALÃO DE FESTAS GOURMET

ESPAÇO PIZZA

SALÃO DE JOGOS

LAN HOUSE

HOME CINE

Fonte: www.pintodealmeida.com.br em 10/01/2010

57

Como já citado no Memorial Justificativo deste trabalho, o método de análise do objeto foi definido após uma investigação entre trabalhos científicos já realizados sobre o tema. Em pesquisa à biblioteca digital de teses e dissertações da Universidade São Paulo, chamou atenção o trabalho relacionado ao Nomads - Núcleo de Estudos de Habitares Interativos - por desenvolver procedimentos metodológicos interessados na análise de peças gráficas de apartamentos. Este trabalho, embora voltado para análise de apartamentos populares, sugere procedimentos passíveis de serem aplicados a diferentes tipos de moradia, baseando-se em trabalhos de outros pesquisadores reconhecidos pela comunidade acadêmica que já desenvolveram a metodologia sugerida. Esta pesquisa contou com o suporte dos métodos já desenvolvidos pelos pesquisadores: Dr. Douglas Queiroz Brandão (UFMT) – que avaliou projetos de apartamentos brasileiros produzidos pela iniciativa privada para a classe média; Dr. João Branco Pedro (LNEC, Portugal) – que avaliou projetos e obras construídas em Portugal; Dra. Sheila Ornstein (FAU USP) – que trabalha com avaliação Pós-Ocupação; e pelos Drs. Ricardo Martucci e Ademir Basso – que avaliam casas de interesse social em pesquisas de campo64. Seus métodos foram sistematizados nesta monografia com a seguinte tabela65:

Espacialidade: Tamanho

64 65

Método

Método

Método

Método

Brandão

Pedro

Ornstein

Nartucci- Basso

- aspectos que indiquem

- capacidade das

- se os cômodos atingem

- verifica se o programa

o grau de flexibilidade do

habitações comportarem

as exigências mínimas

proposto por cada

apartamento;

o número de moradores

de área especificada pela

empresa construtora

- tamanho do

determinado pela sua

legislação formulada pela

atende às necessidades

apartamento;

lotação;

Secretaria de Habitação

dos moradores;

- conforto do

- acesso dos deficientes

e Desenvolvimento

- acesso dos deficientes

apartamento;

físicos.

Urbano da Prefeitura de

físicos

- Não avalia o acesso

São Paulo;

dos deficientes físicos;

- acesso dos deficientes

SOUZA, 2007, p.63-66. Tabela extraída de: SOUZA, p.99-101.

58

- Cômodos específicos;

físicos

- Hierarquia entre os cômodos.

Espacialidade: Relações

Espacialidade: Forma dos cômodos

- relação entre os setores

- organização espacial;

- relação entre os

- relação entre os

social, íntimo e de

- relação entre os

cômodos;

cômodos;

serviços,

cômodos;

- relação entre tamanho

relação entre tamanho

- se há relação direta ou

- relação entre cômodos

dos cômodos e a

dos cômodos e a

não entre os cômodos;

e acessos;

densidade ocupacional

densidade ocupacional

- acesso ao apartamento

- acesso ao apartamento

dos mesmos.

dos mesmos.

- forma dos cômodos,

- não explicita claramente

- não explicitam

- não explicita claramente

tendo como base as

se realizam e como

claramente se realizam e

se realiza e como realiza

interfaces entre os

realiza esse tipo de

como realiza esse tipo de

esse tipo de avaliação.

setores;

avaliação.

avaliação.

- não explicita claramente

- capacidade da

- relação existente entre

- tamanho e instalação

se realiza e como realiza

habitação de comportar o

área útil da habitação e o

do mobiliário e dos

esse tipo de avaliação.

mobiliário e os

mobiliário e os

equipamentos

equipamentos;

equipamentos

- não explicita claramente

- não explicita claramente

- não explicita claramente

- não explicita claramente

se realiza e como realiza

se realiza e como realiza

se realiza e como realiza

se realiza e como realiza

esse tipo de avaliação.

esse tipo de avaliação.

esse tipo de avaliação.

esse tipo de avaliação.

- presença de divisórias

- possibilidade das

- satisfação dos usuários

- possibilidade de

internas não-portantes e

habitações permitirem

quanto à utilização dos

espaços para atividades

removíveis;

aos usuários a realização

espaços nas habitações.

comerciais.

- ausência de colunas ou,

de usos múltiplos nos

- a forma da suíte principal e a forma da cozinha.

Espacialidade: Mobiliário e equipamentos Espacialidade: Mídias

Espacialidade: Flexibilidade

59

preferencialmente,

espaços;

grandes vãos entre

- relação entre os

elementos e vedos

cômodos e possibilidade

portantes;

de união ou separados

- marginalização da área

dos mesmos.

úmida e das instalações de serviços em relação à seca - localização das portas e das janelas; - existência de mais de um ambiente na sala; - presença ou não de parede contígua paralela à sala; - parede com aberturas (cozinha americana); - existência de despensa na cozinha; - possibilidade de transformação do banheiro em suíte ou vice-versa; - quartos com função bem definida ou não e suas localizações; - a área de serviço, as

60

sacadas e as varandas não são avaliadas.

Comportamentos: Usos dos espaços

- não explicita claramente

- se as habitações

- características sócio-

- satisfação dos usuários

se realiza e como realiza

proporcionam aos

culturais e econômicas

em relação à casa que foi

esse tipo de avaliação.

usuários condições

dos moradores;

entregue;

adequadas para o

- satisfação dos

- aspirações dos

desenvolvimento das

moradores quanto à

moradores em relação à

funções nas habitações;

qualidade das habitações

qualificação dos

- localização, dimensão e

(segurança, proteção,

ambientes;

mobiliário existentes nos

interação social,

- possibilidade de

espaços de tratamento

vizinhança etc.)

alterações nas unidades.

de roupa; - dimensionamento, localização e distância entre os equipamentos sanitários, nos espaços destinados à higiene pessoal; - se as habitações permitem aos usuários realizar intervenções no sentido de personalizálas e identificá-las.

61

Além destes métodos, foi preciso desenvolver também um novo procedimento, que atendesse aos interesses específicos deste trabalho, com categorias e critérios que possibilitassem a análise comparativa entre os apartamentos e elucidassem as diferentes soluções projetuais adotadas para os empreendimentos. No quadro a seguir serão apresentados os principais aspectos a serem analisados: CATEGORIA

ANÁLISE

Tamanho

do apartamento e dos cômodos

Relações

entre as áreas internas e externas

Formas

dos cômodos

Mobiliário

presença ou ausência - layout

Equipamentos

presença ou ausência - layout

Usos

Possibilidades

Flexibilidade

adaptação aos usos

O critério utilizado será sempre o da comparação entre as três plantas. A análise foi feita por áreas, de acordo com usos predominantes no apartamento: - Estar e Convívio: Sala de Estar e Jantar - Descanso e Privacidade66: Quartos - Higiene: Banheiros - Serviços: Cozinha e Área de Serviço

66

No caso do apartamento do Ed. Terrazas, o quarto de empregada será considerado conforme a especificação do empreendimento, como pertencente à área de serviço, assim como o W.C.

62

Plantas Selecionadas: A fim de estabelecer um critério de identidade entre os apartamentos, todas as opções selecionadas são de três dormitórios. RESIDENCIAL PARQUE ARBORIS: Área: 55,28m²

Fonte: www.tenda.com em 10/01/2010

63

RESERVA FONSECA: Área: 61,00 m²

Fonte: www.niteroi.olx.com.br em 10/01/2010

64

TERRAZAS: Área: 115,72m²

Fonte: www.pintodealmeida.com.br em 10/01/2010

65

Estar e Convívio Em todos os apartamentos, as áreas de estar e convívio – sala de estar e de jantar – são conjugadas, sem qualquer elemento divisório construído entre elas. Esta característica pode estar relacionada à redução dos espaços das moradias, o que não permite que estes cômodos estejam separados. Além da área total destinada a esses usos, nem sempre ser suficiente para atender às exigências dos códigos de obras no que definem como área mínima para cada compartimento em separado, há também o fato da iluminação e da ventilação de ambos, na maioria das vezes, serem garantidas através de um mesmo vão. A fusão das duas áreas as transforma no “cômodo” principal, onde se localiza o principal acesso ao imóvel e por onde se faz a distribuição para os demais cômodos. Ou seja, se transforma em um cômodo “conector”. Esta área passa a ser o lugar onde tendem a ocorrer as relações de convívio, familiar e a recepção de visitas. A instalação de equipamentos de informação e comunicação (televisão, telefone, etc) se dá prioritariamente, na sala, - embora modificações comportamentais e familiares venham redistribuindo esses equipamentos por outros cômodos da casa. Igualmente é importante perceber que, embora a disposição e formato sejam quase os mesmos nos apartamentos aqui analisados, o valor do apartamento determina a quantidade de equipamentos e mobiliário que são representados nas plantas nos folhetos e sites de venda. Quanto menor o valor, menos móveis: um sofá, uma poltrona, um rack e uma mesa de quatro lugares com aparato. No imóvel de valor intermediário: uma mesa de canto e a mesa de jantar com seis lugares. No de mais alto padrão: uma mesa de canto, uma poltrona e uma mesa com oito lugares, além de vaso de plantas complementares.

66

varanda, além de uma “necessidade” comum aos empreendimentos, é um fator de distinção entre eles, principalmente porque pode ser vista de fora, e sua presença, maior ou menor, representa, juntamente com as demais características externas do edifício, o status de seus moradores.

PARQUE ARBORIS

A forma do cômodo é semelhante em todos os casos (L). Entretanto, a

A varanda pode ser um pequeno recuo na fachada, ou em balanço ampliando os limites da sala. De acordo com suas dimensões, ganha maior ou menor destaque, recebe mobiliário, como vasos de plantas, poltronas, mesas, ou até mesmo churrasqueira, como no caso do edifício Terrazas.

RESERVA FONSECA

TERRAZAS 67

Descanso e Privacidade Os quartos são lugares da moradia destinadas ao descanso e privacidade. Nos casos estudados, não apresentam comparativamente grande diferenciação em área e localização. O acesso se dá sempre através da circulação social, ligando a sala aos quartos e banheiros, o que garante privacidade aos moradores. Por outro lado, podemos observar certa hierarquia entre os dormitórios da mesma unidade. O de maior área é destinado ao casal e, no caso dos apartamentos do Ed. Reserva Fonseca e Parque Arboris, ocorre, ainda, diferença entre os quartos de solteiro: um deles é maior, representado com duas camas; o outro, menor, individual. Já no caso do apartamento do Ed. Terrazas, os dois quartos de solteiro são representados como individuais. Esta constatação leva a refletir sobre diversos aspectos. O primeiro está relacionado ao número de habitantes por família e, a redução nos espaços totais da moradia. Quando o apartamento é popular, estaria, em principio, destinado a maior número de moradores67 – o contrário do que ocorre com os imóveis destinados a moradores de maior renda – e, considerando que em todos os apartamentos o número e as áreas dos quartos são semelhantes, observamos que não são levadas em conta as características familiares, sobretudo nos imóveis populares, quando a área privativa por habitante é menor. Outro aspecto importante reside no suporte físico oferecido, na moradia em geral, e, especificamente nos quartos, pelo mobiliário e equipamentos previstos em planta. Nas unidades do Ed. Reserva Fonseca e Parque Arboris, eles parecem não suprir tantas funções como verificamos na terceira unidade, onde os dormitórios não estão preparados para propiciar a união entre descanso, estudo, lazer e convívio, atividades aparentemente comuns na rotina das famílias de classe média.

67

Ver tabela na p.53.

68

O mobiliário comum a todos é composto de guarda-roupas, cama, quase sempre acompanhada de criado mudo, e, em poucos casos, pequena mesa para estudos. Somente no apartamento do Ed.Terrazas verifica-se a presença de mesa em todos os quartos e, no quarto do casal, há um aparato para receber televisão e demais equipamentos, Ainda sobre o mobiliário, é interessante reparar que em todos os quartos de solteiro, os móveis estão postos junto à parede, com

TERRAZAS

RESERVA FONSECA

limitadas possibilidades de arranjo.

PARQUE ARBORIS

além de uma área específica para o closet.

69

Higiene O lugar da higiene familiar é o banheiro. Sua área e disposição em planta dos equipamentos são bastante semelhantes nos três imóveis analisados. A área é sempre a mínima possível, provavelmente dentro dos limites do código de obras e, seu uso está imitado às funções básicas, mesmo no apartamento voltado à família de maior renda, onde se verifica a tendência de utilização do banheiro como área de relaxamento, com a instalação de banheira68. Os equipamentos restringem-se a boxe com chuveiro, vaso sanitário (todos com caixa acoplada) e pia. Ressalte-se a forma de representação das pias: no caso dos apartamentos de menor custo, estas são representadas apenas pela bacia, e, no outro, pela bancada, aparentemente em granito. A localização dos banheiros, em planta, também merece atenção. Em geral, dividem a parede hidráulica com outra área molhada, como a área de serviço, ou a cozinha, tornando mais fácil e econômica a instalação da tubulação de água. Quando contíguos aos quartos, podem se transformar em suítes, como no Ed. Parque Arboris. Nele, o outro banheiro encontra-se próximo ao acesso do apartamento, reduzindo o grau de privacidade do usuário. Nos outros dois apartamentos, os banheiros sociais estão localizados na circulação interna e próximos aos quartos. Como um diferencial, um dos banheiros do apartamento do Ed. Terrazas, recebeu um claro estudo de reorganização interna dos equipamentos, deslocando a bancada de pia, de modo que permitisse abertura para dois quartos de solteiro, transformando-os em duas suítes. Por fim, é relevante o fato de que a oferta de menor numero de banheiros nos apartamentos do Parque Arboris parece corresponder exatamente à moradia de famílias mais numerosas dos que as dos outros dois imóveis. .

68

Neste caso, o morador precisaria utilizar equipamentos oferecidos pelo mercado, como, por exemplo, a sauna vertical que funciona como uma espécie de cortina em torno de um chuveiro especial, que cabe em qualquer lugar.

70

PARQUE ARBORIS

TERRAZAS

RESERVA FONSECA

71

Serviços A cozinha e a área de serviço são os lugares de realização da maior parte dos serviços domésticos. Para Carlos Lemos, algumas de suas funções são: estocagem de gêneros alimentícios e de limpeza; trabalho culinário; refeições; lavagem e limpeza de utensílios de cozinha e equipamentos afins às refeições; lavagem de roupas usadas; passagem a ferro de roupas, etc.69 Nos três apartamentos analisados, fica claro o uso da solução espacial que conjugam, em continuidade, a cozinha e a área de serviço. Como nas salas, essa conjugação, sem qualquer limite construído entre elas, facilita a iluminação e ventilação através de um único vão. No que diz respeito ao dimensionamento e organização das cozinhas, elas são, via de regra retangulares. No Ed Terrazas pode ser chamada de copa-cozinha, na media em que comporta uma banca para refeições, geladeira com duas portas, fogão de seis bocas e ampla bancada de pia. Nos outros dois as dimensões previstas não permitem mais do que a representação de fogão com quatro bocas, uma geladeira e pia. O lugar de refeições, nestes dois últimos, seria a mesa da sala, sempre representada nos folhetos publicitários. Ficando a cozinha restrita a uma preparação, que se poderia chamar de sumária, dos alimentos. A distribuição dos cômodos em planta, de modo a dar contigüidade entre salas e cozinha e a redução crescente das dimensões dos diversos cômodos parece consolidar, como uma tendência, a abertura das paredes entre cozinha e sala, onde há unindo-as através de balcão no estilo “cozinha americana”. Esta solução foi adotada no apartamento do Ed. Reserva Fonseca. Por sua posição e disposição, também se torna viável para os moradores, no Ed. Terrazas.

69

LEMOS,Carlos A. C. Cozinhas, etc. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1976, p.15-16.

72

Nas áreas de serviço, os equipamentos previstos são idênticos (tanque e máquina de lavar), tudo no menor espaço possível. Somente no caso do Ed.Terrazas, esta área ganha diferenciação, ao apresentar W.C e quarto de empregada, aumentando o número de banheiros na moradia e a possibilidade de transformação do quarto em despensa ou escritório. Este edifício também é o único que apresenta uma segunda opção de entrada no apartamento, pela cozinha, o que pode segmentar o fluxo mas também segregar o acesso.

RESERVA FONSECA

PARQUE ARBORIS

TERRAZAS 73

Embora não tenha sido o objetivo deste trabalho apresentar resultados específicos, e sim pontos de vista em relação à situação da arquitetura, acreditamos ter chegado ao seu final com apontamentos importantes sobre a produção de habitações multifamiliares contemporâneas. O trabalho foi realizado segundo três etapas distintas: na primeira teceram-se conceituações sobre o papel do arquiteto, sua formação e suas possibilidades de atuação. Em seguida, fez-se a análise do morar, cotejando a função universal da moradia aos novos valores mercadológicos, determinantes para o entendimento da relação entre profissão, cliente e produto (arquiteto, morador e moradia). Por fim, o estudo da moradia condensou-se num ensaio comparativo entre apartamentos de empreendimentos imobiliários lançados em Niterói durante o ano de 2009, em três diferentes bairros da cidade. No primeiro capítulo, estruturado com base nos conceitos de Vilanova Artigas, Carlos Lemos, Sérgio Ferro e Paulo Bicca, argumentou-se que a profissão arquiteto encontra-se segregada entre trabalho intelectual e manual e segmentada em seus conhecimentos. No segundo capítulo, foram discutidos os novos perfis comportamentais, que refletem as transformações do cotidiano e das relações sociais, segundo a ordem instaurada a partir de 1970. Verificou-se que estas transformações se estenderam também às novas formas de morar, através da mutação dos valores universais da moradia em tendências mercadológicas e simbólicas próprias do sistema econômico vigente, que exulta valores tais como individualidade, consumismo e distinção. 74

No último capítulo, tratou-se especificamente da concepção arquitetônica da moradia, enxergando-a como um produto da atuação do arquiteto, refletindo valores sociais vigentes. Analisando os três apartamentos produzidos para distintos estratos sociais – considerados a partir de diferenciações de renda familiar e localização urbana – foi possível apontar como arranjos dos espaços arquitetônicos variaram em função das faixas de renda dos potenciais consumidores e dos conseqüentes valores sociais. A tentativa foi, então, evidenciar a diferença dos projetos arquitetônicos para apartamentos destinados à consumidores de três estratos econômicos sociais, revelando nas diferentes propostas arquitetônicas a incorporação de aparentes diferenças também de expectativas, gostos, costumes e até necessidades. Ou seja, visualizar como o arquiteto projeta moradias tão diferentes, ainda que as necessidades do morar - universais e atemporais - sejam as mesmas. Portanto, o arquiteto, como profissional capaz de captar as necessidades humanas e transformá-las em orientação para os seus projetos de organização dos espaços, precisa compreender os valores econômicos e sociais que têm determinado comportamentos e modos de vida. Somente a partir deste reconhecimento, torna-se possível a opção consciente pela resistência ou pelo endosso às concepções arquitetônicas vigentes. Entretanto, assim como o morar em tempos atuais encontra-se “desfigurado” de suas funções universais e atemporais estando cada vez mais relacionado a valores de mercado, individuais e superficiais - as relações profissionais têm sido pautadas pela setorização e segmentação do conhecimento, o que, também no caso do arquiteto, determina uma atuação fragmentada, descontextualizada da realidade assistida - a serviço da manutenção de sua própria dominação. O trabalho profissional perde sua vertente criadora, fruto da interdisciplinaridade, livre para ser utilizada e vivenciada, para tornar-se, apenas, mercadoria.

75

Acredito que o trabalho possa ter sido ponto de partida para alimentar reflexões futuras, mais densas, a respeito da relação entre produção e apropriação dos espaços, em particular a moradia, e do papel social do arquiteto, em seu enfrentamento ou subjugação à lógica do mercado. “Cada um dos novos arquitetos terá que se defrontar com as naturais angústias e incertezas que caracterizam todo início de uma nova etapa em nossas vidas. Também sei que a complexidade de nossa profissão, envolvendo simultaneamente questões de ordem social, econômica, técnica e artística, torna-a vulnerável que as demais aos efeitos das mudanças vertiginosas por que passa o mundo tecnológico de hoje. E sei que a situação fica mais crítica em um país tão grande, tão cobiçado e com tantos problemas sociais como o Brasil, agravados pela globalização que estimula esta competição perversa selecionando os ricos e poderosos e pouco se importando em criar os enormes contingentes dos sem terra, dos sem teto, dos sem emprego, dos sem amor, dos sem esperança”. (João Figueiras Lima )70

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Apud: DUAYER, J. F.: Nós da Arquitetura, trabalho final de Graduação, apresentado no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, Niterói: 2º período letivo de 2008, p.4.

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Fábula de um arquiteto João Cabral de Mello Neto

A arquitetura como construir portas de abrir; ou como construir o aberto; construir, não como ilhar e prender, nem construir como fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casas exclusivamente portas e teto. O arquiteto: o que abre para o homem (tudo se sanearia desde casas abertas) portas por-onde, jamais portas-contra; por onde, livres: ar luz razão certa. 2. Até que, tantos livres o amedrontando, renegou dar a viver no claro e aberto. Onde vãos de abrir, ele foi amurando opacos de fechar; onde vidro, concreto; até refechar o homem: na capela útero, com confortos de matriz, outra vez feto.

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”O dia em que a vida for mais humana, mais solidária, aí sim os prédios vão ter um feitio diferente.” (Oscar Niemeyer)

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